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Método da escavação em terapia ocupacional: um dispositivo dinâmico a três polos?

Method of excavation in occupational therapy: a dynamic, three-pole device?

Resumos

A experiência docente e profissional em terapia ocupacional indica uma formação acadêmica limitada em relação aos seguintes aspectos: o ser terapeuta ocupacional e suas implicações técnicas e metodológicas; o compreender e o assimilar o perfil profissional e, ainda, o entender o papel da atividade humana como recurso terapêutico. Para contribuir com tais lacunas, desenvolveu-se o Método da Escavação, criado com base na prática clínica e acadêmica. Neste artigo, o método é apresentado e analisado considerando as relações teórico-metodológicas entre a prática clínica, a formação acadêmica em terapia ocupacional e a abordagem ergológica. A argumentação desenvolvida resultou de um estudo de caso realizado em pesquisa de doutorado. Os dados foram coletados em documentos, entrevistas semiestruturadas e observação do Grupo de Estudos sobre Atividade Humana (Geah) do Instituto Metodista de Porto Alegre (IPA). Concluiu-se que há convergências entre o Método da Escavação e o Dispositivo Dinâmico a Três Polos. A vivência do método permitiu a confrontação e o entrecruzamento de saberes e valores entre o polo da experiência e o polo conceitual que compõem a terapia ocupacional. Os discentes renormatizaram saberes e ressignificaram suas vidas cotidianas e experiências de trabalho, reafirmando o poder terapêutico e criador da atividade humana.

ergologia; terapia ocupacional; Método da Escavação; atividade humana; saberes


The experience of teaching and working in occupational therapy has indicated some educational gaps in the professional education in the field: the very nature of being occupational therapist and its technical and methodological implications; the understanding and identification of the workers with the field and, also, the role of human activity as a therapeutic resource. In order to give a contribution to resolve it, it has been developed the so called Excavation Method that was created on the basis of academic and clinical practice. In this article, the method is presented and analyzed considering the theoretical and methodological relations between practice (academic and clinical) and the ergologic approach. The argument is based on a case study undertaken in a PhD course. The field work was developed with a group called Study Group of Human Activity (Geah) of the Methodist Institute of Porto Alegre (IPA). The main conclusion is that the Excavation Method and the Tree Poles Dynamic Dispositive have strong relationship. The method allowed confrontation and interchanging of knowledge and values between those people situated in the pole of experience and those of the conceptual pole, in the field of occupational therapy. The students renormalized their knowledge and gave new meaning for their daily life and working experience confirming the therapeutic and creational power of human activity.

ergology; occupational therapy; Excavation Method; human activity; knowledge


ARTIGO ARTICLE

Método da escavação em terapia ocupacional: um dispositivo dinâmico a três polos?

Method of excavation in occupational therapy: a dynamic, three-pole device?

Eliana Anjos Furtado1 1 Professora do curso de Terapia Ocupacional do Centro Universitário Metodista IPA, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). < elianamaf@metodistadosul.edu.br> , * * Correspondência: Centro Universitário Metodista IPA, Rua Jaime Telles, 133/503, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, CEP 90460-030. ; Maria Clara Bueno Fischer2 2 Professora e pesquisadora da Faculdade de Educação (Faced), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisadora CNPq - Nível 2. Doutora em Educação pela University of Nottingham, com pós-doutorado em Educação pela Universidade de Lisboa. < clarafis@cpovo.net>

RESUMO

A experiência docente e profissional em terapia ocupacional indica uma formação acadêmica limitada em relação aos seguintes aspectos: o ser terapeuta ocupacional e suas implicações técnicas e metodológicas; o compreender e o assimilar o perfil profissional e, ainda, o entender o papel da atividade humana como recurso terapêutico. Para contribuir com tais lacunas, desenvolveu-se o Método da Escavação, criado com base na prática clínica e acadêmica. Neste artigo, o método é apresentado e analisado considerando as relações teórico-metodológicas entre a prática clínica, a formação acadêmica em terapia ocupacional e a abordagem ergológica. A argumentação desenvolvida resultou de um estudo de caso realizado em pesquisa de doutorado. Os dados foram coletados em documentos, entrevistas semiestruturadas e observação do Grupo de Estudos sobre Atividade Humana (Geah) do Instituto Metodista de Porto Alegre (IPA). Concluiu-se que há convergências entre o Método da Escavação e o Dispositivo Dinâmico a Três Polos. A vivência do método permitiu a confrontação e o entrecruzamento de saberes e valores entre o polo da experiência e o polo conceitual que compõem a terapia ocupacional. Os discentes renormatizaram saberes e ressignificaram suas vidas cotidianas e experiências de trabalho, reafirmando o poder terapêutico e criador da atividade humana.

Palavras-chave: ergologia; terapia ocupacional; Método da Escavação; atividade humana; saberes.

ABSTRACT

The experience of teaching and working in occupational therapy has indicated some educational gaps in the professional education in the field: the very nature of being occupational therapist and its technical and methodological implications; the understanding and identification of the workers with the field and, also, the role of human activity as a therapeutic resource. In order to give a contribution to resolve it, it has been developed the so called Excavation Method that was created on the basis of academic and clinical practice. In this article, the method is presented and analyzed considering the theoretical and methodological relations between practice (academic and clinical) and the ergologic approach. The argument is based on a case study undertaken in a PhD course. The field work was developed with a group called Study Group of Human Activity (Geah) of the Methodist Institute of Porto Alegre (IPA). The main conclusion is that the Excavation Method and the Tree Poles Dynamic Dispositive have strong relationship. The method allowed confrontation and interchanging of knowledge and values between those people situated in the pole of experience and those of the conceptual pole, in the field of occupational therapy. The students renormalized their knowledge and gave new meaning for their daily life and working experience confirming the therapeutic and creational power of human activity.

Keywords: ergology; occupational therapy; Excavation Method; human activity; knowledge.

A experiência docente e profissional em terapia ocupacional (TO) atesta que a formação acadêmica tem deixado lacunas no que diz respeito à condição de terapeuta ocupacional, bem como ao fazer dessa profissão e - diretamente implicada nessa questão - à limitada compreensão do lugar da atividade humana como recurso terapêutico. Nesse contexto de buscas pelo aperfeiçoamento da formação acadêmica em TO, situa-se o objeto de discussão deste artigo: o Método da Escavação. Criado na prática clínica e acadêmica, o método foi analisado em uma investigação realizada em nível de doutorado, considerando as relações teórico-metodológicas entre tal prática em TO e a abordagem ergológica.

O objetivo geral do estudo foi investigar se o processo de escavação se constitui em um Dispositivo Dinâmico a Três Polos (DDP3), considerando que ocorre a partir da experimentação e da confrontação entre os saberes produzidos no processo de 'escavação' e os saberes da formação humana dos alunos participantes do Grupo de Estudos sobre Atividade Humana (Geah) do Instituto Metodista de Porto Alegre (IPA).

Argumenta-se que o método tem uma contribuição significativa para a formação de terapeutas ocupacionais - especialmente no que concerne a ressignificar o lugar da atividade humana, tanto no processo de formação inicial em TO como na prática clínica -, pois o método constitui-se em um DDP3 na perspectiva ergológica.

A pesquisa de cunho qualitativo do tipo exploratório configurou um estudo de caso. Utilizaram-se como procedimentos de coleta de dados a entrevista e a observação das atividades do Geah. Tais procedimentos permitiram conhecer as percepções e as experiências decorrentes da realização das atividades prescritas e reais de trabalho dos alunos participantes, bem como o processo de ensinar e aprender as tecnologias da TO, a partir da análise do modo como se processam as relações entre o vivido nas atividades de trabalho, o ensino das tecnologias ocupacionais e a forma como estas são percebidas pelos alunos.

O caso foi composto por documentos institucionais, como a síntese do projeto político-pedagógico do curso de terapia ocupacional do IPA e o projeto de atividade complementar do curso. Compõe também a apresentação da proposta do Método da Escavação elaborada pela autora da tese (ver N. do Ed.). A análise dos dados foi desenvolvida por meio de teorizações progressivas, em um processo interativo com a coleta de dados. A opção de análise do material qualitativo foi a hermenêutica dialética complementada pela triangulação de fontes.

A pesquisa aconteceu nas dependências do IPA, no Laboratório de Atividades e Recursos Terapêuticos, entre os anos de 2006 a 2010. A população da pesquisa foi composta pelo docente coordenador e por 13 alunos de diferentes semestres do curso de TO, participantes do Geah durante os quatro anos da pesquisa.

