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Os reflexos do bolsonarismo sobre políticas de saúde da mulher e os direitos sexuais e reprodutivos

Reflexes of bolsonarism on women’s health policies and sexual and reproductive rights

Los efectos del bolsonarismo en las políticas de salud de las mujeres y los derechos sexuales y reproductivos

Resumo

O bolsonarismo é definido como movimento neofascista cuja principal base social é a alta classe média e que, portanto, logrou atrair parte da categoria médica. Ele comporta diversos elementos ideológicos que se refletiram na política de saúde entre 2019 e 2022, entre eles: o antipetismo/anticomunismo, o neoliberalismo, o conservadorismo moral, a homofobia, o fundamentalismo cristão, o negacionismo científico, o antifeminismo e a misoginia. Buscou-se analisar os reflexos do bolsonarismo sobre as políticas relacionadas à saúde da mulher e aos direitos sexuais e reprodutivos nesse período. Por intermédio de métodos de procedimento histórico e monográfico, com uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, utilizaram-se a documentação indireta e a observação direta intensiva para a coleta de dados, a condensação de significado e a hermenêutica-dialética para sua análise. O conservadorismo moral e o fundamentalismo religioso associados ao antifeminismo e à misoginia marcaram as políticas voltadas à saúde da mulher e aos direitos sexuais e reprodutivos. Analisaram-se o combate do Conselho Federal de Medicina ao conceito de violência obstétrica, as medidas para obstaculizar o acesso ao aborto legal, as dificuldades para a reprodução assistida e o desmonte da Rede Cegonha, revelando a associação entre a corporação médica e o governo Bolsonaro.

Palavras-chave
bolsonarismo; neofascismo; corporação médica; saúde da mulher; direitos sexuais e reprodutivos

Abstract

Bolsonarism is defined as a neo-fascist movement whose main social base is the upper middle class. Therefore, it managed to attract part of the medical category. It includes several ideological elements that were reflected in health policy between 2019 and 2022, including antipetism/anti-communism, neoliberalism, moral conservatism, homophobia, Christian fundamentalism, scientific denialism, antifeminism, and misogyny. We sought to analyze Bolsonarism’s reflexes on policies related to women’s health and sexual and reproductive rights during this period. Through historical and monographic procedures, with a qualitative, descriptive, and exploratory approach, indirect documentation and intensive direct observation were used for data collection, condensation of meaning, and hermeneutics-dialectics for its analysis. Moral conservatism and religious fundamentalism associated with anti-feminism and misogyny have marked policies aimed at women’s health and sexual and reproductive rights. We analyzed the fight of the Federal Council of Medicine against the concept of obstetric violence, the measures to hinder access to legal abortion, the difficulties for assisted reproduction, and the dismantling of the Stork Network, revealing the association between the medical profession and the Bolsonaro government.

Keywords
bolsonarism; neo-fascism; medical profession; women’s health; sexual and reproductive rights

Resumen

El bolsonarismo se define como un movimiento neofascista cuya principal base social es la clase media alta y que, por tanto, ha logrado atraer a una parte de los profesionales de la medicina. Incluye varios elementos ideológicos que se reflejaron en la política sanitaria entre 2019 y 2022, entre ellos: antipetismo/anticomunismo, neoliberalismo, conservadurismo moral, homofobia, fundamentalismo cristiano, negacionismo científico, antifeminismo y misoginia. El objetivo fue analizar los efectos del gobierno de Bolsonaro en las políticas relacionadas con la salud y los derechos sexuales y reproductivos de las mujeres durante este período. A través de métodos procedimentales históricos y monográficos, con enfoque cualitativo, descriptivo y exploratorio, se utilizó la documentación indirecta y la observación directa intensiva para la recolección de datos, y la condensación de sentido y la hermenéutica dialéctica para su análisis. El conservadurismo moral y el fundamentalismo religioso combinados con el antifeminismo y la misoginia han marcado las políticas dirigidas a la salud y los derechos sexuales y reproductivos de las mujeres. La lucha del Consejo Federal de Medicina contra el concepto de violencia obstétrica, las medidas para obstaculizar el acceso al aborto legal, las dificultades para la reproducción asistida y el desmantelamiento de la Red Cigüeña fueron analizados, revelando la asociación entre la corporación médica y el gobierno Bolsonaro.

Palabras clave
bolsonarismo; neofascismo; corporación médica; salud de la mujer; derechos sexuales y reproductivos

Introdução

O bolsonarismo pode ser definido como ponto de chegada do movimento neofascista brasileiro, o qual é, por sua vez, resultado da expressão da classe média (em especial seu estrato de maior renda) como força social em presença na cena política a partir das mobilizações pela deposição de Dilma Rousseff, embora seus primórdios remontem à agitação política após as manifestações de junho de 2013. Ele não é, portanto, a causa, mas consequência da crise brasileira da última década, uma ‘crise de hegemonia’ ou uma ‘crise orgânica’ no sentido gramsciano, ou seja, a combinação de crise econômica e de hegemonia que se arrasta no tempo e debilita todo o regime político, uma vez que as classes dominantes deixam de ser dirigentes e suas instituições apresentam uma perda de autoridade e consenso na população, tornando mais difícil a superação dessa crise e a emergência de uma nova hegemonia (Bianchi, 2017 BIANCHI, Alvaro. Revolução passiva e crise de hegemonia no Brasil contemporâneo. Revista Outubro, São Paulo, n. 28, p. 27-35, 2017. Disponível em: http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2017/04/02_Bianchi_2017.pdf . Acesso em: 27 jan. 2024.
http://outubrorevista.com.br/wp-content/...
).

Assim como outras classes intermediárias, a exemplo da pequena burguesia, a alta classe média assume o estatuto de classe-apoio, cuja relação com o bloco no poder se funda em um processo de ‘ilusão ideológica’, alimentada por pequenas concessões e compromissos, bem como no temor, fundado ou imaginário, do poder da classe operária, pelo qual seus interesses seriam ainda mais prejudicados por ela do que pela dominação burguesa. Essa relação exige a intermediação do Estado, e reveste-se de ‘fetichismo do poder’, o qual pode assumir a forma de crença num Estado acima da luta de classes ou num Estado guardião da ordem estabelecida (Poulantzas, 2019POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. São Paulo: Unicamp, 2019. ).

