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Contribuições de um mapa interativo da força de trabalho na Estratégia Saúde da Família

Contributions of an interactive workforce map in the Family Health Strategy

Aportaciones de un mapa interactivo de la fuerza de trabajo en la Estrategia de Salud Familiar

Resumo

Descreve-se no artigo o processo de construção de um mapa interativo georreferenciado que incorpora a questão da coexistência de diferentes tipos de vínculos em uma mesma unidade básica de saúde do município de Itajaí, em Santa Catarina. O período de realização da pesquisa foi de janeiro a junho de 2023. Argumenta-se que essa questão tem aberto cenários de tensão nas relações de trabalho e, com efeito, na produção do cuidado resolutivo e continuado. O mapa abre frentes úteis para o processo organizacional da rede da estratégia do município e para a análise de políticas públicas, de modo a se refletir sobre o que é apresentado para a força de trabalho. Pode ser também um instrumento de avaliação para entidades de controle social e para a sociedade em geral. O texto procura assumir caráter didático ao oportunizar aos leitores acesso a informações suficientes para que possam se apropriar das ferramentas apresentadas, possibilitando-lhes assim a construção de seus próprios mapas.

Palavras-chave:
gestão de recursos humanos; categorias de trabalhadores; território sociocultural; Estratégia Saúde da Família; georreferenciamento

Abstract

This article describes the building process of a georeferenced interactive map that incorporates the issue of the coexistence of different types of bonds in the same essential health unit in the municipality of Itajaí, Santa Catarina, Brazil. The research period was from January to June 2023. It is argued that this issue has opened scenarios of tension in labor relations and, in fact, in the production of resolutive and continuous care. The map opens helpful fronts for the organizational process of the municipal strategy network and for the analysis of public policies to reflect on what is presented to the workforce. It can also be an evaluation tool for social control entities and society in general. The text seeks to assume a didactic character by providing readers with access to sufficient information so that they can appropriate the tools presented, thus enabling them to build their own maps.

Keywords:
human resources management; categories of workers; socio-cultural territory; Family Health Strategy; georeferencing

Resumen

Este artículo describe el proceso de construcción de un mapa interactivo georreferenciado que incorpora la temática de la coexistencia de diferentes tipos de vínculos en una misma unidad básica de salud en el municipio de Itajaí, Santa Catarina, Brasil. El período de investigación fue de enero a junio de 2023. Se argumenta que esta cuestión ha abierto escenarios de tensión en las relaciones laborales y, como consecuencia, en la producción de cuidados resolutivos y continuos. El mapa permite abrir frentes útiles para el proceso organizativo de la red de estrategias del municipio y para el análisis de las políticas públicas, a fin de reflexionar sobre lo que se presenta a la fuerza de trabajo. Además, puede ser una herramienta de evaluación para las organizaciones de control social y la sociedad en general. El texto se propone tener un carácter didáctico, dando al lector acceso a información suficiente para que pueda apropiarse de las herramientas presentadas, lo que le permitirá construir sus propios mapas.

Palabras clave:
gestión de recursos humanos; categorías de trabajadores; territorio sociocultural; Estrategia de Salud de la Familia; georreferenciación

Introdução

O novo milênio expôs uma realidade sobre a gestão do trabalho em saúde para economias nacionais cada vez mais entrelaçadas em contexto de aumento de desigualdades sociais (Credit Suisse Research Institute, 2015CREDIT SUISSE RESEARCH INSTITUTE (CSRI). Global Wealth Report 2015. Geneva: CSRI, 2015.). Nesse processo em curso, três argumentos sobre a necessidade de aprimoramento das formas de gestão do trabalho em sistemas de saúde têm se destacado no debate internacional: o papel central da força de trabalho; os múltiplos desafios apresentados pelas reformas dos sistemas de saúde; e a necessidade de se anteciparem os efeitos sobre a escassez progressiva de pessoal de saúde qualificado e sobre a desigualdade distributiva desse pessoal (Dussault e Dubois, 2003DUSSAULT, Gilles; DUBOIS, Carl-Ardy. Human resources for health policies: a critical component in health policies. Human Resources for Health, s.l., v. 1, n. 1, p. 1-16, 2003. https://doi.org/10.1186/1478-4491-1-1. Disponível em: Disponível em: https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/1478-4491-1-1#citeas . Acesso em: 15 nov. 2023.
https://doi.org/10.1186/1478-4491-1-1...
; Dal Poz, 2013DAL POZ, Mario R. A crise da força de trabalho em saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 10, p. 1.924-1.926, out. 2013. https://doi.org/10.1590/0102-311XPE011013 Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/F5vfm6dCsVbm9qfngypZ54t/?lang=pt# . Acesso em: 27 jul. 2023.
https://doi.org/10.1590/0102-311XPE01101...
).

