Open-access COMPETÊNCIAS ANDRAGÓGICAS DOS DOCENTES ENFERMEIROS QUE ATUAM NA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM PAULISTANA

ANDRAGOGICAL SKILLS OF NURSING PROFESSORS WORKING IN UNDERGRADUATE EDUCATION IN NURSING IN SÃO PAULO

COMPETENCIAS ANDRAGÓGICAS DE LOS DOCENTES ENFERMEROS QUE ACTÚAN EN LA GRADUACIÓN EN ENFERMERÍA PAULISTANA

Resumo

O objetivo foi avaliar o nível de desempenho do enfermeiro docente nas competências essenciais para a educação de adultos, na perspectiva andragógica. Estudo descritivo, comparativo, transversal, quantitativo, foi desenvolvido com 226 docentes enfermeiros que atuavam em vinte cursos de graduação em enfermagem. Utilizou-se estatística descritiva, testes não paramétricos e software Minitab® 16. A população tinha predominantemente entre 46-55 anos, era majoritariamente do gênero feminino, formou-se em escola pública e cursou especialização, mestrado e menos da metade também doutorado. Os professores se consideraram aquém do nível que deveriam ter para a educação de adultos, encontravam-se distantes do ideal para as competências que almejavam alcançar e declararam domínio maior para facilitar a aprendizagem do que para desenvolver e administrar programas de educação de adultos. Concluiu-se que o nível de desempenho dos docentes foi homogêneo, não havendo diferenças significativas na comparação dos resultados com as características da população.

Palavras-chave educação superior; docentes de enfermagem; modelos educacionais

Abstract

The aim was to evaluate the level of performance of the teaching nurse in core competencies in adult education from the andragogical perspective. This descriptive, comparative, cross-sectional, quantitative study was carried out with 226 teacher nurses working at twenty undergraduate nursing courses. Descriptive statistics, nonparametric tests and the Minitab® 16 software were used. The population's age ranged, predominantly, from 46 to 55 years, they were mostly female, had graduated from public schools and attended specialization and master's degree courses; fewer than half held doctorates. The professors considered themselves below the level they should be at for adult education, distant from the ideal for the skills they sought to achieve, and stated they had more control to facilitate learning than to develop and manage adult education programs. It was concluded that the professors’ performance levels were homogeneous, with no significant differences when comparing the results with the population's characteristics.

Keywords Higher education; nursing faculty; educational models

Resumen

El objetivo fue evaluar el nivel de desempeño del enfermero docente en las competencias esenciales para la educación de adultos, en la perspectiva andragógica. Se desarrolló un estudio descriptivo, comparativo, transversal, cuantitativo, con 226 docentes enfermeros que actuaban en veinte cursos de graduación en enfermería. Se usó estadística descriptiva, tests no paramétricos y software Minitab® 16. La población tenía predominantemente entre 46-55 años, era principalmente del género femenino, formada en escuela pública, cursó especialización, maestría y menos de la mitad también tenía doctorado. Los profesores se consideraron por debajo del nivel que deberían tener para la educación de adultos, se encontraron distantes de lo ideal para las competencias que se deseaba alcanzar y declararon dominio mayor para facilitar el aprendizaje que para desarrollar y administrar programas de educación de adultos. Se concluyó que el nivel de desempeño de los docentes fue homogéneo, no habiendo diferencias significativas en la comparación de los resultados con las características de la población.

Palabras clave educación superior; docentes de enfermería; modelos educativos

Introdução

A andragogia, arte e ciência de conduzir adultos ao aprendizado, consagrou-se em 1968, quando Malcom Shepherd Knowles passou a utilizá-la para nomear a teoria e a prática da educação de adultos (Knowles, 1975; Knowles, Holton III e Swanson, 2009).

Segundo Machado, Caldas-Junior e Bortoncello (1997), nos países latino-americanos, o uso da andragogia iniciou-se com o projeto da Fundação W. K. Kellogg, denominado Uma nova iniciativa na formação dos profissionais de saúde: união com a comunidade - UNI, que estimulou o intercâmbio de práticas de ensino entre países latino-americanos, a partir da década de 1990, abrangendo cursos de Enfermagem. Pesquisas sobre a andragogia na saúde e na enfermagem demonstraram que se trata de um tema impactante e que deverá se manter em destaque no futuro (Draganov, Friedlander e Sanna, 2011).

Conforme afirma Henry (2009), Knowles publicou em 1980 um instrumento denominado “Escala de classificação autodiagnóstica para a educação de adultos,” com base em três categorias de competências do professor de adultos: facilitador da aprendizagem, desenvolvedor e administrador de programas educativos para adultos (Figura 1).

Figura 1
Mapa conceitual sobre as competências para educação de adultos, segundo Knowles

Diante do exposto, questiona-se: o enfermeiro docente de escolas de nível superior paulistanas domina as competências para atuar em programas educativos para adultos na perspectiva andragógica?

Escolas que promovem boa formação são representadas por pessoas que desejam ensinar (docentes) e outras que desejam aprender (discentes); por esse motivo, olhar para o professor e para as competências que ele deve deter, no contexto atual, é tão importante.

Por fim, ressalta-se que há, na literatura brasileira, poucos estudos que abordem competências de professores para desenvolver programas educativos para a educação de adultos. Na enfermagem, os estudos que mensuram as competências de professores enfermeiros que atuam na graduação de enfermagem sob a perspectiva andragógica são teóricos e não se dedicaram à análise da prática, exceto o de Draganov (2011). Assim, justificou-se a realização da presente pesquisa, cujos objetivos foram: caracterizar a população de enfermeiros docentes de Enfermagem que atuavam em cursos presenciais de graduação em Enfermagem no município de São Paulo em 2010; identificar e comparar como o enfermeiro docente de Enfermagem avaliou as competências andragógicas que possui, quais considerava ideal e desejava ter; e comparar as competências andragógicas sob a perspectiva dos professores paulistanos com as variáveis: idade, tempo de formado e titulação.

Método

Estudo3 descritivo e comparativo, transversal, com abordagem quantitativa, que foi desenvolvido junto aos cursos de graduação em enfermagem presenciais, autorizados e em funcionamento no município de São Paulo em 2010. Segundo dados do Ministério da Educação, naquele ano havia 27 cursos nessa condição, tendo concordado em participar do presente estudo vinte dessas instituições de ensino superior (Brasil, 1997).

A população do estudo compreendeu enfermeiros professores de cursos de graduação presenciais de enfermagem que estavam localizados e funcionando no município de São Paulo que possuíssem, no mínimo, um curso de graduação presencial em enfermagem com pelo menos dois anos de funcionamento e estivesse em atividade. Além disso, era preciso que essas instituições de ensino autorizassem, por meio de seus diretores/coordenadores, a abordagem do corpo docente. Os docentes que compuseram a população assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), não estavam afastados de suas atividades e exerciam a atividade docente, no nível superior, por um período superior a seis meses.