Tal estatuto explica a relação dessas classes intermediárias com o fascismo. Se o fascismo clássico na Itália e Alemanha do período entreguerras tinha na pequena burguesia sua base social fundamental, o neofascismo brasileiro a encontra na alta classe média. Este, todavia, não se organizou contra um massivo movimento operário socialista e comunista, inexistente no país, mas contra o movimento democrático e popular que tem no Partido dos Trabalhadores (PT) seu principal instrumento; tampouco assumiu a forma de um partido fascista (apesar das tentativas frustradas de sua criação). O neofascimo também ascendeu ao governo após ser cooptado por uma fração da burguesia que, aqui, num país de capitalismo dependente e herança colonial, foi o capital financeiro internacional e a burguesia brasileira a ele integrada, de modo que serve não a um expansionismo imperialista, mas a uma reversão neocolonial no bojo da novíssima dependência (Boito Jr., 2021 BOITO JR., Armando. O caminho brasileiro para o fascismo. Caderno CRH, Salvador, v. 34, s/n, p. 1-23, 2021. http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.35578 . Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/35578 . Acesso em: 9 nov. 2021.
http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.355...
).

Assim, o bolsonarismo é um movimento político neofascista que comporta uma ideologia neofascista cujos elementos mais marcantes são: o antipetismo/anticomunismo, o militarismo/armamentismo e o culto à violência, o neoliberalismo, o discurso antipolítica e antissistema, o conservadorismo moral, a homofobia, o fundamentalismo cristão, o antifeminismo e a misoginia, o racismo, o anti-indigenismo, o antiambientalismo, o antiglobalismo e o negacionismo científico. Tais elementos ideológicos permitiram tragar para o seio do movimento parcelas de outras classes e frações de classe, a exemplo de trabalhadores da massa marginal sob influência das igrejas pentecostais e neopentecostais.

Esse movimento político e sua ideologia disputaram espaço dentro do governo de Jair Bolsonaro com outros atores, a exemplo dos neoliberais tradicionais (que atuavam para preservar a hegemonia do capital financeiro internacional e da burguesia brasileira a ele integrada) e de pequena parte dos militares que não aceitaram ser enquadrados pelo núcleo neofascista. Este último tinha claro seu objetivo estratégico de instaurar um Estado de exceção, que poderia assumir a forma de regime de ditadura fascista ou uma nova ditadura militar, na medida em que parte dos militares foi tragada pelo bolsonarismo. A diferença fundamental é o apelo que os neofascistas fazem à chamada ‘guerra cultural’ e à mobilização de massas.

Assim, ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, eles assediaram permanentemente os diferentes ramos do aparelho estatal buscando centralizá-los, cooptá-los, enquadrá-los ideologicamente e expurgar deles os focos de resistência. O maior exemplo disso foi o conflito com o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. A tentativa de neofascização ou bolsonarização do Estado brasileiro também se refletiu na área da saúde. O fato mais evidente a esse respeito foi a condução negacionista da pandemia de covid-19.

Nas áreas da saúde da mulher e dos direitos sexuais e reprodutivos, o negacionismo científico se amalgamou a outros elementos do ideário bolsonarista e se expressou no combate ao conceito de violência obstétrica, nas iniciativas de dificultar o acesso ao aborto legal, nos obstáculos à reprodução assistida, entre outros, contando com a chancela e a participação ativa do Conselho Federal de Medicina (CFM), como se abordará adiante.

Nesse período, ficou clara a sustentação da categoria médica e suas entidades ao governo Bolsonaro. Sua radicalização à direita se dá com o lançamento do Programa Mais Médicos em 2013. Na medida em que essa política pública ameaçava sua reserva de mercado de trabalho ao prover profissionais estrangeiros para as áreas rurais e periferias urbanas e ampliar a formação de novos médicos, bem como reestruturar os currículos dos cursos de graduação e de residência médica (Gomes e Merhy, 2017 GOMES, Luciano B.; MERHY, Emerson E. Uma análise da luta das entidades médicas brasileiras diante do Programa Mais Médicos. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 21, p. 1.103-1.114, 2017. Suplemento 1. https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0363 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/SSmHTBqGzSfhNpCDSp9qLpc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 10 jan. 2024.
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), ela foi lida não apenas como uma intervenção estatal contra seu ideal de autonomia médica, mas como uma agressão perpetrada pelo PT. Assim, além dos subsistemas ideológicos ‘liberal’ e ‘empresarial’ de sua ideologia profissional, estruturados sobre aquele ideal de autonomia que os atravessa (Donnangelo, 2011DONNANGELO, Maria C. F. Medicina e sociedade: o médico e seu mercado de trabalho. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2011. 222 p. ), concorreu, para a radicalização da categoria médica, a sua condição de classe – mais precisamente, de alta classe média e seu estatuto de classe-apoio. O temor à classe operária – a rigor, ao movimento democrático-popular, com seu amplo apoio nos trabalhadores da massa marginal – foi expresso como antipetismo. No contexto da crise de hegemonia – portanto, de representatividade –, isso permitiu seu deslocamento dos partidos tradicionais da direita brasileira para o movimento neofascista em ascensão, incialmente identificando-se com o ‘lavajatismo’, numa relação de representação com um certo ramo do Estado, típico de classes-apoio em contextos de fascização (Poulantzas, 1972POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura: a III Internacional face ao fascismo. Porto: Portucalense, 1972. v. 2. 160 p. ) – no caso, com uma parte da magistratura –, e, posteriormente, com o bolsonarismo, o qual absorve o primeiro.

Este artigo deriva de tese de doutorado que teve como objetivo geral compreender as relações entre o bolsonarismo e a categoria médica e seus reflexos na política de saúde no contexto da crise de hegemonia contemporânea. Buscar-se-á aqui, especificamente, analisar os reflexos do bolsonarismo sobre as políticas relacionadas à saúde da mulher e aos direitos sexuais e reprodutivos durante o governo Bolsonaro (2019-2022).