Na esteira dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio estabelecidos pelas Nações Unidas em 2000, o Brasil realizou o III Fórum Global sobre Recursos Humanos em Saúde, em Recife (PE), em 2013, que resultou na Declaração Política de Recife sobre Recursos Humanos para a Saúde. Nesse documento, representantes dos governos, academia, sociedade civil, associações e sindicatos de profissionais de saúde, instituições multilaterais e bilaterais reconheceram a importância de investimento central em recursos humanos (Global Health Workforce Alliance, 2013GLOBAL HEALTH WORKFORCE ALLIANCE. The Recife Political Declaration on Human Resources for Health: renewed commitments towards universal health coverage. In: FÓRUM GLOBAL DE RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE, 3, Recife, 10-13 nov. 2013. Recife: Global Health Workforce Alliance, 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/the-recife-political-declaration-on-human-resources-for-health--renewed-commitments-towards-universal-health-coverage . Acesso em: 15 nov. 2023.
https://www.who.int/publications/m/item/...
; Organização das Nações Unidas, 2001ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Nações Unidas: Declaração do Milénio. Cimeira do Milénio. Nova York, 6-8 set. 2000. Lisboa: United Nations Information Centre, 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/2000%20Declaração%20do%20Milenio.pdf . Acesso em: 3 abr. 2024.
https://www.oas.org/dil/port/2000%20Decl...
).

A globalização, a mudança no perfil epidemiológico, no comportamento e nas aspirações dos usuários com a força de trabalho em saúde têm exigido novas discussões sobre o enfrentamento daquilo que se convencionou chamar de crise global da Força de Trabalho em Saúde (FTS) (Portela et al., 2017PORTELA, Gustavo Z. et al. Recursos humanos em saúde: crise global e cooperação internacional. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 22, n. 7, p. 2.237-2.246, jul. 2017. https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02702017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/kHcZCY9ftvqghRBstskTTwf/# . Acesso em: 15 nov. 2023.
https://doi.org/10.1590/1413-81232017227...
). Associam-se a esse contexto as transformações advindas da adoção da racionalidade neoliberal pelos estados na condução das políticas públicas. Entre as consequências desse fenômeno, está a flexibilização das relações do trabalho em setores fundamentais como o da saúde.

Essa realidade levou à aprovação da ‘Estratégia Global sobre Recursos Humanos para a Saúde: Força de Trabalho 2030’, pela 66ª Assembleia Mundial de Saúde, realizada em maio de 2016. Elaborada com base em uma vasta consulta aos países-membros, foi direcionada especialmente aos planejadores e formuladores de políticas em âmbitos global, regional e nacional (Organização Mundial da Saúde, 2015ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Global strategy on Human Resources for Health: Workforce 2030. Geneva: OMS, 2015. Disponível em: Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250368/9789241511131-eng.pdf . Acesso em: 27 jul. 2023.
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
).

No ano seguinte, a 29ª Conferência Sanitária Pan-Americana/69ª Sessão do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas aprovou a ‘Estratégia de Recursos Humanos para o Acesso Universal à Saúde e à Cobertura Universal de Saúde’. Uma das questões destacadas foi a importância de os estados-membros criarem “empregos estáveis e trabalho de qualidade, melhorando o meio laboral, com condições contratuais dignas (sejam contratos permanentes ou temporários)” (Organização Pan-Americana da Saúde, 2017ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Estratégia de recursos humanos para o acesso universal à saúde e a cobertura universal de saúde. 2017. Disponível em: Disponível em: https://apsredes.org/wp-content/uploads/2019/01/Strategy_HR_CSP29.R15_port.pdf . Acesso em: 15 nov. 2023.
https://apsredes.org/wp-content/uploads/...
, p. 12).

No Brasil, a gestão do trabalho dos diferentes níveis de complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS) acumula problemas antigos e novos, sendo a ausência de política de Estado para a área Recursos Humanos/Gestão do Trabalho (RH/GT), para a produção de capacidade gestora e para a carreira unificada problemas antigos que ganham novas roupagens no mundo contemporâneo. No âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF), a coexistência de diversas modalidades de vínculo trabalhista para categorias ocupacionais análogas em uma mesma equipe, em dado serviço, tem aberto cenários de tensão nas relações de trabalho e na produção do cuidado resolutivo e continuado (Lima Júnior et al., 2021LIMA JÚNIOR, Antonio L. et al. Formatos de contratação médica na Estratégia Saúde da Família e o desempenho de seus atributos essenciais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 26, n. 5, p. 1.657-1.668, 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021265.04432021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2021.v26n5/1657-1668/ . Acesso em: 16 dez. 2023.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021265...
; Gleriano et al., 2021GLERIANO, Josué S. et al. Gestão do trabalho de equipes da saúde da família. Escola Anna Nery: Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, e20200093, 2021. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0093. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1124795 . Acesso em: 27 jul. 2023.
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-...
).

As relações de trabalho vêm se modificando de maneira significativa em direção a contratos de trabalho mais flexíveis diante de relações de trabalho mais duradouras e de longo prazo. Um dos limites dessa realidade é que muitos serviços não possuem diretrizes políticas e mecanismos decodificadores das interações dos processos de trabalho com diferentes vínculos trabalhistas. O resultado desse limite tem sido a necessidade de enfrentamento de problemas complexos que decorrem dessa conjuntura (Azevedo e Tonelli, 2014AZEVEDO, Márcia C.; TONELLI, Maria J. Os diferentes contratos de trabalho entre trabalhadores qualificados brasileiros. RAM: Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 191-220, maio 2014. https://doi.org/10.1590/1678-69712014/administracao.v15n3p191-220. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/ram/a/wTn4kCHHWFHJKw9f5gKhxTr/abstract/?lang=pt . Acesso em: 27 jul. 2023.
https://doi.org/10.1590/1678-69712014/ad...
), tais como dilemas éticos e disputas internas.