Foram distribuídos 653 questionários e retornaram 226 (34,61%) instrumentos respondidos e com TCLE assinados. O instrumento de coleta de dados foi composto de duas partes: dados de caracterização da população e escala de medida tipo Likert, sobre competências para o papel do educador/instrutor de adultos. A escala utilizada foi proposta e testada por Malcom Shepherd Knowles (Knowles, Holton III e Swanson, 2009). Denominado “Escala de classificação autodiagnóstica de competências para o papel do educador de adultos,” o instrumento se compõe de três agrupamentos de competências que somam 54 asserções. O instrumento apresentava três agrupamentos de competências, cada qual contendo seus respectivos domínios. Para a competência 1, os domínios I a IV, e para as competências 2 e 3, os domínios I e II, respectivamente. Cada domínio reunia um rol de habilidades com escala graduada de 0 a 5, em que o participante deveria indicar o seu nível atual (‘A’) e desejado (‘D’) da competência. A escala indicaria: 0 – ausente, 1 – baixo conhecimento, 3 – moderado conhecimento (compreensão conceitual), 5 – alto conhecimento (expert ou especialista).

Assim, o referido instrumento se compõe de três agrupamentos de competências, distribuídos da seguinte maneira:

  1. Facilitador de aprendizagem, com os domínios I – estrutura conceitual e teórica da aprendizagem de adultos com cinco competências, II – design e aplicação de experiências de aprendizagem, com sete competências, III – auxiliar aprendizes a se tornarem autodirigidos, com três competências, e IV – selecionar métodos, técnicas e materiais, com 14 competências;

  2. Desenvolvedor de programas, com os domínios I – compreensão do planejamento do processo com quatro competências, e II – planejamento e aplicação de programas, com cinco competências;

  3. Administrador, com os domínios I – compreensão do desenvolvimento e manutenção organizacional com dez competências, e II – compreensão da administração de programas, com sete competências.

As informações foram transcritas para um banco de dados construído com a ferramenta Excel®, composto por 119 colunas, com os dados de caracterização da população e resultados da escala. Os dados da planilha foram transportados para software para tratamento estatístico denominado Minitab® versão 16.

A análise dos dados de caracterização da população do estudo empregou estatística descritiva – frequência simples (número absoluto) e relativa (porcentagem), medidas de tendência central e de variabilidade, ou seja, média, mediana, desvio padrão, valor mínimo e máximo.

Os dados da “Escala de avaliação autodiagnóstica para o papel de educador de adultos” foram tratados em três etapas, ou seja, para cada domínio, para todos os domínios de cada categoria e para todas as categorias utilizou-se estatística descritiva e, após, para a comparação entre os níveis de competência atual (‘A’) e desejado (‘D’), utilizaram-se testes não paramétricos do tipo Wilcoxon, Friedman e Mann-Witney.

O índice de significância, que determinou se o grau de diferença entre elas era ou não relevante foi considerado para os valores de p < 0,05 ou 5%.

Por fim, os dados que resultaram da análise antes descrita foram confrontados com a literatura científica sobre o assunto para discussão dos resultados.

O projeto obedeceu à resolução n. 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, tendo sido submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e aprovado sob o número 1.620/10.

Resultados e discussão

Os professores tinham entre 27 e 67 anos, dos quais 119 (52,65%) entre 41 e 55 anos e eram, na maioria, 198 (87,61%), do sexo feminino. Uma boa parte, 158 (69,91%), trabalhava de 31 a 40 horas semanais e tinha de seis a dez anos de docência; 176 (77,88%) atuavam em disciplinas teóricas e práticas; 122 (53,98%) se formaram em escola pública; 201 (88,94%) fizeram especialização, principalmente em Educação, Administração e Saúde Materno-infantil; 180 (79,65%) fizeram mestrado, principalmente em Enfermagem em Saúde do Adulto e também em Administração; 77 (34,07%) professores eram doutores, principalmente em Enfermagem; apenas três (1,33%) declararam ser livre-docente; e 28 (12,39%) cursaram outra graduação. Esses dados podem ser apreciados nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Docentes enfermeiros segundo variáveis sóciodemográficas, tempo de atuação, carga horária e tipo de disciplina que ministrava. São Paulo, Brasil, 2011.
Tabela 2
Docentes enfermeiros segundo formação e educação permanente. São Paulo, Brasil, 2011.

Para a competência de facilitador de aprendizagem de adultos, o resultado da relação entre as questões de cada domínio permitiu identificar, pela relação entre média e mediana de cada domínio, que os docentes estavam aquém do que desejavam alcançar (índice de significância (p) = 0,0000), concentrando as respostas na escala em três para atual (A) e cinco para desejado (D). Com relação aos índices de significância entre os domínios, observou-se que houve relevância na relação entre os domínios da competência de facilitador da aprendizagem. A habilidade, por domínio, teve menor ênfase na estrutura conceitual e teórica da aprendizagem de adultos (I) (mediana A = 2,60) e maior ênfase para design e aplicação de experiências de aprendizagem (II) (mediana A = 3,07). O desejo em desenvolver-se, por domínio, teve menor ênfase para estrutura conceitual e teórica da aprendizagem de adultos (I) (mediana A = 4,60) e maior ênfase para design e aplicação de experiências de aprendizagem (II) (mediana A = 4,60). Esses dados podem ser observados na Figura 2.

Figura 2
Resultados sobre a competência Facilitador da aprendizagem, relação entre domínios, nível atual e desejado para educação de adultos. São Paulo, 2011.

Nota: Para este caso, os pontos fora desses limites são considerados valores discrepantes (outliers) e são denotados por asterisco (*).


Os resultados permitiram identificar que, com relação à competência de desenvolvedor de programa, no domínio compreensão do planejamento do processo (denominado por I na Figura 3), a maior habilidade e também o maior desejo estiveram em descrever e executar os passos básicos (estabelecer clima, avaliar necessidades, formular objetivos do programa, desenho e execução do programa e avaliação) do planejamento na educação de adultos (média A1 = 2,79 e média D2 = 4,58), e a menor habilidade e menor desejo foram para usar estratégias de análise de sistemas em planejamento de programas (média A = 2,37 e média D = 4,43).

Figura 3
Resultados sobre a competência Desenvolvedor de programas, relação entre domínios, nível atual e desejado para educação de adultos. São Paulo, 2011.

Com relação ao domínio planejamento e aplicação de programas (denominado por II na Figura 3), a menor habilidade esteve em construir desenhos de programas para atender às necessidades de diversas situações (treinamento de habilidades básicas, desenvolvimento de supervisores, gerentes e desenvolvimento organizacional) (média A = 2,43), e a maior habilidade em desenvolver e executar plano de avaliação de programas de ensino (média A = 2,68). O maior desejo esteve em desenhar programas com variedade criativa de formatos, atividades sequenciais, recursos e métodos avaliativos (média D = 4,62), e o menor desejo esteve em usar mecanismos de planejamento, tais como conselhos, comitês e forças-tarefa (média D = 4,44).