Métodos

Esta é uma pesquisa localizada no quadro referencial marxista, partindo da teoria do materialismo histórico e dialético e do método de abordagem dialético, mediante o emprego de métodos de procedimento histórico e monográfico (Marconi e Lakatos, 2003MARCONI, Marina A.; LAKATOS, Eva M. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. ), com uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo e exploratório. Para tanto, tomam-se por base os conceitos da ciência política marxista, absorvendo e reposicionando, nos marcos do quadro referencial, os quatro componentes do modelo de análise de políticas públicas de Walt e Gilson ( 1994 WALT, Gill; GILSON, Lucy. Reforming the health sector in developing countries: the central role of policy analysis. Health Policy and Planning, Oxford, v. 9, n. 4, p. 353-370, 1994. https://doi.org/10.1093/heapol/9.4.353 . Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10139469/ . Acesso em: 11 jan. 2024.
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): contexto, processo, conteúdo e atores. Têm-se, como técnicas específicas de coleta de dados, a documentação indireta (pesquisas documental e bibliográfica) e a observação direta intensiva assistemática, participante, individual e na vida real. Já como técnica de análise de dados, utilizaram-se a condensação de significado e a hermenêutica-dialética. No que tange aos aspectos éticos, a pesquisa não envolveu a participação de seres humanos, não necessitando de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

A pesquisa bibliográfica foi feita com base nos descritores “Saúde da Mulher” and “Bolsonarismo”, “Saúde da Mulher” and “Governo Bolsonaro”; “Direitos Sexuais e Reprodutivos” and “Bolsonarismo”; “Direitos Sexuais e Reprodutivos” and “Bolsonaro” e “Direitos Sexuais e Reprodutivos” and “Governo Bolsonaro”, tendo localizado apenas os artigos de Soares e Ricoldi ( 2022 SOARES, Felipe F.; RICOLDI, Arlene M. A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 1-22, 2022. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/TtRcQFzh89M5tPRcxKVgYfc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
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) e de Vazquez ( 2019 VAZQUEZ, Ana C. B. Fascismo e O conto da aia: a misoginia como política de Estado. Katálysis, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 597-606, set.-dez. 2019. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p597 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/sRDPf3Vy7nVJDswQ9vc5ftp/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
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), o que é revelador da necessidade de pesquisas que envolvam o tema do bolsonarismo. A pesquisa documental incluiu matérias do jornal Medicina , publicação mensal oficial do CFM, e resoluções desta autarquia, bem como notas públicas de entidades da área de saúde e matérias jornalísticas coligidas entre 2019 e 2023.

A condensação de significados e a hermenêutica-dialética foram fundamentais no tratamento das publicações do CFM, com o objetivo de descrever as relações da principal entidade médica com o bolsonarismo e com o governo Bolsonaro, bem como analisar os reflexos do bolsonarismo sobre as políticas de saúde destinadas às mulheres e aos direitos sexuais e reprodutivos. Assim, selecionaram-se os trechos mais significativos dos textos do CFM; esses fragmentos, dos quais boa parte foi diretamente citada e suas unidades naturais sublinhadas ao longo deste trabalho, expressavam diretamente os posicionamentos da corporação médica, seu ideário e seus valores, ou o faziam de maneira velada ou prismada. Nesse último caso, a hermenêutica-dialética concorreu para a crítica do texto, para o reconhecimento dos silêncios e ausências e para sua localização no contexto histórico, este último informado com base em matérias jornalísticas, posicionamentos oficiais de outros atores políticos e na técnica de observação direta intensiva.

Resultados e discussão

A mulher é, por sua natureza e destino, a companheira do homem. Isso os torna companheiros tanto na vida, como no trabalho. A evolução econômica processada através dos séculos, do mesmo modo que transformou os setores de trabalho do homem, também alterou, logicamente, os campos de atividade da mulher. Além da obrigação do trabalho comum, pesa sobre o homem e sobre a mulher o dever de conservar a espécie humana. Nesta mais nobre missão dos sexos nós também descobrimos as bases de seus talentos que têm a sua origem nas predisposições individuais com que a Providência, na sua eterna sabedoria, dotou o homem e a mulher de forma inalterável. Por isso é um dever superior possibilitar aos dois companheiros de vida e de trabalho a constituição da família. A sua destruição definitiva significaria o fim das características humanas mais sublimes. Por mais que se alarguem os campos de atividade da mulher, o fim último de uma evolução orgânica e lógica terá de ser sempre a constituição da família. Ela é a menor, mas a mais valiosa unidade na construção de todo o Estado. O trabalho honra tanto a mulher como o homem. Mas o filho enobrece a mãe.

[...] Creio que um povo, para edificar a sua resistência, não deve viver unicamente de acordo com princípios racionais; também precisa de suporte-esteio espiritual e religioso. O envenenamento e a desintegração do corpo nacional pelos eventos do nosso bolchevismo cultural são quase mais devastadores do que os efeitos do comunismo político e econômico.

(Hitler apud Reich, 2001REICH, Wilhelm. Psicologia de massas do fascismo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. E-book. , p. 65-66)

A citação anterior, caso apresentada sem referência, poderia perfeitamente ser atribuída a algum representante do bolsonarismo nesta última década, mas se trata de um trecho de Mein Programm , manifesto eleitoral do Partido Nacional-Socialista para as eleições presidenciais de 1932. É patente a relação de identidade da ideologia neofascista brasileira com as palavras do Führer alemão, como expresso no plano de governo do então candidato Jair Bolsonaro em 2018:

Nos últimos 30 anos, o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo se uniu às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira.

Queremos um Brasil com todas as cores: verde, amarelo, azul e branco.

PRECISAMOS NOS LIBERTAR!

VAMOS NOS LIBERTAR!

