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Efeitos do Programa Mais Médicos na Atenção Primária e seus impactos na saúde: uma revisão sistemática

Effects of the Mais Médicos Program on Primary Health Care and its impacts on health: a systematic review

Efectos del Programa Más Médicos en la Atención Primaria y sus impactos en la salud: una revisión sistemática

Resumo

A distribuição de médicos no Brasil é marcada por desigualdades, prejudicando o acesso integral e universal à saúde, base do Sistema Único de Saúde. O Programa Mais Médicos atingiu o auge do provimento emergencial em 2016, com 18.088 médicos em 4.509 municípios, uma das maiores intervenções desse tipo no mundo. Realizou-se uma revisão sistemática para reunir evidências dos efeitos do Programa na Atenção Primária à Saúde e impactos na saúde da população atendida. Extraíram-se 570 estudos, e a seleção final incluiu 32 artigos. Quanto aos efeitos do Programa, verificaram-se rápida expansão na cobertura e melhoria na integralidade e humanização da Atenção Primária à Saúde e impacto significativo nas internações por condições sensíveis a essa atenção, reduzindo aproximadamente 23 mil internações em três anos e poupando R$ 30 milhões para o Sistema Único de Saúde. Identificaram-se também pontos prejudiciais ao impacto potencial do Programa: desvios na focalização, mudanças nos critérios de prioridade e substituição indevida de médicos já contratados por outros do Programa Mais Médicos, além da ruptura causada pela saída de 8.500 médicos cubanos em novembro de 2018. Estima-se que o relançamento do Programa em 2023, sobretudo com base em evidências já existentes, promoverá a continuidade dos seus progressos.

Palavras-chave
Programa Mais Médicos; atenção primária à saúde; revisão sistemática; distribuição de médicos; sistemas de saúde

Abstract

The distribution of doctors in Brazil is marked by inequalities, impairing integral and universal access to health, the basis of the Unified Health System. The Mais Médicos Program reached the peak of emergency provision in 2016, with 18,088 doctors in 4,509 municipalities, one of the most significant interventions of its kind in the world. A systematic review was conducted to gather evidence of the Program’s effects on Primary Health Care and impacts on the health of the population served. 570 studies were extracted, and the final selection included 32 articles. Regarding the effects of the Program, there was a rapid expansion in coverage and improvement in the comprehensiveness and humanization of Primary Health Care and a significant impact on hospitalizations due to conditions sensitive to this care, reducing approximately 23,000 hospitalizations in three years and saving R$30 million for the Unified Health System. Points that were detrimental to the potential impact of the Program were also identified: deviations in focus, changes in priority criteria, and improper replacement of doctors already hired by others from the Mais Médicos Program, in addition to the rupture caused by the departure of 8,500 Cuban doctors in November 2018. It is estimated that the relaunch of the Program in 2023, mainly based on existing evidence, will promote the continuity of its progress.

Keywords
Mais Médicos Program; primary health care; systematic review; distribution of physicians; health systems

Resumen

La distribución de médicos en Brasil se caracteriza por las desigualdades, lo que perjudica el acceso pleno y universal a la asistencia sanitaria, base del Sistema Único de Salud. El Programa Más Médicos ha alcanzado el pico de prestación de emergencia en 2016, con 18.088 médicos en 4.509 municipios, una de las mayores intervenciones de este tipo en el mundo. Se llevó a cabo una revisión sistemática para reunir pruebas de los efectos del Programa de Atención Primaria y su repercusión en la salud de la población beneficiada. Se extrajeron 570 estudios y la selección final incluyó 32 artículos. En cuanto a los efectos del Programa, hubo una rápida expansión de la cobertura y una mejora de la integralidad y humanización de la Atención Primaria de Salud y un impacto significativo en las hospitalizaciones por afecciones sensibles a esta atención, reduciendo aproximadamente 23.000 hospitalizaciones en tres años y ahorrando 30 millones de reales al Sistema Único de Salud. Además, se identificaron puntos que perjudicaron el impacto potencial del Programa: desviaciones en la focalización, cambios en los criterios de prioridad y sustitución indebida de médicos ya contratados por otros del Programa Mais Médicos, así como la ruptura causada por la salida de 8.500 médicos cubanos en noviembre de 2018. Se estima que el relanzamiento del Programa en 2023, especialmente sobre la base de la evidencia existente, promoverá su progreso continuo.

Palabras clave
Programa Más Médicos; atención primaria de salud; revisión sistemática; distribución de médicos; sistemas de salud

Introdução

A determinação social da saúde afeta diretamente a qualidade de vida dos indivíduos e das coletividades que, por sua vez, pode ser modulada por políticas sociais, econômicas, culturais e ambientais, bem como pelo modelo político adotado. A garantia do direito à saúde representa o compromisso com a justiça social da nação e revela como o país busca promover direitos sociais com equidade entre os distintos grupos da sociedade, principalmente aqueles em situação de desigualdade acentuada (Brasil, 1988 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 maio 2024.
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; Carrapato, Correia e Garcia, 2017 CARRAPATO, Pedro; CORREIA, Pedro; GARCIA, Bruno. Determinante da saúde no Brasil: a procura da equidade na saúde. Saúde & Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 3, p. 676-689, jul./set. 2017. https://doi org/10.1590/S0104-12902017170304 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/PyjhWH9gB P96Wqsr9M5TxJs/?lang=pt. Acesso em: 1 maio 2024.
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).

Compreende-se que as condições sociais constituem a base do padrão sanitário de um povo, assim como a posição social de cada indivíduo dentro da sociedade irá determinar a sua própria saúde. Historicamente, foi possível observar que quem mais sofreu os efeitos negativos das principais crises sanitárias ocorridas foram os grupos com as piores condições sociais de vida (Fleury-Teixeira, 2009 FLEURY-TEIXEIRA, Paulo. Uma introdução conceitual à determinação social da saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 83, p. 380-389, set./dez. 2009. https://doi.org/10.5935/0103-1104.20140082 . Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406345800005. Acesso em: 1 maio 2024.
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).

É essencial formular e implementar políticas públicas de saúde que considerem as especificidades dos diferentes grupos de indivíduos em face dos seus direitos (Braveman e Gruskin, 2003 BRAVEMAN, Paula; GRUSKIN, Sofia. Defining equity in health. Journal of Epidemiology and Community Health, Londres, v. 57, n. 4, p. 254-258, 2003. https://doi.org/10.1136/jech.57.4.254 . Disponível em: https://jech.bmj.com/content/57/4/254 . Acesso em: 1 maio 2024.
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). A oferta de

serviços de saúde de acesso universal constitui fator essencial na determinação social da saúde, além de ser uma garantia constitucional (Brasil, 1988 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 maio 2024.
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). E, sob essa perspectiva, ganha importância a capacidade de oferta suficiente de profissionais de saúde para viabilizar a atenção ao cuidado.

No Brasil, áreas rurais, remotas e periferias de grandes centros urbanos, marcados por fortes desigualdades sociais, encontram muita dificuldade de prover profissionais para o trabalho em saúde, sobretudo médicos (Campos, Machado e Girardi, 2009 CAMPOS, Francisco E.; MACHADO, Maria H.; GIRARDI, Sábado N. A fixação de profissionais de saúde em regiões de necessidades. Divulgação em Saúde para Debate, Londrina, v. 44, p. 13-24, maio 2009. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-520437 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
).

