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ENSAIO SOBRE O MAL (DILMA, ROSA)

ESSAY ON EVIL (DILMA, ROSA)

RESUMO

O artigo reconstitui o momento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a partir de sequências de documentários realizados sobre o fato e sobre ela, sobretudo de autoria de diretoras mulheres. O centro do artigo gira em torno de algumas considerações de Dilma sobre a noção de mal. Em seguida, faz-se uma leitura de certos trechos do romance de João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, mencionado por Dilma em sua fala em um dos filmes. Momentos do romance foram usados por José Miguel Wisnik, em textos de intervenção, relacionando-os à história brasileira recente. O artigo termina com uma breve análise do motivo da guerra jagunça no romance de Rosa.

Palavras-chave:
O mal; Impeachment de Dilma Rousseff; Documentários Nacionais; Guimarães Rosa

ABSTRACT

The article reconstitutes the moment of President Dilma Rousseff’s impeachment trial, taking as its cue sequences from documentaries made especially by women directors, about the facts and the president. The article is centered around some of Dilma Rousseff’s comments about the notion of evil. Next, the article reads some excerpts taken from João Guimarães Rosa’s novel, Grande Sertão: Veredas, mentioned by Rousseff in a conversation in one of the films. Passages from the novel had been used by José Miguel Wisnik on a few intervention pieces relating them to recent Brazilian history. The article closes with a brief analysis of the jagunço war motive in Guimarães Rosa’s novel.

Keywords:
The Evil; Dilma Rousseff’s Impeachment; Brazilian Documentaries; Guimarães Rosa

Para Ettore Finazzi Agrò

O impeachment de Dilma Rousseff em 2016 foi uma ruptura na ordem institucional inaugurada pela Nova República, que revelou a fragilidade do pacto que a constitui e a insistente permanência no poder das forças mais conservadoras da história do Brasil. As expressões contraditórias “golpe parlamentar” e “golpe de Estado democrático”, utilizadas pelos analistas, sinalizam, na verdade, a facilidade com que os perenes setores conservadores da sociedade brasileira conseguem adaptar a ordem institucional aos seu próprios desígnios. evidenciando claramente que a constituição, a justiça ou a lei, isto é, o chamado Estado de Direito, não são garantias democráticas suficientes entre nós. “Golpe parlamentar” significa ainda um golpe “pacífico”, de natureza aparentemente distinta da velha tradição dos golpes militares sangrentos de outrora, porque constituído pela pura torção da lei pelos interesses dominantes, mas que oculta de fato uma violência inusitada, remetendo àquela. estrutural, que atravessa de ponta a ponta o Estado de Direito. O golpe preparou a sequência de eventos soturnos que tiveram como desdobramento, inclusive, e sobretudo, a eleição do capitão reformado Jair Messias Bolsonaro dois anos depois, em 2018, com sua série de tentativas de golpe durante o seu mandato, caracterizadas pela mobilização crescente de uma extrema-direita insurrecional. O impeachment abre, portanto, uma brecha de seis anos no sistema político brasileiro, que só se fecharia, com grande dificuldade, com a eleição de Lula em 2022.

A ruptura da ordem democrática que destituiu da presidência a primeira mulher a ocupar o cargo no Brasil, com seus evidentes tons de misoginia, atraiu a atenção de várias diretoras de cinema mulheres2 2 O muro, de Lula Buarque (2017); O processo, de Maria Augusta Ramos (2018); Excelentíssimos, de Douglas Duarte (2018); Democracia em vertigem, de Petra Costa (2019); e Alvorada, de Anna Muylaert e Lô Politi (2021). A torre das donzelas, de Susanna Lira (2019), não trata diretamente do impeachment, mas do período da prisão de Dilma durante a ditadura. . O drama desdobra uma dupla face interseccional política, de esquerda e de gênero: trata-se de uma política de esquerda em enfrentamento com o conservadorismo estrutural brasileiro, ao mesmo tempo que uma mulher forçada a lidar com a misoginia do sistema político como um todo, tanto da esquerda quanto da direita. O acontecimento dramatiza o lugar das mulheres na vida pública brasileira, e justifica a necessidade de as diretoras fornecerem a perspectiva analítica silenciada das mulheres. As analogias do golpe parlamentar com sequências literárias se produzem em profusão, inaugurando um singular “método de dramatização”. Além das evidentes ressonâncias kafkianas (O processo, de Maria Augusta Ramos...), um documentário como Excelentíssimos, de Douglas Duarte, tem um quê dos dramas históricos shakespearianos, nas tramas palacianas do impeachment. O áudio vazado de Michel Temer, que teme as assombrações no palácio Alvorada, lembra um trecho de Macbeth3 3 No diálogo gravado por Joesley Batista, dono do grupo JBS, Temer explica as suas insônias dizendo que “deve ter fantasma lá”. O áudio vazado pela mídia está em Democracia em vertigem, de Petra Costa. . A forma geral que os filmes emprestam ao drama parlamentar é a do teatro, em que a ação dos protagonistas no proscênio revela, tanto quanto oculta, toda uma gama de acontecimentos, permanecendo fora do enquadramento do que se mostra. Formulemos uma hipótese: o enquadramento exclui precisamente a violência que os gestos codificados do direito e as movimentações de políticos, assessores, técnicos representam. Essa violência não é apenas a do aparelho policial-militar que o dispositivo legal oculta e significa, mas a violência insurrecional, a verdade da política contida na movimentação popular das manifestações de rua, e no ativismo político, aquele mesmo que o petismo no poder abandonou e que a extrema-direita fez emergir a partir das jornadas de junho de 2013.

Retomemos o motivo de mais longe: a democracia representativa e a sua “rule of law” consiste na ficção de uma ordem institucional pacífica em que a violência é monopolizada pelas instituições-limite do exército e da polícia que administram, por assim dizer, a fronteira que separa o Estado de seu exterior, mesmo que este se encontre dentro. A ficção weberiana (Weber, 2024WEBER, Max. (2014). Ciência e política: Duas vocações. 21a Ed. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix.), segundo a qual o aparelho policial-militar dispõe do monopólio da violência, não consegue ocultar o fato de que o estado democrático é atravessado pela violência policial-militar, como o comprovam as múltiplas chacinas policiais em bairros e periferias pobres das cidades brasileiras e no campo. É, por um lado, essa violência que esses documentários insinuam na economia de suas sequências. Mas há uma outra violência, que eles deixam aflorar aqui e ali. Em Democracia em vertigem, de Petra Costa, por exemplo, a justaposição da sequência do prédio do Sindicato do ABC ilhado pela massa de manifestantes a favor de Lula, antes de ser conduzido à prisão (em 7 de abril de 2018), à manifestação anti-Lula na Avenida Paulista, em São Paulo, por onde o documentário se inicia, significa a suposta “polarização” política brasileira, que todos esses documentários diagnosticam. Essas duas sequências de massas nas ruas são seguidas pelas célebres cenas filmadas no interior do Palácio do Alvorada vazio, de onde se depreende uma rima audiovisual que resume a leitura política do filme: de um lado, as massas populares polarizadas nas ruas e seus gritos, de outro, o palácio vazio e silencioso, acompanhado pela música instrumental de piano.

Um dos documentários mais agudos é o último na ordem de lançamento, Alvorada, justamente, dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi, lançado em 2021, filmado em 75 dias, entre julho e setembro de 2016, e abordando o período do afastamento de Dilma da presidência até a votação do impeachment (em 31 de agosto). O documentário tem uma estrutura fragmentária e coloca em seu centro a esquiva intimidade da presidente, a irrepresentável vida privada da chefe de Estado, indiciada pelo vazio que preenche os planos do filme. As diretoras jogam com o sentido alegórico do nome do palácio, Alvorada, cujos interiores haviam sido filmados em Democracia em vertigem, mas aqui transformado em índice irônico, ao representar o crepúsculo da presidência de Dilma.

Filmado quase que estritamente dentro do Alvorada, sentimos com força inusitada a clausura da protagonista fechada em seu aquário de vidro, protegido do exterior pelas amplas janelas cortinadas que deixam vislumbrar o mundo inacessível e luminoso lá fora, alegoria do protagonismo de Dilma alijada do centro do poder, mas vivendo no interior (excêntrico) desse próprio centro. Como todos os outros, o documentário se detém sobre a moldura arquitetônica da escala monumental de Brasília, com a drástica oposição entre o escuro claustrofóbico das câmaras e dos corredores, iluminados artificialmente, e os espaços exteriores de janelas vazadas e luminosas. Em todos eles, temos a vívida impressão de que lidamos com limites implícitos do que pode e do que não pode ser filmado, do que sabemos e do que não sabemos, do que é visível e do que é invisível. Filmados no calor da hora, esses documentários aceitam o estatuto de fragmento possível, de uma verdade histórica ainda por ser desvelada, montando o quebra-cabeças da representação política a partir das peças aproveitadas de restos deixados de lado pela grande mídia. Nunca se teve uma dimensão tão nítida do formalismo do dispositivo legal brasileiro, com atos protocolares destituídos de fundamento, que explicitam o caráter fársico do legalismo em que todos fingem acreditar.

O enquadramento que remete ao que exclui é uma poderosa estrutura da representação, e mimetiza o próprio legalismo, traduzindo a impressão que tínhamos na época de que vivíamos uma realidade em que o mais importante era subtraído ao conhecimento público, como os acordos levados a cabo pelos parlamentares a portas fechadas, traições em série, vazamentos de áudios pontilhando o noticiário. Ao mesmo tempo, o que víamos, por exemplo, na votação da admissibilidade da acusação de crime de responsabilidade contra Dilma, na câmara dos deputados (em 17 de abril de 2016, um domingo), teve a virtude de dar a ver, de maneira talvez nunca vista antes, a realidade monstruosa do parlamento brasileiro4 4 Cf. o extraordinário Sessão (2017), em que o poeta Frankel transcreveu literalmente as falas dos deputados, tornando espacialmente visível a retórica que preside essas falas. . No centro de tudo isso, uma mulher. E pelas bordas, insinuandose na fronteira do quadro, a insurreição de extrema-direita.