(O Caminho [...], 2018 O CAMINHO da prosperidade: proposta de plano de governo. 2018. Disponível em: https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2018/10/plano-de-governo-jair-bolsonaro.pdf . Acesso em: 11 jan. 2024.
https://veja.abril.com.br/wp-content/upl...
, p. 8)

Vazquez ( 2019 VAZQUEZ, Ana C. B. Fascismo e O conto da aia: a misoginia como política de Estado. Katálysis, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 597-606, set.-dez. 2019. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p597 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/sRDPf3Vy7nVJDswQ9vc5ftp/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22...
) ressalta que a sacralização da família nos moldes tradicionais remete as mulheres à maternidade compulsória e reforça a homofobia, elementos recorrentes nas declarações de Jair Bolsonaro antes e depois de eleito. Sua posição em relação ao direito das mulheres sempre foi conhecida: contra o aborto e naturalizando que mulheres devem ganhar menos do que os homens ao desempenharem a mesma função por ter um direito trabalhista a mais, a licença-maternidade.

Soares e Ricoldi ( 2022 SOARES, Felipe F.; RICOLDI, Arlene M. A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 1-22, 2022. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/TtRcQFzh89M5tPRcxKVgYfc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183...
, p. 7) afirmam que seu “projeto de poder instaura um cenário político discursivo, no qual setores ultraconservadores católicos e cristãos, aliados a diferentes forças políticas, engajam-se numa retórica antigênero, inclusive, criando a expressão ‘ideologia de gênero’”. Esta, por sua vez, seria “uma estratégia político-discursiva reacionária, de matriz religiosa, capaz de promover mobilizações da ordem moral ligadas às relações de gênero, sexo e sexualidade, se utilizando de ‘pânicos morais’” (Soares e Ricoldi, 2022 SOARES, Felipe F.; RICOLDI, Arlene M. A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 1-22, 2022. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/TtRcQFzh89M5tPRcxKVgYfc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183...
, p. 15). Tal estratégia opera “uma inversão discursiva para justamente reforçar a própria ideologia, manifesta no sistema cis-heteronormativo machista” (Soares e Ricoldi, 2022 SOARES, Felipe F.; RICOLDI, Arlene M. A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 1-22, 2022. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/TtRcQFzh89M5tPRcxKVgYfc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183...
, p. 7). Assim, ao naturalizar as relações de gênero e alimentar um processo de rebiologização dessas questões, o combate à ficcional ‘ideologia de gênero’ se conforma em arma antifeminista e contra os direitos sexuais.

Essa suposta ‘ideologia de gênero’ imposta doutrinariamente nas escolas sob os auspícios da pedagogia freireana foi intensivamente explorada como agitação política pelo movimento neofascista brasileiro e elemento determinante durante a campanha de 2018 para se difundir a rejeição à esquerda, amalgamando antipetismo, anticomunismo, conservadorismo moral e fundamentalismo religioso, como expresso no programa de Jair Bolsonaro: “Conteúdo e método de ensino precisam ser mudados. Mais matemática, ciências e português, SEM DOUTRINAÇÃO E SEXUALIZAÇÃO PRECOCE” (O Caminho [...], 2018 O CAMINHO da prosperidade: proposta de plano de governo. 2018. Disponível em: https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2018/10/plano-de-governo-jair-bolsonaro.pdf . Acesso em: 11 jan. 2024.
https://veja.abril.com.br/wp-content/upl...
, destaque no original).

Nesse sentido, Soares e Ricoldi ( 2022 SOARES, Felipe F.; RICOLDI, Arlene M. A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 1-22, 2022. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/TtRcQFzh89M5tPRcxKVgYfc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183...
) afirmam que

essa política busca recuperar e garantir a existência de hierarquias sexuais para o fortalecimento de visões de mundo tradicionais, a serem manifestadas em um conjunto cultural bastante específico, tal como: um único modelo de família (patriarcal, biológica, monogâmica, heterossexual, via matrimônio, indissolúvel e filhos), matrimônio (comunhão de vida e amor conjugal), maternidade (inerente à mulher, sendo mãe, esposa, submissa, afetuosa e dedicada a cuidados), filiação (estabelecida por via biológica, com conjugalidade complementar), parentesco (consanguinidade), sexo (como um dado biológico que permita reprodução), sexualidade (como complementar), heterossexualidade (desejo sexual natural e universal), identidade e diferença sexual (sendo fixas, binárias e hierarquizadas).

(Soares e Ricoldi, 2022 SOARES, Felipe F.; RICOLDI, Arlene M. A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 1-22, 2022. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/TtRcQFzh89M5tPRcxKVgYfc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183...
, p.17)

Vazquez ( 2019 VAZQUEZ, Ana C. B. Fascismo e O conto da aia: a misoginia como política de Estado. Katálysis, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 597-606, set.-dez. 2019. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p597 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/sRDPf3Vy7nVJDswQ9vc5ftp/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22...
), por sua vez, identifica no avanço das igrejas pentecostais e neopentecostais, tanto nas periferias urbanas quanto no Congresso Nacional, um aspecto fundamental para a escalada do que designa como protofascismo no Brasil, capilarizando valores conservadores no tecido social:

Esse avanço também se deu de forma lenta e gradual, e vem ganhando mais força e notoriedade desde as Jornadas de Junho de 2013, quando uma reação conservadora se alastra pelo Brasil, trazendo como característica a aproximação entre a extrema-direita e setores da Igreja Evangélica.

Essa aproximação pode ser constatada com os inúmeros projetos de lei enviados ao Congresso Nacional por políticos da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), muitos deles – senão todos – na tentativa da retirada dos direitos das mulheres, principalmente no tocante aos direitos sexuais e reprodutivos. [...] a FPE foi criada em 2003, mas foi no pleito de 2014 que aumentou consideravelmente seu número de parlamentares.

(Vazquez, 2019 VAZQUEZ, Ana C. B. Fascismo e O conto da aia: a misoginia como política de Estado. Katálysis, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 597-606, set.-dez. 2019. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p597 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/sRDPf3Vy7nVJDswQ9vc5ftp/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22...
, p. 602)

Ao se referir ao chamado Estatuto da Família (projeto de lei n. 6.583/2013), que propõe reconhecer como tal somente aquelas nos moldes cis-heteronormativos; ao projeto de lei n. 5.069/2013, que obstaculiza o direito constitucional de as mulheres vítimas de violência sexual realizarem abortamento no Sistema Único de Saúde (SUS); e ao Estatuto do Nascituro (projeto de lei n. 478/2007), que provê direitos ao embrião desde o momento da concepção e torna o aborto crime hediondo, bem como ao projeto de lei n. 7.180/2014, conhecido como Lei da Mordaça ou Escola sem Partido, a autora conclui:

Podemos perceber nítidos traços da ideologia fascista em todos esses projetos de lei, uma vez que retiram a autonomia das mulheres sobre seus corpos, enaltecem a família tradicional e proíbem o pensamento crítico sobre tais questões.