A relação entre as questões de cada domínio permitiu identificar, pela relação entre média e mediana de cada um, que os docentes estavam aquém do que desejavam alcançar (índice de significância 0,000), concentrando as respostas, na escala, em três para atual e cinco para desejado.

A Figura 3 indica que os índices de significância, na comparação entre os domínios das competências para desenvolver programas, não demonstram relevância (P (A) = 0,112 e P (D) = 0,375).

A Figura 4 permitiu observar que, com relação à competência de administrador, no domínio “compreensão do desenvolvimento e manutenção organizacional” (I), a maior habilidade e também o maior desejo de se desenvolver foram para avaliar a performance da equipe (média A = 3,16 e média D = 4,69), e a menor habilidade e também o menor desejo foram para descrever políticas e práticas financeiras na área de educação de adultos e usá-las como guias de referência para estabelecer as próprias políticas e práticas (média A = 2,16 e média D = 4,36). Com relação ao domínio compreensão da administração de programas (II), a menor habilidade e também o menor desejo estiveram em planejar e utilizar promoções, publicidades e estratégias de relações públicas de maneira adequada e eficaz (média A = 2,14 e média D = 4,26). A maior habilidade e também o maior desejo foram para “desenhar e aplicar programas dentro de uma estrutura de orçamento limitado” (média A = 2,71 e média D = 4,53).

Figura 4
Resultados sobre a competência Administrador, relação entre domínios, nível atual e desejado para educação de adultos. São Paulo, 2011.

A equivalência entre as questões de cada domínio permitiu identificar, pela relação entre média e mediana de cada um, que os docentes estavam aquém do que desejavam alcançar (índice de significância 0,0000), concentrando as respostas na escala em três para atual e cinco para desejado.

O índice de significância na comparação entre os dois domínios demonstrou que houve relevância na relação entre os domínios da competência de administrador de programas educativos para adultos.

As demais Figuras (5, 6 e 7), que serão apresentadas a seguir, de relação das características da população com as competências consideraram apenas o estágio atual dos professores, pois o escore relativo ao desejado, na comparação das competências, demonstrou não ter significância.

Figura 5
Relação da idade com as competências atuais para a educação de adultos, segundo os docentes enfermeiros que atuam na graduação em Enfermagem no município de São Paulo, 2011.
Figura 6
Relação do tempo de formado com as competências atuais para a educação de adultos no município de São Paulo, 2011.
Figura 7
Relação da titulação - mestrado ou doutorado - com as competências atuais para a educação de adultos no município de São Paulo, 2011.

Na Figura 5, que representa a idade do professor e o nível atual deste nas três competências para a educação de adultos, notou-se que, independente da idade e da competência, os professores se consideraram aquém do que desejavam alcançar. As discrepâncias entre os dados, que são apontadas no gráfico, não foram estatisticamente significantes.

Na Figura 6, que representa o tempo de formação e as competências atuais para a educação de adultos, notou-se que, independente do tempo de formação e da competência, os professores se consideraram aquém do que desejavam alcançar, embora seja possível notar discreto aumento da linha que representa a situação atual das competências para a educação de adultos. Entretanto, esse dado também não foi estatisticamente significativo.

Na Figura 7, que representa a relação entre a titulação – mestrado e/ou doutorado do professor – e as três competências (1 – facilitador, 2 – desenvolvedor e 3 – administrador) para a educação de adultos, notou-se que, independente da discreta variação entre ter (sim) ou não ter (não) mestrado e/ou doutorado, as discrepâncias não foram estatisticamente significativas (p facilitador (1) = 0,882, p desenvolvedor (2) = 0,340 e p administrador (3) = 0,122). Ou seja, os professores se consideraram aquém do que desejavam alcançar, independente de parte deles já ter avançado na sua formação docente.

Caracterização da população

Trata-se predominantemente de uma população feminina, de meia-idade, com pós-graduação, que atua em regime de aproximadamente 40 horas semanais e que ministra disciplinas teóricas e práticas. A Enfermagem apresenta predominância de mulheres e era esperado que os professores dessa área fossem desse gênero. O fato de boa parte estar na meia-idade pode relacionar-se à necessidade de a docência de nível superior em Enfermagem requerer experiência profissional prática prévia e exigência de pós-graduação para ingresso nessa carreira. Terem se formado em escola pública pode estar relacionado a oportunidades de desenvolvimento vinculadas à escola pública onde o docente cursou graduação, que, geralmente, tem tradição em pesquisa e pós-graduação. A quantidade de horas semanais corresponde à jornada de trabalho da maioria dos trabalhadores brasileiros e atende aos requisitos legais.

Os resultados dos dados sobre a titulação dos sujeitos dessa pesquisa apresentaram compatibilidade com a prescrição da resolução CNE/CES n. 3, de 7 de novembro de 2001, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem (Brasil, 2001). Isso posto, entende-se que os professores são legalmente qualificados para o exercício da docência, pois atendem aos requisitos exigidos de formação. Nesse contexto, o que qualifica o professor para o exercício da docência é a pós-graduação stricto sensu e, nesse aspecto, o mundo acadêmico revela o valor maior que dá às atividades de pesquisa, em comparação com as atividades de ensino.

Os saberes da docência são distintos dos da pesquisa, e os primeiros são menos valorizados na cultura universitária. Assim, o professor segue modelos profissionais de docentes de sua história pessoal, isto é, tem como base as experiências que teve ao longo de sua formação estudantil. Essa condição desfavorece inovações, pois são raros os professores que vivenciaram, como alunos, experiências inovadoras (Draganov, 2011).

São três as competências andragógicas que docentes devem desenvolver para o exercício profissional nessa área. Elas incluem a facilitação da aprendizagem, o desenvolvimento e a administração de programas educativos para adultos (Figura 1). A seguir, será discutida cada uma delas.

Competência de facilitação da aprendizagem

Para as competências de facilitador da aprendizagem, a maior parte dos professores declarou domínio moderado e desejo máximo de desenvolver-se.

Quanto à estrutura conceitual e teórica da aprendizagem de adultos, os professores sinalizaram que desejavam mais habilidade para conceituar e explicar seu papel como facilitador e fonte de recursos para aprendizes autodirigidos do que habilidade para descrever teorias de aprendizagem e avaliar sua relevância para as situações específicas de aprendizagem de adultos. Também em relação ao desejo, a escala de menor pontuação foi habilidade para descrever as diferenças entre jovens e adultos como aprendizes e as implicações dessas diferenças para o ensino.