Diferentes contratações em uma mesma equipe de saúde da família (eSF) tendem a gerar sentimentos de injustiça social, que podem inviabilizar a motivação para o trabalho e os vínculos profissional-profissional e profissional-comunidade, de modo a resultar em uma precarização da robusta potência da ESF. Da mesma forma, a instabilidade de vínculos interfere diretamente na satisfação dos profissionais que compõem as eSFs (Oliveira e Pedraza, 2019OLIVEIRA, Maria M.; PEDRAZA, Dixis F. Contexto de trabalho e satisfação profissional de enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família. Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 43, n. 122, p. 765-779, 2019. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912209. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/bfrfYGgXh9hkTgV5JgQDNpN/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 27 out. 2023.
https://doi.org/10.1590/0103-11042019122...
).

Algumas das realidades complexas que dialogam com o problema gerado nas relações de trabalho pela coexistência de vínculos trabalhistas diversificados na ESF são: a quebra da possibilidade de se encantar com a carreira na saúde pública; a prática patrimonialista de indicação política para cargos de gestão da saúde; a contínua necessidade de aprimoramento dos processos gerenciais do trabalho nos serviços do SUS; e a escassez de ferramentas de gestão para suprir as necessidades gerenciais dos 5.570 municípios do Brasil.

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) subdivide os vínculos trabalhistas em saúde em: 1) servidor estatutário - aquele que mantém vínculo de trabalho com a administração do estado, cujo ingresso é feito por meio de concurso público; possui estatuto próprio (conjunto de normas legais, adotado pela União, por unidades federadas e municípios); 2) servidor celetista - empregado público que ocupa emprego público, subordinado às normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), contratado por prazo indeterminado para exercício de funções na administração direta, autárquica e fundacional; 3) regime especial/contrato temporário - contratado por tempo determinado para atender a necessidade temporária de interesse público, em caráter de excepcionalidade; regido pela CLT e o Regime Geral da Previdência Social; 4) regime especial/cargo comissionado - o que é livremente nomeado pelas autoridades para exercício do cargo, não sendo servidor efetivo; e 5) terceirizado - administrado por um agente externo, enquanto o comando do processo de trabalho continua na alçada do contratante na rede própria do SUS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2016CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE (CONASS). Guia de apoio à gestão estadual do SUS. Brasília: Conass, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.conass.org.br/guiainformacao/vinculoscontratacao/ . Acesso em: 10 jul. 2023.
https://www.conass.org.br/guiainformacao...
).

Vale destacar que o fenômeno da terceirização no Brasil foi viabilizado pela Reforma da Administração Pública dos anos 1990, com o objetivo de maximizar a governança pública do Estado brasileiro. Ao visar à implementação eficiente de políticas públicas, essa reforma destituiu a saúde do setor de atividade exclusiva de Estado e a integrou ao setor de serviços não exclusivos de Estado, no qual o “Estado atua junto a instituições públicas não estatais e privadas, justificando-se por envolver direitos fundamentais (educação, saúde, cultura)” (Stadnick, 2021STADNICK, Kamile T. Modernização da gestão pública brasileira à luz da teoria da nova administração pública: uma análise do PNAFE e do Profisco I no estado de Santa Catarina. 2021. 196 f. Tese (Doutorado em Administração) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/222080/PCAD1157-T.pdf?sequence=-1&isAllowed=y . Acesso em: 17 out. 2023.
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/ha...
, p. 45). Para alimentar essa lógica, o Estado neoliberal criou as organizações sociais (Druck, 2016DRUCK, Graça. A terceirização na saúde pública: formas diversas de precarização do trabalho. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, p. 15-43, nov. 2016. Suplemento 1. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00023. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/ZzrBrfcK75czCSqYzjjhRgk/# . Acesso em: 15 nov. 2023.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol000...
), que no entender de Perez (2016PEREZ, Caio F. F. M. Burocracia estável e o princípio da eficiência na administração pública brasileira. 2016. 197 f. Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. https://doi.org/10.11606/T.2.2016.tde-03112016-223544. Disponível em: Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-03112016-223544/publico/TESE_CAIO.pdf . Acesso em: 15 nov. 2023.
https://doi.org/10.11606/T.2.2016.tde-03...
, p. 75) são “entes privados colaboradores (...) na execução de atividades de interesse público”.

As consequências dessa decisão política na garantia do acesso aos serviços públicos de saúde, desde então, não têm sido poucas. Ao tornar-se realidade, o fenômeno da terceirização promoveu um movimento progressivo de desvalorização do funcionalismo público, desmontando estruturas do SUS que haviam levado décadas para se materializar (Druck, 2016DRUCK, Graça. A terceirização na saúde pública: formas diversas de precarização do trabalho. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, p. 15-43, nov. 2016. Suplemento 1. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00023. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/ZzrBrfcK75czCSqYzjjhRgk/# . Acesso em: 15 nov. 2023.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol000...
). No âmbito da regulamentação, inscrevem-se as leis n. 13.429/17 e n. 13.467/17, que consentem a terceirização em qualquer setor das empresas, seja ele destinado ou não àquela que é considerada a atividade-fim (Cavalcante e Marcelino, 2021CAVALCANTE, Sávio; MARCELINO, Paula. Revisitando uma definição de terceirização. Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-13, 2021. https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.45126. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccrh/a/yRNrvG533fQyBgB4MLmTD9J/# . Acesso em: 15 nov. 2023.
https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.45126...
).