(Vazquez, 2019 VAZQUEZ, Ana C. B. Fascismo e O conto da aia: a misoginia como política de Estado. Katálysis, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 597-606, set.-dez. 2019. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p597 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/sRDPf3Vy7nVJDswQ9vc5ftp/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22...
, p. 603)

Nenhum desses projetos de lei viria a ser aprovado durante o governo Bolsonaro, certamente resultado da resistência dos movimentos feministas e de outros setores da sociedade. No entanto, o assédio aos direitos das mulheres seria permanente, tendo como uma das mais importantes protagonistas a pastora evangélica da Igreja do Evangelho Quadrangular, Damares Alves, alçada ao recém-criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) durante os quatro anos daquele mandato presidencial, simbolizando a aliança entre bolsonarismo e fundamentalismo cristão. Militante contra o aborto e o espantalho da ‘ideologia de gênero’, notabilizou-se por declarações cujo tom caricato mascarava o conteúdo profundamente reacionário, como as que reforçavam papéis sociais atribuídos a homens e mulheres, por exemplo: ‘menino veste azul, menina veste rosa’, ‘meninas são princesas e meninos são príncipes’. Ademais, buscava relativizar a laicidade do Estado brasileiro, apontando o horizonte teocrático de suas ações, ao declarar, em sua posse, que “O Estado é laico, mas essa ministra é terrivelmente cristã” (Vazquez, 2019 VAZQUEZ, Ana C. B. Fascismo e O conto da aia: a misoginia como política de Estado. Katálysis, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 597-606, set.-dez. 2019. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p597 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/sRDPf3Vy7nVJDswQ9vc5ftp/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22...
).

Já em discurso na Cúpula Demográfica de Budapeste, evento conservador que reuniu países com governos de extrema-direita, fundamentalistas e contrários à defesa de direitos humanos, na Hungria sob o comando de Viktor Orbán, cuja política internacional concentrada no enfrentamento da imigração se alia a uma agenda antigênero que busca reforçar o papel reprodutivo das mulheres, a ministra deixou clara a orientação do governo brasileiro:

O governo do presidente Bolsonaro, por sua vez, defende o direito à vida desde a concepção e condena a prática do aborto como método contraceptivo ou de controle de natalidade.

[...] Nesse quadro, buscamos promover uma política de fortalecimento da maternidade e de incentivo à adoção, bem como prestar o necessário apoio às famílias uniparentais, geralmente chefiadas por mulheres, que são muito comuns no Brasil.

(Brasil, 2019, apud Soares e Ricoldi, 2022 SOARES, Felipe F.; RICOLDI, Arlene M. A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 1-22, 2022. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/TtRcQFzh89M5tPRcxKVgYfc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183...
, p. 15-16)

Nesse sentido, houve um aparelhamento do ministério por ativistas cristãos conservadores empenhados em substituir o enfoque de gênero como eixo transversal nas políticas públicas para mulheres, crianças, adolescentes, jovens e idosos, especialmente no que tange aos direitos sexuais e reprodutivos, para assumir a família dita tradicional (pai-mãe-filhos) como dimensão central. Exemplo disso seria a proposta, sem qualquer amparo na ciência, de abstinência sexual entre adolescentes como política pública para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e gravidez precoce, expressando o conservadorismo moral sobre a abordagem de uma questão de saúde pública (Soares e Ricoldi, 2022 SOARES, Felipe F.; RICOLDI, Arlene M. A escalada neoconservadora e a agenda antigênero: o caso da participação do Brasil na Cúpula Demográfica de Budapeste. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 1-22, 2022. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/TtRcQFzh89M5tPRcxKVgYfc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0183...
).

Esse projeto também era defendido pelo conselheiro do CFM e secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, um dos articuladores entre a autarquia e o governo federal, muito alinhado ao bolsonarismo e ao MMFDH. Martins ( 2021 MARTINS, Leonardo. Secretário de Pazuello com cadeira no CFM é o elo entre o bolsonarismo e a classe médica. Intercept Brasil [on-line], 8 fev. 2021. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2021/02/08/raphael-camara-secretario-de-pazuello-e-elo-entre-bolsonarismo-e-cfm/ . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://www.intercept.com.br/2021/02/08/...
) destaca:

Ele comentou o assunto em um artigo publicado na Gazeta do Povo , em janeiro de 2020. “A iniciação sexual precoce, com idade aproximada aos 15 anos, está associada ao menor uso de preservativo, ao aumento de relações sexuais e de parceiros e à maior chance de DSTs e gestações indesejadas. Então, como não incluir a abstinência sexual em uma política dirigida para este público de adolescentes?”, indagou.

O médico negou defender as pautas da ministra Damares dentro do CFM. “Com todo o respeito, essa assertiva chega a ser esdrúxula. Eu não defendo projetos da ministra Damares Alves. Eu defendo projetos meus e a favor da vida. Se defender projetos da ministra é ser contra o aborto, contra o estupro, contra matar bebês indígenas, contra agressão de mulheres, então realmente eu defendo os dela e ela os meus. Por sinal, uma excelente ministra. E sim. Eu me considero alinhado ao governo federal”.

[...] Nas redes sociais de Raphael Câmara também é fácil encontrar elogios e demonstrações de afeto a membros do governo. Em uma postagem de 27 de abril de 2020, o médico publicou agradecimentos e elogios vindos do senador Flávio Bolsonaro, do Republicanos, filho do presidente Jair Bolsonaro, e da ministra Damares Alves.

“Ministra Damares e senador Flávio Bolsonaro reconhecem publicamente nossa luta contra o aborto”, escreveu.

