RESENHAS REVIEWS
Edineide Jezine
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Pensamento crítico e movimentos sociais: diálogo para uma nova práxis. Roberto Leher e Mariana setúbal (orgs.). São Paulo: Cortez, 2005, 327 pp.
Neste momento histórico, em que os paradigmas teóricos que criticam a ordem do capital e as políticas neoliberais são revisitados, este livro representa o despertar de novos olhares e o florescer de novas perspectivas de luta para os que vivem e teorizam os movimentos sociais.
Pensamento crítico e movimentos sociais: diálogo para uma nova práxis, pode ser visto como uma luz na escuridão, pois possibilita uma viagem no tempo histórico das lutas vivenciadas pelo povo latino-americano na conquista da liberdade e autonomia, em que a força expressiva encontra-se centrada na cultura dos povos indígenas e negros, que não permitiram o domínio da alma. Ao contrário, fizeram pulsar neste continente o sangue da liberdade e da emancipação contra o colonizador e o imperialismo, que teimam, sob diversas formas, aterrorizar a fim de homogeneizar e dominar uma população que já nasceu livre.
Reafirmando a necessidade de reflexão acerca das práticas políticas, sociais e culturais dos movimentos sociais na América Latina, o livro discute as formas de dominação das políticas neoliberais, situadas na sociedade do conhecimento, globalizada, todavia, sem perder de vista os fatores históricos que efetivaram as formas de segregação do povo latino-americano e a desapropriação dos seus saberes.
Para a análise da temática "paradigmas teóricos", os autores buscaram estudos filosóficos e sociológicos a respeito da contribuição das ciências sociais para pensar a realidade sociocultural, política e econômica dos povos da América Latina. De forma que a obra apresenta discussões sobre a contribuição do marxismo, como teoria que apreende as contradições do capitalismo e constrói uma perspectiva socialista, como alternativa de sociedade.
Nessa perspectiva, alguns elementos teóricos do marxismo que foram relegados ao plano da caserna são reavivados, diante das contradições e confrontos postos pelas promessas não cumpridas do iluminismo e do capitalismo, pois seria um dissenso desconsiderar a existência da luta de classes no contexto da sociedade capitalista pós-moderna e ignorar as artimanhas ideológicas de dominação do capital.
A leitura do texto transforma-se em um mergulho nas profundezas da esperança, ao suscitar discussões sobre conceitos e temáticas atuais, como conflito social, luta de classe, crise, cultura, trabalho, colonização, saberes, estado, emancipação, cidadania, hegemonias, que fundamentam as análises dos velhos e novos movimentos sociais, nas suas formas de organização e luta.
Roberto Leher, ao fazer a apresentação da obra em tela, a caracteriza como "aberta ao tempo", por situar-se no contexto do debate da crise estrutural do capitalismo, com o desafio de produzir conhecimento novo sobre as lutas em curso na América Latina. Conhecimento focado a favor dos que vivem do próprio trabalho, uma vez que as políticas de opressão, que produzem as mazelas do capitalismo, como a fome, doenças e violência, não deixaram de existir, urgindo a necessidade de continuar produzindo idéias que orientem e possibilitem a ação política de ruptura com o neoliberalismo.
Para Roberto Leher, os autores do livro acreditam na transformação cultural, buscam resgatar a discussão acerca dos conflitos de classe e as lutas dos movimentos sociais, a partir das reflexões sobre a dialética dos movimentos reais, apontam referências teóricas não evolucionistas e não economicistas e demonstram a possibilidade a classe trabalhadora produzir uma nova hegemonia, significando ir além da relação base/ estrutura. Seguindo esta compreensão filosófica, os autores apontam a necessidade de um trabalho político de formação com base na pedagogia libertária, por acreditarem que esta concepção, seja capaz de unir teoria e prática, construir a reforma intelectual e moral em diálogo com a classe que vive do e para o trabalho.
Dividida em quatro capítulos, a estrutura lógica da obra atenta para relacionar as discussões teóricas às experiências de luta existentes na América Latina, em que a idéia geradora, abordada pelos autores, é a de que os conflitos podem ensejar transformações positivas, capazes de levar a uma superação da barbárie. No primeiro capítulo, intitulado "Conceitos na batalha das idéias", a discussão centra-se no exercício de dominação do capitalismo.
Ellen Wood resgata a discussão da centralidade das categorias "classe social" e "luta de classe", criticando o abandono dessas categorias teóricas pelos partidos da social-democracia. Diferente dos pós-modernos, a autora não aceita a tese do fim da classe trabalhadora e de sua fragmentação, cujo artífice são as políticas de identidade em defesa das subjetividades e as lutas contra o capitalismo global, representada pela suposta sociedade civil internacional, que se intitula como a "nova arena de luta" ou "cidadania global", levando os movimentos sociais a reivindicar políticas focalizadas ao invés de transformações estruturais.
Esse debate é retomado por Sérgio Tishler, que reatualiza o tema sob o prisma de que os novos movimentos sociais e toda a nova esquerda proclamaram o ofuscamento das classes sociais, como também setores da esquerda tradicional que legitimaram a tese do fim da história e abandonaram a referência classista. O autor defende que a noção de classe expressa seu conteúdo crítico na luta. Portanto, sustenta a atualidade da luta de classes, principalmente diante da agudização dos conflitos na virada do século XXI, não em seu sentido ortodoxo, mas como a potencialidade do sujeito social colocar em crise todas as formas de poder e dominação do capital.