O Método da Escavação

O Método da Escavação foi experimentado pelo Geah e iniciou suas atividades no segundo semestre de 2005. Em 2006, pela avaliação positiva do colegiado do curso, foi instituído como atividade acadêmica curricular complementar até 2009, ano do seu encerramento.

Seu objetivo inicial era desenvolver uma atividade acadêmica que articulasse experimentação de atividade de ensino diferenciada e prática investigativa com os alunos. Caracterizou-se pela promoção de vivências, exploração e discussão acerca das atividades intelectuais, corporais e expressivas e, ainda, pelo estudo sobre desenvolvimento e prescrição de atividades em TO. A dinâmica do grupo promoveu o desenvolvimento da capacidade perceptiva e de observação dos alunos sobre a atividade humana3 3 Atividade humana: é constituída por um conjunto de ações que apresentam qualidades, demandam capacidades, materialidade e estabelecem mecanismos internos para sua realização. .

O projeto do Geah apresenta o entendimento de que a atividade é a essência do ser humano e, por meio dela, o homem cria-se e recria-se. Já a TO considera que o fazer como recurso terapêutico é um instrumento que possibilita ao ser humano reconstituir-se ocupacionalmente e dar sentido à sua existência. Segundo Quarentei (2001), a TO está intensamente envolvida com a produção da vida, com a criação do existir, dos modos de estar no mundo e da própria construção de mundos. Essa compreensão advém do fato de que a vida humana constitui-se em um continuum de atividade. Portanto, o entendimento sobre tais atividades e o seu lugar terapêutico devem ser estudados pelos terapeutas ocupacionais em sua completude e complexidade, considerando os aspectos históricos, políticos, sociais, culturais, estéticos e éticos implicados.

A experiência do grupo em que se experimentou o método na sua dimensão de ensino aconteceu em um espaço de realização de atividades, assim como de sua análise como recurso terapêutico. O objetivo foi possibilitar aos alunos uma vivência do agir terapêutico, em contexto de aprendizagem, sendo a relação com o saber um processo experiencial, reflexivo e criativo, em que docente e discente viveram experiências em comum, de modo a não se colocarem a priori em uma hierarquia de saber. A vivência crítica da liberdade do aluno e do docente no ato de 'aprender fazendo' orientou a proposta de formação acadêmica intitulada Método da Escavação.

O funcionamento do grupo ocorreu em encontros semanais de duas horas, após o horário acadêmico regular, com a realização de atividades prescritas pelo coordenador do Geah e acordadas com os alunos. As tarefas aconteciam durante os encontros, a fim de valorizar a experiência de 'estar em grupo', em desenvolver exercícios perceptivos e observações, sobre o acontecido durante as atividades, sua análise e combinações para os próximos encontros.

Importante é destacar que o coordenador do grupo participava com os alunos das atividades e do processo de análise das mesmas, colocando-se na condição de se ver e se experienciar na atividade. Isto é, radicalizava-se o exercício de confrontação entre sujeito e atividade realizada.

A proposta pedagógica do método propunha a experiência de atividades durante os encontros e sua análise; a leitura de textos ligados ao tema, escolhidos pelo coordenador a partir do cronograma das atividades a realizar ao longo do desenvolvimento do grupo; a confrontação com a teoria desenvolvida em aula; a escolha de um relator semanal, para a produção de relatório a cada encontro; e, como tarefa final, a escrita de um artigo.

O Método da Escavação originou-se da prática clínica e docente da pesquisadora Eliana Furtado em seus trinta anos de atividades, sustentada inicialmente nos estudos de Foucault sobre genealogia e arqueologia do saber. O processo de experimentação originou uma nova abordagem clínica de indicação das atividades4 4 Atividade: é a manifestação do ser vivo que tende a manter, crescer, regenerar ou reproduzir seu ser. As atividades são as formas sob as quais a atividade humana se manifesta. Elas implicam um agente, um material e um objetivo (Jobin, 1999). por meio do ato de perguntar sobre o fazer e de experimentar uma determinada atividade, indicada ou não pelo terapeuta, além de observar como os sujeitos reagiam a essa nova maneira de experimentar o tratamento de TO. O processo de escavação resultou na percepção de um aumento da potência dos sujeitos em tratamento e uma ressignificação da atividade humana como recurso terapêutico. Tais fatos possibilitaram a sistematização e geraram a necessidade de novos interlocutores, o que aconteceu em seminários, palestras, cursos e sala de aula.

O Geah foi um desses interlocutores necessários para promover a discussão sobre o instrumento básico de intervenção da TO - atividade como recurso terapêutico - potencializado pelo Método da Escavação. A busca da pesquisadora e profissional em TO por interlocutores tanto nas atividades de ensino como da clínica foi, também, de natureza teórica. Buscou-se uma sustentação adequada, normativa e legítima para refletir sobre o tema e os resultados alcançados na prática clínica e na docência. A ergologia possibilitou essa reflexão, indicando a escavação como um método de ensino e clínico para analisar, ensinar e tratar através da atividade com o objetivo de produzir sentido para o outro e, com isso, dar potência à ação terapêutica.

O Método da Escavação é uma maneira de ajudar o sujeito a pensar, fazer e falar. A escavação do fazer humano é uma desocultação ou um desvelamento do ser; uma forma de ele ou ela se mostrar e ser na presença. Ser na presença é o sentido heideggerneano de sentir-se vivo quando realiza uma atividade qualquer. Contemporaneamente, o ser humano não consegue mais falar pelo sentido de ser. Fala pela manipulação - entendida no sentido de comunicar um determinado discurso -, pelo cálculo e pela explicação. Tem dificuldade de pensar, pois as nossas ações, majoritariamente, estão voltadas mais para a aquisição de informações do que para a produção de um pensamento, a elaboração ou a criação.

Os sujeitos passam a compreender o pensamento, os valores e a própria sociedade em que vivem no momento em que 'escavam' a sua história de vida e as suas relações com o fazer, incluindo as atividades cotidianas, as de socialização e as de trabalho. As desocultações e os desvelamentos gerados pela escavação dão lugar ao 'ser-atividade', entendido como a manifestação do 'si' na realização de uma atividade por meio de sentimentos, percepções e valores. Quanto mais se escava, mais redes, mais dispositivos e mais relações se agenciam. Considera-se que essa busca do desvelamento da atividade, que inclui o fazer, promove sentido à existência. A escavação possibilita que um processo ocupacional garanta a presença e a linguagem do ser. Essa é a explicação teórica e prática da busca humana pela atividade sagrada,5 5 Atividade sagrada: é a atividade de essência de todo ser humano, que não necessariamente é a atividade que desempenhamos tanto no cotidiano como na vida de trabalho. A atividade sagrada é aquela em que o sujeito vai estar nela e vai vivê-la por inteiro, genuinamente, sem mascaramentos; é a entrega do sujeito para com a atividade, para com o outro, para com ele mesmo e nele mesmo através do se perguntar. que a escavação como método de ensino e terapêutico promove. A atividade sagrada é aqui entendida como o processo que possibilita o encontro consigo mesmo.

Portanto, o ser humano como obra de arte, como um acontecimento em que a verdade se revela pela escavação - ato de se perguntar e fazê-lo com amorosidade -, representa-se pela captação da tensão criativa da escavação de uma atividade. Ao mesmo tempo que o ser humano vivencia essa atividade - dando-lhe forma, escavando-a, escavando-se através dela, neste momento de entrega genuína, no processo de fazer, escavando-se -, ele instala o sagrado6 6 Sagrado: equivale ao poder à realidade por excelência, potência. Potência sagrada quer dizer, ao mesmo tempo, realidade, perenidade e eficácia. Portanto, uma hierofania, na etimologia, é algo sagrado se nos revelar (Eliade, 2010). em si. Assim, se produz o domínio do ser, como um todo, e abre ao ser humano essa luta entre o espaço interno e o externo, entre as dimensões macro e micro, entre a terra e o mundo. Então, a atividade, a ocupação e ou a tarefa7 7 Ocupação: fragmentos de atividades com propósitos, das quais os seres humanos participam (Clark et al., 1991). Tarefa: partes sequenciais de uma atividade (Silva, 2007). são meios e também fins em si mesmas.