O ginecologista fora relator da resolução n. 296, de 16 de julho de 2019, do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), que obriga a notificação dos estupros atendidos por médicos aos órgãos policiais, dificultando o acesso ao aborto legal.

Poucos meses após assumir seu cargo no Ministério da Saúde, medida semelhante foi implementada pelo governo federal em âmbito nacional (Martins, 2021 MARTINS, Leonardo. Secretário de Pazuello com cadeira no CFM é o elo entre o bolsonarismo e a classe médica. Intercept Brasil [on-line], 8 fev. 2021. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2021/02/08/raphael-camara-secretario-de-pazuello-e-elo-entre-bolsonarismo-e-cfm/ . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://www.intercept.com.br/2021/02/08/...
). Tratava-se da portaria GM/MS n. 2.561, de 23 de setembro de 2020, que dispunha sobre o procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do SUS. A portaria, revogada em janeiro de 2023, além de obrigar a notificação à autoridade policial pelo médico, pelos demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente sobre os indícios ou confirmação do crime de estupro, exigia destes a preservação de possíveis evidências materiais do crime a serem entregues imediatamente à autoridade policial, inclusive fragmentos do embrião ou feto, para levar à identificação genética do autor, bem como obrigava a equipe médica a oferecer à gestante, antes do procedimento, a possibilidade de visualizar o feto ou embrião por ultrassonografia, documentando seu desejo final. Portanto, além dessa violência psicológica à vítima, a medida obstaculizava o direito de interromper a gestação na medida em que, ao obrigar esses profissionais de saúde a informar à polícia, inclusive sem o consentimento da mulher, poderia fazer com que mulheres tivessem medo de chegar aos serviços de saúde (Leal, 2020 LEAL, Vinícius. Governo muda regras e obriga médicos a avisar polícia sobre pedidos de aborto por estupro. G1 [on-line], 28 ago. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2020/08/28/portaria-amplia-exigencias-a-medicos-que-atendam-mulheres-em-busca-de-aborto-por-estupro.ghtml . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://g1.globo.com/bemestar/noticia/20...
).

Importante ressaltar que a publicação da portaria se deu no contexto da polêmica gerada pelo caso de uma menina de dez anos que engravidou depois de ter sido estuprada pelo tio de 33 anos em São Mateus (ES) e precisou viajar até Recife (PE) para interromper a gestação, sendo alvo, junto com familiares e médicos, de ataques de grupos religiosos fundamentalistas e extremistas contrários ao aborto, insuflados pela ministra Damares Alves (Leal, 2020 LEAL, Vinícius. Governo muda regras e obriga médicos a avisar polícia sobre pedidos de aborto por estupro. G1 [on-line], 28 ago. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2020/08/28/portaria-amplia-exigencias-a-medicos-que-atendam-mulheres-em-busca-de-aborto-por-estupro.ghtml . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://g1.globo.com/bemestar/noticia/20...
).

No CFM, ainda em janeiro de 2020, o ginecologista-obstetra emitira suas contrarrazões a respeito da resolução CFM n. 2.265, de 20 de setembro de 2019, que “dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero”. O documento define que jovens a partir dos 18 anos estão autorizados a iniciar um tratamento de mudança de gênero, com hormonioterapia e até mesmo cirurgias plásticas. O conselheiro em questão desejava derrubar esse dispositivo e estabelecer que tal decisão só pudesse ser tomada a partir dos 21 anos, mas foi voto vencido em plenário. No mês seguinte, articulou-se com a deputada federal Chris Tonietto, do Partido Social Liberal do Rio de Janeiro (PSL-RJ), a qual apresentou o projeto de decreto legislativo n. 19/20 para sustar a resolução da autarquia (Martins, 2021 MARTINS, Leonardo. Secretário de Pazuello com cadeira no CFM é o elo entre o bolsonarismo e a classe médica. Intercept Brasil [on-line], 8 fev. 2021. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2021/02/08/raphael-camara-secretario-de-pazuello-e-elo-entre-bolsonarismo-e-cfm/ . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://www.intercept.com.br/2021/02/08/...
).

Apesar do resultado dessa votação, outros direitos sexuais e reprodutivos seriam alvos do CFM. Ao se contrapor à luta feminista contra a violência obstétrica, a autarquia passou a combater esse conceito, o qual era identificado, por um de seus conselheiros, como uma agressão contra a especialidade médica de ginecologia e obstetrícia, contribuindo para sua suposta demonização progressiva. Nesse sentido, em janeiro de 2019, o Cremerj, sem qualquer objeção do CFM, publicava a resolução n. 293/2019 (revogada pela portaria n. 343/2023), que dispõe sobre a proibição de adesão, por parte de médicos, a quaisquer documentos, dentre eles o plano de parto ou similares, que restrinjam a autonomia médica (De Lara, 2021a DE LARA, Bruna. A guerra do CFM contra as mulheres. Intercept Brasil [on-line], 15 out. 2021a. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2021/10/15/guerra-cfm-contra-mulheres/ . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://www.intercept.com.br/2021/10/15/...
).

Em maio, a autarquia federal se posicionaria oficialmente em nota contra o termo ‘violência obstétrica’: “o CFM entende que o termo ‘violência obstétrica’ é inapropriado, devendo ser abolido, pois estigmatiza a prática médica, interferindo de forma deletéria na relação entre médicos e pacientes” (Conselho Federal de Medicina, 2019b CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Nota à imprensa e à população. Brasília: CFM, 9 maio 2019a. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/nota-violencia-obstetrica.pdf?fbclid=IwAR0KJt-\_0WFJKGeBG04eN_8xHk1FsCKvK6XNBdjQ5nnQANFoCwcDMt3mh24 . Acesso em: 26 jan. 2024.
https://portal.cfm.org.br/images/PDF/not...
). No mesmo mês, o Ministério da Saúde decidiu abolir o uso da expressão ‘violência obstétrica’ por meio de um despacho alegando que ela tinha conotação inadequada, não agregaria valor e prejudicaria a busca do cuidado humanizado (De Lara, 2021b DE LARA, Bruna. Ministério da Saúde quer fingir que não existe violência obstétrica. Esses relatos provam o contrário. Intercept Brasil [on-line], 7 maio 2021b. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2019/05/07/ministerio-da-saude-quer-fingir-que-nao-existe-violencia-obstetrica-esses-relatos-provam-o-contrario/ . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://www.intercept.com.br/2019/05/07/...
). Em 17 de julho, o CFM publicaria a resolução n. 2.232/2019, que estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente, e na qual se lê:

art. 5º: A recusa terapêutica não deve ser aceita pelo médico quando caracterizar abuso de direito.