A distribuição de médicos reproduz a marca das diferentes e enormes desigualdades regionais. Trata-se de uma limitação objetiva na promoção da universalização do direito à saúde, conforme os imperativos do Sistema Único da Saúde (SUS), criado pela Constituição Federal de 1988, cujas diretrizes se apoiam na universalização, integralidade e equidade (Brasil, 1988 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 maio 2024.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
; Scheffer, 2013 SCHEFFER, Mário (Coord.). Demografia Médica no Brasil: Cenários e indicadores de distribuição. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; Conselho Federal de Medicina, 2013. v. 2. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2023/06/1436678/issue-db1915052d15f7815c8b88e879465a1e.pdf . Acesso em: 1 maio 2024.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2023/...
).

O estudo Demografia médica no Brasil: cenários e indicadores de distribuição (Scheffer, 2013 SCHEFFER, Mário (Coord.). Demografia Médica no Brasil: Cenários e indicadores de distribuição. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; Conselho Federal de Medicina, 2013. v. 2. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2023/06/1436678/issue-db1915052d15f7815c8b88e879465a1e.pdf . Acesso em: 1 maio 2024.
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) demonstrou a concentração de médicos no setor privado e classificou as regiões brasileiras segundo a maior razão de médicos por mil habitantes que prestavam serviços ao SUS: Sudeste (1,35/mil hab.); Sul (1,21/mil hab.), Centro-Oeste (1,13/mil hab.), Nordeste (0,83/mil hab.) e Norte (0,66/mil hab.). Segundo o mesmo estudo, o Brasil em 2013 apresentava densidade de 1,85, cifra baixa se comparada ao Canadá (em 2015, 2,54), ao Reino Unido (em 2016, 2,83) e à Austrália (em 2015, 3,50) (World Health Organization, 2018WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Density of physicians (total number per 1000 population). The Global Health Observatory, Genebra, 2018. Disponível em: https://www.who.int/data/gho/indicator-metadata-registry/imr-details/112. Acesso em: 28 nov. 2018. ). Para fins de comparação internacional, o parâmetro usado foi de no mínimo um médico a cada mil habitantes. Em 2013, apenas 823 municípios brasileiros apresentavam um ou mais médicos por mil habitantes e, por outro lado, em 374 municípios havia menos de 0,1 médico por mil habitantes (Scheffer, 2013 SCHEFFER, Mário (Coord.). Demografia Médica no Brasil: Cenários e indicadores de distribuição. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; Conselho Federal de Medicina, 2013. v. 2. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2023/06/1436678/issue-db1915052d15f7815c8b88e879465a1e.pdf . Acesso em: 1 maio 2024.
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). O diagnóstico situacional demonstrou notadamente onde se encontravam os vazios assistenciais, compreendendo nova evidência das desigualdades regionais do Brasil. Devido ao agravamento dessa situação, houve uma articulação política reivindicatória da Frente Nacional de Prefeitos com a Presidência da República, mediada pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), que se somou às fatídicas manifestações de junho de 2013 (Oliveira, Sanchez e Santos, 2016 OLIVEIRA, João P. A.; SANCHEZ, Mauro N.; SANTOS, Leonor M. P. O Programa Mais Médicos: provimento de médicos em municípios brasileiros prioritários entre 2013 e 2014. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2.719-2.727, set. 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.17702016 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/WZJJgdkdKWxTnndRrLgBpFJ/?lang=pt . Acesso em: 1 maio 2024.
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).

Nesse contexto, o governo federal instituiu o Programa Mais Médicos (PMM) por medida provisória, em julho de 2013, convalidado por meio da lei n. 12.871, de 22 de outubro de 2013 (Brasil, 2013 BRASIL. Lei n. 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as leis n. 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e n. 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2013/lei/l12871.htm. Acesso em: 1 maio 2024.
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). O Programa foi concebido para atuar em três eixos: infraestrutura, envolvendo reforma e construção das unidades básicas para garantir a estrutura necessária; readequação e expansão da formação médica por meio de novas diretrizes curriculares, além de aumentar, descentralizar e interiorizar a oferta de vagas em cursos de Medicina; e provimento emergencial de médicos para suprir a demanda imediata em municípios prioritários (Santos et al., 2019 SANTOS, Wallace et al. Avaliação do Programa Mais Médicos: relato de experiência. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 43, n. 120, p. 256-268, jan./mar. 2019. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912019 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/MQMcCdh3qvwpqKQw4vStYqr/. Acesso em: 1 maio 2024.
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).

Entre 2013 e 2017, ao todo o PMM contratou 35.060 médicos em atividade nos territórios, sendo 72,8% estrangeiros. O auge do provimento emergencial aconteceu em 2016, quando havia 18.088 médicos atuando em 4.509 municípios (Hone et al., 2020 HONE, Thomas et al. Impact of the Programa Mais médicos (more doctors Programme) on primary care doctor supply and amenable mortality: quasi-experimental study of 5565 Brazilian municipalities. BMC Health Services Research, Londres, v. 20, set. 2020. https://doi.org/10.1186/s12913-020-05716-2 . Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7491024/. Acesso em: 1 maio 2024.
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), o que pode ser considerada a maior e mais duradoura intervenção desse tipo no mundo (Santos et al., 2018 SANTOS, Leonor M. P. et al. The end of Brazil’s More Doctors programme?: Those in greatest need will be hit hardest. BMJ Global Health, Londres, n. 363, k5247, dez. 2018. https://doi.org/10.1136/bmj.k5247 . Disponível em: https://spiral.imperial.ac.uk/handle/10044/1/65620 . Acesso em: 1 maio 2024.
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). No entanto, em 14 de novembro de 2018, interrompeu-se a cooperação técnica existente entre Brasil e Cuba que, por intermédio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), viabilizava a atuação de boa parte dos médicos estrangeiros no PMM. Essa foi uma resposta do governo de Cuba a inúmeras declarações do então presidente eleito, que questionava a qualificação dos médicos cubanos. Rapidamente, deixaram o país cerca de 8.500 médicos estrangeiros cooperados envolvidos na cobertura à saúde de 29 milhões de brasileiros residentes nos locais mais vulneráveis do país, além de indígenas dos 34 Distritos Sanitários Especiais (Santos et al., 2018 SANTOS, Leonor M. P. et al. The end of Brazil’s More Doctors programme?: Those in greatest need will be hit hardest. BMJ Global Health, Londres, n. 363, k5247, dez. 2018. https://doi.org/10.1136/bmj.k5247 . Disponível em: https://spiral.imperial.ac.uk/handle/10044/1/65620 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1136/bmj.k5247...
; Santos et al., 2019 SANTOS, Wallace et al. Avaliação do Programa Mais Médicos: relato de experiência. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 43, n. 120, p. 256-268, jan./mar. 2019. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912019 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/MQMcCdh3qvwpqKQw4vStYqr/. Acesso em: 1 maio 2024.
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).

Desde então, lançaram-se diversos editais de seleção de médicos para o PMM, mas sem muito sucesso, uma vez que em abril de 2019 ainda havia quase 2 mil vagas não preenchidas (Maffioli et al., 2019 MAFFIOLI, Elisa M. et al. Addressing inequalities in medical workforce distribution: evidence from a quasi-experimental study in Brazil. BMJ Global Health, Londres, v. 4, n. 6, e001827, nov. 2019. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-001827 . Disponível em: https://gh.bmj.com/content/4/6/e001827 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-00182...
). Em dezembro de 2019, no intuito de substituir o PMM, o governo federal à época lançou o chamado Programa Médicos pelo Brasil (PMpB), que seria gerido por um serviço social autônomo, denominado Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS) (Cury e Fonseca, 2023 CURY, Geraldo C.; FONSECA, Angélica F. A retomada do Programa Mais Médicos em 2023. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 21, e02415229, 2023. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs2415 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/69sPMySYKknFgzB6nWSVjhb/?lang=pt. Acesso em: 1 maio 2024.
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).