Guilherme Wisnik e Raquel Rolnik, escrevendo sobre Democracia em vertigem de Petra Costa, afirmam com razão que Brasília é, quem sabe, o personagem central do documentário (Wisnik, Rolnik, 2019WISNIK, Guilherme; ROLNIK, Raquel. (2019). Brasília em vertigem. Disponível em: https://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2019/07/02/brasilia-em-vertigem/. Acesso em: 20 nov. 2023.
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). O lapso de Dilma, que se engana de romance de Kafka - pensa em O processo e fala de O castelo, em conversa filmada neste documentário, no interior de um carro, junto com o seu advogado, José Eduardo Cardozo -, parece dizer isso. Ela é Joseph K ou simplesmente K, protagonista dos dois romances de Kafka, aquele que é acusado de um crime que não cometeu, tema de O processo, título emblemático do documentário de Maria Augusta Ramos, que remete ao motivo da acusação de crime de responsabilidade que Dilma tampouco cometeu, mas o processo implica igualmente a espacialização vertical e incomunicável de O Castelo5 5 “No castelo é óbvio que o telefone funciona de forma perfeita; como me contaram, lá se telefona ininterruptamente, o que naturalmente acelera muito o trabalho. Esses telefonemas incessantes nós ouvimos nos telefones daqui como rumor e canto, sem dúvida o senhor também ouviu isso. Mas esse rumor e esse canto são a única coisa certa e confiável que os telefones daqui transmitem, tudo o mais é enganoso. Não existe nenhuma linha telefônica definida com o castelo, nenhuma central telefônica definida que encaminhe nossos chamados; quando daqui se chama alguém no castelo, tocam lá todos os aparelhos das seções subalternas, ou melhor, todos tocariam se a campainha não estivesse desligada em quase todos eles, como sei com certeza. Mas de vez em quando um funcionário extenuado tem a necessidade de se distrair um pouco - principalmente ao anoitecer ou durante a noite - e liga a campainha, aí então nós recebemos uma resposta, resposta no entanto que não é senão uma brincadeira.” Kafka (2008, p. 86). . A acusação de crime de responsabilidade contra Dilma será eventualmente arquivada, em um processo que restituiu com grande atraso algo da semelhança de justiça que durante o curso desses episódios não conseguíamos vislumbrar6 6 Em 25 ago. 2023, o TRF-1 arquivou a ação de improbidade administrativa referente às chamadas “pedaladas fiscais” contra Dilma, o motivo oficial da ação que levou ao impeachment. O arquivamento é uma medida processual, que não julga o mérito da questão, que aparentemente nunca de fato será julgada. A prova do dolo permanece em suspenso. O serviço da lei no Brasil é uma prática exclusivamente formal, sem nunca tocar na substância das causas. .

A referência kafkiana faz um Raio-X do drama parlamentar. É Kafka quem descreve por dentro o funcionamento de uma lei que “vigora mas não significa”, uma lei puramente formal, de “vigência sem significado”, segundo a poderosa síntese de Gershom Scholem em carta a Walter Benjamin, resgatada por Giorgio Agamben, em um célebre capítulo de Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I, “Forma da lei”7 7 A carta escrita por Scholem a Benjamin em 20 set. 1943 fala da lei em O Processo como um “nada da revelação”. O que temos ali é “um estágio em que ela [a lei] afirma ainda a si mesma pelo fato de que vigora [gilt], mas não significa [bedeutet]. Onde a riqueza do significado falha e o que aparece, reduzido, por assim dizer, ao ponto zero do próprio conteúdo, todavia não desaparece (e a Revelação é algo que aparece), lá emerge o nada.” Cf. Scholem (1989 apud Agamben, p. 58). Resume Agamben: “Por toda parte sobre a terra os homens vivem hoje sob o édito de banimento [bando] de uma lei e de uma tradição que se mantém unicamente como ‘ponto zero’ do seu conteúdo, incluindo-os em uma pura relação de abandono. Todas as sociedades e todas as culturas (não importa se democráticas ou totalitárias, conservadoras ou progressistas) entraram hoje em uma crise de legitimidade, em que a lei [...] vigora como puro ‘nada da Revelação’”. Cf. Agamben (2002, p. 59, tradução modificada). . A genealogia dessa “forma pura da lei” sem significado encontra em Kant a sua primeira formulação moderna: uma lei desmaterializada, esvaziada de todo conteúdo, a pura forma de uma legislação universal (Agamben, 2002, p. 59AGAMBEN, Giorgio. (2002). Homo sacer. o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG.).

É precisamente o que está em jogo no processo de Dilma, no qual os atos de acusação e de defesa remetem a um direito sem substância, atos, portanto, vazios, e, no entanto, perfeitamente obedientes à forma da lei. Já foi dito por inúmeros críticos que a obra de Kafka, em especial O processo e O castelo, descreve minuciosamente a experiência diante (e dentro) das infinitas máquinas administrativas das burocracias totalitárias do Estado moderno, uma lei vazia e sem justiça, de cujo interior somos excluídos, mas que se encontra em nosso interior (como diz a parábola “Diante da lei”), e uma administração verticalizada e inacessível que domina todos os gestos dos cidadãos. Poucas obras denotam com tal precisão o formalismo do sistema jurídico e político do aparato legal brasileiro. Não há tampouco acaso nenhum que tenha sido exatamente José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça e seu advogado de defesa no processo, aquele que geriu, em seu governo, a criminalização das manifestações de rua de junho de 2013, conclamando contra os “vândalos”, convocando a Guarda Nacional para combatê-los, e articulando a lei antiterrorismo, que será afinal sancionada por Lula, no seu único dia como Chefe da Casa Civil (Monteiro, 2023MONTEIRO, Lucas. (2023). A premência do transporte. In: Altman, Breno; Carlotto, Maria (orgs.), Junho de 2013: a rebelião fantasma. São Paulo: Boitempo, p. 27-35.). O “princípio vazio da forma da lei” é o mesmo que anula o próprio significado da política, ao proibir as manifestações populares de rua, taxando-as de violentas, e confinando a política ao modelo da representação parlamentar, a pura forma não-substancial da política.

Uma imagem está no centro de todos os documentários, dos noticiários e do debate na época: o plano filmado de drone da Esplanada dos Ministérios, com dois tapumes montados diante das duas cumbucas geométricas da Câmara dos Deputados e do Senado, com os manifestantes de esquerda e de direita divididos em duas massas distribuídas pelo gramado, cromaticamente divididas, entre tons de vermelho e verde-amarelo, que dá título ao primeiro documentário da série, O muro de Lula Buarque. A imagem organiza a ficção midiática, veiculada pelos noticiários, pelas redes sociais e pelas análises da época, de uma polarização simétrica esquerda/direita brasileira, ou então, de uma polarização de extremos - a extrema-direita e a extrema-esquerda, o petismo sendo identificado como extrema-esquerda (comunista, etc.)! A falsa polaridade opunha, na verdade, uma esquerda legalista, oriunda dos movimentos sociais ligados ao velho PT e aos sindicatos, em franca minoria no Congresso, que não tinha absolutamente nada de radical, a uma extrema-direita, com tons cada vez mais claramente insurrecionais, articulada ao estamento policial-militar, e setores conservadores do parlamento e do empresariado, como foi ficando cada vez mais claro a partir das reconstruções posteriores à invasão dos prédios dos três poderes em 8 de janeiro de 20238 8 Cf. Pinto (2024), em matéria no Brasil 247, narra a sequência de golpes, uns bem-sucedidos, outros não, iniciados pelo golpe (bem-sucedido) do impeachment de Dilma sem crime de responsabilidade, executados pela direita parlamentar, judiciária, em associação cada vez mais explícita com o aparato policial-militar. O fantasma da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), encorajado insistentemente por Bolsonaro ao longo de seu mandato, e pelo bolsonarismo no poder, dá o tom dessas insurreições que queriam instituir um estado de exceção militar no Brasil, repetindo o golpe civil-militar de 1964. Cf. Pinto (2024). . Era justamente a polícia e o exército quem geriam o espaço vazio entre os dois tapumes, administrando a tal simetria, e a separação entre a população dividida de manifestantes e o Congresso Nacional. Essa dupla margem torna visível, na imagem, o campo de atuação do aparelho de segurança apenas indiretamente visível nos documentários.

As diretoras Anna Muylaert e Lô Politi descrevem as dificuldades de filmar dentro do Palácio no qual uma presidente espera pacientemente a sentença final, gozando da aparência de regalias presidenciais, sem poder substancial, que dá o tom de uma legalidade suposta, inteiramente viciada, em um processo que percorre todos os caminhos determinados pela Constituição, para afinal chegar ao resultado já mais do que conhecido: o impedimento de uma presidente duas vezes eleita pelo voto popular. A demonstração tortuosa dos meandros desse processo escabroso foi tratada com alguma minúcia nos outros documentários, mas não em Alvorada. Dilma está deprimida, embora nunca admita isso: “eu não deprimo”, garante ela, “eu não me desequilibro”. A negativa equivale a um índice do indevassável da sua intimidade. Dilma de fato resiste, luta em sua própria defesa, com todos os meios disponíveis a ela pelo legalismo que modula as regras constitucionais que regem o seu julgamento. No início do filme, quando perguntada sobre o que está achando das filmagens e do trabalho da câmera, ela declara sinceramente que a acha excessiva e às vezes invasiva. A contradição entre a residência devassável e pública, onde não se pode discernir o que há de vida particular, parece confirmar a impressão do projeto arquitetônico da capital que veda a privacidade, estabelecendo uma publicidade aparente e monumental. As diretoras falam de uma divisão entre o segundo andar, em que se desenrola a vida particular da presidente, e o térreo, onde se dão as funções administrativas. Em Democracia em vertigem, vemos as roupas e pertences de Dilma sendo conduzidos a um caminhão de mudanças, e pôsteres da presidente sendo colocados em caixas de papelão.

Há uma cena que ocorre ao final de Alvorada, depois da votação do impeachment, que parece encaminhar um prolongamento filosófico-literário para o golpe que acabáramos de indiretamente testemunhar, visto através de telas de televisão espalhadas pelos cômodos do palácio por diversos de seus assessores ou funcionários do palácio. Essa cena é uma conversa sobre um tema de ética e filosofia: o mal. Dilma começa afirmando com convicção que não acredita no mal. “Eu não acredito no mal. Eu não consigo acreditar no mal”. Fala em seguida da banalidade do mal, de Hannah Arendt. Refere-se então a toda uma tradição literária de meditações sobre o mal: O paraíso perdido, de John Milton, O ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, de que ela lembra o refrão: “o diabo no meio da rua no redemunho”. Toda essa discussão sobre o diabo, continua Dilma, versa sobre o mal, mas não passa de uma criação, uma construção ficcional. Uma construção intrigante, mas uma construção.