Pesquisas realizadas nos últimos dez anos demonstram que vários municípios, especialmente de médio e grande portes, parecem não reconhecer a importância de se criarem equipes de saúde da família com base na unidade de vínculos trabalhistas, uma vez que permitem a sua miscigenação. Não é incomum se encontrarem servidores efetivos atuando com servidores empregados públicos, assim como servidores temporários compondo a mesma equipe de saúde da família em vários municípios brasileiros (Medeiros et al., 2010MEDEIROS, Cássia R. G. et al. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 1.521-1.531, 2010. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700064. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/K7krGK8mMKNmQxTnjnnnXkH/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 10 nov. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
; Faria, David e Acioli, 2013FARIA, Magda G. A.; DAVID, Helena M. S. L.; ACIOLI, Sonia. O perfil de enfermeiros fluminenses da ESF segundo um programa de educação permanente à distância. Revista Enfermagem Uerj, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 591-595, abr. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/5806 . Acesso em: 27 jul. 2023.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
; Lima Júnior et al., 2021LIMA JÚNIOR, Antonio L. et al. Formatos de contratação médica na Estratégia Saúde da Família e o desempenho de seus atributos essenciais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 26, n. 5, p. 1.657-1.668, 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021265.04432021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2021.v26n5/1657-1668/ . Acesso em: 16 dez. 2023.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021265...
). Um exemplo é o estudo desenvolvido sobre o tipo de vínculo de equipes de atenção básica de um município da região médio-norte mato-grossense, em 2016. Os autores revelam que do total de 78 trabalhadores, quatro são servidores públicos estatutários, três são contrato CLT e 71 são contrato temporário pela administração pública regido por legislação especial (federal, estadual ou municipal) (Gleriano et al., 2021GLERIANO, Josué S. et al. Gestão do trabalho de equipes da saúde da família. Escola Anna Nery: Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, e20200093, 2021. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0093. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1124795 . Acesso em: 27 jul. 2023.
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-...
).

Estudo desenvolvido com gestores da cidade do Rio de Janeiro expõe que, de 2009 até a atualidade, a Prefeitura passou por diferentes momentos de mudanças na gestão dos serviços de atenção básica. No período, foram encontradas diferentes formas de contratação de trabalhadores(as) nesse nível de atenção, como empregados públicos, contratados pela Fundação Rio Saúde, além da terceirização por meio de organizações sociais (Magnago e Pierantoni, 2015MAGNAGO, Carinne; PIERANTONI, Celia R. Dificuldades e estratégias de enfrentamento referentes à gestão do trabalho na Estratégia Saúde da Família, na perspectiva dos gestores locais: a experiência dos municípios do Rio de Janeiro (RJ) e Duque de Caxias (RJ). Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 39, n. 104, p. 9-17, 2015. https://doi.org/10.1590/0103-110420151040194. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/TWX6Kmgys8H3vmm3QktG7Kv/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 10 nov. 2023.
https://doi.org/10.1590/0103-11042015104...
). Um subprojeto da pesquisa intitulada ‘Desafios do trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS) na perspectiva das(dos) trabalhadoras(es)’ buscou conhecer as modalidades de contratação da força de trabalho da atenção básica nos municípios de Palmas (TO), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) e Salvador (BA). Os resultados demonstraram a existência de uma diversidade expressiva de modalidades de contratação, englobando algumas mais consolidadas e seguras, como trabalhador(a) com vínculo estatutário(a), e outras mais instáveis, como autônomo e bolsista. A maior variedade foi encontrada entre as categorias profissionais de nível superior - médicos(as) e enfermeiros(as) e nas equipes de saúde da família (Carneiro et al., 2023CARNEIRO, Carla C. et al. Configurações do trabalho na Atenção Primária: modalidades de contratação. 2º Boletim da Pesquisa ‘Desafios do Trabalho na Atenção Primária à Saúde na Perspectiva dos Trabalhadores’. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2023. https://doi.org/10.29327/5340980. Disponível em: Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/62072/Boletim2_02_01_2024%20%281%29.pdf?sequence=2&isAllowed=y . Acesso em: 3 abr. 2024.
https://doi.org/10.29327/5340980...
).

O fenômeno complexo de heterogeneidade de vínculos trabalhistas da força de trabalho da atenção básica exige uma gestão territorial robusta e preparada com ferramentas organizacionais, com potência para alavancar o cuidado resolutivo, sendo o mapa interativo por georreferenciamento um exemplo. A visualização dos diferentes vínculos trabalhistas de uma dada rede da Estratégia Saúde da Família por meio de um mapa interativo georreferenciado, que descreva quem são os trabalhadores e em quais unidades básicas de saúde (UBSs) estão lotados, tem potência para aprimorar a gestão territorial, especialmente a organização da área de RH/GT de secretarias municipais de Saúde, e abrir veredas reflexivas sobre o que é apresentado e não está bom, no âmbito da força de trabalho (Calistro et al., 2021CALISTRO, Monyelle O. et al. Territorialização com uso de georreferenciamento e estratificação de vulnerabilidade social familiar na Atenção Básica. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 6, p. 2.141-2.148, 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.39402020. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Z5cJ6HN8kzbYMstfHGd7PxD/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 30 jul. 2023.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021266...
).

O artigo situa-se no contexto da rede da Estratégia Saúde da Família do município de Itajaí, em Santa Catarina. Descrevemos o processo de construção de um mapa interativo georreferenciado, o qual incorpora a questão da coexistência de diferentes tipos de vínculos trabalhistas para categorias ocupacionais análogas pertencentes a essa rede por unidade básica de saúde e espaço geográfico do quadro de servidores municipais.