Na clínica, o Método da Escavação, ao promover a desocultação do fazer, promove também uma circularidade da ação. Entende-se a circularidade como aquilo que envolve, agencia, em que vários elementos se compõem e se interpõem. Nesse sentido, o espaço terapêutico é polifônico de saberes, de posturas, de amplitude espacial e temporal, portanto, pleno de circularidades. Ou seja, envolvimento de locais, espaços, pessoas e buscas de outras atividades.

Como método de ensino, ao promover a desocultação do fazer a escavação, ensina a perguntar e, ao mesmo tempo, a desvelar o campo perceptivo do aluno, produzindo um novo olhar sobre a experiência vivida. Isso acontece acoplado ao conhecimento ou ao aporte teórico prévio, adquirido na formação acadêmica. O método possibilita o surgimento de novas ideias, como possíveis estratégias de atividades como recurso terapêutico mediante a viabilização de novos agenciamentos e dispositivos de saber ao aluno, a potencialização da sua formação humana e a criação de novas demandas de investigação desse saber impulsionadas pelas novas experiências e pela ampliação da percepção. Dessa forma, essa maneira de ensinar TO dá potência tanto à profissão quanto ao sujeito em formação em TO.

A seguir, explicita-se a operação do método como tecnologia de TO voltada à clínica e ao ensino, indicando alguns passos considerados importantes para a sua realização. Vale destacar, no entanto, que o Método da Escavação tem, ainda, um estatuto de experimentação e que demanda mais pesquisa e teorização.

Como primeiro ponto, deve ser produzida a identificação do sujeito e, em seguida, a avaliação das condições físicas, psíquicas, emocionais e operacionais do sujeito para que a escavação possa acontecer. Após esse processo, é feito, em conjunto com o sujeito, um levantamento do material a se utilizar no processo e quais as possíveis atividades, definidas por ele ou sugeridas pelo terapeuta, que serão elaboradas no processo terapêutico e no de ensino.

O passo seguinte é discutir com o sujeito qual tratamento dar ao material que emerge da escavação, seja do ponto de vista do dito, seja do feito. Em seguida, ocorre a finalização da atividade e a busca de novos elementos para escavação. Finaliza-se com a produção de um relatório com uma descrição do processo, que pode ter a forma escrita ou verbal.

As principais ações do processo do Método da Escavação se constituem em: abordagem do questionamento, abordagem perceptiva, indicação da atividade, análise da atividade, realização da atividade e, por fim, a busca da atividade sagrada e do sagrado em si. Assim, o método opera segundo uma postura do terapeuta e do professor como um observador sistemático e mediador das relações que se estabelecem com a escavação.

A análise da atividade está baseada nos elementos da percepção e naquilo que está sendo vivido no encontro. Ela surge, também, de um saber anterior do terapeuta e do professor, de pesquisas de atividades, já que esse profissional deve ser uma pessoa que, durante a formação acadêmica e a prática clínica, experimenta muito as atividades em si próprio, como investigação preliminar, observando-as e analisando-as em outros espaços. Além disso, no processo do Método da Escavação, o resultado dá margem para a positividade do erro e do fracasso, porque a atividade se refaz todo o tempo, é um continuum experiencial e um continuum de atividade.

Envolver-se em uma atividade permite confrontar questionamentos, lembranças, histórias, acontecimentos, dificuldades cognitivas de desempenho, operações na execução da atividade e escolhas. Ao realizar a atividade, o sujeito posiciona-se como aquele que vive o acontecimento e, ao mesmo tempo, como um aprendiz, por isso está sempre em posição de renormatização e ressiginificação. O terapeuta e/ou professor é o mediador do processo de ressignificação e de renormatização do fazer na atividade. Para tanto, produz constantes observações e percepções, checando-as em conjunto com o sujeito.

A grande questão é que a escavação não é dirigida somente para o sujeito em tratamento, mas também para o terapeuta e/ou professor. A todo o instante em que este escava o sujeito, também escava a própria intervenção com ele. A intenção do terapeuta vincula-se, cada vez mais, a ampliar o processo de questionamento, pela escavação de uma atividade. Desse modo, o sujeito ganha potência para renormatizar e ressignificar o seu fazer pela consciência de si e se aproximar, cada vez mais, da atividade sagrada.

A confrontação entre aquilo que observa com o que se faz tem de estar sempre presente. Em todo processo, ambos - terapeuta e sujeito em tratamento e professor e aluno - na ação pedagógica estão confrontando seus saberes, seus valores e suas atividades tanto de vida cotidiana como atividades acadêmicas.

Atividade na perspectiva ergológica e o DD3P: substrato teórico para o Método da Escavação

Nesta perspectiva, o DD3P permitiu checar a confiabilidade do processo do Método da Escavação e, mais importante, explicá-lo. Apontou caminhos para a formação acadêmica e para a intervenção clínica, tendo como categoria máxima de análise a atividade humana.

O DD3P associa, com originalidade, profissionais, pesquisadores, estudantes e trabalhadores na investigação sobre o mundo do trabalho e suas transformações. Yves Schwartz (2000a) afirma que o DD3P é uma consequência direta da ideia de renormalização na atividade.

A atividade na ergologia apresenta-se como "produtora, matriz de histórias e de normas antecedentes que são sempre renormalizadas no recomeço indefinido das atividades" (Schwartz, 2000a, p. 42). O autor afirma que essa ideia de retrabalho parcial das normas que preexistem em todas as situações obriga a instalação de estruturas de aprendizagem permanente dos saberes e dos valores, independentemente do contexto e dos modos de trabalho.

A ergologia é uma disciplina de pensamento, e não uma disciplina de um novo domínio de saber. Ela é própria às atividades humanas e diferente de uma disciplina epistêmica, pois não neutraliza os aspectos históricos e, sim, incorpora-os. A démarche ergológica deve indicar, ao construir seus conceitos, como e onde se situam os espaços de ressingularizações da atividade de trabalho (Schwartz, 2003a).

O primeiro polo do DD3P é o dos conceitos, aquele que nos permite ter acesso ao conhecimento antecedente e que nos faz distinguir o que é uma prescrição, como se comporta o corpo humano, como age e o que se espera dele em termos de ação humana; as noções de mercado; a tradução de uma palavra; a comunicação, entre outros conceitos e conhecimentos. É o polo que indica o lugar dos saberes pertinentes, objeto de um esforço e de uma ascese que visam aos produtos da disciplina epistêmica, em um sentido restrito ou amplo (Schwartz, 2000a, 2003a).

O segundo polo é o das 'forças de convocação e reconvocação'. É o polo dos saberes gerados nas atividades, em que os interlocutores da atividade desempenham um papel fundamental, pois eles valorizam seus saberes específicos e transformam sua situação de trabalho. Esse polo designa a implicação de processos socráticos por meio dos parceiros ou interlocutores engajados em atividades na maior diversidade de suas experiências, trajetórias e posições hierárquicas. Nesse polo, deve-se estar atento a qualquer ponto de vista hegemônico sobre a concepção de atividade de trabalho (Schwartz, 2000a, 2003a).

O terceiro polo é o encontro entre os dois primeiros, que se opera conforme a postura ética e epistemológica dos envolvidos nos polos, em um processo de confrontação que não se instala naturalmente, mas, sim, por meio de um processo de desconforto intelectual e social. Entretanto, sem a vontade conjunta dos protagonistas, engajados nas atividades socialmente transformadoras de ampliar seu horizonte de vida, não haveria motivo para a acareação dos dois polos. Com isso, obstar-se-ia a ação do terceiro polo de ganhar substância e ampliar-se por meio do corpo social. Há que se instituir, nesse polo, essa vontade de saber (Schwartz, 2000a, 2003a).

O autor salienta que esse desconforto intelectual é o estado em que devemos nos colocar diante da produção de um conhecimento e do conhecimento da atividade humana, o que consiste em admitir generalidades e esquemas, sem deixar de reapreciá-los constantemente. O terceiro polo não contém saberes pré-estocados ou de investimento real nas atividades, mas nos convoca a uma humildade para "retornar à atividade, aceitação da disciplina do conceito e de sua aprendizagem pelos interlocutores destas atividades" (Schwartz, 2000b, p. 45). O autor ainda salienta que esse polo possui uma relação dialética para com os outros.

