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“A raça de amanhã”: racismo e eugenia na profissionalização da enfermagem brasileira

“The race of tomorrow”: racism and eugenics in the professionalization of Brazilian nursing

“La raza del mañana”: racismo y eugenesia en la profesionalización de la enfermería brasileña

Resumo

Este artigo apresenta resultados de uma etnografia documental, cujo objeto de pesquisa foi a profissionalização da enfermagem no Brasil. Com base em documentos primários, datados entre 1925 e 1931, objetivou-se analisar e discutir as formas pelas quais os discursos construídos acerca da nova profissão e da nova profissional sustentaram-se com importante influência do movimento eugenista. Esses discursos, que constituíram violências estruturais, produzidos de um lugar embranquecido de poder, buscavam construir a imagem socialmente aceita de uma profissão que rompera com seus vínculos coloniais do cuidado, praticado no país majoritariamente por mulheres negras. Desde a perspectiva antropológica e interseccional, procurou-se contribuir para contranarrativas capazes de questionar aquela hegemônica que perpassa a construção da profissão no país.

Palavras-chave
racismo; eugenia; enfermagem

Abstract

This article presents the results of a documentary ethnography, whose research object was the professionalization of nursing in Brazil. Based on primary documents dated between 1925 and 1931, the objective was to analyze and discuss how the discourses built about the new profession and the new profession were supported by an important influence of the eugenicist movement. These discourses, which constituted structural violence, produced from a whitened place of power, sought to build the socially accepted image of a profession that had broken with its colonial bonds of care, practiced in the country mostly by black women. From the anthropological and intersectional perspective, we sought to contribute to counter-narratives capable of questioning that hegemonic that permeates the construction of the profession in the country.

Keywords
racism; eugenics; nursing

Resumen

Este artículo presenta los resultados de una etnografía documental cuyo objeto de investigación fue la profesionalización de la enfermería en Brasil. A partir de documentos primarios de entre 1925 y 1931, el objetivo fue analizar y discutir las formas en que los discursos construidos sobre la nueva profesión y sobre la nueva profesional se sustentaron con una importante influencia del movimiento eugenésico. Estos discursos, constitutivos de violencia estructural, producidos desde un lugar blanqueado de poder, buscaban construir la imagen socialmente aceptada de una profesión que había roto con sus lazos coloniales de cuidado, ejercida en el país mayoritariamente por mujeres negras. Desde una perspectiva antropológica e interseccional, buscamos contribuir a contra narrativas capaces de cuestionar la hegemónica que permea la construcción de la profesión en el país.

Palabras clave
racismo; eugenesia; enfermería

Introdução

Na condição de estratégia de organização e desenvolvimento da saúde pública no Brasil, a estruturação da enfermagem como profissão no país teve início no bojo da reforma do sistema de saúde, poucos anos após a pandemia de gripe espanhola. A parceria entre o Estado brasileiro e o norte-americano, envolvendo o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) e a Fundação Rockefeller, respectivamente, deu início à Missão Parsons (1921-1931), cujos objetivos eram o treinamento das ‘visitadoras de enfermagem’ que prestavam cuidados no Brasil, a criação de emblemas e sinais distintivos da profissão, e a instituição de uma escola própria para a formação oficializada de novas profissionais (Moreira, 1999a MOREIRA, Martha C. N. A Fundação Rockefeller e a construção da identidade profissional de enfermagem no Brasil na Primeira República. História, Ciência, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 621-645, 1999a. https://doi.org/10.1590/S0104-59701999000100005 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/X4GQft8dhcKTbyM8sZcFSbr/# . Acesso em: 25 jun. 2024.
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, p. 15).

As práticas de cuidado em saúde antes realizadas no Brasil não dispunham de controle formal, e eram providas por pessoas consideradas ignorantes e leigas, bem como por irmãs de caridade vinculadas às instituições católicas. Essas pessoas foram alvo de intervenção direta com a vinda de enfermeiras norte-americanas para o país (Campos, 2012a CAMPOS, Paulo F. S. História social da enfermagem brasileira: afrodescendentes e formação profissional pós-1930. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra, v. 3, n. 6, p.187-197, 2012. Disponível em: https://www.index-f.com/referencia/2012pdf/36-167.pdf . Acesso em: 25 jun. 2024.
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). A formação de enfermagem proposta aqui baseou-se no modelo de controle e treinamento dispensado às enfermeiras norte-americanas (Moreira, 1999b MOREIRA, Martha C. N. Imagens no espelho de vênus: mulher, enfermagem e modernidade. Revista Latino-Americana de Enfermagem, São Paulo, v. 7, p. 55-65, 1999b. https://doi.org/10.1590/S0104-11691999000100008 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rlae/a/mxHybkx9Ss6bD44DkMmyNVm/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2024.
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). No ano seguinte à criação do Serviço de Enfermeiras do DNSP, seria fundada a Escola de Enfermeiras do DNSP, autorizada pelo decreto n. 15.799/1922, sendo nomeada posteriormente Escola de Enfermagem D. Anna Nery (EEAN) pelo decreto n. 17.268/1926.

É necessário, porém, iluminar a quem se destinava essa nova oportunidade de carreira. Entre os anos de 1925 e 1926, evidenciavam-se as diferenças de acesso estabelecidas a quem procurava o referido curso: ter a pele branca era um requisito não formalizado. Foi impedido o ingresso não apenas das mulheres de classes sociais desfavorecidas, como também das mulheres negras e homens (Moreira, 1999a MOREIRA, Martha C. N. A Fundação Rockefeller e a construção da identidade profissional de enfermagem no Brasil na Primeira República. História, Ciência, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 621-645, 1999a. https://doi.org/10.1590/S0104-59701999000100005 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/X4GQft8dhcKTbyM8sZcFSbr/# . Acesso em: 25 jun. 2024.
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). Campos ( 2012a CAMPOS, Paulo F. S. História social da enfermagem brasileira: afrodescendentes e formação profissional pós-1930. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra, v. 3, n. 6, p.187-197, 2012. Disponível em: https://www.index-f.com/referencia/2012pdf/36-167.pdf . Acesso em: 25 jun. 2024.
https://www.index-f.com/referencia/2012p...
) problematizou essa questão, com base nas teorias eugênicas da época, e seus impactos na construção da identidade profissional da enfermagem centrada na figura da mulher branca, como consequência do racismo velado oriundo, principalmente, das representações sociais da pessoa negra na sociedade brasileira após a Primeira República (1889-1930).