Os professores consideraram que dominavam mais o desempenho do papel de consultor de alunos do que o de diagnosticar o grau de maturidade deles e aplicar o papel que mais facilitasse a aprendizagem; esta última também foi a habilidade que menos desejavam desenvolver.

A andragogia se fundamenta na adaptação do professor às características do aluno para que a aprendizagem ocorra com sucesso. Nessa linha de pensamento, desconsiderar o grau de maturidade do aluno significa considerar que os indivíduos são iguais, o que evidencia a crença em conceitos pedagógicos tradicionais, comuns na nossa sociedade.

Para o design e aplicação de experiências de aprendizagem, de modo geral, a menor habilidade, nesse domínio, foi atribuída à capacidade de descrever a diferença entre plano de conteúdo com relação à metodologia. Essa também foi a que os docentes sujeitos menos desejavam desenvolver. Sinalizaram, ainda, que tinham mais habilidade para criar ambientes (físico e psicológico) de respeito, confiança, sinceridade, apoio e segurança mútuos, habilidade essa que os docentes também mais desejavam desenvolver.

De fato, professores andragógicos conhecem e dominam as diferenças entre processo pedagógico e andragógico porque essa é uma das mais marcantes discrepâncias entre as duas teorias e implica, na prática, intervenções completamente distintas. Além disso, o sucesso da aprendizagem de adultos, na abordagem andragógica, depende do processo educativo, que vai além de simplesmente dominar conteúdos.

Com relação à maior habilidade e também desejo, é preciso lembrar que os enfermeiros, desde a formação, são treinados para desenvolver habilidades de relacionamento interpessoal; no entanto, professores focam processos de ensino em conteúdos, sendo pouco comum focarem e compreenderem a importância de desenhos de processos educativos com uso de metodologias variadas e criativas.

Sobre auxiliar aprendizes a se tornarem autodirigidos, a maior parte dos professores declarou como a maior habilidade, e também o menor desejo de se desenvolver, modelar seu papel de aprendizagem autodirigida em seu próprio comportamento. A maior habilidade, nesse caso, talvez seja porque o professor tenha sido estimulado, na pós-graduação, a assumir esse papel e, por acreditar que o dominava moderadamente e mais que as restantes, não desejava desenvolvê-la tanto quanto desejava as demais.

O menor domínio sinalizado foi para a habilidade de planejar e conduzir experiências de aprendizagem autodirigidas, isso provavelmente porque não é uma tarefa habitual e comum ter módulos que ensinem alunos a serem autodirigidos, nas escolas de formação, na realidade dos sujeitos dessa pesquisa. A habilidade que os professores mais desejavam desenvolver foi a de explicar a diferença conceitual entre instrução didática e aprendizagem autodirigida.

Essa talvez seja uma tarefa pouco comum, na realidade dos sujeitos deste estudo e, talvez, por dominá-la menos é que desejavam desenvolver mais essa competência.

No que se refere a selecionar métodos, técnicas e materiais, para os docentes estudados, ferramentas e procedimentos de avaliação envolveu as competências de menor performance, enquanto a maior foi para uso de dinâmicas de grupos e técnicas de pequenos grupos de discussão.

A menor habilidade se referia à prática da docência nas escolas que não comportam esse tipo de atividade e, portanto, não era prática comum dos professores; entretanto, os professores consideraram estar acostumados a usar dinâmicas de grupos e grupos de discussão, mesmo que com base na pedagogia tradicional. O maior desejo de desenvolver-se foi sinalizado com relação à habilidade para inventar novas técnicas, de maneira a adaptá-las a novas situações. Essa habilidade está relacionada à atração do aprendiz para a experiência e o estímulo da motivação para aprender, que se dá por meio do planejamento compartilhado entre o professor e o aluno. Também pelo fato de esse aspecto ser motivador para o professor, isso pode ter estimulado respostas positivas.

O domínio de métodos, técnicas e materiais reúne um grupo de competências do facilitador da aprendizagem que objetiva que o aluno adquira habilidades por meio do reforço cognitivo e psicomotor sobre o tema. O relato de experiência de Souers et al. (2007) constatou que alunos se tornaram mais hábeis e autoconfiantes quando observaram e experimentaram métodos práticos de punção venosa. É ideal, pela perspectiva andragógica, que o professor desenvolva habilidade para classificar, selecionar e aplicar métodos, técnicas e materiais.

Por fim, a habilidade de menor desejo foi usar métodos de participação de audiência. Uma explicação provável para esse dado pode estar relacionada ao treino do enfermeiro no campo da educação para a saúde, por meio de palestras em salas de espera, grupos de clientes, entre outras intervenções de participação de audiência, o que lhes dá oportunidades de se desenvolver nesse aspecto.

Comparação entre os quatro domínios da competência para facilitação da aprendizagem

Sobre a percepção atual dos professores entre os quatro domínios das competências para facilitação da aprendizagem, a ponderação entre as respostas permitiu diagnosticar que houve maior domínio do design e aplicação de experiências de aprendizagem e menor para a estrutura conceitual e teórica da aprendizagem de adultos. Isso pode estar vinculado à prática de metodologias ativas de aprendizagem, ainda que por poucos docentes, como a problematização, a aprendizagem baseada em problemas, o uso de contratos de aprendizagem, do portfólio e do ensino a distância, como movimentos em resposta à necessidade de investir na formação de profissionais mais críticos, reflexivos e proativos.

Em contrapartida, a fundamentação da prática educativa ainda é predominantemente nivelada à pedagogia tradicional, respondendo ao menor domínio da teoria de aprendizagem de adultos.

Competência para desenvolver programas educativos para adultos

A compreensão do planejamento do processo reúne quatro habilidades. A maioria dos professores declarou habilidade atual moderada e desejo máximo nas tarefas sobre descrever e executar o processo andragógico (preparar o aluno, estabelecer clima, avaliar as necessidades, formular objetivos, desenho e execução do programa e avaliação), envolver representantes dos alunos no planejamento de programas, além de desenvolver e usar instrumentos e procedimentos de avaliação das necessidades de indivíduos, organizações e sociedade. Entretanto, os professores assinalaram deter menor habilidade para usar estratégias para analisar sistemas envolvendo planejamento de programas educativos. Análise de sistemas é uma ferramenta utilizada para desenvolver programas que envolvem o desenho de fluxos, esquemas e diagramas por vezes altamente complexos e que incluem cálculos matemáticos avançados. Grande parte dos professores não desenvolve atividades de elaboração de projetos educativos, não detendo habilidades mais complexas nesse campo.

Para Anastasiou (2006), construir, efetivar e avaliar projetos é prática rotineira na atividade docente universitária, que tem, na pesquisa, uma de suas funções predominantes. Para ‘projetar’, enfermeiros são preparados nos programas de pós-graduação stricto sensu, e isso é parte essencial da caminhada acadêmica.