[...] § 2º A recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, ‘podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto’.

[...] art. 10: Na ausência de outro médico, em casos de urgência e emergência e quando a recusa terapêutica trouxer danos previsíveis à saúde do paciente, a relação com ele não pode ser interrompida por objeção de consciência, ‘devendo o médico adotar o tratamento indicado, independentemente da recusa terapêutica do paciente’.

(Conselho Federal de Medicina, 2019a CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM n. 2.232, de 17 de julho de 2019. Estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente. Diário Oficial da União, Brasília, edição 179, seção 1, p. 113, 16 set. 2019b. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-2.232-de-17-de-julho-de-2019-216318370 . Acesso em: 26 jan. 2024.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/resoluca...
, destaques nossos)

Em síntese, legitimava-se a violência obstétrica na medida em que a gestante poderia ser forçada a passar por intervenções indesejadas para garantir o bem-estar do feto, o qual estaria acima do dela. Esses e outros artigos viriam a ser suspensos pela Justiça paulista meses depois.

Embora a proporção de mulheres médicas no Brasil tenha aumentado, entre 2000 e 2022, de 35,8% para 48,5%, ainda permanece abaixo dos 49,5%, média da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Scheffer et al., 2023 SCHEFFER, Mário et al. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB, 2023. Disponível em: https://amb.org.br/wp-content/uploads/2023/02/DemografiaMedica2023_8fev-1.pdf . Acesso em: 26 jan. 2024.
https://amb.org.br/wp-content/uploads/20...
). No entanto, segundo De Lara ( 2021a DE LARA, Bruna. A guerra do CFM contra as mulheres. Intercept Brasil [on-line], 15 out. 2021a. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2021/10/15/guerra-cfm-contra-mulheres/ . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://www.intercept.com.br/2021/10/15/...
), entre os conselheiros titulares do CFM, elas ocupam apenas oito dos 28 assentos titulares (28,6%; na gestão anterior, eram apenas 10,7%), o que explicaria, em parte, as decisões desfavoráveis aos direitos das mulheres. A autora é categórica ao afirmar que

é principalmente o viés de extrema-direita adotado pela diretoria do CFM que ajuda a explicar como um órgão que, em 2013, se manifestou favoravelmente à descriminalização do aborto até a 12ª semana, dizendo-se defensor da autonomia da mulher, chegou ao ponto de aprovar procedimentos forçados em gestantes seis anos depois.

(De Lara, 2021a DE LARA, Bruna. A guerra do CFM contra as mulheres. Intercept Brasil [on-line], 15 out. 2021a. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2021/10/15/guerra-cfm-contra-mulheres/ . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://www.intercept.com.br/2021/10/15/...
)

Outro direito reprodutivo alvo de investidas do CFM foi o de reprodução assistida. Em maio de 2021, o conselho publicou a resolução n. 2.294, cujo relator, o conselheiro pelo estado de Rondônia, Hiran Gallo, viria a ser o próximo presidente da autarquia federal. O documento estabelece, entre outras coisas, um número máximo de oito embriões gerados em laboratório e limites de transferência de embriões: dois para quem tem até 37 anos e três para quem estiver acima dessa idade, na contramão do que a presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida afirmava então, de que o número ideal de embriões é de pelo menos 15, apontando que o novo limite torna quase nula a chance de uma mulher de 40 anos engravidar. O procedimento também ficaria mais caro e, portanto, menos acessível, já que o descarte de embriões passa a depender de decisão judicial, não apenas da autorização dos envolvidos, acarretando gastos com advogados. Esse é mais um aspecto que reforça a convicção de De Lara ( 2021a DE LARA, Bruna. A guerra do CFM contra as mulheres. Intercept Brasil [on-line], 15 out. 2021a. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2021/10/15/guerra-cfm-contra-mulheres/ . Acesso em: 25 jan. 2024.
https://www.intercept.com.br/2021/10/15/...
) de que “a atuação do órgão em todas as suas frentes é, sim, movida pelas crenças ideológicas de sua diretoria”.

Mais um exemplo pelo qual se verifica que a aliança do corporativismo médico com o bolsonarismo na perseguição a direitos sexuais e reprodutivos das mulheres diz respeito à abolição da Rede Cegonha e sua substituição pela Rede de Atenção Materna e Infantil (RAMI), promovida pela portaria GM/MS n. 715, de 4 de abril de 2022. A Rede Cegonha priorizava a humanização do atendimento às gestantes na rede pública, valorizando a atuação de profissionais como enfermeiras obstétricas e parteiras, categorias que foram excluídas na proposição da RAMI para que médicos ginecologistas-obstetras, como o conselheiro do CFM e titular da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Raphael Câmara, um dos que participaram da elaboração da proposta, voltassem a concentrar em torno de si a assistência materna.

A RAMI se revela, portanto, como um grande retrocesso na política pública para esta área inclusive porque tem como motivação legitimar a defesa de práticas liberais-privatistas de interesse de grandes corporações da área econômica e médica. É um retorno ao modelo biomédico centrado no hospital [...]

A mesma também retrocede em relação aos conceitos de direitos sexuais reprodutivos, reduzindo a “planejamento familiar e sexualidade responsável”, em uma clara demonstração de ter sido permeada por ideologia de cunho fundamentalista religioso, o que é incompatível com o princípio da laicidade do Estado.