Seguindo a discussão da temática, Roitman Rosemann aborda os fundamentos sociológicos dos movimentos sociais a partir de duas categorias de análise: o conflito social e a crise, indicando que, para a elite, os conflitos sempre foram vistos como anomia e ameaça à ordem. O autor argumenta que as tradições liberais e conservadoras disputaram a hegemonia teórica no campo das doutrinas, pois, a partir da revolução do iluminismo, o pensamento utilitarista-contratual mobiliza a nascente burguesia fundando o progresso científico-tecnológico.
Em sua análise, demonstra a influência teórica do pensamento positivista, apresentando seus respectivos pensadores e pesquisadores, indicando as problemáticas da sociedade do século XX, que, em sua natureza, deixa de ser orgânica e biológica para ser social e política. A crise e os conflitos se transformam em uma contradição dialética e lógica, fazendo emergir a luta pela democracia, as demandas sociais e a participação do proletariado urbano, ao mesmo tempo produzindo massacres e a repressão generalizada do movimento operário e sindical em toda a América Latina.
O texto de Rosemann objetiva mostrar como as mudanças no cenário econômico, político e social afetam a abordagem teórica de análise da realidade, concluindo que os estudos sobre conflito social e as crises são resultados de enfretamentos teóricos entre os defensores de uma modernização capitalista e da racionalização política e aqueles que propõem a superação e a transformação das estruturas sociais de exploração e domínio capitalista. Portanto, assinala como desafio do século XXI, no âmbito das ciências sociais, a criação de um novo pensamento que considere as contradições do capital e as temáticas como formas de recuperar a democracia.
O segundo capítulo busca identificar "Protagonistas dos conflitos e produção de conhecimento". Mouriaux e Beroud partem do questionamento da definição conceitual de "movimento social", a favor das idéias de dinamicidade e conflito que permeiam esse objeto de estudo e seu envolvimento com as lutas sociais, pois, segundo os autores, o estudo sobre os movimentos sociais envolve uma dupla perspectiva, diacrônica e sincrônica, já que não se pode determinar sua programação.
Por sua vez, Santos identifica os novos movimentos sociais e sua diversidade, buscando apreender a relação entre regulação e emancipação, subjetividade e cidadania. O texto impõe reflexões acerca do papel dos novos movimentos sociais, situados na linha do conflito paradigmático, pois, ao denunciar as novas formas de opressão, utilizam-se das críticas aos movimentos de emancipação de classe, que não estiveram atentos às subjetividades cotidianas. Daí o autor chamar atenção para a dinamicidade que envolve os chamados novos movimentos sociais, por criarem outras formas de participação e democracia.
A América Latina é analisada por Marcelo Badoró, como a região de maior vitalidade na resistência do neoliberalismo e neo-imperialismo, conjugando o cultural, o social e o nacional. Ao reconhecer as formas de dominação, sob a liderança das frações mais internacionalizadas do capital, indica que as ações para a governabilidade são favorecidas pela crise da esquerda, que abandona a perspectiva do socialismo, do anti-imperialismo e integra-se aos estratos dirigentes da burguesia, que amplia o alcance das políticas de ajuste estrutural, priorizando o contrato individual em detrimento dos direitos sociais universais assegurados por lei.
O terceiro capítulo trata dos "Movimentos altermundistas: perspectivas em confronto". Immanuel Wallerstein investiga o que "significa hoje ser um movimento anti-sistêmico". E, Chesnais, Serfati e Udry questionam: "O movimento antimundialização tem futuro?". As análises indicam que os movimentos de luta pela transformação social, por se prenderem nas discussões doutrinárias, tornaram-se sectários isolados e falharam em seus objetivos, de impulsionar a luta de classes através das organizações sindicais e partidos socialistas, como promover movimentos nacionais, que lutavam pela criação do Estado nacional. Atualmente, esses movimentos perderam força de organização e massificação, diversificando formas e objetivos. Contudo, o autor ressalta a importância desses movimentos para romper com a idéia da solidariedade mercadológica.
O último capítulo da obra apresenta "Utopias em construção". Esther Ceceña e José Seoane demonstram como a crise levou os países de esquerda a uma nova feição de controle social, provocando outros conflitos, envolvendo trabalhadores precarizados em lutas pela terra, pela integridade dos territórios, pela disputa da região de biodiversidade, dentre outras, de forma que o surgimento dos indígenas zapatistas, até então tidos como extemporâneos por parte da esquerda evolucionista e dogmática, conferem novas possibilidades de luta, como analisam os autores, pois as histórias das lutas dos povos indígenas são distorcidas e incapazes de captar as suas iniciativas presentes, e isso se deve ao processo de colonização capitalista europeu que promoveu a escravidão e a servidão. Na verdade, as lutas atuais do Exército Zapatista de Libertação Nacional abrem caminhos para um novo pensar acerca dos movimentos que, supostamente, estariam esgotados, mas que ganharam força diante do enfrentamento das políticas neoliberais.
Em síntese, o livro expressa um novo fôlego para os movimentos sociais da América Latina, mostrando que novas formas de organização e lutas estão se construindo para conflitos antigos, que continuam a promover a opressão do povo latino-americano, reafirmando, assim, a necessidade de rever paradigmas e conceitos na perspectiva da transformação social.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
30 Out 2012 -
Data do Fascículo
Set 2006