Mapa interativo georreferenciado como um instrumento de fortalecimento da gestão territorial

Georreferenciar significa estabelecer referência geográfica de um evento - e podem ser utilizadas diferentes estratégias para realizar essa atividade (Carvalho, Pina e Santos, 2000CARVALHO, Marília S.; PINA, Maria F.; SANTOS, Simone M. (org.). Conceitos básicos de sistemas de informação geográfica e cartografia aplicados à saúde. v. 1. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2000. Disponível em: Disponível em: http://200.17.137.109:8081/xiscanoe/courses-1/treinamento-basico-em-terra-view-para-rotinas-em-epidemiologia/material-de-apoio/Livro_cartog_SIG_saude.pdf . Acesso em: 4 ago. 2023.
http://200.17.137.109:8081/xiscanoe/cour...
). Por georreferenciamento, entende-se “o processo pelo qual informações textuais descritivas de uma localidade, como o endereço relacionado a um evento de saúde, são convertidas em representações geográficas válidas” (Silveira, Oliveira e Junger, 2017SILVEIRA, Ismael H.; OLIVEIRA, Beatriz F. A.; JUNGER, Washington L. Utilização do Google Maps para o georreferenciamento de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade no município do Rio de Janeiro, 2010-2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde , Brasília, v. 26, n. 4, p. 881-886, 2017. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000400018. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/Zd8DBfbVhVwGXZRvVVxPm3M/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 15 out. 2023.
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
, p. 882).

A produção de mapas interativos georreferenciados na área da gestão territorial em saúde dos municípios brasileiros, apesar do crescente avanço tecnológico, ainda é um grande desafio. Destacam-se como catalisadores dessa problemática a qualidade e a confiabilidade dos dados, a falta de sistemas de informações geográficas (SIGs) municipais estruturados, a falta de bases cartográficas digitais e cadastros oficiais de endereços, além da complexidade da infraestrutura urbana, principalmente em áreas carentes, como ocupações irregulares (Barcelos et al., 2008BARCELLOS, Christovam et al. Georreferenciamento de dados de saúde na escala submunicipal: algumas experiências no Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 17, n. 1, p. 59-70, 2008. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008000100006. Disponível em: Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v17n1/v17n1a06.pdf . Acesso em: 6 maio 2023.
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742008...
).

Georreferenciar significa localizar um determinado ponto em um sistema referencial de coordenadas conhecido, fundamentando-se por meio de técnicas matemáticas e computacionais para o tratamento de dados e informações geográficas, juntamente com dados textuais, de modo a possibilitar o conhecimento da localização exata dos referidos dados ou fenômenos em análise e potencializar a sua representação mediante cartografias (Talaska e Etges, 2013TALASKA, Alcione; ETGES, Virginia E. Estrutura fundiária georreferenciada: implicações para o planejamento e gestão do território rural no Brasil. Scripta Nova, Barcelona, v. 17, n. 430, 20 fev. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-430.htm . Acesso em: 2 ago. 2023.
https://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-430.htm...
).

O Google Maps é um programa de georreferenciamento gratuito que dá acesso à localização e à distância a ser percorrida; possui a integração de serviços, como horário do ônibus; permite a gravação de mapas para locais onde a conexão é lenta, além da possibilidade de sobrevoo em locais de risco. A plataforma disponibiliza duas possibilidades de interatividade, uma com imagens de satélite e outra com imagens de mapa; conta ainda com a função Google Street Views® (Google, 2007GOOGLE. Street View. 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.google.com/intl/pt-BR/streetview/ . Acesso em: 16 dez. 2023.
https://www.google.com/intl/pt-BR/street...
), que permite ‘caminhar’ (destaque nosso) pelas ruas registradas pelo mapa e visualizar praças, parques, hospitais, escolas e construções que estejam cadastradas na plataforma de modo geral, oferecendo a visualização de um mesmo local em uma espécie de linha do tempo, até mesmo em situações anteriores (Mendes, 2021MENDES, Lucas J. T. Georreferenciamento na saúde coletiva: uma proposta acessível para a Atenção Primária. 2021. 52 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Saúde Coletiva) - Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em: Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/29273 . Acesso em: 5 dez. 2023.
https://bdm.unb.br/handle/10483/29273...
).

Os mapas temáticos, principalmente os georreferenciados por plataformas de acesso livre como o Google Maps®, se transformam em ferramentas possíveis de auxílio a gestores e equipes de saúde, ao organizarem dados territoriais e gerenciais sobre produção do cuidado, referenciais epidemiológicos e divulgação de serviços presentes nas unidades de saúde de determinado território. Trata-se de uma potente ferramenta do planejamento de ações de saúde, por permitir atualizações constantes dos dados, além de propiciar a manipulação e a análise das informações geradas e ser uma alternativa acessível à realidade do SUS (Müller, Cubas e Bastos, 2010MÜLLER, Erika P. L.; CUBAS, Márcia R.; BASTOS, Laudelino C. Georreferenciamento como instrumento de gestão em unidade de saúde da família. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 63, n. 6, p. 978-982, 2010. https://doi.org/10.1590/S0034-71672010000600017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/jP58tQBrvdcLJmkkzKqNScd/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 27 out. 2023.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201000...
; Camargos e Oliver, 2019CAMARGOS, Melina A.; OLIVER, Fátima C. Uma experiência de uso do georreferenciamento e do mapeamento no processo de territorialização na Atenção Primária à Saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 43, n. 123, p. 1.259-1.269, out.-dez. 2019. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912321. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/JBTG8jwC43kb5gs4P5XCpYk/?lang=pt . Acesso em: 3 ago. 2023.
https://doi.org/10.1590/0103-11042019123...
; Mendes, 2021MENDES, Lucas J. T. Georreferenciamento na saúde coletiva: uma proposta acessível para a Atenção Primária. 2021. 52 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Saúde Coletiva) - Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em: Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/29273 . Acesso em: 5 dez. 2023.
https://bdm.unb.br/handle/10483/29273...
).