(Associação Brasileira de Enfermagem, 2022 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. A ABEn pela revogação da portaria do Ministério da Saúde n. 715/2022. Brasília: Associação Brasileira de Enfermagem, 8 abr. 2022. Disponível em: https://redeaps.org.br/2022/04/18/a-aben-pela-revogacao-da-portaria-do-ministerio-da-saude-no-715-2022/ . Acesso em: 26 jan. 2024.
https://redeaps.org.br/2022/04/18/a-aben...
)

Essa conclusão se soma a todas as demais evidências que aqui procuramos demonstrar da associação entre o corporativismo médico e o bolsonarismo, do entrelaçamento entre os subsistemas ideológicos liberal e empresarial largamente difundidos na categoria médica e os elementos ideológicos do movimento neofascista brasileiro, como o conservadorismo moral, o fundamentalismo religioso, o antifeminismo e o negacionismo, refletindo-se na política de saúde. A portaria em questão viria a ser revogada em 13 de janeiro de 2023 pela nova ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, sob protestos do CFM, o qual, em sua publicação daquele mês, manifestou seu posicionamento contrário à decisão (Medicina, 2019 MEDICINA. Publicação Oficial do Conselho Federal de Medicina. Brasília: CFM, jan. 2019-jun. 2023. Versão on-line. Disponível em: https://www.flip3d.com.br/pub/cfm . Acesso em: 10 jan. 2024.
https://www.flip3d.com.br/pub/cfm...
, n. 335, p. 3) para a surpresa de absolutamente ninguém.

Também é indubitável que a corporação médica concorreu para isso, em especial o CFM, o qual, diferentemente da Associação Médica Brasileira (AMB) e sua nova diretoria a partir de certo ponto durante a pandemia, em nenhum momento se desvencilhou de sua íntima associação com o governo de Jair Bolsonaro, servindo-lhe de anteparo para as críticas e de retaguarda para seu negacionismo científico em troca do atendimento de algumas poucas demandas corporativistas.

Considerações finais

Ao longo da pesquisa, foi possível reconhecer os quatro elementos que compõem o modelo de Walt e Gilson ( 1994 WALT, Gill; GILSON, Lucy. Reforming the health sector in developing countries: the central role of policy analysis. Health Policy and Planning, Oxford, v. 9, n. 4, p. 353-370, 1994. https://doi.org/10.1093/heapol/9.4.353 . Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10139469/ . Acesso em: 11 jan. 2024.
https://doi.org/10.1093/heapol/9.4.353...
) – o contexto, o processo, o conteúdo e os atores – na formulação das políticas de saúde aqui abordadas e concomitantemente suas múltiplas determinações com base no instrumental teórico-conceitual da ciência política marxista (bloco no poder, cena política, hegemonia, forças sociais em presença, classe-apoio), de modo a revelar seu teor classista e a complexidade do processo político.

O conservadorismo moral e o fundamentalismo religioso associados ao antifeminismo e à misoginia, os quais integram o universo ideológico do bolsonarismo como corrente política neofascista, deixaram suas marcas nas políticas voltadas à saúde da mulher e aos direitos sexuais e reprodutivos. A guerra declarada do CFM contra o conceito de violência obstétrica, as medidas para obstaculizar o acesso ao aborto nas situações já previstas em lei, como é o caso da portaria GM/MS n. 2.561/2020, e as dificuldades para a reprodução assistida apresentadas pela resolução CFM n. 2.294/2021 são alguns dos reflexos dos elementos ideológicos do bolsonarismo nessa área. O desmonte da Rede Cegonha e sua substituição pela RAMI foi a expressão mais acabada do corporativismo médico em associação com o governo Bolsonaro para restaurar a centralidade do poder do médico obstetra na rede de atenção materno-infantil.

Os retrocessos nos direitos das mulheres em contextos reacionários não são inéditos. Quando avançam as correntes políticas da extrema-direita no Brasil e no mundo, recorrentemente esses direitos são perseguidos, buscando reforçar a submissão das mulheres e sua redução ao lugar da reprodução, sob o véu discursivo da proteção à família. Também não é nova a relação entre a corporação médica e regimes autoritários; basta recordar a própria história brasileira, quando, durante a ditadura militar (1964-1985), a política de saúde voltou-se para o fomento de um mercado da saúde nos moldes do estadunidense baseado no financiamento a fundo perdido da construção de hospitais privados e sua posterior contratação para a prestação de serviços médicos pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), consolidando o modelo médico hegemônico (Escorel, 2012ESCOREL, Sarah. História das políticas de saúde no Brasil de 1964 a 1990: do golpe militar à reforma sanitária. In: GIOVANELLA, Lígia et al. (orgs.) Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Cebes, 2012. p. 323-363. ).

A novidade histórica reside no fato de que pela primeira vez há, no Brasil, um movimento neofacista de massas, resiliente o bastante para permanecer na cena política por muitos anos ainda, ameaçando as instituições democráticas. O Movimento da Reforma Sanitária Brasileira precisa, portanto, levar em consideração esse fato em suas formulações táticas e estratégicas, o que inclui reconhecer o papel da luta setorial no combate ao bolsonarismo – nesse sentido, a derrota de Jair Bolsonaro em 2022 passou necessariamente pela resistência aos descalabros negacionistas da política de saúde, em especial na condução da pandemia – e também implica construir pontes com os setores médios, incluindo a categoria médica, de modo a estimular um processo de desafetação desta em relação ao movimento neofascista brasileiro.

Referências

  • Como citar:

    MEDEIROS, Henrique G. D.; ARAÚJO JÚNIOR, José L. A. C. Os reflexos do bolsonarismo sobre políticas de saúde da mulher e os direitos sexuais e reprodutivos. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 22, 2024, e02811259. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs2811
  • Aspectos éticos

    Não se aplica.
  • Apresentação prévia

    O artigo resulta de tese de doutorado intitulada O bolsonarismo, a categoria médica e a política de saúde no contexto da crise de hegemonia contemporânea , de Henrique Gonçalves Dantas de Medeiros, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública do Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, na área de concentração de Políticas de Saúde, defendida e aprovada em 10 de junho de 2024.
  • Material e/ou dados de pesquisa em repositório

    A tese ainda não foi depositada.
  • Preprint e versão final

    Não se aplica.
  • Financiamento

    Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2024
  • Aceito
    19 Jun 2024
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