Para explicar a sua tese, dá o exemplo preciso de um político, Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados à época pelo Rio de Janeiro, radialista e pastor evangélico, que teve um papel-chave no processo de impeachment, ao acatar a abertura do processo, como parte de uma chantagem que fizera à Dilma e ao PT, e presidir todo o processo na Câmara. O fato consolida o poder parlamentar do chamado “Centrão”, conglomerado amorfo e multipartidário de deputados fisiológicos, de que ele era o chefe consumado, que constitui um balcão de venda de apoio mediante extorsão de verbas do executivo, que continua funcionando a todo o vapor, em Lula.3, e aparentemente tornou-se intrínseco ao funcionamento da democracia brasileira, com a instituição de orçamentos privativos, que mantêm o executivo refém. Eduardo Cunha, explica ela, não é o mal, “ele é banal”, repercutindo o conceito arendtiano. Dilma se alonga sobre Milton, que imaginou, diz ela, a “queda” e a “expulsão” dos homens do paraíso. Milton conclui, na meditação inicial do poema, que satã “preferia ser um anjo caído do que continuar” no paraíso. Cito a paráfrase feita por ela: “Porque é uma meditação sobre porque eu me revolto. Porque eu não quero ser o primeiro submetido a um domínio, eu prefiro ser o último entre os grandes”9 9 Dilma, com impressionante memória literária, parafraseia os seguintes versos de O Paraíso perdido: “[...] Here at last/We shall be free; the almighty hath not built/Here for his envy, will not drive us hence:/Here we may reign secure, and in my choice/To reign is worth ambition though in hell:/Better to reign in hell, than serve in heaven” (Milton, 2005, p. 24-25). Faço aqui uma tradução rápida: “[...] Aqui pelo menos/Seremos livres; o todo-poderoso não construiu/Aqui, por sua inveja, não nos expulsará daqui:/Aqui reinaremos em segurança, e por minha escolha/Reinar no inferno vale a ambição:/Melhor reinar no inferno, do que servir no céu”. .

Entendamos o raciocínio complexo que se desdobra aqui. Dilma recusa a categoria de mal, considera-o uma brilhante ficção literária, de fundo religioso. Seu argumento é perfeitamente lúcido. Ela está ciente do drama que se desenvolve no proscênio e nas coxias do teatro jurídico que a tem como alvo, e faz dela a principal vítima sacrificial. No entanto, chama a atenção o fato de que, no mesmo momento em que Dilma está sendo objeto de um processo que só se sustenta pelo partidarismo antipetista, e da traição mais escancarada, a própria vítima parece alheia à dimensão maléfica do que sofre. Dilma suspeita do viés metafísico da questão. O mal é da mesma textura do diabo, a versão cristã, religiosa, do mal. Como toda a mitologia, é uma ficção. Materialista, economista, ex-guerrilheira, Dilma não acredita nessas coisas.

As diretoras têm perfeita consciência da relevância estrutural do que está sendo dito: o filme começa, ainda no transcurso dos créditos do filme, com a célebre fala de Jair Messias Bolsonaro em off, dedicando o seu voto a favor da admissibilidade da acusação contra Dilma ao Coronel Brilhante Ustra, o único torturador da ditadura civil-militar jamais processado por crime de tortura, que Bolsonaro apresenta como “o terror de Dilma Rousseff’, durante o circo macabro de horrores que foi a sessão de 17 de abril de 2016. A fala que constitui um crime de apologia à tortura corresponde, na prática, ao lançamento de sua campanha presidencial, e serviu retrospectivamente de prévia das declarações diárias durante os quatro anos de seu desgoverno. Ora, a fala é, em cada um dos seus elementos, uma representação acabada do mal na política, aquilo mesmo em que Dilma diz não acreditar. Essa representação do mal do fascismo contemporâneo, na perpetração de crimes em série, que em geral permanecem impunes, na pessoa de um de seus representantes mais conspícuos na política brasileira, rima com a sua denegação por Dilma. É preciso coragem para explicitamente afirmar as categorias consideradas arcaicas e “religiosas” de um velho maniqueísmo sem sentido, o bem e o mal, mesmo que para demonstrar o seu caráter inelutavelmente misturado, como o faremos adiante. É preciso coragem para afirmar que as práticas de política emancipatória, as políticas climáticas de redução de emissão de carbono, a recusa ao marco temporal para demarcação de terras indígenas e quilombolas, a interrupção do genocídio ameríndio, a mudança das atuais práticas de violência policial nas favelas e nas periferias, o aumento das liberdades e dos direitos coletivos e individuais de minorias são, sim, um bem, e que a versão brasileira do fascismo bolsonarista é um mal. Atada ao legalismo suicida da esquerda parlamentar, o mal consiste, de fato, na ruptura democrática, no movimento insurrecional, praticado extensivamente pela extrema-direita em gestos que o impeachment começa a esboçar. Mas como ele não existe, só resta à esquerda esperar o desdobramento do processo.

Há um ponto em que o equívoco fica particularmente claro: em nenhum momento Hannah Arendt, em seu livro sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém, em 1961, nega a existência do mal, ela dedica um livro à reflexão sobre ele, à gestão do aparato do extermínio nos campos de concentração e extermínio nazistas, na pessoa de um de seus administradores. Eichmann é uma figura do mal contemporâneo, ele é banal, mas isso não significa que não encarne o mal. E sobretudo não significa que o mal não exista, como afirma Dilma. Verdade que Arendt recusa explicitamente os tipos de “dramatizações” ficcionais que estou fazendo aqui, a que os documentários explicitamente remetem. Eichmann não era um lago, um Macbeth, um Ricardo III, escreve ela. Eichmann não correspondia à figura codificada pela literatura como má, porque lhe faltava a aura, a motivação do mal, grande tema ficcional, porque ele corresponde a um novo estatuto do mal, característico do funcionamento de um novo tipo de sociedade: o totalitarismo. A grande tese da defesa de Eichmann, segundo a qual ele não passava de uma “ruela” em uma cadeia de comando, obedecendo a ordens superiores, que ele não podia desobedecer, é rigorosamente desmontada por Arendt, mas constitui o arcabouço da retórica do sistema totalitário.

Arendt hesita em algum momento. Considera que a imensidão do crime nazista “ultrapassa e despedaça todo e qualquer sistema jurídico”, escreve ela ao seu antigo mestre, Karl Jaspers. No entanto, acaba concluindo que a única maneira de lidar com esse tipo de crime é por meio do sistema jurídico10 10 Um dos pontos cruciais do livro de Hannah Arendt é depor sobre as dificuldades e os vícios do processo montado contra Eichmann pelo estado israelense, sem que isso, no entanto, signifique o não reconhecimento de seus crimes. A grande questão para ela era a imensa dificuldade de julgá-lo, e a desproporção de qualquer pena com relação à imensidão dos crimes que perpetrou. “Os crimes nazistas [...] explodem os limites do direito, e isso é precisamente o que constitui sua monstruosidade”, escreve Arendt a Karl Jaspers. (Arendt, 1977 apud Felman, 2014, p. 194) O argumento conduz à noção de crimes contra a humanidade. Em um pequeno trecho do Pós-escrito, ela se explica sobre a noção de banalidade do mal. Ao contrário de minha tese, ela recusa a associação de Eichmann a uma sequência de célebres protagonistas maléficos shakespearianos. Seu objetivo é evidentemente purificar o horror nazista de qualquer contaminação poética, mitológica ou artística, todo o contrário do meu propósito aqui: “quando falo da banalidade do mal, faço-o apenas ao nível estritamente factual, apontando para um fenômeno que se escancarava no julgamento. Eichmann não era um lago, não era Macbeth, e nada estaria mais longe de sua cabeça do que decidir como Ricardo III que ‘ele mostrou ser um vilão’. Exceto pela extraordinária diligência na procura de seu avanço pessoal, ele não tinha nenhum motivo para fazer o que fez. E a sua diligência em si não era de maneira nenhuma criminosa; ele certamente não teria assassinado um superior para herdar-lhe a posição. Ele simplesmente, para colocar as coisas em termos coloquiais, nunca percebeu o que estava fazendo. [...] [Arendt parafraseia os clichés utilizados por Eichmann, destinados a fazê-lo se sentir melhor, grande tema do livro, que fala da banalidade do jargão nazista.] Ele não era estúpido. Foi apenas uma absoluta distração [thoughtlessness] - algo de maneira nenhuma idêntico à estupidez - que o predispôs a ser um dos maiores criminosos do período” (Arendt, 1977, p. 287-288). O objetivo aqui é claramente “desmitologizar” o horror nazista, recusar todas as formas de mitologia artística, a “grandiosidade satânica”, o “elemento demoníaco” de Hitler, por exemplo. Shohana Felman encontra a gênese da noção de banalidade do mal na correspondência de Arendt com Karl Jaspers (cf. Felman, 2014, p. 194-195). . Para fazer isso, precisa erradicar do nazismo todo e qualquer vestígio de dramatização artística.

Mas como estamos longe de Eduardo Cunha! O exemplo de Dilma repousa sobre uma pequena vingança “teórica”, ao associar o seu principal algoz ao mal radical nazista, forma que tomou, na história do século XX, o paradigma moral do mal, que vem, desde então, suscitando toda a sorte de equívocos comparativos11 11 No momento em que escrevo esse artigo, o governo de Israel intensifica, na faixa de Gaza, sob o pretexto de uma guerra contra o Hamas, e sob os olhos do mundo, uma política de extermínio de décadas aplicada à população palestina que divide com israelenses o território de Israel. Ainda aqui, o recurso comparativo ao extermínio nazista não ajuda, e as diferenças saltam aos olhos. Ambos constituem projetos genocidas, mas muito distintos. O genocídio palestino é característico do “colonialismo de povoamento”, é um genocídio colonial, que se assemelha mais ao realizado pelas potências europeias dos povos originários. O genocídio nazista tem uma peculiaridade: é produzido por europeus e tem por objetos também europeus. O fato de o holocausto judaico ser o “paradigma não paradigmático”, o “referente não qualificado” de todos os genocídios, obscurece e não ajuda a entender os outros genocídios, inclusive o palestino. Wolfe (2006, p. 402). . Certamente será preciso ainda algum tempo para acabar, ou pelo menos limitar, a patologia parlamentar endêmica no sistema político brasileiro representada pela instituição do “Centrão”, se é que algum dia conseguiremos (cf. Nobre, 2013NOBRE, Marcos. (2013). Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma. São Paulo: Companhia das Letras.). O problema, me parece, é que o instituto é intrínseco ao próprio modelo da democracia brasileira.

As coisas se complicam ainda mais quando Dilma se detém longamente sobre o satã de Milton. Aqui claramente ela se identifica com a figura do mal. Observemos que sutilmente a paráfrase se desloca para a primeira pessoa. Milton faz uma meditação sobre “porque eu me revolto”, diz Dilma. É a ex-guerrilheira da VAR-Palmares que está falando, a presidente que ousou mexer no dogma da taxa de juros durante o seu segundo mandato, tocando no plano de conciliação lulista e na base da política financeira do capitalismo brasileiro recente, o que rapidamente levaria à dissolução de sua base de apoio empresarial, que migraria para Michel Temer e depois para Jair Bolsonaro. Dilma afirma a revolta de Satã, a recusa de estar sob o domínio da autoridade. Paráfrase do célebre verso de O Paraíso perdido, “Melhor reinar no inferno, do que servir no céu”12 12 “Better to reign in hell, than serve in heaven” (Milton, 2005, p. 25). .