Em algumas instituições, os professores são envolvidos em projetos de disciplinas, porém grande parte não colabora com a construção de projetos pedagógicos de cursos, que fica sob a responsabilidade de grupos restritos de professores e coordenadores de cursos. Talvez por esse motivo os docentes declararam não dominar com intensidade esse agrupamento de habilidades.

Vale ressaltar que professores competentes detêm o domínio de desenhos de programas de ensino para adultos que especifiquem o que, onde e quando ensinar, bem como a sequência lógica do processo e o conteúdo que deve ser baseado em competências básicas, valores e ética, e voltados para a prática, conforme afirma Thompson (2002).

Nesse rol de habilidades também se destaca a importância em considerar, no desenvolvimento de programas, as características do aluno e de grupos heterogêneos que compõem as salas de aula que, por vezes, comportam indivíduos advindos de culturas diversas. Para populações heterogêneas ou culturalmente diferentes, como é o caso da população de alunos com quem os docentes participantes deste estudo desenvolvem o processo de ensino-aprendizagem, há que se ajustar o programa à cultura dominante e estabelecer suporte social para que o aluno se adapte ao programa e o programa a ele. Isso significa humanizar o ensino. A andragogia tem aproximação com a humanização por considerar a heterogeneidade dos alunos, privilegiando as experiências anteriores e a aplicação imediata do que se aprende, de modo a transformar a realidade do aprendiz (Koerich e Erdmann, 2003).

Planejamento e aplicação de programas

Esse domínio reúne cinco habilidades. A maioria dos professores declarou domínio atual moderado e desejo máximo, nas tarefas para desenvolver desenhos de programas que atendessem a diversas situações (treinamentos de habilidades básicas, desenvolvimento de professores, supervisores e organizacional), com variedade criativa de atividades, formatos, recursos e métodos, habilidade para usar conselhos, comitês e força-tarefa, e para avaliar o programa e atender aos requisitos institucionais.

O desenho de programas de ensino deve considerar os objetivos dos alunos, da instituição e da sociedade. A andragogia comporta características de adultos que favorecem o estímulo e o desejo de aprender, sob a ótica da autodireção, em que o aluno é sujeito de seu aprendizado, que se motiva e se desenvolve a partir da concretização de suas conquistas. O aluno deve ser estimulado a atender à demanda social, e a instituição, por sua vez, deve transformar-se continuamente, para fazer a ponte entre o aluno e a sociedade (Knowles, Holton III e Swanson, 2009).

Processos andragógicos envolvem desenhos de programas ecléticos e criativos, que estimulem a capacidade do aluno para se adaptar às mudanças, gerar novos conhecimentos e melhorar continuamente seu desempenho. Isso irá se refletir em práticas focadas em processos, com metas flexíveis e não prescritivas (Henriksen, Selander e Rosenqvist, 2003).

Sob a ótica andragógica, professores devem facilitar a aprendizagem de modo que o aluno alcance resultados e competências. A facilitação está diretamente relacionada aos métodos escolhidos. Nesse contexto, alunos são responsáveis por selecionar métodos que facilitem sua aprendizagem e, para atender a esse requisito, devem assumir papel ativo. Uma das dificuldades de programas educativos é mensurar a performance e níveis de competências adquiridos, e uma das maneiras de fazer isso é considerar os conhecimentos, as habilidades técnicas, objetivos alcançados e habilidades para o gerenciamento do tempo. Programas educativos com base na aquisição de competências facilitam a autoavaliação da performance do aluno, pois aproximam a teoria da prática e estimulam o processo de reflexão, que impulsiona o desejo de estar constantemente aprendendo para conquistar maior autonomia e novas competências (Koerich e Erdmann, 2003).

Comparação entre as competências dos domínios para desenvolver programas de educação de adultos

Para o desenvolvimento de programas educativos, a menor habilidade esteve em construir desenhos de programas para atender às necessidades de diversas situações (treinamento de habilidades básicas, desenvolvimento de supervisores e gerentes) e a maior habilidade em desenvolver e executar plano de avaliação de programas de ensino. O maior desejo esteve em desenhar programas com variedade criativa de formatos, sequenciais, recursos e métodos avaliativos, e o menor desejo foi usar mecanismos de planejamento, tais como conselhos, comitês e força-tarefa. Com isso, pode-se concluir que a maior parte dos docentes sabe executar suas ações educativas de maneira pedagógica tradicional e que transmitir a condução do aprendizado para o aluno ainda é algo pouco explorado e pouco experenciado. Consultar comitês de alunos implica reconhecer essa autonomia, o que grande parte dos docentes ainda não está pronta para fazer, justamente porque a pedagogia tradicional não prescreve essas ações.

A comparação entre os domínios desse rol não foi significante estatisticamente, nem para o estado atual nem para o desejado, mostrando que os professores não viram diferença entre um domínio e outro, e que experenciaram essas competências menos que as de facilitação da aprendizagem, embora tenham declarado possuir habilidade moderada para as tarefas. Os docentes devem ser treinados para desenvolver esse papel. Geralmente, essa tarefa fica a cargo de professores administradores que desenvolvem equipes e ainda não é comum na maior parte das escolas de formação de enfermeiros.

As iniciativas dos órgãos reguladores do ensino superior para avaliação institucional têm a proposta de envolver os professores no desenvolvimento e administração de programas, mas, ainda assim, o distanciamento dessas tarefas é significativo e facilmente observável, nos resultados do presente estudo. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) propõe a avaliação sob uma perspectiva formativa e com suporte para a formação de professores. O Sinaes tem por objetivo analisar as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes. O processo de avaliação pretende levar em consideração aspectos como ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, gestão da instituição e corpo docente. O Sinaes reúne informações do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), das avaliações institucionais e dos cursos. As informações obtidas devem ser utilizadas para orientação institucional de estabelecimentos de ensino superior e para embasar políticas públicas. Os dados também podem ser úteis para a sociedade, especialmente aos estudantes, como referência quanto às condições de cursos e instituições (Brasil, 2006; 2007).

Na realidade, embora a avaliação de programas educativos seja do cotidiano das escolas, a proposta do sistema de avaliação Sinaes ainda é um devir, pois não atende, em sua plenitude, ao que propõe. Assim, fica explicado o perfil de respostas dos docentes pesquisados para esse conjunto de competências.

Competência para administrar programas educativos para adultos

Esse domínio reúne dez habilidades. A maioria dos professores declarou desempenho atual moderado e desejo máximo para descrever e aplicar teorias comportamentais, gerenciais e de renovação organizacional, formular filosofia administrativa e adaptá-la a várias situações, formular políticas que definam claramente a missão, filosofia e compromisso educacional, avaliar a eficácia organizacional e guiar processos continuados e de autorrenovação, planejar e tomar decisões de forma compartilhada, selecionar, supervisionar e oferecer treinamentos, avaliar a performance da equipe, analisar e interpretar legislações sobre educação de adultos, descrever e usar políticas e práticas financeiras e executar papel de agente de mudança.

