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TRADUÇÃO E ESCRITA TESTEMUNHAL EM MÉMOIRES DE PRISON

TRANSLATION AND TESTIMONIAL WRITING IN MÉMOIRES DE PRISON

RESUMO

Propomos refletir sobre o processo tradutório do testemunho de Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere (1954), ressaltando as marcas do contato com essa escrita “penosa” que a tradução de Antoine Seel e Jorge Coli, Mémoires de Prison (1988), põe em relevo O testemunho original relata a prisão arbitrária sofrida pelo autor durante a ditadura Vargas e a experiência traumática do cárcere. A narração dessas memórias sinaliza para o seu conturbado processo de escrita de situações limites, encenando a aporia que, segundo Jacques Derrida (2000b)DERRIDA, J. (1998). O que é uma tradução relevante?. Tradução de Olivia Niemeyer Santos. Alfa, v. 44, n.esp, pp. 13-44, 2000b., comanda o processo tradutório: a necessidade dominante de traduzir e, ao mesmo tempo, as limitações da tarefa. Essa aporia atravessa as leituras do filósofo acerca do gesto testemunhal. Como afirma, ao apresentar-se como único sujeito a presenciar uma verdade, a testemunha recusa a traduzibilidade e a possibilidade de ser substituída (DERRIDA, 2000aDERRIDA, J. (1998). Demeure: fiction and testimony. Tradução de Elizabeth Rottenberg. California: Stanford University Press, 2000a.), numa performance do que lemos nos últimos versos de Ashenglorie, por Paul Celan: ninguém testemunha pela testemunha. Contudo, Derrida (2000a)DERRIDA, J. (1998). Demeure: fiction and testimony. Tradução de Elizabeth Rottenberg. California: Stanford University Press, 2000a. argumenta que o testemunho só tem valor quando é traduzível e, assim, comunicável. Considerando que a necessidade tradutória coexiste com a impossibilidade de sofrer e sobreviver no lugar da testemunha, enxergamos o primeiro obstáculo para os tradutores. Como repetir o testemunho de Graciliano, traduzindo suas feridas, diante da impossibilidade de testemunhar em seu lugar? Numa reflexão sobre tradução e testemunho, Marc Crépon (2006)CRÉPON, M. (2006). Traduire, Témoigner, Survivre. Rue Descartes, n. 52, pp. 27-38. sugere que, diante do desafio tradutório impossível, deve-se testemunhar o encontro com a escrita original e fazer da tradução o documento desse encontro. Ou seja, em vez de testemunhar pela testemunha, deve-se testemunhar, na tradução, as impressões do contato com o corpo textual ferido do original. Argumentamos que a escrita tradutória das Memórias se revela um processo de recriação em que seus tradutores foram tocados pelo peso da escrita do cárcere, forjando na tradução o testemunho das impressões diante do original.

Palavras-chave:
Memórias do Cárcere; tradução; testemunho

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