Ou seja: Dilma afirma não acreditar no mal. Sendo o mal uma questão de crença, o fato de acreditar ou não acreditar nele pertencente ao campo da espiritualidade metafísica e da religião, em suma, da ficção ou da literatura. Dilma é, de fato, arendtiana ao recusar o poder descritivo da arte em fornecer ferramentas de sentido para a compreensão da política. E, no entanto, é uma ficção jurídica que a condena por crime de responsabilidade. Esse descrédito se explica de várias maneiras: segundo a lógica metafísica que preside o julgamento neopetencostal do lulismo - vide as falas, na época, da bancada evangélica ou da coautora da peça acusatória, Janaina Paschoal, que associa Dilma e o governo do PT a uma cobra que criou asas que precisam ser cortadas -, ela era parte da coligação do mal. Como mulher, militante de esquerda, numa época em que o partido comunista era ilegal, perseguida, torturada, ela conhece intimamente o mal, ao qual era identificada. Ela era o mal. Portanto, recusar a categoria de mal, nesse caso, corresponde a recusar o veredito conservador, da política de Segurança Nacional, que a tornou uma inimiga pública, sancionou sua prisão e tortura, e o assassinato de tantos militantes, envolvidos ou não na guerrilha, durante a ditadura civil-militar brasileira13 13 Cf. a conversa “informal” entre Dilma Roussef e Marília Andrade, a mãe de Petra Costa, herdeira da Construtora Andrade Gutierrez, militante do PC do B durante a ditadura de 1964-1985 - que, como Dilma, ficou na clandestinidade por alguns anos -, na qual Dilma confidencia o intenso prazer do anonimato que sentia quando estava na clandestinidade. Tal fato chama a atenção em uma figura pública que chegou a ocupar a presidência do Brasil por mais de um mandato. . O mal, portanto, para ela, não existe, não poderia existir, disso depende a compreensão autobiográfica da ex-guerrrilheira que foi identificada a ele pela ditadura, e por isso passou três anos na prisão no presídio Tiradentes. Esse o tema de A torre das donzelas. Trata-se em suma de uma ficção literária e política de fundo religioso. Nada mais. No entanto, o que lhe ocorreu está ali para comprovar o poder dessa ficção.

Ao projetar o próprio destino sobre a rebelião luciferina, sua ousadia e queda, Dilma fornece cifradamente uma explicação para sua queda. O inconformismo demonstrado pelo seu desrespeito às regras da política conciliatória adotada por Lula e pelo petismo integrado como partido no poder pode ser explicado pelo gesto luciferino. Mas algo mais é revelado por essa projeção denegada. Ao mesmo tempo, Dilma parece apontar para uma relação entre mal e insurreição, aquela mesma que ela uma vez praticou, e que deixou de existir quando ela e toda a esquerda institucional brasileira e mundial abandonaram a perspectiva insurrecional14 14 Vladimir Safatle desenvolve essa hipótese em muitos lugares, a exemplo de Safatle (2023). . A metafísica do mal corresponde a uma metafísica antissistema, jogada para fora do jogo da representação parlamentar. O que temos doravante é única e exclusivamente a física da gestão do poder. Generalizemos a meditação de Dilma: só resta à esquerda a desconstrução da metafísica do mal, que corre paralela ao desaparecimento da ideia de revolução, desde o “esboroamento do marxismo revolucionário” (Badiou, 1995, p. 19BADIOU, Alain. (1995). Ética: um ensaio sobre a consciência do mal. Tradução de Antônio Trânsito e Ari Roitman. Rio de Janeiro: Relume Dumará.)15 15 Cito aqui uma frase do Ética: um ensaio obre a consciência do mal, de Alain Badiou, a quem esse ensaio deve bastante. . Ao passar ao jogo democrático, sendo inteiramente absorvida pela representação parlamentar, abdicando da militância de rua e da perspectiva insurrecional, a esquerda brasileira, tal qual representada pelos anos do PT no poder, se tornou radicalmente legalista. Engolida por esse mesmo legalismo, ela sucumbe. Não há saída, porque ela perdeu o contato com o seu sentido histórico de partido de massas, com um projeto emancipatório de transformação radical da sociedade.

Tanto o jurista comprometido com o nazismo Carl Schmitt quanto a filósofa política Hannah Arendt observaram a analogia entre a teologia e a teoria do estado moderno. É de Schmitt a fórmula arquiconhecida: “Todos os conceitos significativos da moderna teoria do estado são conceitos teológicos secularizados” (Schmitt, 2005SCHMITT, Carl. (2005). Political Theology: Four Chapters on the Concept of Sovereignty. Translated by George Schwab. Chicago: The University of Chicago Press.). A exceção à constituição, continua Schmitt, corresponde ao milagre na teologia. A vitória em escala mundial do moderno Estado constitucional corresponde ao teísmo, escreve ainda Schmitt, isto é, “uma teologia e uma metafísica que baniram o milagre”, ou seja, a “intervenção direta” no mundo da política moderna. O constitucionalismo consiste na amputação dessa intervenção direta. É essa mesma secularização que, segundo Hannah Arendt, emancipa o poder secular da autoridade da Igreja (Arendt, 1990, p. 127ARENDT, Hannah. (1990). Da revolução. 2a. Ed. Tradução de Fernando Dídimo Vieira. São Paulo; Brasília: Editora Ática; Editora da UnB.). As revoluções correspondem a esses momentos em que uma soberania absoluta, de fonte transcendente e sobrenatural, apareceu como uma realidade terrena. Um acontecimento sempre equivalente ao “o verbo se fizera carne” do Novo Testamento (Arendt, 1990, p. 128ARENDT, Hannah. (1990). Da revolução. 2a. Ed. Tradução de Fernando Dídimo Vieira. São Paulo; Brasília: Editora Ática; Editora da UnB.).

Parece-me que o problema do mal corresponde precisamente a isso que Schmitt chama de “intervenção direta”, ou Arendt, o acontecimento absoluto na vida política. Tanto a aparição do bem, sob a forma do milagre, quanto o mal, sob a forma da catástrofe luciferina, são variações dela. Isso mesmo que, em algum momento, a filosofia chamou de revolução, em sua versão de esquerda, ou ditadura, em sua versão de direita. A ascensão em escala mundial da extrema-direita trouxe de novo o espectro da intervenção direta enquanto discurso maciçamente teológico-político. E a esquerda, uma vez eliminada a revolução do seu quadro conceituai, se confinou à posição reativa de defensora do estado democrático de direito.

Vejo um sintoma disso no eventual banimento de qualquer vestígio de uma representação minimamente positiva da questão do ativismo, hoje em dia monopolizado pela extrema-direita. Ativismo, em qualquer lugar em que o conceito apareça, é visto como um suplemento indesejado ao verdadeiro trabalho, que deve se fazer fora de qualquer recurso a qualquer forma de ativismo, entendido como suspeito, apaixonado, ideológico. Todo ativismo é uma espécie de “intervenção direta”. Um livro relevante de análise conjuntural sobre a ascensão do bolsonarismo, realizado na primeira hora, Guerra Cultural e Retórica do ódio, de João Cezar de Castro Rocha (2021)ROCHA, João Cezar de Castro. (2021). Guerra Cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. Goiânia: Caminhos., que contém análises utilíssimas da retórica da extrema-direita, e que faz um Raio X competente do neofascismo brasileiro, parte de uma definição inteiramente negativa de ativismo, entendido como aquilo que “nega o sistema político como um todo, embora situe a política como autêntica obsessão do dia à dia brasileiro”. No diagnóstico que faz João Cezar da ascensão do fascismo brasileiro, ele identifica dois ativismos: o judicial, representado na época pela república dos procuradores de Curitiba; e o digital, representado pelo que posteriormente se denominará o gabinete do ódio, e os robôs de emissão em massa de mensagens em redes sociais (Rocha, 2021, p. 23ROCHA, João Cezar de Castro. (2021). Guerra Cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. Goiânia: Caminhos.). Desapareceu inteiramente do mapa de opções razoáveis da política, pelo menos naquele momento, qualquer hipótese de ativismo de esquerda. João Cezar parte de uma leitura consensual inteiramente negativa das jornadas de junho de 2013, com a qual o autor não concorda, como o ovo da serpente e o despertar de um ativismo de direita (“o gigante acordou”) que nos levaria, quase sem paradas, cinco anos depois, a Jair Messias Bolsonaro.

A tese bastante respeitável, e estrategicamente necessária, que aparece aqui, é que a política deve ser entendida como mediação, e o recurso à democracia direta, defendida pela retórica das redes bolsonaristas, na verdade aparelhada pelo exército, pela polícia e pelos bots, consiste no enterro puro e simples da própria democracia. Este é o diagnóstico da noção de pós-política, que aparece no subtítulo do livro de João Cezar, e em praticamente todas as análises da conjuntura política posteriores à ascensão de Bolsonaro. A defesa retórica da democracia direta é um argumento da ditadura. A política deve ser entendida como domínio estrito das mediações e da representação.

Enquanto a esquerda se torna legalista, constitucionalista, isto é, teísta, seguindo a analogia de Schmitt, do outro lado do espectro político a direita se locupleta de metafísica religiosa, como o demonstram claramente as derivas neopentecostais que proliferam no Brasil, que se tornará, em 2030, um país de maioria evangélica, apropriando-se também, ato contínuo, do ativismo anti-institucional e do próprio conceito de revolução. A partir daqui o que teremos é uma expansão do gesto contrarrevolucionário da extrema-direita, em larga escala, e uma diminuição vertiginosa do espaço ocupado pela esquerda partidária institucional. Sinalizo uma inflexão atual da questão (Safatle, 2023, p. 108SAFATLE, Vladimir. (2023). O dia e que o Brasil parou por dez anos. In: Altman, Breno; Carlotto, Maria (orgs.), Junho de 2013: a rebelião fantasma. São Paulo: Boitempo, p. 97-110.). Enquanto Dilma nega a existência do mal, o mal e suas múltiplas faces diabólicas, demoníacas, nunca esteve tão em voga quanto agora, nunca se falou tanto, se tratou tão insistentemente do mal, quanto agora, na boca dos pastores neopentecostais que assumiram um lugar proeminente na política brasileira, repercutindo modelos importados dos Estados Unidos, onde se encontra a base de muitos desses cultos16 16 Sobre tudo isso, e a recuperação bolsonarista da “mística” na política, ver o estudo de Lago (2022). .

Nos últimos trinta anos, assistimos a uma inflamação estarrecedora de imagens do demônio, associados a tudo o que antes era identificado a políticas progressistas. São identificados ao demônio pela extrema-direita: os homossexuais, as pessoas transando, as mulheres, as religiões de matriz africana, etc.