Grande parte dos sujeitos da presente pesquisa fez pós-graduação (lato sensu e stricto sensu) em administração, e esperava-se que dominassem os temas gerenciais; no entanto, a maioria declarou ter domínio apenas moderado de habilidades administrativas aplicadas à docência.

A administração de programas de ensino é diferente da administração da assistência e de serviços de enfermagem; estes últimos, inclusive, são trabalhados na formação. A administração de programas educativos é um trabalho complexo e que contém assuntos que não são abordados regularmente na formação de mestres e doutores. Além disso, o professor não compartilha da mesma autonomia que um enfermeiro no exercício dos processos de trabalho assistir e gerenciar. Assim, administrar programas educativos não é um tema comum não só nas disciplinas da pós-graduação, mas também na prática profissional de professores. Talvez esse seja o motivo de os professores declararem moderado domínio desse agrupamento de habilidades, apesar de grande parte ter formação em administração.

O agrupamento de competências para compreender o desenvolvimento e manutenção organizacional prevê habilidades com teorias comportamentais, gerenciais e de renovação organizacional. Sobre essa competência, a literatura científica traz algumas contribuições importantes, quando afirma que grande parte dos professores de adultos foca as habilidades interpessoais, sem serem culturalmente sensíveis e psicologicamente conscientes. Programas de desenvolvimento de professores deveriam compor-se de módulos para desenvolvimento de autoconceito, manejo de habilidades psicológicas, para que o professor possa compreender o aluno e estimular que ele descubra suas potencialidades e desenvolva competências. A formação de grupos de adaptação às mudanças que trabalhem com treinamentos sobre novos processos de ensino e aprendizagem também é muito importante. Os grupos são ainda fundamentais para compartilhar experiências, conforme afirma Gilmartin (2001). O administrador deve prever o desenvolvimento dessas habilidades no grupo de docentes que compõem seu quadro de colaboradores e, para conhecer o sucesso dessa medida com esse grupo, deve avaliar os processos de intervenção.

Para Nancy (2007), a administração de programas educativos também deve contemplar a autoavaliação e avaliação do sucesso no cumprimento de metas, bem como dos estilos de ensino utilizados pelos professores, considerando o envolvimento do corpo docente nas propostas de aperfeiçoamento.

Segundo Walshe (2003), a interpretação e aplicação das políticas de educação é outro requisito para o administrador que deve estabelecer ligações claras entre as disposições legais para atuação e exercício profissional e o programa de ensino, pois isso irá aumentar as possibilidades de sucesso do programa, por estreitar as relações entre o ensino da prática com a realidade dos serviços de enfermagem. Ressalta-se que não basta conhecer, é necessário saber interpretar e aplicar as legislações que influenciam as práticas educativas e de saúde, esta última, no caso do ensino de enfermagem.

A sociedade está em constante mudança e adaptar-se à dinâmica social previne o obsoleto, bem como mantém a instituição competitiva no mercado. Os administradores de programas de ensino devem estar preparados e ser hábeis para lidar com mudanças na enfermagem. O contexto de saúde envolve transformações e adaptações constantes, decorrendo de questões tais como crescimento demográfico, maior expectativa de vida e envelhecimento da população, doenças infectocontagiosas, envolvimento crescente com drogas e, por outro lado, uma população cada vez mais consciente sobre temas de saúde, a deficiência dos sistemas de atendimento em saúde, a tecnologia e os avanços da ciência nesse campo. O aumento da intensidade e complexidade do atendimento, por enfermeiros, exige programas de formação que comportem o preparo do aprendiz para adaptar-se e para gerenciar as mudanças sociais (Bhoyrub et al., 2010). O administrador deve ter consciência dessa realidade e ter habilidades para infundir essa transformação nos desenhos dos currículos.

O administrador de programas de ensino, nesse contexto, administra programas que desenvolvem conhecimentos, habilidades e atitudes articulados ao contexto social, ou seja, que se transformem de acordo com a demanda de aprendizagem. Isso significa formar enfermeiros competentes para estarem continuamente se adaptando. A realidade social, hoje, não comporta enfermeiros formados apenas com enfoque tecnicista. Enfermeiros devem ser formados para aprender a aprender, o que implica em entregar poder ao aluno, ou seja, estimular a autodireção e processos de reflexão. Para Faria e Casagrande (2004), o professor assume, nessa realidade, o papel de facilitador e consultor, denominado hoje como tutor ou preceptor, desenvolvendo ações de ensino, aconselhamento e apoio. O administrador de programas deve ter essa visão e traduzi-la para o currículo do curso e para os professores.

Compreensão da administração de programas

Esse domínio reúne seis competências e, nesse caso, teve resultado diferente dos anteriores, já que a maioria dos professores declarou baixo domínio atual e desejo máximo nas tarefas para elaborar e monitorar planos e procedimentos financeiros, traduzir, de forma persuasiva, abordagens modernas de treinamento e elaboração de políticas, planejar e utilizar promoções e publicidade adequadamente, preparar propostas de patrocínios e identificar fontes de financiamento, além de fazer uso de consultores.

Em apenas uma dimensão, a população estudada declarou ter domínio moderado: para a habilidade de desenhar e aplicar programas com orçamentos limitados. A realidade de parte das escolas, principalmente por serem na maioria particulares, é controlar rigidamente seus gastos. Além disso, a educação em enfermagem sofre influência das políticas públicas de saúde e educação, que envolvem o controle de recursos financeiros. O estilo gerencial em enfermagem sofre processos de contração e expansão que estão, muitas vezes, conectados a verbas limitadas. No ensino de enfermagem isso não é diferente. Essa é uma realidade em escolas públicas como em escolas particulares, e envolve tanto a administração quanto o ensino (Carr, 2007). Talvez devido a esses fatos, os professores declararam dominar moderadamente essa competência. As demais ações são raramente desenvolvidas por professores em sua prática profissional, pois poucos assumem atividades administrativas e, além disso, trata-se de conteúdos que não são trabalhados na formação de graduação nem tampouco na pós-graduação.

Comparação entre os dois domínios das competências para administrar programas de educação de adultos

Comparando os domínios das competências para administrar programas de educação de adultos, observou-se que o índice de significância foi relevante. A habilidade de menor ênfase foi a de planejar e aplicar programas de ensino e a maior ênfase coube à compreensão de programas de ensino. O desejo em desenvolver-se teve menor ênfase no planejamento e aplicação de programas de ensino e maior ênfase para a compreensão de programas de ensino.

Assim, os professores registraram que detinham e pretendiam desenvolver a compreensão das habilidades administrativas mais do que aplicá-las na prática, isso porque talvez não tivessem tido experiência nessa área e desejassem, inicialmente, conhecer o assunto, embora grande parte tenha declarado ter pós-graduação na área de administração.