Itajaí, município catarinense para o qual esse mapa foi produzido, situa-se no litoral centro-norte catarinense e possui pouco mais de 290 mil habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Prévia da população calculada com base nos resultados do Censo Demográfico 2022 até 25 de dezembro de 2022. Censo Demográfico 2022. Disponível em: Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2022/Previa_da_Populacao/SC_POP2022.pdf . Acesso em: 7 maio 2023.
https://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Dem...
). O município integra a Região de Saúde da Foz do Rio Itajaí, composta por 11 municípios, que representa a única região de saúde constitutiva da Mesorregião da Foz do Rio Itajaí (Santa Catarina, 2018SANTA CATARINA (Estado). Secretaria de Estado de Saúde. Plano Diretor de Regionalização (PDR) 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.saude.sc.gov.br/index.php/informacoes-gerais-documentos/planejamento-em-saude/instrumentos-de-gestao-estadual/plano-diretor-de-regionalizacao/14617-plano-diretor-de-regionalizacao-2018/file . Acesso em: 5 ago. 2023.
https://www.saude.sc.gov.br/index.php/in...
). Possui o segundo maior produto interno bruto do estado (R$ 33,1 bilhões) (Santa Catarina, 2022SANTA CATARINA. Santa Catarina tem cinco municípios entre os 100 maiores PIBs do Brasil, Agência de Notícias SECOM, 2022. Disponível em: Disponível em: https://estado.sc.gov.br/noticias/santa-catarina-tem-cinco-municipios-entre-os-100-maiores-pibs-do-brasil-2/ . Acesso em: 5 ago. 2023.
https://estado.sc.gov.br/noticias/santa-...
).

De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) (Brasil, 2023BRASIL. Ministério da Saúde. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Consulta estabelecimento - identificação. 2023. Disponível em: Disponível em: https://cnes.datasus.gov.br/pages/estabelecimentos/consulta.jsp . Acesso em: 16 jan. 2023.
https://cnes.datasus.gov.br/pages/estabe...
), existem 62 equipes de saúde da família e sete equipes de saúde bucal alocadas em 31 UBSs da rede de atenção básica de Itajaí. No município, não foram implantadas as modalidades de equipe de atenção básica recomendadas pela Política Nacional de Atenção Básica, de 2017 (Brasil, 2017bBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.436/GM/MS, de 21 de setembro de 2017b. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/MatrizesConsolidacao/comum/250584.html . Acesso em: 15 nov. 2023.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

As UBSs, por sua vez, têm a característica de contar com mais de uma equipe de saúde da família atuando em conjunto com profissionais efetivos e terceirizados que não integram equipes, mas compõem a força de trabalho da UBS. Cada equipe de ESF responsabiliza-se pela cobertura de uma população de cerca de 4.500 habitantes aproximadamente, adscritos em território específico. A gestão territorial da saúde do município não conta com dispositivos de georreferenciamento.

Sobre a organização da área de RG/GT, a Secretaria Municipal de Saúde de Itajaí não dispõe de uma estrutura de gestão do trabalho específica, em que pese o fato de o município contar com uma diversidade de serviços na área. De modo geral, atividades relacionadas ao provimento (contratações, concursos públicos, processos seletivos, realocação, admissão) e atividades vinculadas ao cotidiano funcional do trabalhador (controle de frequência, escalonamento de plantões e férias, adesão a programas, avaliação de desempenho) encontram-se sob a alçada da central de RH da Prefeitura.

Para a confecção do mapa interativo, buscamos, como primeiro movimento, conhecer a força de trabalho da ESF e suas respectivas modalidades de vínculo trabalhista no Departamento de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde (DAB/SMS). Em face de ausência das informações solicitadas, consultamos o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Brasil, 2023BRASIL. Ministério da Saúde. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Consulta estabelecimento - identificação. 2023. Disponível em: Disponível em: https://cnes.datasus.gov.br/pages/estabelecimentos/consulta.jsp . Acesso em: 16 jan. 2023.
https://cnes.datasus.gov.br/pages/estabe...
), pelo endereço eletrônico https://cnes.datasus.gov.br, e o portal da transparência da Prefeitura de Itajaí: https://portaltransparencia.itajai.sc.gov.br/epublica-portal/#/itajai/portal (Itajaí, 2023ITAJAÍ (Município). Portal da transparência. Informações em gestão de pessoas/servidores. Tabelas geradas a partir dos dados Portal da Transparência de janeiro de 2023. Disponível em: Disponível em: https://portaltransparencia.itajai.sc.gov.br/epublica-portal/#/itajai/portal/gestaoDePessoal/servidoresTable . Acesso em 16 jan. 2023.
https://portaltransparencia.itajai.sc.go...
). Os dados foram reunidos em janeiro de 2023. Ao aproximarmos os relatórios de ambas as fontes, constatamos inconsistências sobre o tipo de vínculo. O próximo passo foi entrar em contato direto, por telefone, com esses trabalhadores, para coletar a informação que buscávamos: qual é o seu vínculo trabalhista na Secretaria Municipal de Saúde de Itajaí?