Contudo, o PMpB só publicou o seu primeiro edital em abril de 2022, e nunca alcançou uma cobertura tão expressiva como a verificada durante os anos de maior investimento no PMM. Cabe ressaltar que, em 2020, a situação de saúde agravou-se pela pandemia da covid-19, que causou a morte de mais de 700 mil brasileiros, sobretudo dos mais vulneráveis, residentes de áreas pobres das grandes cidades e suas regiões metropolitanas, além de áreas rurais e remotas, que foram os mais afetados pelo estrangulamento do programa.

É pouco conhecido e reconhecido o papel dos médicos cubanos remanescentes no Brasil durante a pandemia (Nascimento, 2022b NASCIMENTO, Solano. Os pequenos que se foram: como o desmonte do Mais Médicos matou crianças brasileiras. Revista Piauí, São Paulo, n. 184, jan. 2022a. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/os-pequenos-que-se-foram . Acesso em: 1 maio 2024.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o...
; Prazeres, 2020 PRAZERES, Leandro. Pará chama médicos cubanos para atuar no combate à Covid-19. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 23 abr. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/saude/coronavirus/para-chama-medicos-cubanos-para-atuar-no-combate-covid-19-24389367 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://oglobo.globo.com/saude/coronavir...
; Zylberkan e Gonçalves, 2020ZYLBERKAN, Mariana; GONÇALVES, Eduardo. Ministério da Saúde recontratou mais de 500 médicos cubanos. Revista Veja, São Paulo, 16 jun. 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/ministerio-da-saude-recontratou-mais-de-500-medicos-cubanos/. Acesso em: 1 maio 2024. ). O Ministério da Saúde recontratou 523 profissionais cubanos, e o estado do Pará recrutou outros 400 dentre aqueles que se desligaram do Mais Médicos, mas ainda viviam no Brasil. No Pará, não havia profissionais médicos em número suficiente para prestar atendimento nos dois mil leitos criados para pacientes com covid-19. Depois do pico da pandemia, o governo estadual estimulou prefeituras paraenses a contratar mais médicos cubanos, mas o poder judiciário, acionado pelo Conselho Federal de Medicina, não permitiu (Nascimento, 2022b NASCIMENTO, Solano. Os pequenos que se foram: como o desmonte do Mais Médicos matou crianças brasileiras. Revista Piauí, São Paulo, n. 184, jan. 2022a. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/os-pequenos-que-se-foram . Acesso em: 1 maio 2024.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o...
).

Em junho de 2023, o atual governo do Brasil realizou o relançamento do Programa Mais Médicos por meio da medida provisória n. 1.165 de 2023, convertida na lei n. 14.621. O principal objetivo foi retomar as ações efetivas para a redução da carência de médicos, principalmente em regiões remotas, rurais e pobres, fortalecer a fixação desses profissionais e formar especialistas para o SUS (Cury e Fonseca, 2023 CURY, Geraldo C.; FONSECA, Angélica F. A retomada do Programa Mais Médicos em 2023. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 21, e02415229, 2023. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs2415 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/69sPMySYKknFgzB6nWSVjhb/?lang=pt. Acesso em: 1 maio 2024.
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).

A versão inicial do Programa Mais Médicos, criado em 2013, foi uma estratégia que despertou muito interesse entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros, resultando em centenas de estudos publicados tanto no Brasil como no exterior, gerando evidências científicas robustas. Portanto, este estudo objetivou realizar uma revisão sistemática rápida, sintetizando evidências científicas sobre os efeitos do Programa Mais Médicos na APS e seus impactos na saúde, de modo a amparar as decisões na retomada do PMM pelo governo do Brasil, bem como subsidiar novas pesquisas de investigação do programa.

Metodologia

No período de junho a agosto de 2023, conduziu-se uma revisão sistemática rápida (RSR) de acordo com o guia da Cochrane Collaboration (Garritty et al., 2020 GARRITTY, Chantelle et al. Cochrane Rapid Reviews: interim guidance from the cochrane rapid reviews methods group. [S. l.]: Cochrane Collaboration, 2020. Disponível em: https://methods.cochrane.org/sites/methods.cochrane.org.rapidreviews/files/uploads/cochrane_rr_-_guidance-23mar2020-v1.pdf . Acesso em: 1 maio 2024.
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) e a declaração “Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises – PRISMA” (Tricco et al., 2018 TRICCO, Andrea C. et al. PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR): Checklist and Explanation. Annals of Internal Medicine, v. 169, n. 7, p. 467-473, 2018. https://doi.org/10.7326/M18-0850\ . Disponível em: https://www.acpjournals.org/doi/10.7326/M18-0850 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.7326/M18-0850\...
). A revisão rápida é uma proposta metodológica para sintetizar o conhecimento de uma temática específica de forma mais rápida do que a proposta PRISMA, e a aceleração desse processo se dá pela simplificação de algumas etapas previstas na revisão sistemática tradicional.

Inicialmente, desenvolveu-se o protocolo da RSR que se encontra registrado no Open Science Framework (OSF) (Oliveira et al., 2023 OLIVEIRA, João P. A. et al. Resultados e impactos do Programa Mais Médicos na Atenção Primária à Saúde e na saúde dos usuários: protocolo de uma revisão rápida. Open Sci Framew, 2023. https://doi.org/10.17605/osf.io/AX3EV . Disponível em: https://osf.io/af5vn/ . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.17605/osf.io/AX3EV...
). A execução do protocolo, como de praxe, envolveu o cumprimento das seguintes etapas: pesquisa padronizada nas bases de buscas tradicionais no período de 2013 a 2023; ordenação por relevância ou best match pelo Rayyan; unificação das listas de artigos encontrados; leitura do título; avaliação independente de resumos por dois revisores; leitura dos artigos completos para verificar a elegibilidade dos estudos; busca de referências relevantes citadas nos artigos pesquisados; resolução das divergências existentes entre os revisores por consenso ou por um terceiro revisor; e extração, tabulação, ordenação e elaboração de um resumo narrativo dos dados encontrados. Assim como recomendado pela Cochrane Collaboration (Garritty et al., 2020 GARRITTY, Chantelle et al. Cochrane Rapid Reviews: interim guidance from the cochrane rapid reviews methods group. [S. l.]: Cochrane Collaboration, 2020. Disponível em: https://methods.cochrane.org/sites/methods.cochrane.org.rapidreviews/files/uploads/cochrane_rr_-_guidance-23mar2020-v1.pdf . Acesso em: 1 maio 2024.
https://methods.cochrane.org/sites/metho...
), gestores foram consultados para contribuir com o desenvolvimento da pergunta de pesquisa.

Os critérios de elegibilidade dos estudos foram análises da população atendida pela APS nos territórios dos profissionais de saúde da Estratégia Saúde da Família (ESF) e gestores do SUS, antes e após a intervenção de interesse, que é o Programa Mais Médicos. Os desfechos definidos para análise foram distribuição de médicos, cobertura da Atenção Primária à Saúde, indicadores de atendimento

à saúde quali e quantitativos, indicadores de saúde e Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária à Saúde (ICSAP) (Brasil 2008 BRASIL. Portaria n. 221, de 17 de abril de 2008. Define a Lista brasileira de condições sensíveis à Atenção Primária. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2008. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=18/04/2008&jornal=1&pagina=70&totalArquivos=112 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
).