Enquanto a extrema-direita soube criar uma poderosa metafísica de grande apelo popular, veiculada em eficientíssimas redes sociais, não controladas e que não hesitam em espalhar fake news, o que tem a esquerda? A esquerda abandonou completamente a metafísica. Identifico um ponto de inflexão dessa virada: a excomunhão, protagonizada pelo próprio Joseph Ratzinger (Bento XVI), da prática da teologia da libertação, a grande matriz reflexiva católica da esquerda latino-americana (as comunidades eclesiais de base, as pastorais da terra, da juventude, carcerária, etc.), levada a efeito na pessoa de um de seus maiores teólogos brasileiros, Leonardo Boff, durante o papado de Wojtyla (João Paulo II). É conhecida a punição de “silêncio obsequioso” perante o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, nome atual da Inquisição, conferida por Ratzinger, tendo como objeto o livro de Boff, Igreja, carisma e poder, em 07 set. 1984. Em 1992, novas medidas disciplinares forçaram Boffa deixar a ordem franciscana, fazendo-o eventualmente renunciar ao sacerdócio. O que determina o abandono em massa do campo de ação da militância religiosa da esquerda católica que tinha um papel extremamente relevante desde os anos 1950, deixando o campo absolutamente desimpedido para a extrema-direita neopentecostal17 17 Em entrevista, Leonardo Boff (2023) relembra aquele momento: “Para nós, teólogos latino-americanos, foi uma grande ferida que dezenas de teólogos de todo o continente tenham sido proibidos de produzir uma série de 53 volumes, intitulada Teologia da Libertação, como auxílio para estudantes, comunidades de base e agentes pastorais comprometidos na perspectiva dos pobres. Estava claro que ele não queria saber de uma teologia elaborada a partir das periferias. Para os pobres foi um escândalo, para nós teólogos, apoiados por centenas de bispos, uma humilhação.” .

A socióloga Cecília Loreto Mariz, especialista em sociologia da religião, me explica que a expansão vertiginosa da doutrina evangélica no Brasil está ligada também ao fato de que essa religião se revelou mais receptiva às necessidades individuais modernas, podendo assistir aos problemas pessoais e familiares (sexualidade, violência doméstica, drogas, alcoolismo), pautas que o projeto essencialmente coletivista das pastorais não consegue acessar. Isso sem falar na caixa preta que é a sexualidade e o aborto para a igreja católica. De acordo com a comunicação que Cecília Loreto Mariz fez-me pessoalmente, ao final, a “teologia da prosperidade” é muito mais capilarizada e múltipla, o que a torna mais habilitada a levar adiante as pautas da esquerda contemporânea (gênero, homossexualidades, aborto, feminismo).

Continuemos essa meditação, para usar o termo de Dilma, sobre o mal. Parto de duas atualizações contemporâneas de José Miguel Wisnik sobre Grande Sertão: Veredas, um dos livros mencionados por ela, na série literária de construções ficcionais da figura do mal, seguindo o mesmo “método de dramatização” a que venho me referindo até aqui. Minha posição vai no sentido contrário ao de Dilma, e consiste em radicalizar a relevância da ficção para o entendimento da política. Zé Miguel faz duas dramatizações de Grande Sertão: uma do mal e outra do bem na política atual brasileira. Adoto propositalmente essa fórmula rigorosamente maniqueísta, para depois desfazê-la. A atualização pressupõe uma metodologia selvagem, que encontra na dramaturgia de Zé Celso Martinez Corrêa, a partir da releitura de O rei da vela, de Oswald de Andrade (em 1967), a sua régua e o seu compasso. Em um texto de 2022, em pleno desgoverno de Bolsonaro, Zé Miguel aponta o singular “retorno atual de estruturas conhecidas e reconhecidamente ‘arcaicas’ como é o caso do mandonismo patriarcal e seu braço armado, a jagunçagem” na política atual brasileira, sob a figura da milícia agora digital transformada em estilo de governo: a lei da vingança, e da prerrogativa dos poderosos em sua faina destruidora, o desmanche de todas as estruturas de representação como projeto do desgoverno (Wisnik, 2022WISNIK, José Miguel. (2022). Entrevista. In: Rocha, João Cezar de Castro (org.), Tudo por um triz: Civilização ou barbárie, I. Rio de Janeiro: Kotier editorial.). A “jagunçagem bolsonarizada”, seguindo a hipótese de Zé Miguel, corresponde ao modelo de prática não-política consagrado pela extrema-direita mundial e brasileira. Em outras palavras, trata-se do próprio modelo de ação insurrecional de ruptura democrática que começava a mostrar ali o seu rosto.

Em janeiro de 2023, nova “atualização” de Grande Sertão: Veredas, agora como historicização do bem. Zé Miguel, numa homenagem ao rei Pelé, que havia acabado de morrer, escreve que a subida da rampa presidencial na posse de Luís Inácio Lula da Silva, acompanhado de oito representantes de grupos sociais, lembra “longinquamente” o cortejo que acompanha Riobaldo recém-empossado na chefia, composto “do menino negro Guirigó, do sábio Borromeu e de outros deserdados”. Com Lula estavam: Francisco, uma criança preta da periferia de S. Paulo; Aline Sousa, uma catadora de materiais recicláveis; o cacique Raoni Metuknire; o metalúrgico Weslley Rocha; o professor de Letras Murilo de Quadros; a cozinheira Jucimara Fausto; o ativista anticapacitista Ivan Baron; o artesão Flávio Pereira, além da cadelinha Resistência (Patriolino, 2023PATRIOLINO, Luana. (2023). Veja quem são os representantes do povo brasileiro que subiram a rampa com Lula. Correio Braziliense. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/01/5063027-veja-quem-sao-os-representantes-do-povo-brasileiro-que-subiram-a-rampa-com-lula.html. Acesso em: 20 nov. 2023.
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). Em jogo estava “um precário desígnio de justiça”, explica ainda Zé Miguel.

Soa estranha uma hipótese como esta, quando nos lembramos do aforisma por onde começa “Aletria e hermenêutica”, o Prefácio de Tutameia, de João Guimarães Rosa: “A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História” (Rosa, 2009, p. 29ROSA, João Guimarães. (2009). Aletria e hermenêutica. In: Rosa, João Guimarães, Tutameia. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editor Nova Fronteira, 2009, p. 29-40.). Mas como estamos vendo nesse ensaio, é no espaço entre a história e um refúgio dela que a ficção modula o presente. Alguém já disse que Grande Sertão: Veredas contém a virtualidade de toda a história do Brasil. Seria preciso ainda demonstrar essa hipótese. Não estaríamos muito longe, de fato, da verdade da “grande política” brasileira, entendida como sequência denegada de guerras e disputas internas entre jagunços. A classe política brasileira deriva, sem grande exagero, direta ou indiretamente, de famílias poderosas e seus exércitos particulares, hoje transformados em milícias digitais e comunicacionais. É o que foi abundantemente explicitado pelas falas dos deputados federais na já mencionada sessão de votação pela admissibilidade da acusação contra Dilma em abril de 2016. Por outro lado, a posse de Lula contém o lampejo de invenção de um rito, em substituição ao rito oficial das transições presidenciais, pela recusa de Bolsonaro, na época fora do Brasil, de passar a faixa presidencial a Lula, no qual desponta uma genuína fulguração de justiça na história brasileira.

Essas duas “atualizações” de Grande Sertão: Veredas são dramatizações parciais do texto de Guimarães Rosa, que exploram uma virtualidade figurativa contida na relação com a história do presente que se encontra como que em reserva no romance. O método vem do xará, Zé Celso, desde a leitura “situada” de O rei da vela, de Oswald de Andrade, uma peça praticamente esquecida, nunca montada, dos anos 1930 (escrita em 1933 e publicada em 1937), e encenada pela primeira vez trinta e quatro anos depois, em 1967, pelo Teatro Oficina, em plena ditadura civil-militar brasileira. Zé Celso coloca o drama oswaldiano no centro do debate da cultura da época. A encenação de Oswald repousa sobre um paradoxo: um teatro revolucionário para falar de uma nãorevolução, isto é, da contrarrevolução ditatorial brasileira. A dramatização parte de uma tese sobre a não-história brasileira: “O Brasil é um país sem história”, diz Zé Celso (Corrêa, 1998, p. 89CORRÊA, Zé Celso Martinez. (1998). Primeiro Ato: Cadernos, Depoimentos, Entrevistas (1958-1974). São Paulo: Editora 34.). Oswald tem absoluta consciência dos entraves ao processo histórico brasileiro, já que de fato não temos uma História (escrita com “H” maiúsculo), “História não há”, diz ele, temos um “substitutivo de História”, um cadáver histórico de que emana fedor, temos sim uma “representação da história” (itálico meu). O estatuto da cena oswaldiana pensa a própria história brasileira como teatro, montagem de citações achincalhadas, representando a mesma peça, agora “com plumas”, de nossa “chacriníssima realidade nacional” (Corrêa, 1998, p. 86CORRÊA, Zé Celso Martinez. (1998). Primeiro Ato: Cadernos, Depoimentos, Entrevistas (1958-1974). São Paulo: Editora 34.). A eficácia política desse teatro, sua violência, em ruptura com “uma tradição do teatro brasileiro”, consiste em uma releitura “enxertada” do contexto atual18 18 “Eu me permiti, na direção, a mesma liberdade que Oswald se deu quando ‘leu’ e interpretou o Brasil de seu tempo. Reli o texto de Oswald como uma manifestação da realidade que me circunda e enxertei todo o contexto que a envolve, como eu o apreendo.” (Corrêa, 1998, p. 106). . São famosas suas convocações de Jânio Quadros ou Sílvio Santos para desempenhar papéis no Oficina, ou sua “interpretação” do Penteu de As Bacantes de Euripides, como o “personagem mais contemporâneo da peça”, ao figurar o fascismo brasileiro e global, no momento do governo Michel Temer, em 201619 19 “Com a ascensão do fascismo e da direita em escala global, Penteu é a personagem mais contemporânea da peça. Ele está presente na cabeça dominante do golpe no Brasil, herança de nosso legado racista, patriarcal, escravocrata e sexista, que tem na propriedade privada a legitimação de genocídios; é o discurso de hategroups que não conseguem contracenar com as diferenças; é a cara nova, do privatizante e ‘apolítico’ projeto neoliberal” (Corrêa, 2016). . Em Zé Celso é a própria política que é vista como teatro, cabendo à cena teatral citá-la, ou repeti-la, em uma montagem ao mesmo tempo vexaminosa e rigorosa que misture, da maneira mais eficaz possível, o que está dito nela, como maneira de nela intervir. Isso é o que venho chamando de “dramatização”.

Uma leitura da história do Brasil enxertada no agora (ou vice-versa), que relesse Grande Sertão: Veredas, deve partir de uma tese sobre a história profunda, distinta da história factual, nacional ou representativa, deve partir da postulação de uma “nuvem não-histórica”, que não se confunde com a efetuação de um estado de coisas, mas abre a possibilidade de um acontecimento na política, que se encontra em um lugar não específico, que pode se situar no futuro20 20 Trata-se da leitura de Gilles Deleuze da Segunda consideração intempestiva de Friedrich Nietzsche. A frase de Deleuze: “É Nietzsche quem dizia que nada de importante se faz sem uma ‘nuvem não histórica’”. Cf. Deleuze (1990, p. 230). Deleuze elabora uma hipótese de Jean Wahl, que parte da oposição nietzschiana (e heideggeriana) entre história (Historie) e história profunda (Geschichte). Cf. Wahl (1961, p. 439). .