Quanto ao cenário político e social do país, é importante destacar alguns pontos que dizem respeito à época na qual este artigo se contextualiza (1925-1931). Nesse recorte, além do descontentamento popular em relação ao governo, marcado por mobilizações sociais, são ressaltadas a crise de 1929 e a revolução de 1930, em que Washington Luís é deposto de seu cargo presidencial, e inicia-se a Era Vargas (1930-1945). Esses são pontos contextuais importantes, visto que, nos campos da saúde e do trabalho, Vargas vinculou-se fortemente aos ideais da eugenia, da Liga Pró-Saneamento e da Liga de Higiene Mental para o desenvolvimento social do Brasil. Contextualizada a enfermagem naquele período, Santos et al. ( 2008 SANTOS, Tania C. F. et al. Modelos de enfermeiras nas ditaduras de Vargas e de Franco: femininas, caridosas e patrióticas. Ex Aequo, Lisboa, v. 18, p.135-145, 2008. Disponível em: https://scielo.pt/pdf/aeq/n18/n18a08.pdf . Acesso em: 25 jun. 2024.
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) apresentam o modelo de enfermeiras nas ditaduras Vargas: femininas, caridosas e patriotas.

Moreira ( 1999a MOREIRA, Martha C. N. A Fundação Rockefeller e a construção da identidade profissional de enfermagem no Brasil na Primeira República. História, Ciência, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 621-645, 1999a. https://doi.org/10.1590/S0104-59701999000100005 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/X4GQft8dhcKTbyM8sZcFSbr/# . Acesso em: 25 jun. 2024.
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) desvelou a estruturação da enfermagem moderna no Brasil de acordo com oposições como profissão/vocação, leigo/científico, poder médico/poder de enfermagem, sendo marcada por três eixos centrais: gênero, origem racial e origem social. Para a instituição da enfermagem como profissão qualificada e praticada por mulheres consideradas de ‘boa conduta’, investiu-se intensamente na configuração de um modelo de enfermeira socialmente aceito (Moreira, 1999b MOREIRA, Martha C. N. Imagens no espelho de vênus: mulher, enfermagem e modernidade. Revista Latino-Americana de Enfermagem, São Paulo, v. 7, p. 55-65, 1999b. https://doi.org/10.1590/S0104-11691999000100008 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rlae/a/mxHybkx9Ss6bD44DkMmyNVm/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2024.
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, p. 14).

A narrativa hegemônica sobre as origens profissionais da enfermagem no país reproduz discursos seculares, que exaltam mitos fundadores da profissão, preocupações com a imagem pública e a impregnação do discurso biologicista. Autores e autoras (Moreira, 1999a MOREIRA, Martha C. N. A Fundação Rockefeller e a construção da identidade profissional de enfermagem no Brasil na Primeira República. História, Ciência, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 621-645, 1999a. https://doi.org/10.1590/S0104-59701999000100005 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/X4GQft8dhcKTbyM8sZcFSbr/# . Acesso em: 25 jun. 2024.
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, 1999b MOREIRA, Martha C. N. Imagens no espelho de vênus: mulher, enfermagem e modernidade. Revista Latino-Americana de Enfermagem, São Paulo, v. 7, p. 55-65, 1999b. https://doi.org/10.1590/S0104-11691999000100008 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/rlae/a/mxHybkx9Ss6bD44DkMmyNVm/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2024.
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; Campos, 2013 CAMPOS, Paulo F. S. Memorial de Maria de Lourdes Almeida: História e enfermagem no Brasil pós-1930. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 609-625, 2013. https://doi.org/10.1590/S0104-59702013000200014 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/BL6FwBCqCYKH6GMM3mcys5p/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2024.
https://doi.org/10.1590/S0104-5970201300...
, 2014CAMPOS, Paulo F. S.; OGUISSO, Taka. Enfermagem no Brasil: formação e identidade profissional pós-1930. 1. ed. São Caetano do Sul: Yendis, 2014. , 2015 CAMPOS, Paulo F. S. As enfermeiras da Legião Negra: representações da enfermagem na revolução constitucionalista de 1932. Faces de Eva, Lisboa, n. 33, p. 53-67, 2015. Disponível em: https://scielo.pt/pdf/eva/n33/n33a07.pdf . Acesso em: 25 jun. 2024.
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, 2019CAMPOS, Paulo F. S; CARRIJO, Alessandra R. Ilustre inominada: Lydia das Dôres Matta e enfermagem brasileira pós-1930. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 26, n. 1, p.165-185, 2019. ; Oguisso, Campos e Moreira, 2011OGUISSO, Taka; CAMPOS, Paulo F. S.; MOREIRA, Almerinda A. Enfermagem pré-profissional no Brasil: questões e personagens. Enfermagem em Foco, Brasília, v. 2, p. 68–72, 2011. ; Campos e Carrijo, 2019CAMPOS, Paulo F. S; CARRIJO, Alessandra R. Ilustre inominada: Lydia das Dôres Matta e enfermagem brasileira pós-1930. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 26, n. 1, p.165-185, 2019. ; Mendes, Costa e Ribeiro, 2015 MENDES, Valdeci S.; COSTA, Candida S.; RIBEIRO, Rosa L. R. Racismo biológico e suas implicações no ensinar-cuidar da população negra. Revista da ABPN [on line], Curitiba, v. 7, n. 16, p. 190-213, 2015. Disponível em: https://abpnrevista.org.br/site/article/view/104/101 . Acesso em: 25 jun. 2024.
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; Barbosa et al., 2018 BARBOSA, Lana R. et al. A resistência das lideranças femininas negras no movimento estudantil frente a sociedade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISADORES NEGROS, 6., 2018, Minas Gerais. Anais X COPENE. Uberlândia, Minas Gerais: Universidade Federal de Uberlândia, 2018. Disponível em: https://www.copene2018.eventos.dype.com.br/resources/anais/8/1530408402_ARQUIVO_COPENETRABALHOFINALFINALSUPERFINAL2018.pdf . Acesso em: 2 maio 2020.
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) têm problematizado essa hegemonia, buscando iluminar aspectos obscurecidos dessa historiografia, que parecem apontar para violências presentes naquele período. Esse direcionamento para perspectivas críticas sobre o tema contribuiu para a construção deste artigo, cujo referencial teórico-analítico sustenta-se nos conceitos de violência, racismo e interseccionalidade.