Schwartz (2003b) aborda a atividade, especialmente a atividade de trabalho. Entretanto, destaca que a análise pode se estender a outras atividades humanas. Investigar a atividade humana necessariamente remete a várias disciplinas do conhecimento que envolvem, direta ou indiretamente, o conhecimento da atividade. Esta, por meio de normas antecedentes e renormatizações parciais, produzem história, em uma perspectiva dialética. Tanto no nível micro como no macrossocial, a atividade humana implica o uso dos conceitos que antecipam e/ou permitem conhecer a atividade na ação propriamente dita, e é nesse processo de dialeticidade que se instala a subjetividade, onde a renormatização e ressignificação singular emergem da atividade humana.

No processo de compreender a complexa atividade humana, nas suas mais variadas formas de se exercê-la, um 'certo tipo de inteligência' con voca o pesquisador quanto a certo tipo de relação do objeto de saber da história. Quando, de fato, trata-se de conhecer e intervir sobre esses aspectos, o ensino tem de garantir a preparação do profissional. Esse é o papel da disciplina ergológica:

(...) para compreender essas dinâmicas, parece ser aqui preciso ter a "inteligência do kairos" aquela que permitiria reaprender debates parcialmente "contingentes" entre coletivos humanos e condições preexistentes à sua tentativa de império sobre seu meio, como se a humanidade enquanto atividade nunca deixasse que descrição teórica alguma se estabilizasse (Schwartz, 2003a, p. 130-131).

A disciplina ergológica, que surge no processo de análise da atividade humana a partir do desconforto intelectual e social, exprime, na sua forma mais completa, os saberes, principalmente os da experiência. A ergologia engloba também a disciplina do conceito, que visa a um projeto ou à ambição argumentativa. Isso implica regulagens coerentes ao conjunto dos conceitos que envolvem o projeto ou a argumentação em uma distinção epistemológica, fundamental para demarcar a diferença entre uma disciplina epistêmica e uma disciplina ergológica, mas complementares entre si (Schwartz, 2003a).

(...) toda atividade humana é sempre, e em todos os graus imagináveis entre o explícito e o não-formulado, entre o verbo e o corpo, entre a história coletiva e o itinerário singular, o lugar de um debate incessantemente reinstaurado entre normas antecedentes a serem definidas a cada vez em função das circunstâncias e processos parciais de renormatizações, centrados na entidade atuante e que remetem ao que acima chamamos de "lógica montante" (Schwartz, 2003b, p. 135, grifos do autor).

A disciplina ergológica prima pelo debate de normas, sem o qual a leitura de uma atividade seria impossível. Entretanto, a disciplina epistêmica exige uma busca de avaliações que podem advir de enunciados mal postos devido a juízos de valores que interferem com as coerções formais e experimentais no processo de produção de um conhecimento centrado em uma investigação que não prima pelo debate dos conceitos. A esse respeito, a disciplina em questão proíbe uma manipulação dos valores imanentes às atividades sem dissecamento e exige um retratamento dos valores. Nesse sentido, o pesquisador e o docente falam a partir de um lugar vivo, ao qual eles se atam pelo enfrentamento das atividades tanto de pesquisa quanto de ensino. Diferencia-se, desse modo, da disciplina epistêmica, em que a exterritorialidade está demarcada e tanto o pesquisador como o docente têm de estar em lugar nenhum e eliminar vieses (Schwartz, 2003a).

Toda Atividade Humana manipula conceitos, métodos cristalizados em objetos técnicos, instalações, organismos, procedimentos, métodos de gestão e de contabilidade que qualificamos genericamente de "normas antecedentes" e que a disciplina epistêmica é produtora (Schwartz, 2003a, p. 139).

Para Schwartz (2003b), a atividade de trabalho é a atividade humana mais carregada de marcas de debates históricos das sociedades, tanto para com elas mesmas quanto no que diz respeito às situações de trabalho. Tudo isso se entrelaça e opõe os homens entre si e se cristaliza em produtos de histórias anteriores dos povos. Entretanto, esse encontro dos produtos da história e a atividade de trabalho pelas quais o homem se insere no mundo devem ser vistos de maneira diferenciada segundo as várias formas, modalidades inumeráveis do trabalho em nosso planeta. Schwartz (2003, p. 23) explica que "(...) toda atividade de trabalho encontra saberes acumulados nos instrumentos, nas técnicas, nos dispositivos coletivos; toda situação de trabalho está saturada de normas de vida, de formas de exploração da natureza e dos homens uns pelos outros."

Na atividade tanto de trabalho como de ensino em TO, circulam os saberes que envolvem, como já foi dito, as normas antecedentes, ou seja, saberes e tudo o mais que será recriado pela atividade. Compõe, dessa forma, a dramática do uso de si revivida permanentemente: "(...) pessoalmente, fui levado a propor a idéia de que toda atividade - todo trabalho - é sempre uso. Uso de si, mas com esta dualidade - às vezes simples e ao mesmo tempo muito complicada - que é uso de si 'por si' e 'pelos outros'" (Schwartz e Durrive, 2007b, p. 196-198). Precisamente porque há esses dois aspectos simultâneos, ou essas duas polaridades do uso de si, todo trabalho é problemático - e frágil - e comporta um drama.

O uso de si é empregado por Schwartz e Durrive (2007b) porque nos remete ao 'si' do ser vivo no mundo em relação às várias determinações em que o 'si' possa estar implicado. Canguilhem (2006), fonte inspiradora fundamental da ergologia, ao definir esse sujeito na sua condição de ser, define-o como 'ser da norma'.

Para Schwartz e Durrive (2007b), o 'corpo-si' é ainda um elemento de transgressão, pois este na atividade, entendida conforme exposto, é o elemento-chave desta sendo a responsável pelas transgressões cometidas pelo sujeito. Não se escapa da máxima "a atividade transgride todos os lugares: tanto entendimento, vontade, razão, paixão, paixão e ação, paixão e prática, quer dizer ação moral" (Schwartz e Durrive, 2007a, p. 202). Ainda segundo os autores, a atividade, por um lado, mergulha suas raízes, seu trabalho, no mais obscuro do corpo, nosso corpo; por outro lado, ela tem vinculação com tudo o que há de mais cultural, histórico e moral no sentido da ética.

Para o sujeito compreender-se e agir no mundo, o processo ergológico acarreta o permanente debate e a posição de confronto dos seguintes pontos: experiência de vida e trabalho, conceitos sempre provisórios com relação a essas experiências e possibilidade coletiva de estabelecer o debate. Para os autores, portanto, "a ergologia é a aprendizagem permanente dos debates de normas e de valores que renovam indefinidamente à atividade: é o desconforto intelectual" (Schwartz e Durrive, 2007a, p. 30). Nessa perspectiva, aborda-se a atividade humana em uma determinada situação, ou em um dado meio, como uma negociação permanente de normas. O trabalho é um lugar onde essas negociações estão sempre presentes e determinam aquilo que Schwartz e Durrive (2007a) chamam de atividade real.

É importante destacar que a atividade necessita ser vista de perto, com uma lupa, pois se presenciam tendências singulares que se operam e precisam ser debatidas permanentemente por quem a executa - no caso, o autor refere-se aos trabalhadores. Ele também frisa que a noção de atividade na perspectiva ergológica é justamente o reconhecimento de que, em toda situação de trabalho, há uma tentativa de transformação do 'si' em atividade. Mesmo que essa tentativa esteja no plano microssocial, apenas para aquele que exerce a atividade (Schwartz e Durrive, 2007b).

Esse entendimento sobre a atividade se assemelha ao que comumente se pensa sobre o tema na TO. Aqui, a atividade é a manifestação do ser vivo que tende a manter, a crescer, a regenerar ou a reproduzir seu ser. E as atividades são as formas mais ou menos concretas sob as quais o 'corpo-si' se manifesta. Elas implicam um agente, um material e um objetivo (Jobin, 1999).

A atividade humana na TO é considerada, segundo Castro (2001), o elemento centralizador e orientador da construção complexa e contextuali zada do processo terapêutico e é constituída por um conjunto de ações que apresentam qualidades, demandam capacidades, materialidade e estabelecem mecanismos internos para sua realização.

Discussão dos resultados de pesquisa

A discussão deste artigo tem início valendo-se dos resultados da pesquisa obtidos no estudo de caso, nas observações e nos relatos das situações vividas no Geah. Ao apresentar a proposta do Geah, a partir do qual elaborou-se a sistematização do Método da Escavação como uma possibilidade de exercício do DD3P, destaca-se que o mais significativo e estimulante foi confrontar os saberes da formação acadêmica, o vivido nas atividades de trabalho dos alunos e os saberes da experiência no grupo e poder dizer que esses saberes se entrecruzavam todo o tempo, possibilitando uma retomada sistemática do processo de formação acadêmica e das experiências de vida dos alunos e do docente.

Nesse entrecruzamento, alcançaram-se novas construções, novos entrelaçamentos e novos aprendizados, permitindo o fortalecimento da proposta (Método da Escavação), pois esses alunos e a docente foram se modificando e se conhecendo. Permitiram-se, cada vez mais, ser terapeutas e criar uma sensibilidade muito forte em relação à pesquisa da atividade de trabalho e à capacidade de auto e mútuo questionamento. Com isso, passaram a ressignificar suas vidas, especialmente a esfera do trabalho e a sua formação acadêmica, bem como criaram novas renormatizações, tanto no fazer da própria formação em TO - principalmente, na prática clínica - como em suas atividades de trabalho.

A partir desse exercício, o docente e os discentes foram criando condições e potência para fazer um embate com questões referentes ao funcionamento da sociedade, na medida em que aumentavam suas capacidades reflexivas e fortaleciam-se intelectualmente pelo processo. Com isso, os discentes permitiram-se questionar algumas normas do processo de tratamento dos usuários nos locais onde desenvolviam suas práticas de ensino e, posteriormente, em suas atividades como terapeutas ocupacionais, gerando desconforto nos locais de exercício da profissão. Concomitantemente, o docente sistematizava sua própria experiência, para dar suporte à ação dos discentes.

Uma dimensão muito significativa da vivência de processos de criação foi a possibilidade de, ao longo dessa experiência, identificar que os discentes possuíam uma representação social da atividade como algo banal e, muitas vezes, subestimavam as atividades humanas cotidianas. A experiência no grupo provocou-os a refletirem sobre as atividades e a permitirem-se ser escavados nesse processo. Logo, acabaram por realizar um conjunto de ressignificações, inclusive vendo a potência da atividade não apenas como recurso terapêutico, no sentido de uma aplicabilidade mais técnica ou formal, como também de sua representação social, a ampliação do campo perceptivo e o impacto daquela atividade para si, para o outro e como a sociedade a vê.

Ao adquirir essa consciência, os discentes puderam captar as possibilidades de cada um, apreendendo gradativamente a estrutura cognitiva da interpretação e da ressignificação. Com isso, puderam elaborar uma análise mais apurada do processo da formação acadêmica e do seu agir terapêutico, assim como da atividade e indicação da mesma como recurso terapêutico.

O pensamento de Heidegger (2008) contribui para o entendimento dessa tomada de consciência pelos discentes, no que concerne à elaboração das possibilidades projetadas no compreender. A compreensão revela-se pelas potencialidades do ser, no horizonte de cada situação que se ocupa no mundo, e opera-se no interior das relações já interpretadas.

A vivência desse processo possibilitou aos discentes acessarem a verdadeira solidão no contato com a atividade, compreendendo-a e suportando suas demandas. Puderam concluir que cada atividade permite entrar em contato com uma dada situação, um afeto, sentimento, com alternativas de realizá-la, materiais para estruturá-la e os recursos disponíveis para usá-la como potência terapêutica, de aprendizagem e de formação humana refazendo questões dos modos de tratar em TO.

Com isso, o docente e os discentes, ao viverem a dupla experiência - da formação acadêmica e da proposta do Geah - puderam instituir uma nova maneira de avaliar seu conhecimento e sua aplicabilidade. A confrontação gerada pela proposta tornou-se um dispositivo interessante para checar a formação acadêmica e promover uma condição reflexiva no aluno. Isso permitiu a estes reavaliarem suas atividades de formação humana e de ensino de uma maneira também terapêutica, dando potência a ambos e rompendo com processos avaliativos onde o sujeito não se coloca como agente da avaliação. Essa confrontação também produziu uma autoconfrontação entre o seu fazer e o próprio tratamento dos sujeitos, a partir da prática clínica experienciada pelos estágios.

O erro e/ou fracasso no processo de manipulação de conceitos foi ressignificado como elemento fundamental de aprendizagem, assim como a angústia, a solidão, o desconhecido, o não saber ou o saber informalizado, o fazer e o não fazer, tanto da parte dos discentes como da docente. Tal manipulação permitiu aos discentes se depararem com uma certa impotência frente às atividades e sua aplicabilidade como recurso terapêutico e, ao admitir isso para si e para o outro no grupo, estabeleceram um diferente tipo de relação para com a atividade, assim como com a proposta da escavação. Este, por ser um método invasivo, requer que os envolvidos estejam dispostos a vivê-lo e a submeter-se aos seus questionamentos, fortalecendo e impulsionando o sujeito a querer escavar mais: quanto mais escava, mais agenciamentos, redes e interconexões são promovidas para si e para o outro.

A escavação encontra um ponto em comum com a abordagem ergológica pelo processo de confrontação e autoconfrontação, pois estabelece essa condição na análise da atividade em TO e na relação com os saberes entre a atividade prescrita e a atividade real, assim como com as interseções que estas acionam.

Na relação entre o prescrito e o real, a atividade, assim como a escavação, é vista como um conceito dinâmico e sofre influência direta dos lugares, dos espaços, dos territórios onde se desenvolve e da diversidade subjetiva que convoca, pela possibilidade de agenciamento tanto material como singular que ela é capaz de promover. Dessa forma, o processo de confrontação dos saberes se manifesta no ato de escavar.

A atividade, seja ela prescrita ou real, pela escavação mostra um dos agenciamentos fundamentais que é o envolvimento corporal que esta convoca a todo momento e que, na maior parte das vezes, é ignorado. A atividade corporal e/ou o uso do corpo promoviam no grupo, em muitas vivências, um estranhamento e uma dificuldade perceptiva em poder avaliar em qual potência e em que medida sua singularidade era afetada pela realização de uma determinada atividade e como poderia ser escavada a partir do experienciado corporalmente.

Essa experimentação do uso de si acontecia mediante uma disponibilidade em viver a escavação, assim como a solidariedade com o outro no processo da realização da atividade. Assim, o 'uso de si' é atravessado pelos outros, já que não agimos sozinhos. O trabalho é um universo social, tal como o espaço criado para aqueles que elaboram as normas ou as avaliam. Tudo isso pertence ao 'outro' da atividade de trabalho (Schwartz e Durrive, 2007b).

Na medida em que desenvolvem trabalhos e/ou realizam outras atividades ocupacionais, os sujeitos engajam os outros e vice-versa. Há escolhas também em relação ao outro, permeadas por valores que influenciam os projetos de vida e a singularidade de cada um. Sobre isso, Schwartz e Durrive (2007b, p. 194) afirmam que "(...) a partir do momento em que há uso e não simplesmente execução, o uso encontra os outros. A maneira pela qual eu negociei este encontro com os outros, a partir das escolhas feitas, nos remete efetivamente aos dramas mais profundos da pessoa".

Ao negociar a relação entre a atividade e o 'uso de si' no grupo, através do Método da Escavação, se instala uma nova ética no fazer. Como exemplo dessa situação, destacamos: a democratização da relação, o cuidado com o dito e o feito, o não julgamento da ação, o respeito pelo produzido e a solidariedade com o que se manifesta no ato de escavar-se pela atividade. Assim, ao escavar a atividade e o 'uso de si' na atividade, através da explicitação dos sentimentos, valores e percepções, funda-se uma maneira de relacionamento e de aplicabilidade do recurso, gerando uma autonomia de indicação, aplicação e sentido que garante o aproveitamento e a continuidade da relação entre terapeuta e sujeito em tratamento e docente e discente.

O exposto permite perceber que o Método da Escavação propicia o estabelecimento de um processo de democratização de uma atividade humana específica e de um questionamento sem exigência imediata da resposta, sem imposição, sem hierarquização de poder e saber. Assim, possibilita uma produção de identidade agora centrada na relação estabelecida entre o sujeito, o aluno ou o professor e o terapeuta por um pacto de cumplicidade e solidariedade na realização tanto da escavação como da produção de saber dela decorrente. Isso permite que os envolvidos - alunos, sujeitos em tratamento, professor e terapeuta - constituam-se como autores de uma determinada atividade realizada no processo que pode ser artesanal, intelectual ou de vida diária. Essa autoria coletiva - em processo de cumplicidade, solidariedade e democratização - produz a coletivização da escavação.

O processo do Método da Escavação permite ao sujeito o comprometimento e a tomada de decisões, o que possibilitará a renormatização da atividade realizada na escavação, bem como de seu processo de vida, por meio dos materiais, entendendo-os como lembranças, sentimentos e percepções que brotam do processo. A perspectiva ora apresentada refere-se ao Método da Escavação como recurso clínico e de ensino para compreender a relação do homem com a sua atividade. Mais especificamente, neste estudo, toma-se a atividade como recurso terapêutico e/ou elemento-chave para o ensino da TO. É a partir da qualidade dessa negociação na realização da atividade que se estabelece uma relação transparente nesse método, pois aciona tanto o sujeito como também o seu interlocutor a posicionar-se diante da atividade.

Essa consideração remete o aluno ou o sujeito em tratamento, assim como o terapeuta e o professor, a uma possibilidade de suportar o vivido no processo de escavação da atividade, podendo tolerar suas perguntas. Nesse contexto, a solidariedade potencialmente se instala, promovendo uma renormatização consciente da atividade e sua ressignificação. No processo, emergem muitos valores, mas se destaca o valor afetivo pela atividade como o produto do perguntado, o que possibilita levar a realização da atividade a um divertimento ou gozo, além de conduzir a um caminho em busca da atividade sagrada. O sujeito aprofunda o sentido da mesma para si, amplia seu significado e aproxima-se à atividade e, portanto, a si mesmo.

Apresentam-se, a seguir, os desvelamentos e as relações de convergências entre o Método da Escavação e a abordagem ergológica constatados na tese, que materializam na experiência desse método os referenciais filosóficos. Também se abordam outros referenciais ontológicos e epistemológicos do mesmo.

O desconforto intelectual remete à ideia de que, para compreender algo da própria história e agir nela, é necessário colocar-se no plano do retra balhar permanente os valores a viver. Schwartz e Durrive (2007a, p. 205) convocam a uma premissa: "nesta condição somos todos iguais diante deste trabalho." Os autores acrescentam que, para compreender a própria posição em relação a esses valores, explicitá-los, possibilitar o confronto, permitir o julgamento e colocar-se em posição de debate é preciso o conceito, o saber e a compreensão.

Assume-se, portanto, o posicionamento de que o Método da Escavação como método clínico e de ensino em TO constitui-se em um DD3P, pois permite, como método de análise da atividade e como recurso terapêutico e de ensino, checar os saberes e possibilitar o seu encontro, fazendo-os circular, e perceber como estes se comportam nos sujeitos. Ou seja, uma ascese que visa a buscar e/ou a revisitar esses saberes, tanto no sentido amplo como restrito do conhecimento, em direção a uma austeridade e a um autocontrole do corpo e do espírito, ligando assim com o denominado primeiro polo.

Esses saberes que circulam no processo de desenvolvimento do grupo, através da escavação, produziram uma valorização da atividade como recurso terapêutico, valorizando as tecnologias da TO pela ressignificação da vida e do trabalho dos discentes e do docente, ao mesmo tempo que compreenderam o papel das tecnologias como potência terapêutica, demarcando o território profissional e garantindo o poder terapêutico da atividade, desde que contextualizada.

Outra convergência do método com o primeiro polo foi a constatação de que a formação acadêmica permitiu a esses alunos reavaliar a atividade de trabalho, fazendo com que também ampliassem o significado do trabalho tanto na sua dimensão prescrita como na real. Viram que o trabalho serve como refúgio, sendo capaz de mascarar as reais dificuldades de uma pessoa, e o quanto este tem valor para o ser humano. Puderam compreender ainda o valor do trabalho para as relações humanas como forma de inserção social, exclusão social, assim como de socialização e fonte de realização, prazer e desprazer.

Os alunos destacaram que, durante a formação acadêmica, entender o conceito é fundamental para compreender a vida e suas múltiplas manifestações, o que possibilitou muitas reflexões e a abertura de novos caminhos, revendo conceitos e revisitando-os. Entretanto, criticam a formação acadêmica (referindo-se às disciplinas em geral), que consideram muito teórica e, outras vezes, muito simplista, centrando o seu papel na explicitação somente do saber técnico, o que produz um embate entre o instituído e o experienciado.

Em relação ao saber técnico, a percepção dos alunos é de que a TO não é valorizada devido à fragilidade do conhecimento, principalmente à pouca pesquisa sobre as ocupações humanas e/ou atividades humanas, o que eles atribuem à origem das mesmas, em sua maioria, o senso comum, sem grandes aprofundamentos teóricos. A formação acadêmica que forma os terapeutas ocupacionais é conivente com isso, ao experimentar e pesquisar pouco a área.

Além disso, essa formação, na visão dos discentes, é essencial para reconhecer a si e ao outro por meio das técnicas de observação, seja da atividade de trabalho real, seja pelas atividades experienciadas, intermediadas pelas tecnologias da TO. Tecnologias expressas na análise das atividades, prescrição das atividades, avaliação da atividade como recurso terapêutico, mapeamento tanto das atividades como das outras tecnologias que oportunizam um pensar sobre o fazer e possibilidades de renormatização desses mesmos afazeres.

Entendem que essas tecnologias da TO geram experiências reflexivas, pois supõem, necessariamente, a avaliação do outro. Entretanto, criticam a falta dessa reflexão, que existe implicitamente no recurso, mas que não é exercitada na formação acadêmica. A esse respeito, os discentes falam de uma negação do princípio de aplicabilidade do recurso terapêutico no uso das atividades e do exercício dessa técnica como algo escamoteado pelo fazer docente.

Entretanto, os discentes afirmam que a formação acadêmica não oportuniza o confronto desses saberes com o saberes empíricos. Em contrapartida, afirmam que a experiência do grupo Geah possibilita esse confronto entre os saberes, valorizando-os e realocando-os a partir do vivido. Na formação acadêmica, os discentes questionam como é feita a junção entre os saberes técnicos, do conceito e da empiria, pois tal formação acaba subestimando o saber empírico em detrimento do saber técnico, ou vice-versa.

Essa contradição que os discentes demarcam na formação acadêmica é fator importante da descrença que eles estabelecem com a mesma, uma vez que, no projeto do curso, não há espaço para esse tipo de confronto. Isso gera um grande desconforto, pelo fato de não haver um lugar de debate para essas normas durante a formação, mesmo na proposta do Geah, discutindo e escavando os documentos do curso diretamente. O Geah oportunizava essa discussão indiretamente, mediante a reconvocação a partir da análise das normas das atividades formais do curso.

O processo de reconvocação possibilitou a abertura de uma consciência crítica por parte dos discentes frente à formação acadêmica. Com isso, permitiu aos estudantes revisitá-la, podendo avaliar o que era significativo para a produção do seu conhecimento e o que era inexpressivo, sem, entretanto, desqualificar a própria formação.

Uma das qualidades da formação acadêmica apontada pelos discentes e reforçada na experiência do Geah foi a possibilidade de dar nomes àquilo que eles percebiam, sentiam ou sabiam, às vezes, de maneira equivocada. Um dos exemplos mencionados foi o conceito de atividade e o entendimento errôneo de que a atividade é algo concreto, material, e que um encontro, uma conversa, não correspondem a uma atividade. Ao perceberem-no, reviram muitos outros conceitos sobre o cotidiano, inclusive sua maneira de olhar o trabalho. Os discentes identificaram, também, que o conceito atribuído inicialmente ao trabalho era pueril, para não dizer romântico. Com isso, puderam fazer a crítica da forma como o homem hoje vem lidando com a atividade de trabalho.

Destaca-se, portanto, que a atividade do Geah pode cumprir um papel de ressignificar a formação acadêmica, na medida em que possibilitou ao grupo revisitá-la constantemente, de maneira muito singular. Por meio da realização de determinadas atividades, esses saberes estavam em permanente confronto, além de haver um esforço para entender de que maneira um dado conhecimento estava a serviço da sua formação acadêmica, mas também da sua história de vida. Quanto ao docente, uma vez que tinha de mediar essa relação, também pôde avaliar a dimensão do seu conhecimento, assim como revisar seu saber buscando novos conhecimentos que pudessem dar suporte às suas necessidades e às dos discentes.

A conceituação referente ao segundo polo formou-se pelos saberes gerados nas atividades discentes e docentes pelas forças de convocação e reconvocação. A proposta do Método da Escavação defrontou-se com os saberes da formação acadêmica como uma atividade que possibilita a convocação direta e indireta dos interlocutores por meio dos debates entre o conhecimento gerado por essa formação e o das redes de assistência e da comunidade externa e interna. Assim, envolveu direta e indiretamente os discentes e a docente, assim como os usuários dos serviços.

Nas atividades desenvolvidas pelo Geah, os discentes comentavam que o papel da formação humana foi como um despertar de valores e tomada de consciência da vida e da própria TO. O saber da formação acadêmica produziu potência e também intimidação, devido à grande quantidade de conhecimentos e responsabilidades que esses saberes promoveram, sendo instigados a refletir.

Os discentes criticaram o papel dos docentes, considerado pouco reflexivo, levando assim a uma atuação desqualificada do profissional de TO e interferindo na formação acadêmica e no mundo do trabalho. Avaliaram sua atuação como solta, desconexa e sem consistência teórica, acarretando em um problema de passagem da teoria para a prática, principalmente pela dificuldade de construir a prática a partir do saber teórico.

Em relação ao interlocutor externo à formação acadêmica - o mundo do trabalho -, os discentes afirmam que há uma discrepância entre a atividade de trabalho prescrita e a real, além de esta atividade (a real) não absorver aquele que está em tratamento. Porém, a formação acadêmica não reflete sobre isso, utilizando, muitas vezes, a atividade prescrita de forma ingênua e sem reflexão.

Com essa crítica, afirmam que o uso das tecnologias da TO durante a formação acadêmica não está respaldada na crítica ao mundo do trabalho contemporâneo. Com isso, muitas vezes, ministra-se um saber técnico descontextualizado, produzindo uma idealização da futura atividade profissional, conforme os discentes. Isso mostra que o terapeuta ocupacional está tendo uma atitude de alienação frente a essa situação e vem baseando sua atuação somente na aplicação técnica de treinamento da tecnologia para exercer uma hipotética atividade de trabalho. No entanto, os discentes reconhecem que a formação acadêmica fez reavaliar o conceito de trabalho real. Promoveu também uma reflexão sobre a atividade de trabalho como manutenção da saúde, assim como o seu papel no adoecimento.

Quanto ao saber empírico, os discentes tiveram a percepção de que havia uma aproximação da sua história de vida com o campo da TO. Ao refletirem sobre isso no Geah, puderam valorizar o cotidiano nas atividades desenvolvidas e em sua análise, gerando a potência da atividade cotidiana, ressignificando suas próprias vidas. Assim, resgataram o valor da atividade humana e puderam fazer uma crítica ao sistema capitalista e à visão desse sistema sobre as atividades, principalmente as de trabalho e lazer.

Na proposta do Geah, os discentes disseram haver um link entre a teoria e a prática que não existe nas outras atividades acadêmicas de formação. Logo, defendem o método como uma proposta pedagógica mais qualificada para ensinar TO. Os referenciais teóricos, para eles, passaram a ter sentido, pois a aprendizagem diferencia-se pelo exercício constante de percepção, questionamentos e ampliação do campo perceptivo. Dessa maneira, eles renormatizam a atuação terapêutica ocupacional, promovendo um novo olhar sobre o outro e sobre a atividade, ressignificando também a percepção da TO como um saber. Reconhecem o método de intervenção, identificando melhor o tratamento de TO, bem como percebem que a prática clínica proporcionada pela formação acadêmica não satisfaz, pois não promove a segurança que encontraram na proposta do Geah.

A experiência no grupo possibilitou a discriminação do papel da atividade, pelos discentes, para a profissão, valorizando o seu saber com os outros saberes. Dessa forma, identificaram-se com a profissão e aproximaram-se da mesma, construindo uma identidade profissional. Ou seja, ao ressignificarem a atividade como recurso terapêutico, a categoria 'identidade profissional' emergiu com força, pois puderam se identificar com o que faziam, promovendo, com isso, uma aproximação com o campo teórico da profissão que até o momento estava distante dos mesmos por falta de identificação com o enunciado teórico da categoria profissional.

O Método da Escavação produziu um aprofundamento da formação acadêmica a partir da atitude do docente de democratização da intervenção e do ensino de TO e da maneira diferente de lidar com o fracasso e o erro, permitindo o processo de confrontação para o autoconhecimento através das atividades no grupo, destacando a importância do ato de perguntar como potência para fazer e não somente para falar.

A atividade do Geah e o Método da Escavação provocaram mudanças e muitas possibilidades de trocas no fazer, pois determinam um situar-se frente ao feito, e esta é a essência da atividade humana: provocar a autoria. Assim, emerge a singularidade do fazer, proporcionando um valor afetivo pela atividade, uma paixão.

O método tem uma ordenação, produz norma, além de acionar a renormatização explícita, de forma que possibilita refletir sobre doença, saúde, prescrição da atividade, papel da atividade como recurso terapêutico. Dessa forma, suscita uma maior reflexão do sujeito, o qual elabora, pela escavação, o mapeamento do que ele mesmo deve escavar.

O Método da Escavação produz um saber que transcende a formação acadêmica, pois implica o comprometimento do indivíduo. No método, ao realizar uma atividade, ela se esgota se não houver honestidade com ela; faz o indivíduo se comprometer e estabelecer uma postura ética com o próprio processo do Método da Escavação, promovendo uma nova concepção de vida, pois o papel do grupo deu potência para a formação acadêmica e uma ressignificação da teoria, pela circularidade dos saberes, com a ampliação da percepção sobre as experiências das práticas de ensino e das vividas no Geah.

Na proposta do grupo, os discentes afirmam haver uma continência e uma solidariedade, produzidas pela escavação durante o processo, valorizando assim a atividade real. Essa relação de solidariedade, promovida pela atividade real, é denominada por Schwartz (2003b, p. 28), quando se refere à atividade de trabalho como "uma fabricação de viver em comum". A produção desse viver em comum, por meio das marcas da sociedade, tanto positivas quanto negativas, depende do esforço de visibilidade e de socialização dos saberes produzidos nessa relação.

Na perspectiva ergológica, o terceiro polo é o encontro entre todos esses saberes. Portanto, os saberes gerados no Geah, pelo próprio método e a interrelação do grupo, requerem, com muito esforço, luta e sofrimento, uma postura ética e epistemológica do conhecimento em relação à formação - no caso deste estudo, a formação acadêmica em TO, ressignificando-a e renormatizando o papel da atividade como recurso terapêutico.

Todos esses saberes e essa interrelação foram proporcionados pela horizontalidade da relação entre os interlocutores e o próprio grupo. Além disso, destacam-se a democratização do processo de vivenciar as atividades, bem como da relação de poder entre discentes e o docente, a circularidade dos saberes e o desconforto intelectual permanente, gerado pela própria escavação.

As atividades do Geah operam-se no sujeito reconvocando-o a revisitar o saber formal e convocando-o a se posicionar frente a outros saberes, oportunizados na atividade da escavação. No que diz respeito ao saber empírico, a atividade da escavação proporciona uma atitude reflexiva para com as atividades de trabalho e/ou cotidianas e com as próprias vivências do sujeito, ao convocar e reconvocar o 'uso de si' e o 'corpo-si' na própria atividade da escavação. Assim, promoveu-se também um diálogo reflexivo entre os saberes da formação acadêmica e o saber empírico, junto ao corpo docente do curso, aos demais alunos, à própria rede de assistência e à comunidade externa, fazendo uma espécie de acareação, colocando esses saberes um em frente ao outro.

De acordo com os discentes, a formação acadêmica faz pensar, mas, no Geah, é possível operar as mudanças. Por isso, criticam o modelo tradicional de ensino e destacam o Geah como modelo de formação e transformação pessoal. O Método da Escavação é visto como uma proposta pedagógica inovadora e um processo terapêutico de fato, condizente com a clínica da TO, pois produz reflexão sobre a automatização dos padrões de funcionamento de um sujeito pela atividade. A análise da atividade no método, conforme os estudantes, é processual e concebida como uma maneira de se relacionar. Nele, a atividade é inserida gradualmente, sendo pensada e refletida para promover vida, renormatizando a atividade humana.

O vivido no Geah é a ressignificação das emoções, das descobertas, do reconhecimento de si, da importância da experiência como potência de vida, do papel do grupo modificando o dia a dia das atividades de trabalho. Também é a consciência de estar no mundo do trabalho hoje como algo valoroso, não somente para a sobrevivência, mas também pelo sentimento de solidariedade que se produz na relação com o trabalho.

Além disso, fora a experiência do Geah, os discentes não encontram lugar para o seu saber sobre as atividades de trabalho e as atividades de socialização no espaço da formação acadêmica. No PPC do curso, inclusive, a troca de saberes também não está prevista formalmente. Com a experiência do Geah, passaram a se ver em outros papéis a partir da tomada de consciência de si e do papel da atividade, uso de si por si a partir da vivência da escavação e da realização de atividades, possibilitando que eles fizessem uma projeção do futuro e uma produção de identidade profissional positiva. A proposta do Método da Escavação pode constituir um DD3P por possibilitar o encontro desses saberes que envolvem a formação de TO, bem como os relativos ao modo de os discentes viverem essa experiência, ressignificando e renormatizando os dispositivos e as tecnologias da formação.

Considerações finais

Ao concluir este artigo, abordam-se as possibilidades dos pesquisadores em se expressarem no ato de escrever, norteados pela curiosidade em refletir sobre a relatividade dos saberes. Nesse caso específico, trata-se dos saberes gerados pelo Método da Escavação como forma de promover uma relação, convocação e reconvocação entre os saberes da formação no curso de TO.

A hipótese da tese que originou este artigo se fundou mais como uma hipótese socrática, em vez de uma investigação sobre a eficácia de um método. O propósito maior foi estabelecer uma reflexão acerca da possibilidade do Método da Escavação como um organismo de análise das experiências e percepções vividas no Geah, e este constituir-se em um DD3P da abordagem ergológica.

É importante esclarecer que a análise da hipótese do estudo referiu-se apenas à formação acadêmica, sendo o aluno o interlocutor principal. Quanto à prática clínica, seria necessário, portanto, envolver como interlocutor principal o sujeito em tratamento, que não foi objeto da pesquisa em questão.

Aprofundar o conhecimento acerca do tema para além da opinião e levá-lo a uma perspectiva conceitual, sem, contudo, almejar uma conclusão sobre o assunto proposto: esse é o modo de apresentação dos indicativos de possibilidades, entrecruzamentos e convergências entre o processo ergológico e o Método da Escavação. Para tanto, baseia-se na análise das tecnologias da TO, das atividades vividas no Geah e do próprio Método da Escavação desenvolvido pela pesquisadora como mais um dispositivo de análise dos processos ergológicos.

Nesse contexto, a opção por implicar discentes e docente no estudo orientou-se também no que Freire (2005) refere sobre a existência humana, a qual não pode ser muda, silenciosa, tampouco pode nutrir-se de falsas palavras. Ao contrário, precisa de palavras verdadeiras, com as quais os homens transformam o mundo. Existir humanamente, para o autor, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, volta-se problematizado aos sujeitos pronunciantes e exige deles novo pronunciar.

Um dos pontos de confronto entre o vivido no Geah e o conjunto da formação acadêmica foi o impacto da constatação dos alunos de que, na formação acadêmica, não há espaço para eles reverem e reconvocarem seus sentimentos, percepções, angústias e sofrimentos com o processo de se tornarem terapeutas. Como eles se constituem como terapeutas, quais habilidades, competências e aquisições cognitivas e de criação deverão emergir e qual aporte teórico e emocional será revelado ao lidarem com as dificuldades e os sofrimentos seus e do outro em tratamento? A experiência do Geah construiu essa possibilidade, sem, contudo, caracterizar-se como um espaço terapêutico; promoveu o surgimento de sentimentos, angústias percepções e sofrimentos, deu lugar aos mesmos e encaminhou-os. Isso promoveu um oásis de possibilidades do acontecimento da vida universitária para aqueles discentes.

Nem no processo de desenvolvimento do grupo, nem nas entrevistas, os discentes referem-se à sua formação acadêmica como vivida em um espaço universitário. A relação que estabelecem é de um contato limitado, restrito apenas às atividades, sem interagir com a vida universitária nos sentidos político, cultural e de socialização. A potência da subcategoria identidade surgiu muito voltada ao processo de ressignificação da formação acadêmica e da identidade profissional e pela própria ação de ressignificação de suas atividades de trabalho e de vida cotidiana, o que remete os sujeitos, quase inexoravelmente, a falar de uma identidade, produzida por um esforço, um objetivo como algo a ser inventado.

O Método da Escavação como possibilidade de vir a constituir-se como um método clínico e de ensinar TO, como método de análise das atividades como recurso terapêutico e análise das atividades de ensino, checa os saberes e promove o seu encontro. Assim, proporciona a renormatização das atividades de ensino, bem como a indicação das atividades; também promove uma reflexão sobre os protocolos formais de avaliação e indicação das atividades como recurso terapêutico.

Além disso, o processo do Método da Escavação ressignifica os saberes formais e os da prática, fazendo-os circular nos vários espaços em que a formação acadêmica se insere. Logo, oportuniza-se aos discentes reavaliar o seu conhecimento antes mesmo da finalização do curso. Isso permite uma flexibilidade e uma readequação curricular constante e um revisitar do conhecimento - seja no sentido amplo, seja no restrito - em direção a uma formação acadêmica que prima em buscar integrar as várias dimensões do ser humano e seus valores.

O processo do Método da Escavação oportuniza aos sujeitos valorizar a atividade como recurso terapêutico, proporcionando o ressignificar e o renormatizar das tecnologias da TO, assim como das atividades de trabalho dos discentes, potencializando-as, tanto em nível terapêutico como social. Consequentemente, também ressignifica-se e renormatiza-se o território profissional, garantindo e reafirmando, com isso, o poder terapêutico da atividade e respeitando sua historicidade, temporalidade e contexto social.

Entretanto, de acordo com Charlot (2000), quanto mais uma atividade for submetida a variações de situações e quanto maior sua inscrição no corpo, maior será a dificuldade de expô-la sob a forma de enunciado. Em contrapartida, quanto maior sua proximidade em relação à sucessão de atos normativos, sem grandes ambiguidades, maior a possibilidade de enunciá-la.

Um aspecto que requer uma vigilância maior da proposta do Método da Escavação é que o mesmo inscreve-se fundamentalmente no corpo. Nesse sentido, há algumas dificuldades de enunciá-lo como invento acabado, pois o resultado dessa pesquisa apenas deu início ao processo de sistematização do método, requerendo ainda muitos outros estudos.

Nota do Editor

Este artigo tem como base a tese de doutorado Método da Escavação como recurso de ensino clínico em terapia ocupacional na perspectiva ergológica, de autoria de Eliana Anjos Furtado, sob a orientação de Maria Clara Bueno Fischer.

Notas

Recebido em 28/02/2011

Aprovado em 04/03/2011

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  • 1
    Professora do curso de Terapia Ocupacional do Centro Universitário Metodista IPA, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). <
  • 2
    Professora e pesquisadora da Faculdade de Educação (Faced), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisadora CNPq - Nível 2. Doutora em Educação pela University of Nottingham, com pós-doutorado em Educação pela Universidade de Lisboa. <
  • 3
    Atividade humana: é constituída por um conjunto de ações que apresentam qualidades, demandam capacidades, materialidade e estabelecem mecanismos internos para sua realização.
  • 4
    Atividade: é a manifestação do ser vivo que tende a manter, crescer, regenerar ou reproduzir seu ser. As atividades são as formas sob as quais a atividade humana se manifesta. Elas implicam um agente, um material e um objetivo (Jobin, 1999).
  • 5
    Atividade sagrada: é a atividade de essência de todo ser humano, que não necessariamente é a atividade que desempenhamos tanto no cotidiano como na vida de trabalho. A atividade sagrada é aquela em que o sujeito vai estar nela e vai vivê-la por inteiro, genuinamente, sem mascaramentos; é a entrega do sujeito para com a atividade, para com o outro, para com ele mesmo e nele mesmo através do se perguntar.
  • 6
    Sagrado: equivale ao poder à realidade por excelência, potência. Potência sagrada quer dizer, ao mesmo tempo, realidade, perenidade e eficácia. Portanto, uma hierofania, na etimologia, é algo sagrado se nos revelar (Eliade, 2010).
  • 7
    Ocupação: fragmentos de atividades com propósitos, das quais os seres humanos participam (Clark et al., 1991). Tarefa: partes sequenciais de uma atividade (Silva, 2007).
  • *
    Correspondência: Centro Universitário Metodista IPA, Rua Jaime Telles, 133/503, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, CEP 90460-030.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Aceito
      04 Mar 2011
    • Recebido
      28 Fev 2011
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