Para a confecção do banco de dados, integramos as informações coletadas por telefone com os dados extraídos dos relatórios em um documento no Microsoft Excel®, considerando as seguintes variáveis: localização da UBS, número de equipes de saúde da família cadastradas em cada UBS, categoria profissional e quantitativo de trabalhadores.

Após a tabulação, buscamos plataformas on-line que pudessem auxiliar na confecção do mapa. Observamos que a plataforma que melhor apresentaria os resultados por meio de georreferenciamento era a Genially® 2023, cujo sítio eletrônico é: https://genial.ly/pt-br/.

Com a inclusão dos dados coletados e a utilização das ferramentas encontradas nessa plataforma, nos foi possível desenvolver um mapa interativo em que constam as seguintes informações: localização geográfica das UBSs, quantitativo de equipes de saúde da família e equipes de saúde bucal (eSBs) em cada UBS, descrição do vínculo trabalhista do(a) trabalhador(a) em questão, assim como fotos das UBSs e dos links de interatividade com a plataforma Google Maps® 2005, o que permite navegabilidade sobre o território em que a unidade básica de saúde está inserida.

Foi-nos possível visualizar um retrato temporal de cada UBS e de quantas eSFs e eSBs se fazem presentes. A Tabela 1 fornece informações em número absoluto sobre quantas UBSs a rede de atenção básica do município de Itajaí apresenta, assim como o número absoluto de eSFs e eSBs.

Tabela 1
Mapeamento do número absoluto de equipes de saúde da família e saúde bucal por UBS no município de Itajaí, Santa Catarina - 2023

Nas relações preliminares com os dados, observamos que apenas a UBS Centro-Vila não apresenta nenhuma equipe de eSF em seu território de atuação. Para fins de elucidação desse fato, entramos em contato com o Departamento de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde, quando soubemos que a unidade fora entregue ao território recentemente e que havia sido criada uma equipe de SF para a população local, mas ainda não homologada pelo Ministério da Saúde.

Sobre o percentual de cobertura, o município está atualmente com 74,52% de eSFs e 8,4% de cobertura de saúde bucal na ESF. Importante ressaltar que o município conta com 36 profissionais cirurgiões-dentistas efetivos, com carga horária de 15 horas semanais, dando suporte assistencial em UBSs (Itajaí, 2023ITAJAÍ (Município). Portal da transparência. Informações em gestão de pessoas/servidores. Tabelas geradas a partir dos dados Portal da Transparência de janeiro de 2023. Disponível em: Disponível em: https://portaltransparencia.itajai.sc.gov.br/epublica-portal/#/itajai/portal/gestaoDePessoal/servidoresTable . Acesso em 16 jan. 2023.
https://portaltransparencia.itajai.sc.go...
).

A Tabela 2 apresenta dados sobre os números absolutos de servidores estatutários, celetistas e terceirizados vinculados às equipes de saúde da família por UBS.

Tabela 2
Distribuição da força de trabalho vinculada à ESF, de acordo com o vínculo trabalhista, por UBS - 2023

Conforme a Tabela 2, a rede de atenção básica do município de Itajaí conta com 587 trabalhadores lotados na ESF, sendo em sua maioria servidores públicos celetistas (80,4%). Esse coletivo tornou-se servidor municipal, em conformidade com a lei complementar n. 90, de 22 de dezembro de 2006 (Itajaí, 2006ITAJAÍ (Município). Lei complementar n. 90, de 22 de dezembro de 2006. Dispõe sobre o Programa Saúde da Família-PSF, cria empregos públicos, fixa salários, estabelece gratificações ajustadas, e dá outras providências. Disponível em: Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a2/sc/i/itajai/lei-complementar/2006/9/90/lei-complementar-n-90-2006-dispoe-sobre-o-programa-saude-da-familia-psf-cria-empregos-publicos-fixa-salarios-estabelece-gratificacoes-ajustadas-e-da-outras-providencias-2006-12-22-versao-original 22. Acesso em: 6 maio 2023.
https://leismunicipais.com.br/a2/sc/i/it...
), que implementou e regulamentou o Programa de Saúde da Família (PSF), consolidando os empregados públicos para atuar juntamente ao PSF, mais tarde renomeado Estratégia Saúde da Família. A mesma lei municipal permitiu que servidores públicos efetivos que atuavam no modelo de atenção anterior à ESF, quando aprovados no mesmo certame, optassem pela migração para o novo modelo de atenção, em cuja escolha seus direitos trabalhistas como servidores efetivos estariam resguardados. Esses servidores municipais representaram a menor parcela dos trabalhadores, obtendo a representatividade de 5,6%.

A contratação de servidores terceirizados como membros integrantes das equipes de SF se fez presente no município de Itajaí somente após a Reforma Trabalhista, aprovada por meio da lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Essa reforma viabilizou a contratação de terceiros para fins de quaisquer atividades, inclusive em caso de atividade principal junto ao serviço público (Brasil, 2017aBRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017a. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e as leis n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13467.htm . Acesso em: 5 jul. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_A...
). De acordo com os dados da Tabela 2, 2,14% da força de trabalho da ESF é terceirizada.