Compreende-se a violência como fenômeno estrutural, social e cultural, diferenciando-a daquela concepção reducionista que a concebe restritamente como atos agressivos direcionados por um indivíduo a outro (Galtung, 1969 GALTUNG, Johan. Violence, peace, and peace research. Journal of Peace Research, v. 6, n. 3, p. 167-191, 1969. https://doi.org/10.1177/002234336900600301 . Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/002234336900600301 . Acesso em: 25 jun. 2024.
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; 1990 GALTUNG, Johan. Cultural violence. Journal of Peace Research, v. 27, n. 3, p. 291-305, 1990. Disponível em: https://www.galtung-institut.de/wp-content/uploads/2015/12/Cultural-Violence-Galtung.pdf . Acesso em: 25 jun. 2024.
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). Minayo ( 2007MINAYO, Maria C. S. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde. In: NJAINE, Kathie; ASSIS, Simone G.; CONSTANTINO, Patrícia (org.). Impactos da violência na saúde. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2007. p. 21-42. ) defende que a violência estrutural no Brasil, evidenciada nos elevados níveis de desigualdades persistentes na história, é considerada uma de suas formas mais expressivas. A autora debate aspectos sociais, políticos e econômicos usados para ‘cronificar’ todos os tipos de desigualdades, que estruturam as facetas invisibilizadas e violentas da sociedade.

Este artigo, recorte dos resultados de uma etnografia documental, propõe-se a analisar e debater as formas pelas quais os discursos construídos acerca da nova profissão e da nova profissional sustentaram-se com importante influência do movimento eugenista.

Método

O campo etnográfico constituiu-se pelos arquivos de domínio público, nas línguas inglesa e portuguesa, datados entre 1925 e 1931, conservados no Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e também no Acervo Arquivístico da Casa de Oswaldo Cruz (COC), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), disponíveis para consulta no Departamento de Arquivo e Documentação (DAD).

O arquivo foi considerado como artefato do saber moderno capaz de se constituir como objeto etnográfico especial (Riles, 2006RILES, Annelise. Introduction. In: RILES, A Annelise (org.). Response. Documents: artifacts of modern knowledge. Ann Arbor, MI: Universisty of Michigan Press, 2006. ). Privilegiou-se a perspectiva antropológica, a fim de compreender, entre outros aspectos, de que forma o arquivo constitui, hierarquiza, separa e relaciona pessoas (Des Chene, 1997DES CHENE, Mary. Locating the past. In: GUPTA, Akhil; FERGUSON, James (ed.). Anthropological locations: boundaries and grouns of a field science. Berkeley: University of California Press, 1997. p. 66-85. ; Cunha, 2004 CUNHA, Olívia M. G. Tempo imperfeito: uma etnografia do arquivo. Mana, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 287-322, 2004. https://doi.org/10.1590/S0104-93132004000200003 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/XYzjLRvbTLVNnfsZVMJTYgf/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2024
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; Ferreira e Lowenkron, 2020FERREIRA, Letícia; LOWENKRON, Laura. Etnografia de documentos: pesquisas antropológicas entre papéis, carimbos e burocracias. 1. ed. Rio de Janeiro: E-papers, 2020. ). A leitura e análise dos documentos contidos no arquivo guiou-se pelas perspectivas ao longo da corrente ( along the grain ) e contracorrente ( against the grain ). Estas são posturas epistemológicas adotadas diante dos documentos, que, conjuntamente, possibilitaram o desenvolvimento de abordagens críticas e imaginativas de fontes tradicionais, ampliando as possibilidades analíticas de “documentos vivos” (Ferreira e Lowenkron, 2020FERREIRA, Letícia; LOWENKRON, Laura. Etnografia de documentos: pesquisas antropológicas entre papéis, carimbos e burocracias. 1. ed. Rio de Janeiro: E-papers, 2020. , p. 21).

Na perspectiva temática que transita entre a História e a Antropologia, este artigo buscou apoio no pensamento do antropólogo Marshal Sahlins, uma vez que o interesse, aqui, concentrou-se sobre a compreensão de discursos relacionados a eventos em um dado tempo e espaço, de modo a possibilitar a observação das relações estabelecidas entre diferentes sujeitos envolvidos no processo de profissionalização.

Foram excluídos documentos qualitativamente insuficientes aos objetivos da pesquisa, quais sejam: os documentos puramente numéricos em que não foi possível a contextualização; os repetidos; os incompletos, e os rasurados a ponto de impossibilitar a compreensão do corpo textual. Assim, foram incluídos nesta pesquisa: 23 registros institucionais escritos, 91 documentos pessoais e 87 documentos de comunicação em massa. De forma detalhada, foram incluídos: 91 correspondências, 23 discursos proferidos publicamente, 15 relatórios institucionais, 2 atas de reunião, 63 anúncios públicos (da própria escola e de jornais), 1 revista, 1 foto e 5 trabalhos escritos das alunas da escola.

Neste artigo, apresenta-se o estruturante papel da categoria de raça (e racismo) na profissionalização da enfermagem no país, merecedor de atenção especial porque, além de desvelar os ideais eugênicos implícitos na construção da profissão, é capaz de justificar os esforços na produção da figura da enfermeira ‘padrão’. O artigo apresenta, inicialmente, questionamentos sobre as possibilidades de ingresso na nova profissão, apontando para quais mulheres ela se destinava, desvelando forte marcador racial. Após considerações teóricas e conceituais sobre raça, racismo e branquitude, a discussão apresenta os vínculos, pouco estudados na literatura brasileira entre enfermagem e eugenia. Por fim, discute-se, brevemente, suas relações com outros marcadores sociais – como gênero e classe – que produziram uma imagem idealizada da mulher enfermeira, formada e preparada para servir a Deus e à pátria.

Raça e racismo: alicerces fundadores da enfermagem brasileira?

É verdade que a política organizacional da escola tem sido de evitar, por tato e estratégia, a admissão de negras até que a concepção pública da profissão de enfermagem mudasse. Isso era imperativo para que se atraísse a melhor classe de mulheres para a nova profissão. Estes precedentes eram comuns em internatos femininos e em certas ordens religiosas para mulheres. Até mesmo a Marinha colocou todos os obstáculos para a admissão de candidatos/as negros/as. Em situações em que garotas de cor se candidataram à Escola de Enfermagem, sempre ocorreu de haver outros bons motivos para que fossem desqualificadas, então o problema em si não havia aparecido. De fato, havia três alunas já matriculadas na escola que, apesar de brancas, mostravam alguns traços de sangue negro 1 1 No original: It is true that the policy of the School on organization had been to avoid by tact and strategy the admission of negroes until the public conception of the profession of nursing had changed. This was imperative if the better class of women were to be attracted to the new profession. Precedents were common in girls’ schools and in certain religious order for women. Even the Naval Academy placed every obstacle in the way of admission of negro candidates. In instances when colored girls had applied for entrance to the School of Nursing it had always happened that there were other good reasons why they were not qualified, so the definite problem had not arisen. As a matter of fact, there were three students already in the school who, though white, showed some traces of negro blood.

(Miner, 1925MINER, Helen. Report compiled by Helen E. Miner. Rio de Janeiro: DAD/COC/Fiocruz, 1925. 14 p. , tradução nossa).