Zé Celso falava do Brasil como um país sem história. A provocação de 1967 se sustenta hoje. Retenhamos dessa afirmação a hipótese de que a ficção trabalha com uma “história profunda” (Willi Bolle cita a arqui-história, a Urgeschichte de Walter Benjamin, cf. Bolle, 2004, p. 145), ou quem sabe o caráter contra-histórico da estória, segundo o aforisma roseano de “Aletria e hermenêutica”. O método de dramatização afirmará algo assim.

Em todo o caso, uma releitura contemporânea de Grande sertão: veredas não deixará de encarar a centralidade da questão de gênero. Como primeiro romance trans da literatura brasileira, se entendermos que Diadorim é um protagonista transexual masculino, como afirmou Alexandre Nodari (Nodari, 2018NODARI, Alexandre André. (2018). A (outra) gente: multiplicidade e interlocução no Grande-Sertão: Veredas. O Eixo e a Roda, Belo Horizonte, v. 27, n. 3, 2018, p. 29-61.). Toda essa discussão será revista hoje pela professora travesti, feminista, Amara Moira, identificando um sintoma na fortuna crítica do romance: a recusa sistemática da transgeneridade de Diadorim (Moira, 2022MOIRA, Amara. (2022). Diadorim homem até o fim (Releituras transviadas do Grande Sertão). In: Locatelli Taufer, Adauto; Cunha, Andrei dos Santos; Zitto, Bruno Costa (orgs.), Diálogos transdisciplinares: ciências humanas, cultura, tecnologia. Porto Alegre: Class, p. 55-66.). É o próprio romance que é “trans-gênero”, ainda segundo Nodari, não só por atravessar os gêneros mais diversos, “a épica, a história de amor, os romances de cavalaria, o faroeste, os causos anedóticos, a casuística medieval sobre a existência do Diabo, o testemunho, as narrativas orais, etc”, mas também, “o natural e o sobre-natural, o humano e o divino e diabólico, o logos e o mythos, a história e a estória”. Nodari dá em seguida o exemplo do “bezerro branco, erroso, os olhos [...] com máscara de cachorro”, a figura do demônio, por onde o romance se inicia. Esse, o motivo do mal, que está no centro do romance e desse ensaio, como figura monstruosa da mistura transespecífica, ao mesmo tempo animal e humana, metafísica e física.

Zé Miguel estabelece com cuidado uma analogia direta com acontecimentos recentes, nessa instalação “no coração do poder” dos Hermógenes, como dirá o romance, transformando em coletivo o nome próprio do jagunço. De que são exemplos as mortes em números extraordinários da Covid, um décimo dos mortos do mundo, de que Bolsonaro em sua campanha negacionista é inegavelmente em parte responsável, o assassinato da vereadora negra, lésbica, Marielle Franco, que ocorre ainda antes de ele ser eleito à presidência, mas que prefigura o que viria em breve acontecer, e tantos outros assassinatos, como o assassinato duplo de Bruno Pereira e Don Philips. Exemplos são ainda as incursões periódicas da polícia nos morros e favelas cariocas, para ficar nos casos mais escandalosos (Wisnik, 2022WISNIK, José Miguel. (2022). Entrevista. In: Rocha, João Cezar de Castro (org.), Tudo por um triz: Civilização ou barbárie, I. Rio de Janeiro: Kotier editorial.).

Um acontecimento central no romance é o episódio do julgamento de Zé Bebelo, quando se testemunha a fundação de uma ordem jurídica no mundo sem lei do sertão. O inimigo capturado é respeitado, dá-se voz aos jagunços, num esboço, a meu ver, de democracia direta, recusa-se o justiçamento, defendido por uma parte dos jagunços, sobretudo por Hermógenes e Ricardão, os dois “segundos” do grande chefe, que permanecem aferrados à prática da violência, e que em seguida o assassinarão.

Façamos ainda uma última atualização selvagem de Grande Sertão: Veredas: uma releitura do romance hoje poderia fundir o assassinato de Joca Ramiro mesclado à morte do homem trans Diadorim, como emblema da transfobia brasileira, no de Marielle Franco, em um processo policial-judicial encruado a perder de vista, mas seguramente ordenado pelo dispositivo miliciano carioca e nacional. Uma outra versão atualizada da jagunçagem.

A fundação da justiça, centrada no instituto do tribunal jagunço, se dá sob a soberania do chefe messiânico Joca Ramiro, instaurando um breve parêntesis na guerra sertaneja. Debrucemo-nos brevemente sobre esse julgamento. Para Willi Bolle, o julgamento na Fazenda Sempre-Verde é um “acontecimento isolado”, sem consequências (Bolle, 2004, p. 166BOLLE, Willi. (2004). Grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34.). Para ele, o acontecimento central do romance é o pacto diabólico, entendido “como forma mítica popular de codificar a questão do poder e da lei” (Bolle, 2004, p. 144BOLLE, Willi. (2004). Grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34.), que alegoriza a constituição do narrador que ascende a latifundiário e “dono do poder”, além de mestre da linguagem luciferina, ao revelar o verdadeiro referente do romance, o problema social.

Já Heloísa Starling aposta na “frágil força messiânica” de Joca Ramiro, que reatualiza o ato fundacional da lei, como instância pública, ao “realizar algo maior e mais importante do que a guerra”. Joca Ramiro investe no ato de reciprocidade como “disposição dos homens para ingressarem em uma outra cena”, que associa “a ideia de justiça ao esforço de construção pública da igualdade” (Starling, 1999, p. 91, 93, 100, 103STARLING, Heloisa. (1999). Lembranças do Brasil: Teoria, Política, História e Ficção em Grande sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Revan; UCAM; IUPERJ.).

Para Ettore Finazzi Agrò, seguindo a hipótese de Heloísa Starling, o tribunal instaurado por Joca Ramiro “parece querer retornar à raiz do dispositivo jurídico, cancelando o costume arcaico que previa apenas a morte do inimigo capturado em uma batalha”. Retoma-se assim a antiga noção de vingança, que vem de vim dicere, nos explica Ettore, “dizer ou mostrar a força”, que leva ao iudicium, isto é, “dizer ou mostrar (dicare) a lei”. O tribunal jagunço modula o “julgar” e o “vingar”, que tem a mesma origem, vim dicare. O que temos aqui, então, é “uma vindicatio retórica que abole a vingança violenta”, configurando o abandono da lei antiga e a entrada em uma nova dimensão da legitimidade, uma passagem em suma do arcaico ao moderno (Finazzi Agrò, [s.d.]FINAZZI AGRÒ, Ettore. ([s.d.]). “Sì, vendetta, tremenda vendetta! Risentimento, rabbia e azione punitiva nel sertão e em toda parte” (manuscrito).). Em comum a todas essas hipóteses é a ideia de que o tribunal representa o instituto da modernidade, produzindo uma figura da lei.

De minha parte, formulo a hipótese de que o que se instaura nessa sequência magnífica, em que se reúnem por volta de quinhentos jagunços em um grande círculo, corresponde não à fundação do direito como constituição do Estado, mas a algo que a filosofia política chamou de “democracia direta”, por oposição à democracia representativa21 21 Na definição de Castoriadis: “a democracia direta foi redescoberta ou reinventada na história moderna cada vez que uma coletividade política entrou em um processo de autoconstituição e autoatividade radical: town meetings durante a Revolução Americana, sections durante a Revolução Francesa, a comuna de Paris, os conselhos de trabalhadores, ou os soviets na sua forma original” (Castoriadis, 1997, p. 275). . Formulo uma pergunta a modo de provocação pedindo perdão, de antemão, pela rapidez com que vou concluir esse ensaio: e se lêssemos Grande Sertão: Veredas não mais como alegoria da formação nacional estatal, e sim como uma fábula autonomista de práticas de guerra primitiva? E se tivéssemos aqui um tipo específico de guerra de vingança, situada no campo do sertão brasileiro, distinta da guerra primitiva ameríndia, mas configurando uma forma bem sua de “imanência do inimigo”, em que o inimigo, i.e., o outro, tem uma função essencial na própria constituição social22 22 Cito aqui um trecho da célebre análise de Eduardo Viveiros de Castro sobre o exocanibalismo tupinambá: “A religião tupinambá, radicada no complexo do exocanibalismo guerreio, projetava uma forma onde o socius constituía-se na relação ao outro, onde a incorporação do outro dependia de um sair de si - o exterior estava em processo incessante de interiorização, e o interior não era mais que um movimento para fora” (Viveiros de Castro, 2002, p. 220). ?

Uma tal hipótese explicaria, quem sabe, por exemplo, o fato de que a instauração do tribunal no romance seja um simples parêntesis (mas central!) na guerra, que retorna com força até o final, e que vai incluir a guerra contra os bandos dos pactários Hermógenes e Ricardão, além do pacto do próprio Riobaldo, como tática exigida para alcançar a vitória final contra Hermógenes. Nesse ponto, a dimensão metafísica do mal (o pacto fáustico, etc.) adquire toda a sua rigorosa ambiguidade, enquanto inseparável do bem. Nesse ponto, a transgeneridade do/ no romance, para retornar à ponderação de Alexandre Nodari, envolveria uma singular transeticidade, em que o bem é inseparável do mal, em que o mal é intrinsecamente constitutivo do bem; teríamos uma guerra social como modo de produzir a paz, configurando um compósito físico e metafísico. Nesse caso, as leituras extremamente relevantes de Grande Sertão: Veredas poderiam ser sucedidas por uma outra que tem em seu centro uma máquina de guerra montada por jagunços nômades mobilizados em guerras sequenciadas que não necessariamente se referem ao Estado brasileiro e ao Brasil como um todo.

Não concordo com a leitura iluminista de Willi Bolle, segundo a qual o pacto com o diabo é uma “forma mítica popular de codificar a questão do poder e da lei” (Bolle, 2004, p. 144BOLLE, Willi. (2004). Grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34.). Seria necessário conferir um estatuto diferente ao mito e ao popular, que não o oponha à razão, para reler o romance de outra maneira. O pacto, e todo o problema metafísico do mal, tal qual elaborado aqui, está, me parece, associado a uma violência essencial, constitutiva, cerne da guerra jagunça. Emblemático disso é a fala de Só Candelário, no tribunal, que recusa o julgamento de crime imputado a Zé Bebelo:

- Crime?... Crime não vejo. É o que acho, por mim é o que declaro com a opinião dos outros não me assopro. Que crime? Veio guerrear, como nós também. Perdeu, pronto! A gente não é jagunços? A pois: jagunço com jagunço - aos peitos, papos. Isso é crime? Perdeu, rachou feito umbuzeiro que boi comeu por metade... Mas brigou valente, mereceu... Crime, que sei, é fazer traição, ser ladrão de cavalos ou de gado... não cumprir a palavra... (Rosa, 1994, p. 372ROSA, João Guimarães. (1994). Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar.).

E a conclusão:

- ... Pois, sendo assim, o que acho é que se deve de tornar a soltar este homem, com o compromisso de ir ajuntar outra vez seu pessoal dele e voltar aqui no Norte, para a guerra poder continuar mais, perfeita, diversificada... (Rosa, 1994, p. 372ROSA, João Guimarães. (1994). Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar.).

O veredito não oculta um certo humor. O essencial é a guerra, retornemos, portanto, a ela. O inimigo julgado e preso deve ser solto com a condição de voltar com outro bando para que comecemos uma nova guerra. Muito diferente da guerra moderna de Estado, e, na verdade, procedendo de uma mecânica oposta à militarização da vida contemporânea, a guerra jagunça deve ser entendida não apenas como forma do mandonismo brasileiro, ela pode fornecer um modelo para se pensar uma resistência ao Estado, ou um mundo avesso ao poder, semelhante à hipótese sobre a guerra primitiva ameríndia, formulada por Pierre Clastres (2011)CLASTRES, Pierre. (2011). Arqueologia da violência. 2a Ed. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify.23 23 Citando a análise de Clastres sobre a guerra dos Yanomami, Bento Prado Jr. diz o seguinte: “[com os Yanomami] temos uma sociedade composta de várias tribos, divididas no meio pela linha que separa amigos e inimigos, uma sociedade estruturada, enfim, em torno da Guerra. [...] Segundo Clastres, o coeficiente de violência envolvido na guerra era quase igual a zero.”. Cf. Prado Jr. (2011, p. 24). . A ficção de Rosa pode fornecer modelos para rupturas localizadas com a ordem do direito e da representação, novas formas de política autonomistas, que restituiriam a alegria do ativismo da “ação direta”, uma metafísica da violência que não remetesse mais à teologia do milagre, e uma saída do formato do legalismo parlamentar.

É um pouco o que pede Dilma Roussef, em prefácio a uma coletânea de artigos que refletem sobre as jornadas de junho de 2013, dez anos depois. É preciso construir uma pauta antissistema para a esquerda, em oposição à falsa perspectiva antissistema da extrema-direita: “Um dos grandes desafios estratégicos da esquerda brasileira é reconstruir uma perspectiva antissistema, de radicalização da democracia como ferramenta para a soberania e a justiça social” (Rousseff, 2023, p. 9ROUSSEFF, Dilma. (2023). Prólogo. In: Altman, Breno; Carlotto, Maria (orgs.), Junho de 2013: a rebelião fantasma. São Paulo: Boitempo, p. 7-9.).

A guerra jagunça pode fornecer uma janela de filiação anarquista, ou anarcôntica, segundo a apta expressão de Bento Prado Jr., falando sobre Clastres, fazendo o vínculo de seu horizonte de pensamento com os movimentos autonomistas, práticas de ativismo artístico (“artivismo”), a crítica à formação do sistema jurídico e à representação, à polícia e ao exército, que estão no centro da violência estatal hoje. Revista aos olhos de hoje, a guerra jagunça pode fornecer uma “dramatização” essencial que sugerisse uma desnaturalização do Estado, sua radical não-necessidade histórica, que coexiste com sua virtual onipresença.

Em todo o caso, é chegada a hora, me parece, de reler Rosa com um olho no campo sertanejo e outro na contemporaneidade, visando quem sabe a identificar nesta relação algo como um mapa transcendental das práticas artísticas e políticas antissistema hoje. No momento em que o impasse das instituições democráticas leva a uma exaustão das propostas de esquerda, cabe talvez à literatura a possibilidade de fornecer uma nova metafísica para a política. É, pelo menos, o que deixo esboçado aqui, mais como desígnio do que como formulação sedimentada propriamente dita.