O estudo de Rassool e Oyefeso (2007) constatou que grande parte dos profissionais de saúde não detém experiência com a administração de programas de ensino e também não demonstrou satisfação com essa área, voltando seus interesses para a prática profissional.

Um dos caminhos para que educadores desenvolvessem competências para administrar programas seria o envolvimento com esses temas. Assim, o envolvimento com a formulação e implementação de políticas melhoraria a aquisição de conhecimentos e habilidades e influenciaria positivamente o desenvolvimento profissional pessoal e da instituição de ensino, gerando impactos imediatos no ambiente de trabalho. Experiência nesse sentido relatou que os profissionais envolvidos se tornaram mais conscientes e responsáveis pelos processos de gestão e desenvolveram competências nessa área (Rassool e Oyefeso, 2007).

Relação entre os três agrupamentos de competências: facilitador da aprendizagem, desenvolvedor e administrador de programas

Os professores perceberam ter mais domínio para facilitar a aprendizagem do que para administrar e desenvolver programas educativos para adultos. O mesmo não foi observado para o desejo de desenvolver-se, ou seja, a diferença entre as competências desejadas não foi significativa e, assim, ficou patente que grande parte dos professores desejava desenvolver-se no mais alto grau de todas as competências.

Na pedagogia tradicional e na cultura organizacional das escolas de educação de adultos no Brasil, é frequente o controle do processo educativo por meio de definição rígida de conteúdos e apresentação prévia de planos de aula para a coordenação, entre outras situações. Esse fato tolhe a criatividade e a autonomia do professor para intervir em situações que envolvam alterações maiores no planejamento, como o desenvolvimento e administração de programas educativos. Poucos professores administradores têm experiência nesse campo e, desses, apenas alguns dão autonomia para que um grupo de professores ou, menos ainda, para que um grupo de alunos colabore nesse trabalho.

O professor deve ir além da prática conteudista, para atender à demanda de formação de enfermeiros compatíveis com os requisitos sociais. Ele deve ampliar seus horizontes, buscando habilidades com a facilitação da aprendizagem, o desenvolvimento e administração de programas educativos para adultos.

Segundo Faria e Casagrande (2004), a necessidade de investir na formação de professores que detenham, além de conhecimentos técnico-científicos, também valores éticos e políticos está fundamentada em questões legais de cumprimento das diretrizes curriculares emanadas da lei de diretrizes e bases, além do compromisso de formar profissionais competentes e cidadãos que possam contribuir para um mundo mais justo e para o reconhecimento social da profissão.

Relação entre os três agrupamentos de competências e a idade, o tempo de atuação e a titulação

A análise estatística concluiu que não há significância entre a idade, o tempo de formado ou a titulação que influencie na detenção de maior ou menor habilidade nas competências estudadas.

O mestrado tem como um dos objetivos formar professores e, também para essa variável, não se diagnosticou maior ou menor habilidade, talvez porque a maior parte seja mestre, mas há que se considerar que parte da população apresentava outras titulações e talvez isso pudesse ter influenciado na maior ou menor performance. Para as variáveis de idade e tempo de atuação, também era esperada alguma variação de domínio de habilidades. Todavia, isso não ocorreu.

Não há preparo específico para que docentes desenvolvam competências para atuar na educação de adultos. Sabe-se que cursos superiores não exigem formação específica para o magistério e, em algumas instituições de ensino, para ser docente, basta ter graduação em qualquer especialidade. Na contracorrente desse contexto, algumas instituições de ensino, mesmo as particulares, têm procurado mudanças, fazendo concursos públicos nos quais se exige mestrado e doutorado, mas ainda não oferecem oportunidade para preparação específica para o magistério superior, impulsionando o professor, assim, a uma busca pessoal no campo da docência (Cunha, 2007; Pimenta e Anastasiou, 2002).

Em contrapartida, para Anastasiou (2006), há movimentos de transformação da educação e iniciativas de escolas para aperfeiçoamento de professores. Neles, a docência tenta superar o trabalho individual e fragmentado com trabalhos integrados, cooperativos e colegiados, que têm como desafio máximo administrar e compartilhar projetos comprometidos com a sociedade, objetivando formar profissionais competentes e cidadãos.

Com o presente estudo foi possível mensurar as competências dos professores enfermeiros que atuavam na graduação em enfermagem do município de São Paulo, pela perspectiva da andragogia, que, segundo Knowles, comporta três agrupamentos que envolvem a facilitação da aprendizagem, o desenvolvimento e a administração de programas de educação de adultos. Assim, diagnosticou-se que houve desejo dos professores para se desenvolverem plenamente em todas as competências e que, no período estudado, o desempenho dos sujeitos, nas competências investigadas, era homogeneamente moderado, embora houvesse um domínio - o de desenvolvedor de programas, dentre os agrupamentos de competências, que requer mais atenção.

Por fim, no Brasil não há trabalhos com o referencial utilizado nessa pesquisa. Embora haja outros estudos nacionais, com abordagens teóricas distintas, que foquem o docente e suas competências para o ensino e aprendizagem, eles não se prestam a comparação porque partem de referencial teórico diferente.

Conclusões

Inúmeras variáveis influenciam o sucesso da aprendizagem e uma delas é a população de alunos. A graduação em enfermagem ensina adultos, e a andragogia determina três competências que o professor deve desenvolver para atender às necessidades dos alunos adultos: a facilitação da aprendizagem, o desenvolvimento e a administração de programas de ensino.

O presente estudo mensurou as competências dos docentes para a educação de adultos na graduação em enfermagem, por meio da escala de classificação autodiagnóstica de competências andragógicas para o papel do educador de adultos, desenvolvida por Knowles. Essa escala, embora tenha sido produzida na década de 1970, teve uma interface importante com a enfermagem estadunidense e é útil para a autoavaliação de professores e para determinar as necessidades de investimento em desenvolvimento de habilidades e competências, nessa área e no atual contexto do ensino e aprendizagem brasileiros.

A pesquisa teve como sujeitos professores enfermeiros que atuavam na graduação em enfermagem no município de São Paulo, que se caracteriza por ser uma região metropolitana, cosmopolita, capital econômica do país, com grande número de alunos, adultos jovens e também pessoas com mais idade, advindas de serviços de saúde, egressas de ensino médio de escolas particulares e públicas e outras características sociais, políticas e culturais que lhes garante heterogeneidade.

Os sujeitos desse estudo eram predominantemente mulheres maduras, formadas em escolas públicas, mestres, com jornada de trabalho de quarenta horas semanais, que atuavam entre seis e dez anos na docência, em disciplinas teóricas e práticas.