Esse é um documento do ano de 1925, encontrado nos arquivos da Coleção Rockefeller no DAD/COC, de extrema importância para a constatação do racismo imperante que sustentou a construção da profissão e das profissionais. Existem poucas referências a esse documento em estudos anteriores, como bem indicado por Moreira ( 1999a MOREIRA, Martha C. N. A Fundação Rockefeller e a construção da identidade profissional de enfermagem no Brasil na Primeira República. História, Ciência, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 621-645, 1999a. https://doi.org/10.1590/S0104-59701999000100005 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/X4GQft8dhcKTbyM8sZcFSbr/# . Acesso em: 25 jun. 2024.
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). O discurso revela, nessa perspectiva, uma base estruturante para a profissão: a violência racial, ou o racismo, segundo uma política expressa pela evitação na aceitação de candidatas negras.

Considera-se, primeiramente, que os documentos históricos conservados ao longo dos anos representam o processo histórico narrado mediante um determinado ponto de vista, por meio de percepções com interesses específicos e de um determinado lugar de poder. O reconhecimento dessa plasticidade proporcionada pelos documentos, quando encarados como artefatos etnográficos, possibilita ouvir o que estes têm a dizer para além das palavras neles contidas. O documento citado explicita como mulheres negras e pobres foram excluídas do processo de formação profissional em enfermagem no Brasil, por conta de uma narrativa tão naturalizada quanto violenta.

Diversos autores e autoras debruçaram-se sobre os conceitos de raça e racismo, a fim de pensá-los criticamente, como Kabengele Munanga, Achille Mbembe, Frantz Fanon, Silvio Almeida, bell hooks, entre outros(as). Optou-se por seguir a linha de pensamento defendida pelo filósofo brasileiro, e atualmente ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Silvio Almeida ( 2018ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. ), que apresenta o conceito de raça sob a forma de sistema de classificações entre seres humanos como uma construção da modernidade, de meados do século XVI. É um conceito dinâmico, necessariamente vinculado aos contextos históricos em que é adotado, sendo, portanto, relacional e histórico. Para o filósofo Achille Mbembe ( 2014MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. 1. ed. Lisboa: Antígona, 2014. ), a raça não existe como fato natural, antropológico ou genético; é “uma ficção útil, uma construção fantasista ou uma projeção ideológica cuja função é desviar a atenção de conflitos antigamente entendidos como mais verossímeis – a luta de classes ou a luta de sexos, por exemplo” (Mbembe, 2014MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. 1. ed. Lisboa: Antígona, 2014. , p. 27).

Na construção da ‘raça’ como categoria natural e científica, o determinismo biológico e geográfico propunha explicações sobre as supostas diferenças morais, psicológicas e intelectuais entre diferentes ‘raças’. Esse pensamento originou o que viria a ser conhecido como ‘racismo científico’. Aponta-se para dois pontos centrais na invenção da raça: sua direta relação com o colonialismo, e o apoio científico positivista como justificativa do racismo, baseado na diferença entre raças e na supremacia do homem branco. A raça “é um elemento essencialmente político, sem qualquer sentido fora do âmbito socioantropológico [e] (...) ainda é um fator político importante para naturalizar desigualdades e legitimar a segregação e o genocídio de grupos sociologicamente considerados minoritários” (Almeida, 2018ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. , p. 22). Isto posto, considera-se que a raça é uma categoria estruturante para diversos tipos de violências, uma vez que, historicamente, foi utilizada para perpetuar e justificar desigualdades, segregações e genocídios.

Neste artigo, entende-se o racismo como estrutural (Almeida, 2018ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. ). Assim, este não é referido a comportamentos individuais ou a uma ação dirigida ao outro, mas como uma forma ‘normal’ na qual a sociedade funciona e opera, como um elemento constitutivo das relações sociais, políticas, econômicas, familiares. Essa perspectiva, além de ampliar o debate teórico e o escopo analítico, tem consequências também políticas e sociais, uma vez que inclui todos os indivíduos no enfrentamento ao racismo e às práticas antirracistas, já que todos constituem essa estrutura social.

Ressalta-se, ainda, algumas observações do cenário brasileiro. O racismo estrutural, como defendido por Almeida ( 2018ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. ), é capaz de produzir discursos naturalizantes, de delimitar espaços específicos para certos grupos, privilegiando alguns e excluindo e proporcionando desvantagens a outros. Nesse sentido, é importante retomar o pensamento de Lélia González ( 1984GONZÁLEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, p. 223-244, 1984. ), ao discutir o racismo impregnado na cultura brasileira, com foco direcionado para as mulheres negras. É importante porque, na presente pesquisa, aquelas que mais aparecem pela ausência é a mulher negra brasileira. González ( 1984GONZÁLEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, p. 223-244, 1984. ) objetivou desvelar a construção imaginária da mulher negra na sociedade brasileira, assim como apontar para o imaginário eminentemente branco que a construiu.

A autora aponta para o problema da ‘branquitude’ ou da ideologia do branqueamento que se exerce cotidianamente sobre pessoas negras, numa tentativa de humanizá-las ou de domesticá-las. Um dos pontos-chave que a autora destaca é a constante formulação de padrões e discursos repetitivos que escondem muito mais do que pronunciam, como a ‘moça educada’, ‘moça bem-vestida’, ‘moça de boa aparência’, que correspondem a categorias brancas. Entende-se branquitude, segundo Bento ( 2002BENTO, Maria A. S. Branqueamento e Branquitude no Brasil. In: CARONE, Iray.; BENTO, Maria Aparecida Silva. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. p. 25-58. ), como um conjunto de aspectos e dimensões que se referem aos traços da identidade racial do branco brasileiro. A autora apoia-se justamente nos estudos sobre as teorias de branqueamento que dominaram a sociedade brasileira, nos quais constata que esse processo de branqueamento foi construído pela elite branca como um problema do negro, isentando desse processo qualquer participação ou influência do branco.

Feitas as considerações sobre os conceitos de raça e racismo no país, conforme compreendidas neste artigo, questiona-se a possibilidade de se considerar os dois conceitos como alicerces da profissionalização da enfermagem no Brasil. O percurso etnográfico permite considerar que sim. Embora frequentemente esquecida nos estudos sobre as histórias da enfermagem, a raça mantém uma das fundações estruturantes da profissão, interseccionada com as de classe e gênero, principalmente. Essa intersecção permite vislumbrar justamente o que se esconde por trás de discursos construídos por aqueles(as) que, majoritariamente, exerciam os papéis de poder.