  • 1
    Uma primeira versão mais ampla desse ensaio foi apresentada na mesa-redonda “Raiva-ressentimento-vingança”, da qual participavam também Ettore Finazzi Agrò e Tatiana Petrovich Njegosh, organizada por Maria Caterina Pincherle, em maio de 2023, na Sapienza Université di Roma. Esse texto dialo”a com a conferência de Ettore, “Sì, vendetta, tremenda vendetta! Risentimento, rabbia e azione punitiva (nel sertão e em toda parte).
  • 2
    O muro, de Lula Buarque (2017)O MURO. (2017). Direção: Lula Buarque de Holanda. Produção: Espiral. Brasil.; O processo, de Maria Augusta Ramos (2018)O PROCESSO. (2018). Direção: Maria Augusta Ramos. Produção: Conijn Film, Enquadramento Produções, Nofoco Filmes.; Excelentíssimos, de Douglas Duarte (2018)EXCELENTÍSSIMOS. (2018). Direção: Douglas Duarte. Produção: Esquina Filmes.; Democracia em vertigem, de Petra Costa (2019)DEMOCRACIA EM VERTIGEM. (2019). Direção: Petra Costa. Roteiro: Petra Costa, Carol Pires e David Barker. Produção: Violet Films, Busca Vida Filmes e Simmering Films.; e Alvorada, de Anna Muylaert e Lô Politi (2021)ALVORADA. (2021). Direção: Anna Muylaert e Lô Politi. Produção: Cup Filmes e Vitrine Filmes.. A torre das donzelas, de Susanna Lira (2019)A TORRE DAS DONZELAS. (2019). Direção: Susanna Lira. Roteiristas: Muriel Alves, Michel Carvalho, Rodrigo Hinrichsen. Produção: Modo Operante., não trata diretamente do impeachment, mas do período da prisão de Dilma durante a ditadura.
  • 3
    No diálogo gravado por Joesley Batista, dono do grupo JBS, Temer explica as suas insônias dizendo que “deve ter fantasma lá”. O áudio vazado pela mídia está em Democracia em vertigem, de Petra Costa.
  • 4
    Cf. o extraordinário Sessão (2017), em que o poeta Frankel transcreveu literalmente as falas dos deputados, tornando espacialmente visível a retórica que preside essas falas.
  • 5
    “No castelo é óbvio que o telefone funciona de forma perfeita; como me contaram, lá se telefona ininterruptamente, o que naturalmente acelera muito o trabalho. Esses telefonemas incessantes nós ouvimos nos telefones daqui como rumor e canto, sem dúvida o senhor também ouviu isso. Mas esse rumor e esse canto são a única coisa certa e confiável que os telefones daqui transmitem, tudo o mais é enganoso. Não existe nenhuma linha telefônica definida com o castelo, nenhuma central telefônica definida que encaminhe nossos chamados; quando daqui se chama alguém no castelo, tocam lá todos os aparelhos das seções subalternas, ou melhor, todos tocariam se a campainha não estivesse desligada em quase todos eles, como sei com certeza. Mas de vez em quando um funcionário extenuado tem a necessidade de se distrair um pouco - principalmente ao anoitecer ou durante a noite - e liga a campainha, aí então nós recebemos uma resposta, resposta no entanto que não é senão uma brincadeira.” Kafka (2008, p. 86)KAFKA, Franz. (2008). O Castelo. Tradução de Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras..
  • 6
    Em 25 ago. 2023, o TRF-1 arquivou a ação de improbidade administrativa referente às chamadas “pedaladas fiscais” contra Dilma, o motivo oficial da ação que levou ao impeachment. O arquivamento é uma medida processual, que não julga o mérito da questão, que aparentemente nunca de fato será julgada. A prova do dolo permanece em suspenso. O serviço da lei no Brasil é uma prática exclusivamente formal, sem nunca tocar na substância das causas.
  • 7
    A carta escrita por Scholem a Benjamin em 20 set. 1943 fala da lei em O Processo como um “nada da revelação”. O que temos ali é “um estágio em que ela [a lei] afirma ainda a si mesma pelo fato de que vigora [gilt], mas não significa [bedeutet]. Onde a riqueza do significado falha e o que aparece, reduzido, por assim dizer, ao ponto zero do próprio conteúdo, todavia não desaparece (e a Revelação é algo que aparece), lá emerge o nada.” Cf. Scholem (1989 apud Agamben, p. 58)SCHOLEM, Gershom (ed.). (1989). The Correspondence of Walter Benjamin and Gershom Scholem: 1932-1940. Tradução de Gary Smith e Andre Lefevere. New York: Schoken Books.. Resume Agamben: “Por toda parte sobre a terra os homens vivem hoje sob o édito de banimento [bando] de uma lei e de uma tradição que se mantém unicamente como ‘ponto zero’ do seu conteúdo, incluindo-os em uma pura relação de abandono. Todas as sociedades e todas as culturas (não importa se democráticas ou totalitárias, conservadoras ou progressistas) entraram hoje em uma crise de legitimidade, em que a lei [...] vigora como puro ‘nada da Revelação’”. Cf. Agamben (2002, p. 59AGAMBEN, Giorgio. (2002). Homo sacer. o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG., tradução modificada).
  • 8
    Cf. Pinto (2024)PINTO, Luís Costa. (2024). Sem anistias ou acordos: punição aos golpistas do 8/1 exige que se conte toda a história. Brasil 247. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/sem-anistias-ou-acordos-punicao-aos-golpistas-do-8-l-exige-que-se-conte-toda-a-historia. Acesso em: 20 nov. 2023.
    https://www.brasil247.com/blog/sem-anist...
    , em matéria no Brasil 247, narra a sequência de golpes, uns bem-sucedidos, outros não, iniciados pelo golpe (bem-sucedido) do impeachment de Dilma sem crime de responsabilidade, executados pela direita parlamentar, judiciária, em associação cada vez mais explícita com o aparato policial-militar. O fantasma da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), encorajado insistentemente por Bolsonaro ao longo de seu mandato, e pelo bolsonarismo no poder, dá o tom dessas insurreições que queriam instituir um estado de exceção militar no Brasil, repetindo o golpe civil-militar de 1964. Cf. Pinto (2024)PINTO, Luís Costa. (2024). Sem anistias ou acordos: punição aos golpistas do 8/1 exige que se conte toda a história. Brasil 247. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/sem-anistias-ou-acordos-punicao-aos-golpistas-do-8-l-exige-que-se-conte-toda-a-historia. Acesso em: 20 nov. 2023.
    https://www.brasil247.com/blog/sem-anist...
    .
  • 9
    Dilma, com impressionante memória literária, parafraseia os seguintes versos de O Paraíso perdido: “[...] Here at last/We shall be free; the almighty hath not built/Here for his envy, will not drive us hence:/Here we may reign secure, and in my choice/To reign is worth ambition though in hell:/Better to reign in hell, than serve in heaven” (Milton, 2005, p. 24-25MILTON, John. (2005). Paradise Lost. Oxford: Oxford University Press.). Faço aqui uma tradução rápida: “[...] Aqui pelo menos/Seremos livres; o todo-poderoso não construiu/Aqui, por sua inveja, não nos expulsará daqui:/Aqui reinaremos em segurança, e por minha escolha/Reinar no inferno vale a ambição:/Melhor reinar no inferno, do que servir no céu”.
  • 10
    Um dos pontos cruciais do livro de Hannah Arendt é depor sobre as dificuldades e os vícios do processo montado contra Eichmann pelo estado israelense, sem que isso, no entanto, signifique o não reconhecimento de seus crimes. A grande questão para ela era a imensa dificuldade de julgá-lo, e a desproporção de qualquer pena com relação à imensidão dos crimes que perpetrou. “Os crimes nazistas [...] explodem os limites do direito, e isso é precisamente o que constitui sua monstruosidade”, escreve Arendt a Karl Jaspers. (Arendt, 1977ARENDT, Hannah. (1977). Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil. New York: Penguin Books Ltda. apud Felman, 2014, p. 194FELMAN, Shoshana. (2014). O inconsciente jurídico: Julgamentos e Traumas no século XX. Tradução de Ariani Bueno Sudatti. São Paulo: Edpro.) O argumento conduz à noção de crimes contra a humanidade. Em um pequeno trecho do Pós-escrito, ela se explica sobre a noção de banalidade do mal. Ao contrário de minha tese, ela recusa a associação de Eichmann a uma sequência de célebres protagonistas maléficos shakespearianos. Seu objetivo é evidentemente purificar o horror nazista de qualquer contaminação poética, mitológica ou artística, todo o contrário do meu propósito aqui: “quando falo da banalidade do mal, faço-o apenas ao nível estritamente factual, apontando para um fenômeno que se escancarava no julgamento. Eichmann não era um lago, não era Macbeth, e nada estaria mais longe de sua cabeça do que decidir como Ricardo III que ‘ele mostrou ser um vilão’. Exceto pela extraordinária diligência na procura de seu avanço pessoal, ele não tinha nenhum motivo para fazer o que fez. E a sua diligência em si não era de maneira nenhuma criminosa; ele certamente não teria assassinado um superior para herdar-lhe a posição. Ele simplesmente, para colocar as coisas em termos coloquiais, nunca percebeu o que estava fazendo. [...] [Arendt parafraseia os clichés utilizados por Eichmann, destinados a fazê-lo se sentir melhor, grande tema do livro, que fala da banalidade do jargão nazista.] Ele não era estúpido. Foi apenas uma absoluta distração [thoughtlessness] - algo de maneira nenhuma idêntico à estupidez - que o predispôs a ser um dos maiores criminosos do período” (Arendt, 1977, p. 287-288ARENDT, Hannah. (1977). Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil. New York: Penguin Books Ltda.). O objetivo aqui é claramente “desmitologizar” o horror nazista, recusar todas as formas de mitologia artística, a “grandiosidade satânica”, o “elemento demoníaco” de Hitler, por exemplo. Shohana Felman encontra a gênese da noção de banalidade do mal na correspondência de Arendt com Karl Jaspers (cf. Felman, 2014, p. 194-195FELMAN, Shoshana. (2014). O inconsciente jurídico: Julgamentos e Traumas no século XX. Tradução de Ariani Bueno Sudatti. São Paulo: Edpro.).
  • 11
    No momento em que escrevo esse artigo, o governo de Israel intensifica, na faixa de Gaza, sob o pretexto de uma guerra contra o Hamas, e sob os olhos do mundo, uma política de extermínio de décadas aplicada à população palestina que divide com israelenses o território de Israel. Ainda aqui, o recurso comparativo ao extermínio nazista não ajuda, e as diferenças saltam aos olhos. Ambos constituem projetos genocidas, mas muito distintos. O genocídio palestino é característico do “colonialismo de povoamento”, é um genocídio colonial, que se assemelha mais ao realizado pelas potências europeias dos povos originários. O genocídio nazista tem uma peculiaridade: é produzido por europeus e tem por objetos também europeus. O fato de o holocausto judaico ser o “paradigma não paradigmático”, o “referente não qualificado” de todos os genocídios, obscurece e não ajuda a entender os outros genocídios, inclusive o palestino. Wolfe (2006, p. 402)WOLFE, Patrick. (2006). Settler Colonialism and the Elimination of the Native. Journal of Genocide Research, v. 8, n. 4, p. 387-409..
  • 12
    “Better to reign in hell, than serve in heaven” (Milton, 2005, p. 25MILTON, John. (2005). Paradise Lost. Oxford: Oxford University Press.).
  • 13
    Cf. a conversa “informal” entre Dilma Roussef e Marília Andrade, a mãe de Petra Costa, herdeira da Construtora Andrade Gutierrez, militante do PC do B durante a ditadura de 1964-1985 - que, como Dilma, ficou na clandestinidade por alguns anos -, na qual Dilma confidencia o intenso prazer do anonimato que sentia quando estava na clandestinidade. Tal fato chama a atenção em uma figura pública que chegou a ocupar a presidência do Brasil por mais de um mandato.
  • 14
    Vladimir Safatle desenvolve essa hipótese em muitos lugares, a exemplo de Safatle (2023)SAFATLE, Vladimir. (2023). O dia e que o Brasil parou por dez anos. In: Altman, Breno; Carlotto, Maria (orgs.), Junho de 2013: a rebelião fantasma. São Paulo: Boitempo, p. 97-110..
  • 15
    Cito aqui uma frase do Ética: um ensaio obre a consciência do mal, de Alain Badiou, a quem esse ensaio deve bastante.
  • 16
    Sobre tudo isso, e a recuperação bolsonarista da “mística” na política, ver o estudo de Lago (2022)LAGO, Miguel. (2022). Como explicar a resiliência de Bolsonaro? In: Starling, Heloisa M. ; Lago, Miguel; Bignotto, Newton Linguagem da destruição: a democracia brasileira em crise. S. Paulo: Companhia das Letras, p. 19-69..
  • 17
    Em entrevista, Leonardo Boff (2023)BOFF, Leonardo. (2023). “Ratzinger foi um representante do antigo cristianismo medieval”. Entrevista com Leonardo Boff. Entrevista de Claudia Fanti (II Manifesto, 06 jan. 2023). Instituto Humanitas Unisínos. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/625418-ratzinger-foi-um-representante-do-%20antigo-cristianismo-medieval-entrevista-com-leonardo-boff. Acesso em: 20 nov. 2023.
    https://www.ihu.unisinos.br/625418-ratzi...
    relembra aquele momento: “Para nós, teólogos latino-americanos, foi uma grande ferida que dezenas de teólogos de todo o continente tenham sido proibidos de produzir uma série de 53 volumes, intitulada Teologia da Libertação, como auxílio para estudantes, comunidades de base e agentes pastorais comprometidos na perspectiva dos pobres. Estava claro que ele não queria saber de uma teologia elaborada a partir das periferias. Para os pobres foi um escândalo, para nós teólogos, apoiados por centenas de bispos, uma humilhação.”
  • 18
    “Eu me permiti, na direção, a mesma liberdade que Oswald se deu quando ‘leu’ e interpretou o Brasil de seu tempo. Reli o texto de Oswald como uma manifestação da realidade que me circunda e enxertei todo o contexto que a envolve, como eu o apreendo.” (Corrêa, 1998, p. 106CORRÊA, Zé Celso Martinez. (1998). Primeiro Ato: Cadernos, Depoimentos, Entrevistas (1958-1974). São Paulo: Editora 34.).
  • 19
    “Com a ascensão do fascismo e da direita em escala global, Penteu é a personagem mais contemporânea da peça. Ele está presente na cabeça dominante do golpe no Brasil, herança de nosso legado racista, patriarcal, escravocrata e sexista, que tem na propriedade privada a legitimação de genocídios; é o discurso de hategroups que não conseguem contracenar com as diferenças; é a cara nova, do privatizante e ‘apolítico’ projeto neoliberal” (Corrêa, 2016CORRÊA, Zé Celso Martinez. (2016). Bakxai. Programa da peça.).
  • 20
    Trata-se da leitura de Gilles Deleuze da Segunda consideração intempestiva de Friedrich Nietzsche. A frase de Deleuze: “É Nietzsche quem dizia que nada de importante se faz sem uma ‘nuvem não histórica’”. Cf. Deleuze (1990, p. 230)DELEUZE, Gilles. (1990). Pourparlers: 1972-1990. Paris: Les Éditions de Minuit.. Deleuze elabora uma hipótese de Jean Wahl, que parte da oposição nietzschiana (e heideggeriana) entre história (Historie) e história profunda (Geschichte). Cf. Wahl (1961, p. 439)WAHL, Jean. (1961). Le problème du temps chez Nietzsche. Revue de Métaphysique et de Morale, v. 66, n. 4, p. 436-456..
  • 21
    Na definição de Castoriadis: “a democracia direta foi redescoberta ou reinventada na história moderna cada vez que uma coletividade política entrou em um processo de autoconstituição e autoatividade radical: town meetings durante a Revolução Americana, sections durante a Revolução Francesa, a comuna de Paris, os conselhos de trabalhadores, ou os soviets na sua forma original” (Castoriadis, 1997, p. 275CASTORIADIS, Cornelius. (1997). The Greek Polis and the Creation of Democracy. In: Curtis, David Ames (transi, and ed.), The Castoriadis Reader. Oxford e Maiden: Blackwell Publishers, p. 267-289.).
  • 22
    Cito aqui um trecho da célebre análise de Eduardo Viveiros de Castro sobre o exocanibalismo tupinambá: “A religião tupinambá, radicada no complexo do exocanibalismo guerreio, projetava uma forma onde o socius constituía-se na relação ao outro, onde a incorporação do outro dependia de um sair de si - o exterior estava em processo incessante de interiorização, e o interior não era mais que um movimento para fora” (Viveiros de Castro, 2002, p. 220VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2002). A inconstância da alma selvagem - e outros ensaios de antropologia. São Paulo: CosacNaify.).
  • 23
    Citando a análise de Clastres sobre a guerra dos Yanomami, Bento Prado Jr. diz o seguinte: “[com os Yanomami] temos uma sociedade composta de várias tribos, divididas no meio pela linha que separa amigos e inimigos, uma sociedade estruturada, enfim, em torno da Guerra. [...] Segundo Clastres, o coeficiente de violência envolvido na guerra era quase igual a zero.”. Cf. Prado Jr. (2011, p. 24)PRADO JR., Bento. (2011). Prefácio. In: Clastres, Pierre. Arqueologia da violência, 2a Ed. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, p. 7-12..
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REFERÊNCIAS

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  • ARENDT, Hannah. (1977). Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil. New York: Penguin Books Ltda.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2024
  • Aceito
    23 Fev 2024
  • Publicado
    15 Abr 2024
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