Essas informações foram compiladas no mapa interativo on-line por georreferenciamento. A criação de tal instrumento permitiu, em primeiro plano, visualizar o quantitativo e a distribuição das UBSs em relação ao mapa do município. O aprofundamento interativo, por meio da seleção de uma UBS no mapa, permite acesso a: número absoluto de equipes de ESF, número absoluto de servidores referenciados pelo seu vínculo trabalhista de cada equipe, visualização por foto da UBS eleita e link de acesso direto ao recurso Google Street Views® (Google, 2007GOOGLE. Street View. 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.google.com/intl/pt-BR/streetview/ . Acesso em: 16 dez. 2023.
https://www.google.com/intl/pt-BR/street...
), da plataforma Google Maps® (Google, 2005), o que proporciona uma representação virtual do território de atuação desses profissionais. O acesso a essa tecnologia pode ser realizado de duas maneiras: pelo sítio eletrônico https://view.genial.ly/6426cd972e345b00126362ed/interactive-image-teste-1 ou pela leitura de um QR code (quick response code), que pode ser feito por meio de câmeras fotográficas de telefones celulares (Figuras 1, 2, 3, 4 e 5).

Figura 1
QR code de acesso ao mapa interativo de georreferenciamento das UBSs do município de Itajaí, Santa Catarina

Figura 2
Página inicial do mapa

Figura 3
Segunda página do mapa, que possibilita a escolha da UBS

Figura 4
Terceira página do mapa, que retrata o número de equipes de ESF e vínculos trabalhistas

Figura 5
Quarta página do mapa: após clicar sobre a foto da UBS na página anterior, abre-se o link de navegabilidade do Google Maps do referido território em que se encontra a UBS

Em nossa visão, esse mapa interativo criado por georreferenciamento abre frentes úteis para o processo organizacional da rede de ESF do município. Cabe citar a possibilidade de a gestão: 1) localizar a força de trabalho referenciada pelo vínculo trabalhista para, por exemplo, organizar a liberação ao gozo de licenças-prêmio para os efetivos, assim como férias para todos os servidores, de modo a se evitar que haja, em uma mesma UBS e em um mesmo período, desfalque de servidores de categorias profissionais análogas, mas lotados em distintas equipes; 2) localizar as UBSs geograficamente, observando proximidades e distanciamentos para organizar as ações de modo compartilhado quando se tratar de UBSs próximas; 3) programar de modo criterioso as futuras construções de UBSs e o cadastramento de novas equipes, já que apresenta ferramentas lincadas à navegabilidade pela plataforma Google Maps, o que permite uma incursão em terceira dimensão junto ao território, auxiliando na melhor escolha para futuras instalações; 4) em interconexão com a possibilidade anterior, o mapa poderá contribuir para a identificação de áreas de risco, como casas próximas a locais de possíveis desmoronamentos e enchentes, e auxiliar no planejamento de ações preventivas às consequências que as catástrofes naturais podem produzir em determinado território. Citamos ainda a possibilidade de substituição dos dados referentes aos vínculos trabalhistas por informações pertinentes às UBSs, como serviços oferecidos, horários de funcionamento, endereços pertencentes ao território de abrangência de cada equipe de ESF e também - por que não sonhar alto? - uma futura inserção de agendamento de consultas on-line pela transformação do mapa em um aplicativo de domínio público.

Buscou-se dar ao texto um caráter didático ao se oportunizar aos leitores o acesso a informações suficientes para que possam se apropriar das ferramentas apresentadas, possibilitando-lhes assim a construção de seus próprios mapas. Nessa perspectiva, poderá ser interessante para a análise de políticas públicas, para entidades de controle social e para os próprios cidadãos.

Considerações finais

O geoprocessamento de dados de importância para redes de Atenção Básica/Estratégia Saúde da Família tem se constituído em uma importante ferramenta para a gestão territorial de municípios. Ao processar informações descritivas sobre uma dada localidade por meio de representações geográficas, essa ferramenta alarga o horizonte de possibilidades de qualificação da gestão territorial.

Nessa linha compreensiva, foi desenvolvido o mapa interativo apresentado neste texto, incorporando a questão de vínculos trabalhistas da força de trabalho da Atenção Básica/ESF do município de Itajaí. A sua construção considerou o conjunto de problemas que tem sido vivenciados pelos trabalhadores e trabalhadoras que atuam nesse nível de atenção no SUS.

Espera-se que esse aporte operacional auxilie na programação de ações dos territórios adstritos e se torne uma ferramenta de incursão à reflexividade crítica não apenas sobre as consequências da existência de diferentes vínculos trabalhistas em uma UBS no cuidado resolutivo como também sobre a satisfação de ser parte da força de trabalho que compõe o SUS.

Referências

Informações do artigo

  • Financiamento

    Não houve financiamento para a realização da pesquisa.
  • Aspectos éticos

    O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí sob o parecer de n. 5.749.656, no dia 9/11/2022.
  • Apresentação prévia

    Este artigo é resultado da dissertação de mestrado Tecnologia de informação e comunicação para a Secretaria Municipal de Saúde de Itajaí/SC: contribuições para a gestão de serviços e gestão do trabalho, de autoria de Guilherme Moreira da Silva, defendida e aprovada no Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho, da Universidade do Vale do Itajaí, em 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2023
  • Aceito
    06 Maio 2024
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