Muitos acham que a selecção deve ser feita pela intelligencia, mas a selecção da raça, qualquer seja a latitude que se queira dar a este vocábulo, há de se fazer pela cultura incessante da educação, que descremina o homem na escala zoológica, com a esperança de que esse aperfeiçoamento em todos os seus colorarios se perpetua na descendência para o progresso moral e a perfeição da espécie

(Carvalho, 1930CARVALHO, Zélia. 1930. Alumna: Zélia de Carvalho. “A vida humana é maior creação divina...”. Em As Pioneiras, Rio de Janeiro, CEDOC/ EEAN/UFRJ, 4 f. ).

As citações diretas dos documentos conservam, neste artigo, a ortografia da época, sem alterações. O trecho acima se refere à seleção de entrada de moças na EEAN e foi retirado de uma redação construída por uma aluna daquela escola, no ano de 1931. Mais uma vez, a raça aparece como uma categoria de destaque. O discurso eugênico lá presente tornou-se cada vez mais imperante com o passar dos anos. Esse aspecto será discutido na próxima seção deste artigo. Para argumentar as violências interseccionais observadas na construção da enfermagem como profissão no Brasil, é preciso reconhecer, além da violência de gênero perpetuada pela produção e reprodução de estereótipos subalternizados das mulheres brancas, a violência racial como estruturante, ao ter construído padrões que minuciosamente excluíram as mulheres negras do acesso à formação.

A profissionalização do cuidado no Brasil fundamentou-se em uma lógica da dominação, em que foram internalizados e reproduzidos valores brancos ocidentais. Essa lógica faz parte da ideologia do branqueamento (González, 1984GONZÁLEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, p. 223-244, 1984. ). É importante ressaltar que a construção da diferença, que caracteriza o racismo, envolve o poder e a hierarquização de valores. Isso significa que “não só o indivíduo é visto como diferente, mas essa diferença também é articulada através do estigma, da desonra e da inferioridade. Tais valores hierárquicos implicam um processo de naturalização, pois são aplicados a todos os membros de um grupo” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. 1. ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. , p. 75-76). A construção de um padrão, de um modelo ‘perfeito’ de enfermeira, referiu-se exclusivamente à mulher branca burguesa. Observou-se a completa exclusão dessas mulheres, que eram, anteriormente, fortemente ligadas aos cuidados em saúde (Campos, 2014CAMPOS, Paulo F. S.; OGUISSO, Taka. Enfermagem no Brasil: formação e identidade profissional pós-1930. 1. ed. São Caetano do Sul: Yendis, 2014. ).

Contudo, pesquisadores (Campos, 2012bCAMPOS, Paulo F. S. Cuidadoras negras do Brasil. Acta Científica, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 11-20, 2012. ; Campos e Carrijo, 2019CAMPOS, Paulo F. S; CARRIJO, Alessandra R. Ilustre inominada: Lydia das Dôres Matta e enfermagem brasileira pós-1930. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 26, n. 1, p.165-185, 2019. ; Campos e Oguisso, 2014CAMPOS, Paulo F. S.; OGUISSO, Taka. Enfermagem no Brasil: formação e identidade profissional pós-1930. 1. ed. São Caetano do Sul: Yendis, 2014. ) que se debruçaram sobre períodos posteriores, especialmente no pós-1930, observaram algumas modificações nos processos aqui expostos. O principal rompimento com o modelo excludente e discriminatório que forjou a imagem social da enfermagem foi identificado com a fundação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, em 1942 (Campos e Oguisso, 2014CAMPOS, Paulo F. S.; OGUISSO, Taka. Enfermagem no Brasil: formação e identidade profissional pós-1930. 1. ed. São Caetano do Sul: Yendis, 2014. ). Lá, mulheres negras foram reinseridas no cuidado em saúde, mas não sem restrições, e não sem enfrentarem fortes ataques racistas, movimentos contrários e tentativas constantes de branqueamento. Com isso, afirma-se que a estrutura excludente constituinte da imagem profissional perdurou por, pelo menos, mais duas décadas, e que novos mecanismos foram colocados em ação quando as mulheres negras ocuparam aquele espaço.

Assim, é essencial relembrar que este artigo dialoga diretamente com documentos construídos, predominantemente, pela elite branca brasileira entre os anos de 1925 e 1931. É daquele ponto de vista que os discursos foram produzidos, e, logo, é relevante a problematização da branquitude, para além do racismo. Esclarece-se que não se trata de aplicar conceitos contemporâneos ao passado, anacronicamente, e reescrever a história desse ponto de vista; este não é o objetivo das discussões aqui apresentadas, mas, sim, possibilitar a adoção de novas lentes teóricas e analíticas, para que seja possível considerar outras narrativas, que não aquela dominante, partindo-se das lacunas encontradas na literatura brasileira sobre o tema.

Os discursos construídos no bojo da profissionalização da enfermagem no país foram capazes de construir o negro e a negra como inferiores e ignorantes, inaptos para a ‘nobre’ profissão, e como alvos de intervenções diretas das enfermeiras diplomadas. A construção do corpo discente da EEAN conferiu privilégios a uma elite feminina branca, que, apesar do importante recorte de gênero e dos papéis submissos, dóceis e maternais a elas impostos, entrecruzava-se com o importante recorte racial. A manutenção de privilégios à minoria branca e a minuciosa exclusão de mulheres negras reforçavam os ideários brancos, a segregação racial e a desigualdade no acesso à educação e às melhorias de condições de vida. Essa exclusão pode ser enxergada como uma exclusão moral, que “ocorre quando indivíduos ou grupos são vistos e colocados fora do limite em que estão vigendo regras e valores morais” (Bento, 2002BENTO, Maria A. S. Branqueamento e Branquitude no Brasil. In: CARONE, Iray.; BENTO, Maria Aparecida Silva. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. p. 25-58. , p. 5).

Questiona-se, ainda, o motivo de tantos esforços na construção de uma imagem embranquecida da enfermeira. Sabe-se que um dos interesses na formação oficial daquela escola era desvincular, da profissão emergente, a imagem anterior da enfermagem e das práticas de cuidado exercidas por mulheres negras ou pobres e de ‘conduta duvidosa’. A constituição de uma profissão que deveria ser composta por enfermeiras brancas, de boas famílias, cultas, educadas e da alta sociedade condizia com os objetivos sociopolíticos que permeavam o Brasil e a ciência naquele período.

Com ciência: “sede adeptas da eugenia, procurai ser enfermeiras!”

A Eugenia, sciencia moderna de fins altamente patrióticos e humanitários, precisa do concurso da mulher para conseguir o seu desideratum. Nella encontra a sua maior e mais preciosa collaboradora: como mãe comprehende a verdadeira significação da eugenia, applicando suas leis ao ente adorado, para delle fazer, mais tarde, aquelle que constituirá todo o seu orgulho e a sua felicidade. Como noiva e esposa, será zeladora de si mesma para apresentar futuramente filhos sadios e fortes, que lhe[s] vão angariar a gratidão da pátria. É pois o symbolo do bem, e lhe compete também levar aos lares menos protegidos da fortuna, um pouco de conforto, alegria, felicidade – que só a saúde pode proporcionar. Sua collaboração é pois indispensável na luta pelo aperfeiçoamento da raça, em que se acham empenhados scientistas, professores e brazileiros compenetrados de suas finalidades. A esta plêiade de humanitários veio juntar-se um núcleo de moças enérgicas e instruídas, formadas pela EEAN. Este tende a desenvolver-se e é elle que lança o seu apello ao feminismo militante. Brazileiras, sede patriotas, sede adeptas da eugenia, procurai ser enfermeiras!

(A Escola..., 1931A ESCOLA de enfermeiras D. Anna Nery está regendo novas candidatas. 1931. 7ª publicação. Em As Pioneiras, Rio de Janeiro, CEDOC/ EEAN/UFRJ, 4 f. ).

Esse texto foi retirado de uma chamada pública para captação de novas candidatas à EEAN. Clara fica a aliança da enfermagem com a eugenia. Essa aliança contribui para a compreensão mais ampla dos pontos discutidos até aqui. Antes de analisar a íntima relação entre a enfermagem e a eugenia, naquele momento, fazem-se necessários alguns esclarecimentos sobre o movimento eugenista no Brasil.

A eugenia refere-se, por definição, à ciência do ‘aprimoramento racial’ (Stepan, 2004STEPAN, Nancy L. Eugenia no Brasil, 1917-1940. In: HOCHMAN, Gilberto.; ARMUS, Diego (org.). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe [on-line]. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. p. 330-391, 2004. Coleção História e Saúde. ). Seu desenvolvimento ocorreu entre as duas guerras mundiais, e dialoga intimamente com diversos temas da história moderna, como o nacionalismo, o racismo, a sexualidade, o gênero e a higiene social (Stepan, 2004STEPAN, Nancy L. Eugenia no Brasil, 1917-1940. In: HOCHMAN, Gilberto.; ARMUS, Diego (org.). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe [on-line]. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. p. 330-391, 2004. Coleção História e Saúde. ; 2005STEPAN, Nancy L. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005. Coleção História e Saúde. ). Foi um movimento social e científico difundido quase mundialmente na virada do século XIX para o século XX, tendo importante presença na América Latina, de modo que conformou seu pensamento científico, social e político, inclusive no Brasil – país que mais congregou adeptos e que mais obteve sucesso na institucionalização da eugenia (Souza, 2016 SOUZA, Vanderlei S. A eugenia brasileira e suas conexões internacionais: uma análise a partir das controvérsias entre Renato Kehl e Edgard Roquette-Pinto, 1920-1930. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 23, p.93-110, 2016. Suplemento. https://doi.org/10.1590/S0104-59702016000500006 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/QdB4RrFgDkSTr8kzn5R59Tj/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2024.
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).

Em busca do ‘melhoramento’ da raça humana, assim como a preservação da ‘pureza’ de certos grupos, a eugenia apoiou-se na ciência disponível na época, e baseou-se nos entendimentos sobre as leis da hereditariedade humana. Conformou-se, também, como um movimento social, visto que envolvia propostas diretamente ligadas à vida social, como o incentivo de reprodução entre grupos ‘adequados’ e o desencorajamento da reprodução daqueles considerados ‘inadequados’ (Stepan, 2005STEPAN, Nancy L. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005. Coleção História e Saúde. ). Nesse sentido, esta autora aponta para o importante entrelaçamento dos conceitos de raça e de gênero na construção da eugenia, cujas práticas recaíam de forma desigual sobre homens e mulheres, e estas últimas representavam o enfoque central desse movimento, uma vez que eram reduzidas social e biologicamente a seus papéis de reprodutoras.

No país, a necessidade da construção de uma nação capaz de solucionar seus próprios problemas passou a ocupar as mentes das elites brasileiras. Na década de 1920, a eugenia encontrava-se atrelada ao patriotismo, no sentido de conquistar um papel mundial importante nos assuntos internacionais. Objetivava-se o ideal do progresso brasileiro, a caminho da civilização, que seria alcançado por intermédio da evolução humana. Delineava-se, assim, o desejo da nação: branco, masculino e civilizado (Miskolci, 2012MISKOLCI, Richard. O desejo da nação: masculinidade e branquitude no Brasil do XIX. São Paulo: Annablume, 208 p. 2012. ). Stepan ( 2004STEPAN, Nancy L. Eugenia no Brasil, 1917-1940. In: HOCHMAN, Gilberto.; ARMUS, Diego (org.). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe [on-line]. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. p. 330-391, 2004. Coleção História e Saúde. ) afirma que a eugenia no Brasil precisa ser vista como um entusiasmo generalizado da ciência como um sinal de modernidade cultural, e a saúde se tornara um objetivo político. Assim, o movimento eugênico no país esteve ligado a projetos e políticas de saneamento, higiene, educação e outras formas de ‘melhoramento’ das condições do meio (Souza, 2016 SOUZA, Vanderlei S. A eugenia brasileira e suas conexões internacionais: uma análise a partir das controvérsias entre Renato Kehl e Edgard Roquette-Pinto, 1920-1930. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 23, p.93-110, 2016. Suplemento. https://doi.org/10.1590/S0104-59702016000500006 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/QdB4RrFgDkSTr8kzn5R59Tj/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2024.
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).

Afirma-se que a atuação da Fundação Rockefeller no país, com a implementação do modelo norte-americano de formação de enfermeiras, contribuiu para a disseminação do discurso eugênico. Aquele modelo, embora inicialmente pouco expositivo em relação a seus ideais e objetivos, aos poucos foi demonstrando abertamente os ideais eugênicos embutidos na nova profissão. Afinal, por que o Brasil precisava de enfermeiras?

Si nas grandes capitaes o trabalho das enfermeiras é indispensável, o que dizer de sua penetração pelo interior do paiz, onde o problema social é ainda mais intenso, onde a hygiene é menos conhecida, e as leis da saude ainda não diffundidas? O nosso territorio vastissimo, dotado de uma natureza exhuberante, e de um solo fertilissimo, tem porém que enfrentar os climas mais diversos, sendo que vigora na maior parte de seus estados o clima tropical, que tanto contribue para depauperamento da raça. [...] Dessa forma, a enfermagem no Brazil torna-se uma necessidade e terá que enfrentar problemas profusos para auxiliar á Saude Publica. Será preciso ensinar ao Nortista a vencer a insalubridade que seu clima humido lhe offerece, nos sertões do interior, a luctar contra inhospitalidade de uma zona torrida e semeada de um sem numero de insectos damninhos que uma fauna vastissima proporciona, pondo em perigo constante a vida do homem. Naquellas paragens, os nossos caboclos, vivendo em lares rusticos, em recantos onde a civilisação mal começa a penetrar, desconhece ainda mais os rudimentares preceitos de hygiene e os meios de combater as molestias. [...] Sim, ser enfermeira significa assumir a responsabilidade de zelar pela saúde, hygiene e eugenia da humanidade; é tudo quanto beneficiando o individuo, reverta directa ou indirectamente em beneficio da collectividade.Si este problema preoccupa actualmente o mundo inteiro, na enfermagem toma o caracter absoluto, pois nós enfermeiras devemos envidar todos os esforços, empregar todos os meios possiveis para acautelar a saúde dos individuos sãos, salvar a vida dos doentes que estão a nosso cargo, e ensinar aos pequeninos o meio de se desenvolverem fortes de corpo e equillibrados de espirito para formar a raça de amanhã

(Rádio Educadora, 1930aRÁDIO Educadora, 5ª Conferência. 1930a. “Porque o Brazil precisa de Enfermeiras?”. Em Missão Parsons, Rio de Janeiro, CEDOC/EEAN/UFRJ, 3 f. ).

O trecho acima foi retirado da 5ª Conferência da Rádio Educadora, intitulada “Por que o Brazil precisa de enfermeiras?”, de 1930. Estavam claros os preceitos eugênicos que norteavam as ações de enfermagem, sejam por meio de ações educativas ou assistenciais. Tanto o melhoramento da raça quanto a preocupação com o progresso da nação estavam no âmago da construção profissional. A participação da enfermagem no movimento eugenista brasileiro é geralmente omitida dos estudos históricos nessa área. De forma interessante, Moreira ( 1999a MOREIRA, Martha C. N. A Fundação Rockefeller e a construção da identidade profissional de enfermagem no Brasil na Primeira República. História, Ciência, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, p. 621-645, 1999a. https://doi.org/10.1590/S0104-59701999000100005 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/X4GQft8dhcKTbyM8sZcFSbr/# . Acesso em: 25 jun. 2024.
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) já se questionava quais seriam os motivos que levaram aquela profissão a instaurar rituais e processos seletivos tão específicos, que aparentemente se inspiravam no ideário eugênico que marcou a década de 1920. Mai e Angerami ( 2006 MAI, Lilian D.; ANGERAMI, Emília L. S. A inserção do termo eugenia na Revista Brasileira de Enfermagem - REBEN, 1932 a 2002. Ciência, Cuidado e Saúde, Maringá, v. 5, p. 85-91, 2006. Suplemento. https://doi.org/10.4025/ciencuidsaude.v5i0.5160 . Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5160/3344 . Acesso em: 25 jun. 2024.
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) observaram o acompanhamento da enfermagem ao movimento eugênico entre 1932 e 2002, ao pesquisarem sobre a inserção do termo ‘eugenia’ na Revista Brasileira de Enfermagem ; esse é um dos poucos estudos que relacionam enfermagem e eugenia.

A rígida seleção de candidatas para a escola dialogava com os ideários eugênicos correntes no Brasil. Para além da atuação profissional, o próprio recrutamento de candidatas baseava-se naqueles ideários. A ‘limpeza’ do corpo de enfermagem era um pré-requisito para que a profissão triunfasse no país. Não era possível conceber a presença de ‘degeneradas’ ou ‘inferiores’ como constituintes de uma nobre profissão. Foi necessário empregar medidas rígidas de seleção para que, ao menos esteticamente, fosse criado um contingente profissional branco que transmitisse seu aspecto ‘saudável’. Na citação que abre esta seção, mesmo as candidatas ‘brancas’ eram minuciosamente observadas por apresentarem ‘traços de sangue negro’. A raça não era uma questão trivial na construção da profissão de enfermagem, mas estruturante.

Faria ( 2006 FARIA, Lina. Educadoras sanitárias e enfermeiras de saúde pública: identidades profissionais em construção. Cadernos Pagu, São Paulo, n. 27, p. 173-212, 2006. https://doi.org/10.1590/S0104-83332006000200008 . Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/kMtGvznChrWd6PSpDm4HjzC/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2024.
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) já apontava também para a necessidade do aprofundamento da questão racial no âmbito da enfermagem. Soma-se a esses apontamentos, a necessidade de iluminar os primórdios da enfermagem no Brasil através de lentes que possibilitem o diálogo com a conformação eugênica da profissão, que invariavelmente apontará para importantes aspectos raciais. É nesse sentido que o desenvolvimento necessário das questões aqui levantadas direciona o debate para as violências constituintes da enfermagem como profissão no Brasil, na tentativa de possibilitar novas formas de compreensão daquele percurso histórico.

‘Modernas apóstolas da saúde’: a serviço de Deus, da pátria e da família

A enfermagem é uma arte tão sublime, como é a da música, a da pintura, a da esculptura e outras. E amanhã, quando a Pátria porventura precise de nossos serviços, se estiverdes apparelhadas com conhecimentos technicos da Escola Moderna, possuidoras dos segredos dos altos padrões e ideaes, podereis acudir ao seu apello, com o coração a transbordar de ardor patriotico dizendo: Eis-nos aqui – Para servir a Deus, para servir á Pátria, para servir aos nossos semelhantes presos a um leito de dôres

(Appendice..., 1930APPENDICE à 2ª conferência (Rádio Educadora). 1930. “Minhas gentis ouvintes!...”. Em Missão Parsons, Rio de Janeiro, CEDOC/EEAN/UFRJ, 1 f. ).

A profissão de enfermagem precisou deslocar sua ênfase discursiva antes situada no caráter de sacrifício e abnegação para a ênfase patriótica. Embora desde o início o patriotismo estivesse presente, foi apenas depois de alguns eventos políticos, realizados especialmente na virada de 1929 para 1930, que possibilitaram essa transição. O discurso passou a ser reformulado pelos ideários de felicidade e satisfação, amplamente inspirados pela ideia moderna de maternagem. Assim, instruiu-se a enfermeira a servir a Deus, à pátria e, consequentemente, à família brasileira.

A imagem construída dessa nova profissional forjou-se em discursos que combinavam cristandade, patriotismo e eugenia. A categoria de gênero, pela maternagem, é a que mais chama atenção em um primeiro momento, visto a intensa reprodução de papéis sociais femininos estereotipados associados à enfermeira moderna.

Um poder até então desconhecido para o mundo inteiro ganhou invencível força com relação a saúde e a felicidade dos povos, essa força vem se desenvolvendo todos os dias a proporção que os annos e o progresso caminham e esse poder é a enfermagem que aqui nosso Brazil, também se desenvolveu desde que a nossa heroina D. Anna Nery partiu para a Guerra do Paraguay, acompanhando o soldado Brazileiro e assim servindo à sua Pátria. Foi porém somente neste último decano, que este poder criou maiores forças aqui no Brazil, e então a mulher brazileira verdadeiramente despertou para os deveres de servir a humanidade e ao seu paiz. Na mulher brazileira está o ponto capital da saúde e da felicidade do paiz e della depende a eliminação das molestias dentro do lar, a saude da criança pre-escolar e escolar, a reabilitação dos tuberculosos e os cuidados dos doentes nos hospitais. O progresso é o futuro economico dum paiz, crescerá ou diminuirá de acordo com a capacidade physica do seu povo. Como poderemos nós ajudar neste problema? Com a enfermagem preparada e instruída”

(Rádio Educadora, 1930bRÁDIO Educadora, 2ª Conferência. 1930b. “Minhas senhoras e meus senhores! Boa tarde...”. Em Missão Parsons, Rio de Janeiro, CEDOC/EEAN/UFRJ, 2 f. ).

O papel da mulher na construção daquela nova nação desejada era central. Atribuía-se à mulher o papel de reprodutora, e, portanto, responsável primeira pelo melhoramento da raça e pela geração futura. O imaginário social da época identificava na mulher o elemento central para sua modernização (Goellner, 2008 GOELLNER, Silvana V. “As mulheres fortes são aquelas que fazem uma raça forte”: esporte, eugenia e nacionalismo no Brasil no início do século XX. Recorde: Revista do História do Esporte, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 1-28, 2008. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/87071/000910830.pdf?sequence=1 . Acesso em: 25 jun. 2024.
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). Assim, encontrou-se na figura da enfermeira o modelo ideal de mulher engajada ativamente no desenvolvimento de seu país: eram seus objetivos a obediência aos princípios eugênicos, educar as famílias (especialmente as mães) sobre os cuidados aos recém-nascidos e crianças, ao passo que ela própria se constituía como mãe das gerações futuras. Em outro trabalho de nossa autoria, compreendemos as formas pelas quais os discursos de maternagem, cristandade e patriotismo serviram como dispositivos disciplinares na construção da imagem de uma enfermeira padronizada, socialmente aceita e, subjetivamente, apagada (Miasato, Souza e Silveira, 2023 MIASATO, Felipe; SOUZA, Edinilsa R.; SILVEIRA, Liane M. B. “‘Eu’ com letra minúscula”: maternagem, cristandade e patriotismo como dispositivos disciplinares nos primórdios da enfermagem brasileira. Revista Debates Insubmissos, Caruaru, v. 6, n. 20, p. 111-148, 2023. https://doi.org/10.32359/debin2023.v6.n20.p111-148 . Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/index.php/debatesinsubmissos/article/view/256651/43950 . Acesso em: 25 jun. 2024.
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).

O entrecruzamento desses marcadores sociais aponta para violências interseccionais que dizem respeito à violência de gênero, raça e classe. Entende-se que a profissionalização da enfermagem foi perpassada por violências ocultadas da narrativa historiográfica oficial durante anos. Naquela formação, de maneira contundente e estratégica, manteve-se a população negra, e em especial as mulheres negras, às margens do acesso à educação e formação profissional em enfermagem, com forte influência do discurso eugênico. Aponta-se, ainda, a necessidade de melhor compreensão desses mecanismos e processos de exclusão no interior da própria profissão e de sua divisão técnica do trabalho, no sentido de esclarecer as violências intrínsecas aos seus movimentos de profissionalização – no nível superior, mas especialmente no nível técnico e profissionalizante, geralmente tangenciados pelas narrativas do campo.

Considerações finais

As bases fundadoras da profissão no país foram estabelecidas em conformidade com a incorporação de discursos conservadores, contribuidores para a manutenção de desigualdades persistentes no país, que se traduzem como violências quando analisadas mais proximamente. Examinou-se, neste artigo, as formas pelas quais os discursos de raça e racismo, articulados ao movimento eugênico, estruturaram a profissionalização da enfermagem no país. Esse debate torna-se importante, uma vez que a problematização da participação da enfermagem naquele movimento, historicamente, não foi foco de estudo nas pesquisas brasileiras, contribuindo para a naturalização e apagamento de uma parte importante nas histórias dessa profissão. Essa realidade não é restrita ao Brasil, uma vez que a mesma ausência de estudos pode ser observada também em outros países (Puzan, 2003 PUZAN, Elayne. The unbearable whiteness of being (in nursing). Nursing Inquiry, v. 10, n. 3, p. 193-200, 2003. https://doi.org/10.1046/j.1440-1800.2003.00180.x . Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1046/j.1440-1800.2003.00180.x?sid=nlm%3Apubmed . Acesso em: 25 jun. 2024.
https://doi.org/10.1046/j.1440-1800.2003...
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https://doi.org/10.1016/j.nedt.2011.06.0...
).

As violências interseccionais observadas dialogam diretamente com os ideários políticos e sociais da época pesquisada, que tiveram seu início no próprio movimento da vinda de enfermeiras norte-americanas para o país, no intuito de aqui construírem a profissão. Os documentos pesquisados representam verdades concebidas segundo um determinado ponto de vista, não neutro, não imparcial e não sem interesses. Foi preciso explorá-los para que as articulações entre raça, racismo e eugenia viessem à tona, desvelando os discursos e ideais da nova profissão. Este artigo buscou contribuir com a construção de contranarrativas, com base em documentação primária, e com apoio em perspectivas teórico-analíticas capazes de tornar mais visíveis aspectos que foram insistentemente esquecidos e ignorados pelo discurso historiográfico hegemônico.

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  • 1
    No original: It is true that the policy of the School on organization had been to avoid by tact and strategy the admission of negroes until the public conception of the profession of nursing had changed. This was imperative if the better class of women were to be attracted to the new profession. Precedents were common in girls’ schools and in certain religious order for women. Even the Naval Academy placed every obstacle in the way of admission of negro candidates. In instances when colored girls had applied for entrance to the School of Nursing it had always happened that there were other good reasons why they were not qualified, so the definite problem had not arisen. As a matter of fact, there were three students already in the school who, though white, showed some traces of negro blood.
  • Financiamento

    Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsa de mestrado, de acordo com o processo 155199/2019-6.
  • Aspectos éticos

    Não há.
  • Apresentação prévia
    Este artigo resulta da dissertação de mestrado intitulada Por Deus, pela pátria e pela família: violências interseccionais nas raízes da profissionalização da enfermagem brasileira , de autoria de Felipe Akira Miasato, defendida em março de 2021 no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, na área de Sociedade, Violência e Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2024
  • Aceito
    10 Jun 2024
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