Os critérios de inclusão e exclusão dos estudos atenderam aos critérios de elegibilidade supramencionados, assim como à abrangência de análise e resultados do contexto nacional ou estadual. Incluíram-se estudos com abordagens locais caso tenham sido desenvolvidos com populações que viviam em contexto de maior vulnerabilidade, como as rurais, indígenas e quilombolas. Também foram incluídos artigos escritos em português, inglês, espanhol e francês.

Entre os critérios de exclusão, destacam-se estudos de caso ou relatos de casos locais, exceto aqueles que focaram em populações rurais, indígenas ou quilombolas. Para essa RSR, não se consideraram estudos que trouxessem informações na área da educação médica ou documentos de literatura cinza, assim como preprints .

As buscas foram realizadas nas bases de dados em saúde PubMed Central, LILACS e SciELO em junho de 2023 considerando o período de publicação de 2013 a 2023. Elas foram feitas pelo termo ‘Mais Médicos’, que usualmente aparece no título ou resumo de produções em português relacionadas ao programa. Portanto, como chave de busca dos artigos em inglês empregou-se o termo ‘More Doctors’ que, após ser testada, mostrou-se discriminatória.

Ademais, utilizou-se uma ferramenta especializada na captura de textos acadêmicos de acesso aberto chamada OA.mg ( 2023 OA.MG: Search engine for academic papers. Londres: Citationsy Ltd, 2023. Disponível em: www.oa.mg.com Acesso em: 1 maio 2024.
www.oa.mg.com...
) e uma lista prévia de 21 artigos publicados por pesquisadores da UnB. Buscaram-se, ainda, referências relevantes por meio de links como ‘related articles’, ‘cited by’ e ‘similar articles’, dependendo da disponibilidade nas bases de dados, inseridas em uma lista de artigos denominada ‘Referências adicionais’.

Incluíram-se todas as publicações identificadas nessa fase de buscas na plataforma inteligente de pesquisa colaborativa, conhecida como Rayyan. Ela possibilita dar celeridade à triagem inicial de resumos e títulos por meio de um processo de semiautomação, unificando as listas de artigos encontrados sem duplicatas e permitindo a revisão simultânea por mais de um pesquisador (Ouzzani et al., 2016 OUZZANI, Mourad et al. Rayyan: aweb and mobile app for systematic reviews. Systematic Reviews, v. 5, dez. 2016. https://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-4 . Disponível em: https://systematicreviewsjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13643-016-0384-4 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-...
).

Inicialmente, dois pesquisadores selecionaram os artigos de forma independente pelo seu título e resumo. Realizou-se a leitura na íntegra dos artigos considerados relevantes para verificar se todos se enquadravam nos critérios de elegibilidade do estudo. Registraram-se os motivos de exclusão. As divergências existentes entre os revisores foram sanadas por consenso ou por um terceiro revisor.

Os artigos foram inicialmente categorizados de acordo com os seguintes eixos temáticos: Cobertura, Focalização, Qualidade da Atenção à Saúde, Avaliação do Impacto e Efeitos da Ruptura em 2018. Para o eixo temático de impacto, consideraram-se apenas estudos que empregaram métodos robustos na avaliação de impacto, como estudo quase experimental, pareamento por escore de propensão, diferenças em diferenças, séries temporais interrompidas ou Coarsened Exact Matching .

Em seguida, extraíram-se as seguintes informações dos estudos: ano de publicação; local do estudo; métodos; período de coleta dados; unidade amostral ou população alvo; e principais resultados. Com relação aos aspectos éticos, informa-se que nos termos do inciso IV do artigo 26 da resolução CNS n. 674, de 6 de maio de 2022, pesquisas dessa natureza estão dispensadas de apreciação pelo Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Resultados e discussão

Inicialmente, extraíram-se 702 registros nas bases de dados PubMed, LILACS e SciELO ( Figura 1 ). Com os resultados ordenados por relevância e best match , os artigos coletados foram inseridos na ferramenta web Rayyan (Ouzzani et al., 2016 OUZZANI, Mourad et al. Rayyan: aweb and mobile app for systematic reviews. Systematic Reviews, v. 5, dez. 2016. https://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-4 . Disponível em: https://systematicreviewsjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13643-016-0384-4 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-...
). Ela identificou 251 referências duplicadas, que foram excluídas, bem como de modo semiautomatizado auxiliou na triagem inicial dos resumos e títulos.

Figura 1
- Fluxo do processo de identificação, triagem, elegibilidade e inclusão dos estudos para análise, 2023.

A unificação dos resultados provenientes da busca nas bases de dados, na OA.mg e na lista prévia totalizaram 570 artigos, que passaram pela triagem inicial e foram avaliados de acordo com os critérios de elegibilidade descritos. Uma vez concluída essa etapa, surgiu uma lista de 132 artigos para leitura completa do texto. Uma nova referência foi ajuntada a partir da lista de referências bibliográficas de um dos artigos lidos por completo, passando a totalizar 133 manuscritos ( Figura 1 ).

Ao final da fase de leitura completa, selecionaram-se 58 artigos, conforme os critérios estabelecidos. Nesse momento, os artigos listados passaram pela categorização nos cinco temas considerados oportunos ao objeto em estudo. Após esse agrupamento, 32 artigos foram classificados nos cinco eixos temáticos: Cobertura, Focalização, Qualidade da Atenção à Saúde, Avaliação do Impacto e Efeitos da Ruptura em 2018. A Figura 2 ilustra a data de publicação dos 32 artigos segundo os temas estudados.

Figura 2
- Estudos incluídos na análise segundo o ano da publicação e os eixos temáticos, 2023.

Os eixos temáticos escolhidos para a categorização dos artigos selecionados e a apresentação dos resultados foram definidos com base em elementos de interesse para o SUS e no alcance dos objetivos do programa, bem como por se relacionarem com o aprimoramento das políticas públicas de saúde. O Quadro 1 apresenta dados e informações que caracterizam cada um dos artigos selecionados e os resultados de destaque, identificados durante a leitura completa. Neste Quadro foram sinalizados/ semaforizados os resultados positivos ou não (  Resultados desejados, para contrastar com  Resultados indesejados).

Quadro 1
- Efeitos do Programa Mais Médicos na Atenção Primária à Saúde e seus impactos na saúde, Brasil, 2013-2023.

Neste estudo adotou-se a definição de cobertura do Guia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

- IPEA (Brasil, 2018b BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Avaliação de políticas públicas: guia prático de análise ex post. v. 2. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2018b. v. 2. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8853 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
): calcula-se a proporção entre a população beneficiada e a população potencial, ou entre a população beneficiada e a população elegível. Na ‘Síntese de evidências sobre a cobertura do Programa Mais Médicos 2013-2023’, frequentemente a unidade amostral foi o município, e a cobertura foi compreendida como a proporção de municípios e de populações vulneráveis prioritários para o programa explicitados nas normas e que foram atendidos, sobretudo nos primeiros anos do PMM. Os seis artigos classificados nesta seção foram publicados entre 2016 e 2019 e compreenderam coletas realizadas entre 2012 e 2015, ou seja, os três primeiros anos do PMM.

Nesse período, foi possível identificar avanços importantes. Segundo Gonçalves et al. ( 2019 GONÇALVES, Rogério F. et al. Influence of the Mais Médicos (More Doctors) Program on health services access and use in Northeast Brazil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 53, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/5jFVxpjVrGGqrT7VxNDLVmn/. Acesso em: 1 maio 2024.
https://www.scielo.br/j/rsp/a/5jFVxpjVrG...
) e Nogueira et al. ( 2016 NOGUEIRA, Priscila T. A. et al. Características da distribuição de profissionais do Programa Mais Médicos nos estados do Nordeste, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2.889- 2.898, set. 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.17022016 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/qKkXxHsBHd9gdjHyRLNW6tG/?lang=pt . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
), na região Nordeste observou-se um aumento de 19% no quantitativo de consultas médicas realizadas e de 6,8% na taxa de cobertura da eSF, e em municípios com menos de 20 mil habitantes esse percentual ficou próximo a 100%.

Segundo Miranda et al. ( 2017 MIRANDA, Gabriella M. D. et al. A ampliação das equipes de saúde da família e o Programa Mais Médicos nos municípios brasileiros. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 131-145, jan./abr. 2017. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00051 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/q6sFrXTpdrYmhJ8VsXy8qLD/?lang=pt . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol000...
), entre 2012 e 2015, a cobertura média da eSF passou de 89% para 98% em municípios com menos de 30 mil habitantes e de 30% para 34% naqueles com população acima de 1 milhão de habitantes. Além disso, no mesmo período houve uma redução média de 9,1% nas Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) no Brasil. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, os percentuais observados foram de 21% e de 19,1%, respectivamente.

O estudo de Pereira et al. ( 2016 PEREIRA, Lucélia L. et al. Mais Médicos program: provision of medical doctors in rural, remote and socially vulnerable areas of Brazil, 2013–2014. Rural and Remote Health, Geelong, v. 16, n. 1, p. 3.616, mar. 2016. https://doi.org/10.22605/RRH3616 . Disponível em: https://www.rrh.org.au/assets/article_documents/article_print_3616.pdf . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.22605/RRH3616...
) relatou que no primeiro ano 14.462 médicos foram alocados em 3.785 municípios, sobretudo em áreas rurais e remotas, comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e áreas urbanas vulneráveis. Todos os 34 DSEI foram incluídos no programa e receberam 294 médicos. Mais de 30% dos municípios com população quilombola das regiões Sudeste, Sul e Centro- Oeste receberam médicos do PMM.

Interessa em particular analisar como o PMM contribuiu para aumentar a cobertura da eSF, que é a porção da população de um determinado território que se encontra adstrita a equipes da eSF ou equipes da APS tradicionais. A cobertura populacional estimada na APS tem sido utilizada como indicador de monitoramento do acesso aos serviços de atenção básica à saúde (Lira, 2023).

Quando verificados os efeitos do PMM sobre a escassez de médicos no Brasil, observou-se a redução de 374 para 95 municípios do país com menos de 0,1 médico por mil/hab. e de 33% no número de municípios com menos de um médico por mil/hab. A região Norte, que obteve a redução mais acentuada, foi de 48% para 31% dos municípios com escassez de médicos, enquanto o Nordeste foi de 25% para 18,1% (Girardi et al., 2016 GIRARDI, Sábado N. et al. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2.675-2.684, set. 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.16032016 . Disponível em: https://www.scielobr/j/csc/a/qTyKQT9CDdZ3ctg67njnLqj/?lang=pt . . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
).

Nos DSEIs, o PMM foi imprescindível para a garantia do direito ao acesso à saúde. Segundo Fontão e Pereira ( 2016 PEREIRA, Lucélia L. et al. Mais Médicos program: provision of medical doctors in rural, remote and socially vulnerable areas of Brazil, 2013–2014. Rural and Remote Health, Geelong, v. 16, n. 1, p. 3.616, mar. 2016. https://doi.org/10.22605/RRH3616 . Disponível em: https://www.rrh.org.au/assets/article_documents/article_print_3616.pdf . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.22605/RRH3616...
), em apenas dois anos o programa promoveu o aumento de 79% no número de médicos nos DSEIs, visto que antes do PMM 47% destes estavam sem médico na equipe de saúde indígena. Além disso, há que se destacar a percepção positiva e satisfação dos indígenas com relação ao trabalho dos médicos do PMM.

Importante salientar que o artigo de Girardi et al. ( 2016 GIRARDI, Sábado N. et al. Impacto do Programa Mais Médicos na redução da escassez de médicos em Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2.675-2.684, set. 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.16032016 . Disponível em: https://www.scielobr/j/csc/a/qTyKQT9CDdZ3ctg67njnLqj/?lang=pt . . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
) foi inserido no grupo de cobertura, pois apesar de apresentar o termo ‘impacto’ no título, durante a leitura completa constatou-se que não se tratava de estudo com metodologia inerente à avalição de impacto.

Na adesão dos municípios ao PMM, as normas do programa emitidas pelo Ministério da Saúde consideravam como inadequada a substituição de médicos que já pertenciam às equipes de saúde por médicos do PMM. Os médicos PMM deveriam compor novas eSFs. No entanto, esse fato foi observado em 57,3% das eSFs entre 2012 e 2015, tendo sido mais acentuada nas regiões Centro-Oeste (68%) e Nordeste (63,7%) (Miranda et al., 2017 MIRANDA, Gabriella M. D. et al. A ampliação das equipes de saúde da família e o Programa Mais Médicos nos municípios brasileiros. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 131-145, jan./abr. 2017. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00051 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/q6sFrXTpdrYmhJ8VsXy8qLD/?lang=pt . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol000...
). O número de médicos alocados pelo programa PMM poderia ter elevado a taxa de médicos para 15 médicos/100 mil hab. no Brasil, mas pela substituição em larga escala dos médicos que já integravam as eSFs existentes, o efeito líquido do aumento foi de apenas 5,7 médicos/100 mil hab. (Hone et al., 2020 HONE, Thomas et al. Impact of the Programa Mais médicos (more doctors Programme) on primary care doctor supply and amenable mortality: quasi-experimental study of 5565 Brazilian municipalities. BMC Health Services Research, Londres, v. 20, set. 2020. https://doi.org/10.1186/s12913-020-05716-2 . Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7491024/. Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1186/s12913-020-05716...
).

Ademais, dois artigos classificados no grupo de cobertura do PMM realizaram menções a aspectos que caracterizaram falha na focalização do programa, como a manutenção da situação de vazio assistencial no semiárido do estado do Piauí, a continuidade de escassez de médicos em municípios da região Norte e Nordeste, bem como a sugestão para que municípios evidentemente carentes de médicos fossem obrigados a aderir ao programa (Nogueira et al., 2016 NOGUEIRA, Priscila T. A. et al. Características da distribuição de profissionais do Programa Mais Médicos nos estados do Nordeste, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2.889- 2.898, set. 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.17022016 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/qKkXxHsBHd9gdjHyRLNW6tG/?lang=pt . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
).

Segundo o IPEA, a focalização verifica a proporção do cumprimento de critérios de acesso ou elegibilidade e priorização de políticas (aplica-se às políticas não universais) (Brasil, 2018a BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Avaliação de políticas públicas: guia prático de análise ex ante. v. 1. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2018a. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8285 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
). O SUS tem a universalidade como um de seus princípios doutrinários. Por ter como um de seus objetivos a diminuição da carência de médicos nas áreas prioritárias para o SUS a fim de reduzir as desigualdades regionais em saúde, o PMM pode ser visto como uma intervenção de política social focalizada, que busca uma maior equidade. Na ‘Síntese de evidências sobre a focalização do Programa Mais Médicos 2013- 2023’, se a intervenção foi focalizada, os recursos deveriam concentrar-se na população de interesse ou nos beneficiários. No caso do PMM, os municípios e as populações vulneráveis a serem beneficiadas foram elencados nas normativas.

Nesse sentido, identificaram-se cinco artigos que avaliaram diferentes pontos da focalização do PMM entre 2012 e 2017. Para tanto, mediu-se a concentração de médicos, em 2012 e depois em 2017, utilizando-se o coeficiente de Gini, que é conhecido principalmente no âmbito das ciências econômicas. Esse coeficiente varia de 0 (igualdade perfeita) a 1 (desigualdade completa). Moraes et al. ( 2021 MORAES, Priscila L. et al. Desigualdades geográficas na implantação do Programa Mais Médicos em um estado brasileiro. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rio de Janeiro, v. 16, n. 43, dez. 2021. https://doi.org/10.5712/rbmfc16(43)2765 . Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/2765 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.5712/rbmfc16(43)2765...
) observou a redução da concentração de médicos em 21 estados brasileiros, com a média nacional caindo 11% – ou de 0,255 para 0,227 – segundo o coeficiente de Gini. Os estados de São Paulo e do Piauí passaram a apresentar a maior (0,341) e a menor (0,093) concentração de médicos no país, respectivamente.

Entre 2013 e 2017, 70% dos municípios vulneráveis do Brasil haviam recebido ao menos um médico do PMM. Entretanto, 33% dos municípios beneficiados não atendiam a nenhum dos critérios de priorização. Houve uma modificação nesses critérios ao longo do tempo, acarretando grande aumento de municípios designados como vulneráveis: em 2013 estes eram 24,4% (1.361/5.570) e em 2017 passaram a ser 66,9% (3.725/5.570) dos municípios brasileiros (Ozçelik et al., 2021 OZÇELIK, Ece A. et al. Assessing the performance of beneficiary targeting in Brazil’s More Doctors Programme. Health Policy and Planning, Oxford, v. 36, n. 2, p. 149-161, mar. 2021. https://doi.org/10.1093/heapol/czaa137 . Disponível em: https://academic.oup.com/heapol/article/36/2/149/6100995 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1093/heapol/czaa137...
).

Em UBSs localizadas na Região Metropolitana (RM) do Distrito Federal, Manaus, Recife e São Paulo, verificou-se que aquelas posicionadas em áreas de maior vulnerabilidade socioeconômica possuíam mais médicos se comparadas, proporcionalmente, com outras menos vulneráveis. Para a RM de Porto Alegre, essa comparação não apresentou diferença significativa (Oliveira et al., 2020 OLIVEIRA, Aimê et al. Spatial distribution of the “Mais Médicos (More Doctors) Program” and social vulnerability: an analysis of the Brazilian metropolitan regions. Human Resources for Health, Londres, v. 18, ago. 2020. https://doi.org/10.1186/s12960-020-00497-5 . Disponível em: https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12960-020-00497-5 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1186/s12960-020-00497...
).

Nos dois anos iniciais, dos 5.570 municípios brasileiros, 3.785 (68%) haviam aderido ao PMM e recebido 14.168 médicos. Constatou-se que 2.377 (62,8%) eram municípios prioritários, e os outros

1.408 (37,2%) foram classificados como demais municípios, haja vista que não atendiam a nenhum dos critérios de prioridade. Do total de médicos alocados no período, 11.002 foram para municípios prioritários e 3.166 para demais municípios (Oliveira, Sanchez e Santos, 2016 OLIVEIRA, João P. A.; SANCHEZ, Mauro N.; SANTOS, Leonor M. P. O Programa Mais Médicos: provimento de médicos em municípios brasileiros prioritários entre 2013 e 2014. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2.719-2.727, set. 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.17702016 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/WZJJgdkdKWxTnndRrLgBpFJ/?lang=pt . Acesso em: 1 maio 2024.
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).

Na ‘Síntese de evidências sobre a Qualidade da Atenção à Saúde no Programa Mais Médicos 2013- 2023’, sete artigos debruçaram-se sobre o tema. Os quatro estudos qualitativos (Comes et al., 2016 COMES, Yamila et al. A implementação do Programa Mais Médicos e a integralidade nas práticas da Estratégia Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 9, p. 2.729-2.738, set. 2016. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.15472016 . Disponível em: https://www.scielobr/j/csc/a/qmwKq8GZqCGWFtKc4xScPCm/?lang=pt# . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
; 2017 COMES, Yamila et al. Humanismo en la práctica de médicos cooperantes cubanos en Brasil: narrativas de equipos de atención básica. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 41, dez. 2017. https://doi.org/10.26633/rpsp.2017.130 . Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/34585 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/rpsp.2017.130...
; 2022 COMES, Yamila et al. Representaciones sociales sobre el Programa Mais Medicos entre consejeros municipales de salud de Brasil. Revista Cubana de Salud Pública, Havana, v. 48, p. e1225-e1125, 2022. Disponível em: http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0864-34662022000100007. Acesso em: 1 maio 2024.
http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=s...
; Santos et al., 2016 SANTOS, João B. F. et al. Médicos estrangeiros no Brasil: a arte do saber olhar, escutar e tocar. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 1003-1016, out./dez. 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-12902016163364 . Disponível em: http://www.scielo.br/j/sausoc/a/wHcwH5KpdrnV4Rw5gw7jBRr/?lang=pt# . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201616...
) identificaram presença de atributos de extrema importância para a qualidade do cuidado, como a integralidade, longitudinalidade, humanismo, escuta qualificada, visita domiciliar e representações sociais positivas sobre o ‘modelo cubano’ de Atenção Primária à Saúde. Sobre a atuação dos médicos cubanos, colheram-se depoimentos positivos do tipo “Eles têm mais tempo...” e “Depois que a doutora (cubana) chegou, não vemos mais pacientes sem atendimento aqui.”.

Um extenso inquérito de avaliação da Qualidade da Atenção Primária à Saúde em associação com o PMM empregou o PCATool-Brasil e colheu informações com 6 mil usuários adultos e 509 médicos nas cinco macrorregiões do país. Estimaram-se o Escore Geral APS e o Escore Longitudinalidade, que não apresentaram diferenças por tipo de médico na equipe. O Escore Geral APS na região Nordeste mostrou diferença significativa por grupo: cubano do PMM (MMCuba), brasileiro do PMM (MMBrasil) e brasileiro não pertencente ao PMM (MedESF), com 60%, 52% e 52%, respectivamente.

A variável mais expressiva no modelo multinível foi “o Dr. realiza visita domiciliar”, que produziu um incremento significativo de 1,17 ponto no Escore Geral da APS (Rech et al., 2018 RECH, Milena R. A. et al. Qualidade da atenção primária à saúde no Brasil e associação com o Programa Mais Médicos. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 42, 2018. https://doi.org/10.26633/rpsp.2018.164 . Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/49522 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/rpsp.2018.164...
). O fato evidencia que o fortalecimento da APS poderia ser alcançado ao reforçar papéis fundamentais dos médicos atuantes, como visitas domiciliares.

Quanto à ‘Síntese de evidências sobre a avaliação de impacto do Programa Mais Médicos 2013- 2023’, os estudos evidenciaram o impacto na taxa de médicos de APS por 10 mil habitantes no Brasil. Em 2015, entre os 1.708 municípios prioritários e vulneráveis (+20% em pobreza extrema e remotos) houve impacto na redução à metade na proporção de municípios com <1,0 médico/mil hab., e por outro lado mais do que dobrou o número daqueles com >1,0 médico/mil hab. (Santos et al., 2017 SANTOS, Leonor M. P. et al. Implementation research: towards universal health coverage with more doctors in Brazil. Bulletin of the World Health Organization, Genebra, v. 95, n. 2, p. 103-112, fev. 2017. https://doi.org/10.2471/BLT.16.178236 . Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5327934/ . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.2471/BLT.16.178236...
). Outro estudo no mesmo ano demonstrou impacto no aumento do número de atendimentos de saúde: em agendamentos, consultas, encaminhamentos e visitas domiciliares, o aumento foi o mais expressivo (30%) (Mattos e Mazetto, 2019 MATTOS, Enlinson; MAZETTO, Débora. Assessing the impact of more doctors’ program on health care indicators in Brazil. World Development, Basel, v. 123, nov. 2019. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2019.104617 . Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0305750X19302116 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2019....
). Assim como houve incremento na oferta de consultas para diabetes e hipertensão nas equipes com PMM em 2015 se comparado a 2012 (sem PMM) (Facchini et al., 2020 FACCHINI, Luiz A. et al. Contribuições do Programa Mais Médicos ao desempenho de equipes de Saúde da Família na atenção à hipertensão e ao diabetes no Brasil, 2012 a 2015. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 44, v. 44, e63, p. 1-9, 2020. https://doi.org/10.26633/rpsp.2019.63 . Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51559 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/rpsp.2019.63...
). Registraram-se melhorias nos indicadores de saúde infantil, como redução na Taxa de Mortalidade Infantil, melhora no Índice Apgar, reduções na mortalidade total por idade e diminuição da incidência de crianças com baixo peso ao nascer (BPN) (Santos et al., 2020 SANTOS, Joana R. R. et al. Assessing the impact of a doctor in remote areas of Brazil. International Journal of Public Health, Allschwil, v. 65, n. 3, p. 267-272, abr. 2020. https://doi.org/10.1007/s00038-020-01360-z . Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00038-020-01360-z . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1007/s00038-020-01360...
, Bexson, 2021 BEXSON, Charlotte et al. Brazil’s more doctors programme and infant health outcomes: a longitudinal analysis. Human Resources for Health, v. 19, 2021. https://doi.org/10.1186/s12960-021-00639-3 . Disponível em: https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12960-021-00639-3 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1186/s12960-021-00639...
).

Vários estudos demostraram impacto no aumento da Taxa de Médicos de APS por 10 mil habitantes

– sobretudo em municípios com mais de 20% da população vivendo em pobreza extrema –, na oferta de atendimentos de saúde, na redução expressiva nos municípios com <0,4 médicos/mil hab. e no aumento da oferta de consultas para diabetes e para hipertensão nas equipes com PMM (Pinto Junior, Amorim e Aquino, 2020 PINTO JUNIOR, Elzo P.; AMORIM, Leila D. A. F.; AQUINO, Rosana. Programa Mais Médicos: contexto de implantação e efeito no provimento de médicos na atenção primária à saúde no Brasil, 2008 a 2016. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 44, 2020. https://doi.org/10.26633/rpsp.2020.23 . Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51479 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/rpsp.2020.23...
; Mattos e Mazetto, 2019 MATTOS, Enlinson; MAZETTO, Débora. Assessing the impact of more doctors’ program on health care indicators in Brazil. World Development, Basel, v. 123, nov. 2019. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2019.104617 . Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0305750X19302116 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2019....
; Santos et al., 2017 SANTOS, Leonor M. P. et al. Implementation research: towards universal health coverage with more doctors in Brazil. Bulletin of the World Health Organization, Genebra, v. 95, n. 2, p. 103-112, fev. 2017. https://doi.org/10.2471/BLT.16.178236 . Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5327934/ . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.2471/BLT.16.178236...
; Facchini et al., 2020 FACCHINI, Luiz A. et al. Contribuições do Programa Mais Médicos ao desempenho de equipes de Saúde da Família na atenção à hipertensão e ao diabetes no Brasil, 2012 a 2015. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 44, v. 44, e63, p. 1-9, 2020. https://doi.org/10.26633/rpsp.2019.63 . Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51559 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/rpsp.2019.63...
).

Destacaram-se cinco dos 11 estudos de impacto que demonstraram redução nas internações por condições sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) (Brasil, 2008 BRASIL. Portaria n. 221, de 17 de abril de 2008. Define a Lista brasileira de condições sensíveis à Atenção Primária. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2008. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=18/04/2008&jornal=1&pagina=70&totalArquivos=112 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
) e outro que analisou causas de mortes evitáveis por intervenções do SUS (Malta et al., 2007 MALTA, Deborah et al. Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde no Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde: Revista do Sistema Único de Saúde do Brasil, Brasília, v. 16 n. 4, dez. 2007. https://doi.org/10.5123/S1679-49742007000400002 . Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742007000400002 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.5123/S1679-4974200700...
). Houve redução consistente em internações ICSAP em todas as faixas etárias, sendo maior nas crianças do que nos adultos.

Os casos de ICSAP por doença cerebrovascular reduziram anualmente, e a diferença foi significativa no terceiro e quarto ano após o início do PMM, corroborado por outros estudos que demonstraram redução das ICSAP em municípios tratados, com efeitos mais perceptíveis no segundo ano e terceiro ano do PMM (Russo et al., 2020 RUSSO, Letícia X. et al. Efeito do Programa Mais Médicos sobre internações sensíveis à atenção primária. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 44, 2020. https://doi.org/10.26633/rpsp.2020.25 . Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51944 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.26633/rpsp.2020.25...
; Hone et al., 2020 HONE, Thomas et al. Impact of the Programa Mais médicos (more doctors Programme) on primary care doctor supply and amenable mortality: quasi-experimental study of 5565 Brazilian municipalities. BMC Health Services Research, Londres, v. 20, set. 2020. https://doi.org/10.1186/s12913-020-05716-2 . Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7491024/. Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1186/s12913-020-05716...
; Ozçelik et al., 2020 OZÇELIK, Ece A. et al. Impact of Brazil’s More Doctors Program on hospitalizations for primary care sensitive cardiovascular conditions. Social Science & Medicine: Population Health, Londres, v. 12, dez. 2020. https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2020.100695 . Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7725939/ . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2020.100...
; Fontes, Conceição e Jacinto, 2018 FONTES, Luiz F. C.; CONCEIÇÃO, Otavio C.; JACINTO, Paulo A. Evaluating the impact of physicians’ provision on primary healthcare: Evidence from Brazil’s More Doctors Program. Health Economics, v. 27, n. 8, p. 1.284-1.299, ago. 2018. https://doi.org/10.1002/hec.3775 . Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/hec.3775 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1002/hec.3775...
; Maffioli et al., 2019 MAFFIOLI, Elisa M. et al. Addressing inequalities in medical workforce distribution: evidence from a quasi-experimental study in Brazil. BMJ Global Health, Londres, v. 4, n. 6, e001827, nov. 2019. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-001827 . Disponível em: https://gh.bmj.com/content/4/6/e001827 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-00182...
; Santos et al., 2017 SANTOS, Leonor M. P. et al. Implementation research: towards universal health coverage with more doctors in Brazil. Bulletin of the World Health Organization, Genebra, v. 95, n. 2, p. 103-112, fev. 2017. https://doi.org/10.2471/BLT.16.178236 . Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5327934/ . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.2471/BLT.16.178236...
). Dois desses estudos estimaram em 23 mil as internações evitadas em três anos, o que correspondeu a uma economia substancial para o SUS (Fontes, Conceição e Jacinto, 2018 FONTES, Luiz F. C.; CONCEIÇÃO, Otavio C.; JACINTO, Paulo A. Evaluating the impact of physicians’ provision on primary healthcare: Evidence from Brazil’s More Doctors Program. Health Economics, v. 27, n. 8, p. 1.284-1.299, ago. 2018. https://doi.org/10.1002/hec.3775 . Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/hec.3775 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1002/hec.3775...
; Maffioli et al., 2019 MAFFIOLI, Elisa M. et al. Addressing inequalities in medical workforce distribution: evidence from a quasi-experimental study in Brazil. BMJ Global Health, Londres, v. 4, n. 6, e001827, nov. 2019. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-001827 . Disponível em: https://gh.bmj.com/content/4/6/e001827 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-00182...
).

Os estudos que embasaram a ‘Síntese de evidências sobre os efeitos da ruptura do Programa Mais Médicos nos serviços e na saúde dos usuários, 2018-2023’ analisaram como os serviços de saúde foram drasticamente afetados com a ruptura da cooperação Brasil-Cuba em 2018, que acarretou a saída de cerca de 8.500 médicos cubanos. Apesar das convocatórias, a reposição de médicos não fluiu, e em abril de 2019 ainda haviam 1.961 vagas não preenchidas (Maffioli et al., 2019 MAFFIOLI, Elisa M. et al. Addressing inequalities in medical workforce distribution: evidence from a quasi-experimental study in Brazil. BMJ Global Health, Londres, v. 4, n. 6, e001827, nov. 2019. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-001827 . Disponível em: https://gh.bmj.com/content/4/6/e001827 . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2019-00182...
).

Os efeitos sobre a APS em termos de cobertura, acesso, integralidade, longitudinalidade e qualidade da atenção foram descontinuados. Como consequência, os impactos positivos à saúde, sobretudo a redução das internações por condições sensíveis à Atenção Primária à Saúde, tendem a desaparecer. Uma investigação jornalística em um grupo de municípios nos quais o PMM era responsável por 100% da atenção primária relatou aumento nas mortes por causas evitáveis em crianças menores de cinco anos de idade nesses municípios (Nascimento, 2022b NASCIMENTO, Solano. Os pequenos que se foram: como o desmonte do Mais Médicos matou crianças brasileiras. Revista Piauí, São Paulo, n. 184, jan. 2022a. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/os-pequenos-que-se-foram . Acesso em: 1 maio 2024.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o...
).

Outro estudo que analisou as lacunas e retrocessos no provimento de médicos na Amazônia concluiu que as promessas de contratação de médicos brasileiros graduados no exterior e o Plano de Carreira do Programa Médicos pelo Brasil (PMpB) não foram suficientes para garantir uma cobertura razoável de equipes locais na Amazônia no ano de 2022 (Costa, Carvalho e Macedo, 2023 COSTA, Waldemir A.; CARVALHO, Natalia C.; MACEDO, Harineide M. Lacunas e retrocessos em programas de provimento médico na Amazônia: desafios para os gestores federais. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 21, e01976216, 2023. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs1976 . Disponível em: ps://www.scielo.br/j/tes/a/7jmdKQDvzXvTdJ4CPKxX6PN/?lang=pt. Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs197...
).

Conclusão

No presente estudo de revisão sistemática rápida, buscou-se identificar as principais evidências científicas produzidas em pesquisas sobre o Programa Mais Médicos e sintetizá-las para uma compreensão ampliada dos efeitos dessa política pública na saúde dos brasileiros.

Os resultados, uma vez estratificados por temas fundamentais ao contexto, puderam demonstrar os avanços e as melhorias na prestação do cuidado à saúde na APS, principalmente em áreas remotas e sobre populações mais vulneráveis. O PMM, apesar de toda a crítica sofrida desde a sua propositura, com o passar de dez anos desde o seu lançamento deixou registrada toda a sua potencialidade e superioridade sobre outras iniciativas públicas já adotadas no Brasil, com o objetivo de enfrentar a carência e má distribuição de médicos.

Quando se observa o mundo, são identificadas numerosas iniciativas semelhantes, resguardadas as devidas especificidades. Para a interiorização dos profissionais na América Latina e Caribe, verifica- se o serviço médico social obrigatório na Argentina, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, México e Peru. No Chile, criou-se uma carreira própria para médicos de áreas remotas (Maciel Filho, 2007 MACIEL FILHO, Romulo. Estratégias para distribuição e fixação de médicos em sistemas nacionais de saúde: o caso brasileiro. 2007. 264f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: http://scf.cpqam.fiocruz.br/observarh/wp-content/uploads/2017/02/Tese_Romulo_Maciel.pdf . Acesso em: 1 maio 2024.
http://scf.cpqam.fiocruz.br/observarh/wp...
). No Estados Unidos, existe um programa ( Conrad 30 Program ) que flexibiliza requisitos de imigração de médicos estrangeiros que aceitem trabalhar em regiões pobres e rurais. Na Austrália, a estratégia Overseas Trained Doctors envia médicos formados no exterior ou estrangeiros formados na Austrália para regiões desérticas do interior do país, com remuneração diferenciada e registro profissional garantido (Oliveira et al., 2015 OLIVEIRA, Felipe P. D. et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 19, n. 54, p. 623-634, set. 2015. https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1142 . Disponível em: http://www.scielo.br/j/icse/a/KjzqwvYhM4NRvdDCyRJHvkD/# . Acesso em: 1 maio 2024.
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.11...
). E tradicionalmente as missões médicas cubanas, em que médicos são enviados para trabalhar em países em situação de escassez de profissionais, desastres naturais, guerras e vazios assistenciais, tais como Haiti, Paquistão, Bolívia, Venezuela, Indonésia e China (Torres e Cruz, 2010 TORRES, Nestor M.; CRUZ, Evelyn M. Evolución de la colaboración médica cubana en 100 años del Ministerio de Salud Pública. Revista Cubana de Salud Pública, Havana, v. 36, n. 3, p. 254-262, jul./set. 2010. Disponível em: http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0864-34662010000300010. Acesso em: 1 maio 2024.
http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=s...
).

Contudo, os achados desta revisão também evidenciaram aspectos da implementação do programa que poderiam ser melhorados, principalmente relacionados à focalização e à substituição. O Estado, tanto por meio dos formuladores ( policy makers ) quanto dos atores responsáveis pela implementação das políticas públicas, precisa zelar para que o grau de liberdade das decisões não enfraqueça os resultados potenciais das intervenções e muito menos os torne instrumento para acentuar desigualdades e iniquidades, por mais que gerem também efeitos positivos.

Espera-se que este estudo estimule a realização de novas pesquisas para que seja continuada a investigação de resultados da maior estratégia já desenvolvida no Brasil para reduzir a carência e a má distribuição de médicos.

Referências

  • Como citar:

    OLIVEIRA, João P. A. et al. Efeitos do Programa Mais Médicos na Atenção Primária e seus impactos na saúde: uma revisão sistemática. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 22, 2024, e02635249. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs2635
  • Financiamento

    Este estudo teve patrocínio do Ministério da Saúde, via cooperação técnica com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), no ano de 2023, e foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), conforme o processo 404888/2023-2.
  • Aspectos éticos

    Nos termos do inciso VI, do artigo 26, da Resolução CNS n. 674, de 6 de maio de 2022, a natureza desta pesquisa dispensa a apreciação ética pelo Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
  • Apresentação prévia

    Não se aplica.
  • Preprint e versão final

    Este artigo de revisão foi disponibilizado como preprint ( https://doi.or/10.1590/ SciELOPreprints.7369) no repositório SciELO Preprint entre novembro de 2023 e junho de 2024. A versão final ora publicada na TES ( https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs2635 ) é disponibilizada com revisão por pares.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2023
  • Aceito
    21 Mar 2024
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