Comparando os agrupamentos de competências, os professores declararam maior domínio para facilitar a aprendizagem, administrar e, por fim, desenvolver programas educativos voltados para adultos, nessa ordem. Também para a idade, o tempo de atuação e a titulação, notou-se que o nível de desempenho dos docentes, em todas as competências, foi homogêneo, tanto no que declararam possuir como no que desejavam alcançar, não havendo diferenças significativas na comparação dos resultados com as diferentes características da população.

Em resumo, o grupo de docentes sinalizou, de maneira geral, estar em nível intermediário, em comparação ao máximo que desejava atingir, nos agrupamentos de competências de facilitador de aprendizagem e de desenvolvedor de programas, exceto para a compreensão da administração de programas, em que os professores declararam baixo domínio das habilidades que reúnem esse agrupamento.

Diante do exposto, pode-se concluir que o resultado da presente pesquisa demonstrou que grande parte dos docentes enfermeiros que atuavam na graduação de enfermagem no município de São Paulo em 2010 encontrava-se, em sua própria opinião, aquém do nível máximo das competências definidas por Knowles para a educação de adultos. Isso se explica também pelo fato de os enfermeiros serem muito exigentes consigo mesmos e os que desenvolvem a atividade docente o serem mais ainda. Nesse sentido, o estudo apontou quais as competências que esses docentes precisam desenvolver para atender a suas expectativas de performance.

O experimento pode ser repetido com outros grupamentos de docentes, o que contribuirá para aprofundar o conhecimento nessa área.

  • 3
    Este artigo foi extraído da dissertação de mestrado intitulada Avaliação das competências andragógicas dos enfermeiros docentes de cursos de graduação em enfermagem do município de São Paulo, de autoria de Patricia Bover Draganov, apresentada em 2011 na Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (EPE-Unifesp).

Referências

  • ANASTASIOU, Lea G. C. A construção de projetos como possibilidade educativa. Revista de Educação da PUC-Campinas, Campinas, n. 21, p. 125-132, nov. 2006.
  • BHOYRUB, John et al. Heutagogy: an alternative practice based learning approach. Nurse Education in Practice, Edimburgo, v. 10, n. 6, p. 322-326, nov. 2010.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Exame nacional de desempenho de estudantes (Enade). Brasília: Ministério da Educação. 2007. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/enade>. Acesso em: 15 maio 2011.
    » http://portal.inep.gov.br/enade
  • BRASIL. Ministério da Educação. Instituições de educação superior e cursos cadastrados. Brasília, DF: Ministério da Educação, 1997. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br>. Acesso em: 15 maio 2010.
    » http://emec.mec.gov.br
  • BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES, n. 3, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Brasília, 2001. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf>. Acesso em: 15 maio 2011.
    » http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf
  • BRASIL. Ministério da Educação. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) 2006. Brasília: Ministério da Educação. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-sinaes>. Acesso em: 15 maio 2011.
    » http://portal.inep.gov.br/superior-sinaes
  • CARR, Graham. Changes in nurse education: being a nurse teacher. Nurse Education Today, Edinburgh, v. 27, n. 8, p. 893-899, nov. 2007.
  • CUNHA, M.I. Reflexões e práticas em pedagogia universitária Campinas: Papirus, 2007.
  • DRAGANOV, Patricia B. Avaliação das competências andragógicas dos enfermeiros docentes de cursos de graduação em enfermagem do município de São Paulo 2011. 118f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) – Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Enfermagem, São Paulo.
  • DRAGANOV, Patricia B.; FRIEDLANDER, M. R.; SANNA, Maria C. Andragogia na saúde: estudo bibliométrico. Escola Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 149-156, jan.-mar. 2011.
  • FARIA, Josimerci I. L.; CASAGRANDE, Lisete D. R. A educação para o século XXI e a formação do professor reflexivo na enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 12, n. 5, 821-827, set.-out. 2004.
  • GILMARTIN, Jo. Teachers’ understanding of facilitation styles with student nurses. International Journal of Nursing Studies, Oxford, v. 38, n. 4, p. 481-488, ago. 2001.
  • HENRIKSEN, Eva; SELANDER, Göran; ROSENQVIST, Urban. Can we bridge the gap between goals and practice through a common vision? A study of politicians and managers’ understanding of the provisions of elderly care services. Health Policy, Amsterdã, v. 65, n. 2, p. 129-137, ago. 2003.
  • HENRY, George W. A history analysis of the development of thinking in the principal writings of Malcom Knowles 2009. 332f. Thesis (Doctor of Philosophy) – Queensland University of Technology, Brisbane, Austrália.
  • KNOWLES, Malcom S. Self-directed learning: a guide for learners and teachers. New York: Cambridge Adult Education, Globe Fearon, 1975.
  • KNOWLES, Malcom S. The modern practice of adult education. New York: Association Press & Cambridge Book Publishers, 1980.
  • KNOWLES, Malcom S.; HOLTON III, Elwood F.; SWANSON, Richard A. Aprendizagem de resultados: uma abordagem para aumentar a efetividade da educação corporativa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
  • KOERICH, Magda S.; ERDMANN, Lorenzini A. Enfermagem e patologia geral: resgate e reconstrução de conhecimentos para uma prática interdisciplinar. Texto & Contexto-Enfermagem, Florianópolis, v. 12, n. 4, p. 528-537, out.-dez, 2003.
  • MACHADO, José L. M.; CALDAS JUNIOR, Antonio L.; BORTONCELLO, Neide M. F. Uma nova iniciativa na formação dos profissionais de saúde. Interface: Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 1, n. 1, p. 147-156, ago. 1997.
  • NANCY, Cyr. Introduction to health care education: a course for new associate of science in nursing faculty. Teaching and Learning in Nursing, Pensacola, v. 2, n. 4, p. 116-121, out. 2007.
  • PIMENTA, Selma G.; ANASTASIOU, Lea G. C. Docência no ensino superior São Paulo: Cortez, 2002.
  • RASSOOL, Hussein G., OYEFESO, Adenekan. Predictors of course satisfaction and perceived course impact of addiction nurses undertaking a postgraduate diploma in addictive behavior. Nurse Education Today, Edimburgo, v. 27, n. 3, p. 256-265, abr. 2007.
  • SOUERS, Charlotte, et al. Collaborative learning: a focused partnership. Nurse Education in Practice, Edimburgo, v. 7, n. 6, p. 392-398, nov. 2007.
  • THOMPSON, Joyce E. Competencies for midwifery teachers. Midwifery, Edimburgo, v. 18, n. 4, p. 256-259, dez. 2002.
  • WALSHE, Amanda. A critical exploration of “working together, learning together”: does it meet the learning needs of nurses? Nurse Education Today, Edimburgo, v. 23, n. 7, p. 522-529, out. 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2013
  • Aceito
    15 Ago 2014
location_on
Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio Avenida Brasil, 4.365, 21040-360 Rio de Janeiro, RJ Brasil, Tel.: (55 21) 3865-9850/9853, Fax: (55 21) 2560-8279 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revtes@fiocruz.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro