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A DIFÍCIL INTEGRAÇÃO DO INGLÊS COMO LÍNGUA FRANCA E O LIVRO DIDÁTICO: ANÁLISE DE ATIVIDADES DE COMPREENSÃO ORAL EM LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA

THE DIFFICULT INTEGRATION OF ENGLISH AS LINGUA FRANCA AND THE TEXTBOOK: ANALYSIS OF LISTENING COMPREHENSION ACTIVITIES IN AN ENGLISH LANGUAGE TEXTBOOK

RESUMO

O presente trabalho objetiva apresentar uma análise de um livro didático de língua inglesa com o intuito de verificar a predominância dos paradigmas do Inglês como Língua Estrangeira (ILE) e do Inglês como Língua Franca (ILF) nas atividades de compreensão oral em língua inglesa de um livro didático aprovado pelo PNLD em 2018, usado em escolas públicas do município de Ilhéus - BA. Apoiamo-nos nos conceitos subjacentes ao ILE e ILF discutidos por Jenkins (2000JENKINS, J. (2000). The phonology of English as an international language. United Kingdom: Oxford University Press.; 2002JENKINS, J. (2002). A sociolinguistically based, empirically researched pronunciation syllabus for English as an international language. Applied Linguistics. v. 23, n. 1, p. 83-103.; 2006JENKINS, J. (2006). Points of view and blind spots: ELF and SLA. International Journal of Applied Linguistics. v. 16, n. 2, p. 137-162.; 2009) e Jenkins, Cogo & Dewey (2011)JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315., e, também, nos princípios da Pedagogia Crítica de Freire (1987)FREIRE, Paulo. (1987). Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra., da Linguística Aplicada Crítica, apresentada por Pennycook (2001) apud Urzêda-Freitas & Rocha (2012) e da Pedagogia Pós-Método, proposta por Kumaravadivelu (2003)KUMARAVADIVELU, B. (2003). Understanding Postmethod Pedagogy. In: Beyond Methods: macrostrategies for language teaching. New Haven: Yale University Press, p. 23-43.. A metodologia foi de natureza qualitativa, utilizando-se a pesquisa exploratória e descritiva, bem como a técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Persona, 1977., para a sistematização dos dados. Os resultados da análise demonstram uma compreensão de que o ILE foi o modelo mais recorrente ao longo das seções de compreensão oral, o que evidencia a perpetuação de valores da colonialidade na elaboração de livros didáticos de língua inglesa.

Palavras-chave:
compreensão oral; livro didático; Inglês como Língua Franca; Inglês como Língua Estrangeira

ABSTRACT

This work aims to present an analysis of an English language textbook to verify the predominance of the paradigms of English as a Foreign Language (EFL) and English as a Lingua Franca (ELF) in the activities of oral comprehension in English of a textbook approved by the PNLD in 2018, used in public schools in the municipality of Ilhéus - BA. We rely on the concepts of ILE and ILF discussed by Jenkins (2000JENKINS, J. (2000). The phonology of English as an international language. United Kingdom: Oxford University Press.; 2002JENKINS, J. (2002). A sociolinguistically based, empirically researched pronunciation syllabus for English as an international language. Applied Linguistics. v. 23, n. 1, p. 83-103.; 2006JENKINS, J. (2006). Points of view and blind spots: ELF and SLA. International Journal of Applied Linguistics. v. 16, n. 2, p. 137-162.; 2009) and Jenkins, Cogo & Dewey (2011)JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315., and also on the principles of Freire›s Critical Pedagogy (1987), of Critical Applied Linguistics, presented by Pennycook (2001) apud Urzêda-Freitas & Rocha (2012) and of the Postmethod Pedagogy, proposed by Kumaravadivelu (2003)KUMARAVADIVELU, B. (2003). Understanding Postmethod Pedagogy. In: Beyond Methods: macrostrategies for language teaching. New Haven: Yale University Press, p. 23-43.. The methodology was qualitative, using exploratory and descriptive research, as well as the Content Analysis technique proposed by Bardin (1977)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Persona, 1977., for data systematization. The analysys results demonstrate an understanding that the EFL was the most recurrent model throughout the listening comprehension sections, which evidences the perpetuation of coloniality values in the elaboration of English language textbooks.

Keywords:
listening comprehension; textbook; English as Lingua Franca; English as Foreign Language

INTRODUÇÃO

Historicamente, o fenômeno da expansão da Língua Inglesa (LI) privilegia as variantes linguísticas e a cultura dos falantes nativos de inglês dos países hegemônicos1 1 Utilizamos o termo para referirmo-nos às potências anglófonas que exercem influência sobre os demais países, principalmente em termos político, econômico, cultural e militar. , mais especificamente dos Estados Unidos e da Inglaterra, realidade essa que é, tradicionalmente, reflexo do processo de colonização. Tal paradigma tem, por consequência, influenciado e orientado as práticas docentes e a elaboração dos materiais didáticos no Brasil, os quais perpetuam essa visão limitada de Inglês como Língua Estrangeira (ILE) (SIQUEIRA, 2012SIQUEIRA, D. S. P. (2012). Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p. 311-353.).

Como efeito da globalização pós-moderna, na qual o estatuto do inglês adquire novos sentidos, o Ensino da Língua Inglesa (ELI) vem ganhando novos horizontes no Brasil. Surgem novos conceitos para o ensino dessa língua, com sentidos diversos, mas todos com um ponto em comum, desvinculam o idioma dos países do círculo interno (KACHRU, 1985KACHRU, B. (1985). Standards, codification and sociolinguistic realism: English language in the outer circle. In R. Quirk and H. Widowson (Eds.), English in the world: Teaching and learning the language and literatures (p. 11-36). Cambridge: Cambridge University Press.) e de seus limites geográficos, culturais e políticos. A tendência é de uma quebra do paradigma tradicional do ILE e, dentre as diversas perspectivas (English as a Foreign Language - EFL; English as a Second Language - ESL; English as an International Language - EIL; World Englishes - WE; English as a Lingua Franca - ELF), ganha destaque o ensino do Inglês como Língua Franca (ILF) como uma língua de comunicação mundial. O acrônimo ILF é o termo utilizado entre pesquisadores e teóricos brasileiros que compartilham uma visão de língua como um fenômeno sociolinguístico, rompendo com os modelos de imitação de falante nativo, ampliando os usos da língua para além de interações com falante nativo e destacando a adoção da LI como o idioma de comunicação global, principalmente entre falantes de diferentes línguas maternas (GIMENEZ, et.al., 2015GIMENEZ, T., et al. (2015). Inglês como Língua Franca: desenvolvimentos recentes. RBLA. v. 5, n.3, p. 593-619.).

Nesse cenário, temos visto florescer estudos sobre o ELI como uma língua comum para nos comunicarmos tanto nos negócios como na vida moderna em geral. Surgem, então, trabalhos e pesquisas nessa perspectiva visando problematizar metodologias e materiais didáticos para o ELI, que consideram a natureza política da língua e seus efeitos na sociedade. Na seara desses estudos, diversos autores defendem que o principal requisito para o ELI recai sobre a inteligibilidade, e, não mais na busca incessante de imitação de um falante nativo dominante ou idealizado (SEIDLHOFER, 2001SEIDLHOFER, B. (2001). Closing a conceptual gap: the case for a description of English as a Lingua Franca. International Journal of Applied Linguistics. v. 11, n. 2, p. 133-158.; 2004SEIDLHOFER, B. (2004). Research perspectives on teaching English as a Lingua Franca. Annual Review of Applied Linguistics. v. 24, p. 209-239.; JENKINS, COGO, DEWEY, 2011JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315.; GRADDOL, 2006; DEWEY, 2007DEWEY, M. (2007). English as a Lingua Franca and Globalization: an interconnected perspective. International Journal of Applied Linguistics. v. 17, n.3, p. 332-351.; PAKIR, 2009PAKIR, A. (2009). English as a Ligua Franca: analyzing research frameworks in international English, world Englishes, and ELF. World Englishes. v. 28, n. 2, p. 224-235.; EL KADRI, 2011EL KADRI, M. S.; SIMÕES-CALVO, L. C. (2011). MAPEAMENTO DE ESTUDOS NACIONAIS SOBRE INGLÊS COMO LÍNGUA FRANCA: lacunas e avanços. In: SIMÕES-CALVO, L. C.; EL KADRI, M. S.; GIMENEZ, T. (orgs), Inglês como língua franca: ensino-aprendizagem e formação de professores de inglês. Campinas: Pontes Editores, p. 17-33.; GIMENEZ et. al., 2015GIMENEZ, T., et al. (2015). Inglês como Língua Franca: desenvolvimentos recentes. RBLA. v. 5, n.3, p. 593-619.; SIQUEIRA, 2012SIQUEIRA, D. S. P. (2012). Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p. 311-353.; 2018SIQUEIRA, D. S. P. (2018). Inglês como Língua Franca não é zona neutra, é zona transcultural de poder: por uma descolonização de concepções, práticas e atitudes. Revista Línguas & Letras. v. 19, n. 44, p. 93-113.).

Dessa forma, a partir do momento em que o inglês é concebido como uma Língua Franca, sendo o principal meio de comunicação entre falantes que não compartilham da mesma língua materna, ganham maior visibilidade na sala de aula questões como diversidade e identidade cultural, variações linguísticas, inteligibilidade internacional, entre outros aspectos. Diferentemente das vertentes tradicionais que priorizam a imitação das características do paradigma do ILE (JENKINS, 2006JENKINS, J. (2006). Points of view and blind spots: ELF and SLA. International Journal of Applied Linguistics. v. 16, n. 2, p. 137-162.; JENKINS, COGO, DEWEY, 2011JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315.), a compreensão mútua e o comprometimento em fazer a interação funcionar passam a ser os principais propósitos do aprendizado no paradigma do ILF. Essa perspectiva traz à tona implicações pedagógicas diferentes das tradicionalmente convencionadas no ensino de língua estrangeira, as quais não mais podem ser negligenciadas.

Nesse sentido, este trabalho tem o objetivo de apresentar uma análise dos paradigmas do ILE e do ILF em atividades de compreensão oral do volume 9º ano da coleção didática English and More!, aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2018.

O estudo em tela busca contribuir para o campo de ensino-aprendizagem de LI, por considerarmos importante que os profissionais da área saibam identificar quais aspectos teóricos permeiam as atividades propostas nos livros didáticos que utilizam, de modo a não reproduzirem em sua práxis atitudes que silenciem ou apaguem toda a pluralidade característica do inglês, uma língua, hoje, internacional. Assim, traçamos discussões teóricas, comentários e sugestões que viabilizem um ensino de LI renovado, situado localmente e alinhado com a natureza político-linguístico-cultural que esse idioma adquiriu nas últimas décadas, principalmente no contexto brasileiro de uso dessa língua.

Com esse intuito, dividimos este artigo da seguinte forma: na primeira parte, abordamos as principais diferenças entre os paradigmas do ILE e do ILF; relacionamos a perspectiva do ILF, da Pedagogia Crítica de Freire (1987)FREIRE, Paulo. (1987). Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra., da Linguística Aplicada Crítica e do Pós-Método com o ELI, citando, também, as orientações da BNCC e do PNLD; focamos nos aspectos inerentes à compreensão oral em LI segundo os princípios do ILF, bem como explicitamos, posteriormente, a metodologia utilizada. Na segunda parte, discutimos a análise dos dados, dialogando com os pressupostos teóricos que norteiam nosso estudo. E, na terceira parte, encerramos com as nossas considerações finais.

1. ILE E ILF: ENTENDENDO AS DIFERENÇAS

Para repensar o ensino de compreensão oral sob a perspectiva do ILF, é necessário, antes de tudo, conhecer os pontos de divergência mais centrais entre essa vertente e o ILE, já que são conceitos com origem e propósitos distintos.

O ILE, está inserido no paradigma das Línguas Estrangeiras Modernas, o qual concebe a aquisição do idioma como apropriação das normas do inglês padrão, usado pelo falante nativo (JENKINS, 2006JENKINS, J. (2006). Points of view and blind spots: ELF and SLA. International Journal of Applied Linguistics. v. 16, n. 2, p. 137-162.; JENKINS, COGO & DEWEY, 2011JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315.). Por essa ótica, os falantes não-nativos devem, como objetivo final do seu processo de aprendizagem da língua-alvo, conseguir dominar as regras gramaticais que a sustentam e aproximarem-se o máximo possível de seus aspectos fonéticos e fonológicos.

Nessa perspectiva, qualquer desvio - das normas e padrões construídos e utilizados por falantes nativos - cometido pelos aprendizes é visto como erro, que precisa ser rigorosamente evitado desde o início, para não acarretar em casos de fossilização (SELINKER, 1972SELINKER, L. (1972). Interlanguage. IRAL. v. 10, n. 3, p. 209-231.). Esse seria um fenômeno no qual a repetição dos mesmos padrões linguísticos considerados equivocados vai, ao longo do tempo, ficar tão enraizada a ponto de tornar-se difícil não usá-los, o que demonstraria aprendizado incompleto da língua (JENKINS, COGO; DEWEY, 2011JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315.).

Conforme estudos em torno dos processos psicolinguísticos subjacentes à aquisição de uma segunda língua, debatidos por Selinker (1972)SELINKER, L. (1972). Interlanguage. IRAL. v. 10, n. 3, p. 209-231., Corder (1967, 1981 apud Tarone, 2006TARONE, E. Interlanguage. (2006). Elsevier. v. 4, p. 1715-1719. Disponível em: <https://www.academia.edu/24906214/Interlanguage_Tarone_PDF>. Acesso em 15 abr. 2023.
https://www.academia.edu/24906214/Interl...
), Lenneberg (1967 apud Selinker, 1972SELINKER, L. (1972). Interlanguage. IRAL. v. 10, n. 3, p. 209-231.) e Krashen (1981)KRASHEN, S. (1981). Second language acquisition and second language learning. Oxford: Pergamon Press., existe uma estrutura psicológica latente no cérebro dos indivíduos, ativada sempre que alguém tenta compreender e produzir algo no idioma pretendido. Já que, na realidade da maioria dos aprendizes, os enunciados elaborados por eles não são idênticos aos efetuados por falantes nativos, pode-se supor que a partir da ativação dessa estrutura, um sistema linguístico diferente dessa língua-alvo, chamado de interlíngua, é desenvolvido (SELINKER, 1972SELINKER, L. (1972). Interlanguage. IRAL. v. 10, n. 3, p. 209-231.).

Assim, no bojo de uma interlíngua, estariam os chamados fenômenos linguísticos fossilizáveis, isto é, os itens, regras e subsistemas linguísticos que os falantes de uma primeira língua tendem a manter ao tentar atingir as normas de uma língua-alvo particular, não importando a idade do aprendiz ou quantas explicações ele tenha recebido. Ainda que se acredite já estarem erradicados, muitos desses fenômenos reaparecem, especialmente em situações de ansiedade, excitação ou relaxamento, ou quando a atenção está voltada a um assunto novo e intelectualmente desafiador para o aprendiz (SELINKER, 1972SELINKER, L. (1972). Interlanguage. IRAL. v. 10, n. 3, p. 209-231.).

A fossilização, segundo essa teoria, é, portanto, um mecanismo inerente à estrutura psicológica latente dos indivíduos, que se manifesta em cinco processos centrais2 2 Os processos são: transferência linguística, quando os itens fossilizáveis são resultado de influência da língua nativa; transferência de treinamento, no caso da fossilização ser resultado de aprendizado sedimentado por meio de cursos, professores, livros, etc.; estratégias de aprendizado de segunda língua, quando a fossilização é fruto da tentativa consciente de dominar a língua-alvo; estratégias de comunicação em segunda língua, quando o aprendiz tenta resolver problemas na comunicação, seja por meio de redução de formas linguísticas ou outros recursos para transmitir significado; e, por fim, generalização excessiva de regras e elementos semânticos na língua-alvo, como os casos de hipercorreção, por exemplo. , concomitantemente ou não. Caso as expressões fossilizadas sejam compartilhadas por grupos inteiros, podem acarretar em novos dialetos em que esses itens linguísticos se revelam normais. Ao contrário do que pesquisadores anteriores costumavam sustentar, esse movimento de retrocesso não é algo aleatório, muito menos um retorno em direção à língua materna do falante, mas está direcionado à norma de sua interlíngua (SELINKER, 1972SELINKER, L. (1972). Interlanguage. IRAL. v. 10, n. 3, p. 209-231.; TARONE, 2006TARONE, E. Interlanguage. (2006). Elsevier. v. 4, p. 1715-1719. Disponível em: <https://www.academia.edu/24906214/Interlanguage_Tarone_PDF>. Acesso em 15 abr. 2023.
https://www.academia.edu/24906214/Interl...
).

Vale ressaltar que na área de aquisição de segunda língua o conceito de interlíngua é, geralmente, visto de um ângulo questionável. Costuma ser categorizada como resultado de um aprendizado inacabado, que deveria seguir uma progressão linear rumo às normas do falante nativo. Se o aprendiz não demonstra accuracy, ou seja, não atinge esse ponto final - situação que acontece com a maioria -, significa que é um usuário de estruturas fossilizadas, consideradas, por esse prisma, erradas. Trata-se de um termo que imprime uma visão bastante pessimista do ensino-aprendizagem de LI, pois traz a ideia de que o não-nativo nunca falará nos parâmetros que se espera, julgados como o correto (JENKINS, 2006JENKINS, J. (2006). Points of view and blind spots: ELF and SLA. International Journal of Applied Linguistics. v. 16, n. 2, p. 137-162.; CANAGARAJAH, 2007CANAGARAJAH, S. (2007). Lingua Franca English, Multilingual Communities, and Language Acquisition. The Modern Language Journal. v. 91, p. 923-939.).

Apesar de Selinker (1972)SELINKER, L. (1972). Interlanguage. IRAL. v. 10, n. 3, p. 209-231. especular que o aprendizado bem-sucedido de uma língua pode ser a reprodução das normas da língua-alvo, não é esse o propósito de seu estudo. O autor, inclusive, relativiza a concepção de sucesso, deixando essa definição a cargo do docente. Utilizamos a sua análise em torno da existência de uma estrutura psicolinguística independente para argumentar que esse fenômeno não é um defeito, mas uma ocorrência explicável e natural. Assim, é nesse viés que interpretamos a noção de interlíngua, enxergando-a como um fato passível de descrição e positivo, em vez de uma lacuna do processo de aprendizagem.

Os pressupostos supracitados são, no entanto, desconsiderados na perspectiva do ILE, pois coloca os falantes dos países hegemônicos - Estados Unidos e Inglaterra, sobretudo - na posição de únicos modelos de referência, em que todos os esforços devem ser voltados para a imitação dos seus comportamentos linguístico-culturais, a fim de provar verdadeira competência e desenvoltura adequada na língua. Muitos investem tempo e dinheiro no intuito de atingir essa aproximação, viajando para esses países ou buscando, de alguma forma, o máximo de contato com nativos (SCHMITZ, 2012SCHMITZ, J. R. (2012). “ELF ou não” (Inglês como Língua Franca): eis a questão para a Linguística Aplicada no mundo globalizado. RBLA. v. 12, n. 2, p. 249-284.).

Porém, essa exigência é, como já observado, dificilmente alcançável, já que os aprendizes não são nativos do idioma-alvo. Desse modo, tal objetivo gera, no aprendiz, um sentimento de frustração e inadequação. Não surpreende que os “professores e aprendizes de LI/LE, que buscam tal idealização, terminam construindo identidades de falantes inseguros, inferiores e com baixa autoestima em relação às suas habilidades orais” (MARTINS, 2017MARTINS, S. T. de A. (2017). O impacto do PDPI nas emoções-identidades do professor de inglês. Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, Ilhéus.). Focar em falantes nativos de um lugar específico só seria cabível, por exemplo, caso o interesse do estudante seja morar naquela comunidade ou por razão de alguma motivação pessoal para querer tê-los como modelo, mas isso não consiste em uma regra geral a ser aplicada no ensino de línguas (ALVES; SIQUEIRA, 2020ALVES, P. C. R.; SIQUEIRA, S. (2020). A perspectiva do inglês como língua franca como agente de decolonialidade no Ensino de Língua Inglesa. Revista a Cordas Letras. v. 21, n. 2, p. 169-181.).

Analisando de forma mais aprofundada, pode-se perceber que essa noção de ILE é um reflexo histórico de uma prática colonizadora, que começou séculos atrás, quando os territórios eram conquistados pelos invasores, mas que, nos dias atuais, assume novas facetas, perpetuando-se em circunstâncias mais sutis e engenhosas. Em outras palavras, o fato de os países dominados terem alcançado a sua independência política e territorial não garantiu a libertação de uma mentalidade opressora e discriminatória, imposta de forma autoritária (ALVES; SIQUEIRA, 2020ALVES, P. C. R.; SIQUEIRA, S. (2020). A perspectiva do inglês como língua franca como agente de decolonialidade no Ensino de Língua Inglesa. Revista a Cordas Letras. v. 21, n. 2, p. 169-181.).

Assim, as relações de poder estão disfarçadamente diluídas nas interações sociais e nos mais diversos espaços, nos quais, dentro da área de ELI, atuam na medida em que colocam os nativos dominantes como proprietários da língua e os aprendizes em posição de submissão. A própria palavra estrangeira, da sigla ILE, pressupõe que os falantes não-nativos não pertencem àquela comunidade, e, portanto, devem empenhar-se arduamente para serem aceitos pelos verdadeiros donos da língua-alvo. Para completar, o conceito de nativo é bastante complexo, compreendido por Rajagopalan (1997) como um mito amparado em uma ideologia racista e segregacionista, o qual é incentivado pelos interesses mercadológicos envolvidos no ensino de ILE (SIQUEIRA, 2012SIQUEIRA, D. S. P. (2012). Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p. 311-353.).

Adotando-se a terminologia usada por Kachru (1997)KACHRU, B. (1997). World Englishes and English-using communities. Annual Review of Applied Linguistics, v. 17, p. 66-87. em seu modelo dos três círculos concêntricos3 3 A fim de classificar o uso do inglês pelo mundo, Kachru (1997) propôs o modelo dos três círculos, separados em círculo interno, o qual abrange os países cujo inglês é o idioma materno, tais como EUA, Inglaterra e Canadá; círculo externo, envolvendo países que foram colonizados pelos britânicos, a exemplo da Índia, Nigéria e África do Sul; e círculo de expansão, em que estão inseridos os demais países os quais utilizam o inglês para se comunicar, devido à influência do idioma no mundo dos negócios, ciência, tecnologia e educação, tais como o Brasil, China, Japão, etc. , o paradigma do ILE reflete, ainda, a ideia de que os falantes pertencentes aos chamados círculos externo e de expansão, teriam como objetivo principal imitar os padrões linguísticos dos falantes inseridos no círculo interno, a fim de serem capazes de com eles se comunicar. Isso justificaria o ensino do idioma com base nas variantes linguísticas dos países do círculo central, se não fosse pelo fato de que, em termos demográficos, existem no mundo mais usuários não-nativos da LI do que nativos (COGO, 2008COGO, A. (2008). English as a Lingua Franca: form follows function. English Today. v. 24, n. 3, p. 58-61.; GRAF, 2015GRAF, D. A. S. (2015). The phonology of English as a Lingua Franca and implications for coursebook design: listening and pronunciation tasks in the textbook global. Tese (Master in Culture and Social Science). Salzburg University, Salzburg.; BERNS; MATSUDA, 2020BERNS, M.; MATSUDA, A. (2020). Lingua Franca and Language of Wider Communication. In: CHAPELLE, Carol A. (org.), The Concise Encyclopedia of Applied Linguistics. Hoboken: Wiley Blackwell, p. 709-715.).

Por esse ângulo, a probabilidade dos alunos de inglês do ensino fundamental no Brasil interagirem com falantes dos círculos externo e de expansão é bem maior, já que o inglês passou a configurar-se como uma língua usada em âmbito global, principalmente entre falantes não-nativos. Esse processo de difusão intensificou-se após a expansão do império britânico no século XIX e início do século XX, e a ascensão dos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra, no qual, mediante as conquistas territoriais, militares, políticas e econômicas, o inglês torna-se uma língua franca mundial (SIQUEIRA, 2012SIQUEIRA, D. S. P. (2012). Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p. 311-353.). Com o advento da era tecnológica, esse movimento de dispersão potencializou-se, fazendo do idioma o principal instrumento de comunicação internacional. Isso significa que

[...] a íntima relação existente entre língua, território e identidade cultural praticamente evaporou-se e é nessa tendência que o inglês, com sua característica marcante de língua híbrida e flexível, avança por entre mundos diversos e, claro, é apropriada, transformada, arcando, assim, com todas as consequências que tal processo acarreta, incluindo aquela de se tornar uma língua de todos, ou como prefere alguns, língua de ninguém. (SIQUEIRA, 2012SIQUEIRA, D. S. P. (2012). Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p. 311-353., p. 334-335)

Com base nesses fatos, o ILF ganha espaço nos estudos linguísticos, apresentando-se com concepções teóricas e pesquisas próprias, apesar de manter contato com outras perspectivas, como a do World Englishes4 4 World Englishes é um conceito defendido por Kachru (1985), que legitima as variações de inglês do círculo externo, as quais já são reconhecidas devido a um processo histórico de colonização, assumindo o papel de segunda língua oficial desses países. Ou seja, são variações que, ao longo do tempo, adaptaram-se a um novo contexto geográfico, passando a ser institucionalizadas. , diferenciando-se dele por legitimar, também, o uso do inglês pelos integrantes do círculo de expansão. Sendo assim, falantes que não compartilham da mesma língua materna e que dispõem de repertórios sócio-linguístico-culturais e níveis de aprendizado de inglês diversos, recorrem ao ILF para interagirem entre si (JENKINS, 2006JENKINS, J. (2006). Points of view and blind spots: ELF and SLA. International Journal of Applied Linguistics. v. 16, n. 2, p. 137-162.; COGO, 2008COGO, A. (2008). English as a Lingua Franca: form follows function. English Today. v. 24, n. 3, p. 58-61.; GRAF, 2015GRAF, D. A. S. (2015). The phonology of English as a Lingua Franca and implications for coursebook design: listening and pronunciation tasks in the textbook global. Tese (Master in Culture and Social Science). Salzburg University, Salzburg.).

Contudo, reconhecer as evidências de que o inglês atua, cada vez mais, como uma língua franca - não associada a nenhuma região em especial -, não significa que ela seja neutra e estática, como se fosse possível dissociá-la completamente de quem a usa. Essa interpretação equivocada foi endossada por vertentes tradicionais, mas não faz sentido, visto que as línguas são variáveis justamente por sofrerem interferência de seus usuários, que possuem e imprimem nelas suas características singulares. Logo, ao adotarmos essa terminologia, estamos considerando-a pela ótica transcultural, processo em que os indivíduos transformam a língua em algo novo, original e independente (COGO, 2008COGO, A. (2008). English as a Lingua Franca: form follows function. English Today. v. 24, n. 3, p. 58-61.; SIQUEIRA, 2018SIQUEIRA, D. S. P. (2018). Inglês como Língua Franca não é zona neutra, é zona transcultural de poder: por uma descolonização de concepções, práticas e atitudes. Revista Línguas & Letras. v. 19, n. 44, p. 93-113.).

Destarte, o ILF celebra e incorpora todas as variações em seus diferentes contextos, rejeitando um modelo monocentrado de língua franca. Em outras palavras, não gira em torno de uma única variação, submetida às normas de prestígio dos falantes do círculo interno, mas abarca um conjunto de práticas linguísticas, sotaques e contextos onde falantes bilíngues e multilíngues de inglês estão envolvidos. O papel dos aprendizes não se resume a atingir as expectativas dos falantes nativos, muito menos tê-los como métrica para avaliar a sua aquisição da língua. O propósito, pelo contrário, está em garantir a inteligibilidade, na qual os interlocutores negociam os sentidos, ou seja, ambos - ouvinte e falante - se comprometem em fazer a interação funcionar e atingir a compreensão mútua. As trocas no ILF são, portanto, um processo contínuo de modificações e de cooperação, tendo como marca essencial a fluidez, a hibridização, a interculturalidade5 5 O termo é adotado aqui segundo a definição elaborada por Walsh (2009), que assume a perspectiva intercultural do ponto de vista crítico, em que os diversos grupos culturais, conscientes de suas diferenças, agem contra as estruturas de poder que mantém a discriminação e subalternização de seres e saberes, trabalhando em conjunto por uma sociedade justa, equitativa e plural. Trata-se, portanto, de um projeto político, social e ético a ser construído, a fim de transgredir e transformar essas condições. e o respeito pelas identidades individuais (JENKINS, 2006JENKINS, J. (2006). Points of view and blind spots: ELF and SLA. International Journal of Applied Linguistics. v. 16, n. 2, p. 137-162.; COGO, 2008COGO, A. (2008). English as a Lingua Franca: form follows function. English Today. v. 24, n. 3, p. 58-61.; JENKINS, COGO; DEWEY, 2011JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315.).

Entende-se, desse modo, que esse paradigma empodera os seus usuários, os quais se comunicam em inglês a partir de seus valores, interesses e repertórios linguísticos, instigando-os a descolonizar “crenças, atitudes, premissas e métodos nos mais diversos níveis, visando, entre outros aspectos, à des(re)construção de discursos e práticas dos profissionais envolvidos diretamente com o ensino do idioma” (SIQUEIRA, 2018SIQUEIRA, D. S. P. (2018). Inglês como Língua Franca não é zona neutra, é zona transcultural de poder: por uma descolonização de concepções, práticas e atitudes. Revista Línguas & Letras. v. 19, n. 44, p. 93-113., p. 105). Na subseção a seguir, trataremos mais a fundo acerca da área de ELI, à luz desses pressupostos e de outros olhares.

1.1 O ensino de inglês sob novos pilares

No que tange o ensino-aprendizagem de LI, o paradigma do ILF traz à tona implicações pedagógicas distintas das tradicionalmente convencionadas pelo ILE, convidando-nos a repensar o currículo, os materiais, as abordagens e metodologias, o modo de avaliar, bem como nosso conhecimento e crenças como professores (JENKINS; COGO; DEWEY, 2011JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315.). Não se trata, pois, de ensinar inglês como código, visão sustentada em uma falsa ideia de neutralidade, mas reconhecer a sua natureza política e ideológica, exercendo-se uma prática em que haja a inserção de conteúdos culturais globais e locais, o desenvolvimento da interculturalidade e do pensamento crítico, assim como a inclusão de temas que fazem parte do mundo real (SIQUEIRA, 2012SIQUEIRA, D. S. P. (2012). Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p. 311-353.).

Percebe-se que com a formulação da BNCC do Ensino Fundamental (2017), as orientações referentes à área de LI avançaram nessa direção, pois o documento já assume o idioma pelo status de Língua Franca, dando enfoque às funções sociais e políticas que carrega. Segundo o documento, aprender inglês implica “problematizar os diferentes papéis da própria LI no mundo, seus valores, seu alcance e seus efeitos nas relações entre diferentes pessoas e povos, tanto na sociedade contemporânea quanto em uma perspectiva histórica” (BRASIL, 2017, p. 245). Ademais, o documento posiciona-se em prol da legitimação das diferentes formas de expressão, as quais não devem ser consideradas meras exceções de um suposto padrão ou curiosidade local. E muito menos podem ser avaliadas como itens fossilizados, sob a ótica de um retrocesso, como conjecturado pelo paradigma do ILE. Pelo contrário, os diversos usos linguísticos expandem o repertório do aluno, oportunizando o exercício da inteligibilidade e do respeito à diversidade.

Similarmente, o PNLD do Ensino Fundamental (2017) reafirma o caráter híbrido e multicultural presente nos espaços de aprendizagem, entendendo que cabe à escola promover reflexões críticas sobre a diversidade linguística, cultural e social existente em seu entorno. Assim, ensinar inglês implica reconhecer o elo indissociável entre língua(s), cultura(s) e identidade(s), “visto que os sujeitos que aprendem uma nova língua aprendem também novos modos de socialização e de interação, podendo tornar-se pessoas melhores, ampliadas, cujas identidades se abrem para dialogar com o outro” (PNLD, 2017, p. 10).

Nesse sentido, as coleções didáticas devem colaborar efetivamente para a construção da cidadania ativa, encarada não apenas pelo viés social, mas também político. Logo, os temas abordados nos livros devem ser relevantes e inovadores, contemplando as diferentes esferas da vida humana. Somado a isso, faz-se fundamental visualizar nesses materiais o incentivo ao diálogo intercultural, o distanciamento da abordagem estruturalista de língua para enfoque no uso contextualizado, bem como o enfrentamento de estereótipos, preconceitos e discriminações de todo o tipo.

Entre os critérios de seleção dos exemplares, o PNLD (2017) também leva em consideração alguns outros elementos, mais especificamente: leituras que incitem a criticidade; promoção da compreensão oral, incluindo as marcas da oralidade; atividades que permitam o acesso a diferentes manifestações da linguagem oral; acesso à pluralidade cultural, social, étnica, etária e de gênero materializada na língua-alvo, seja em linguagem verbal, não verbal e/ou verbo-visual; atividades que criem inter-relações com o entorno da escola, estimulando a participação social dos jovens em sua comunidade.

Podemos notar que os princípios supracitados dialogam com a visão de Freire (1987)FREIRE, Paulo. (1987). Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra., quando o autor menciona a necessidade de uma pedagogia crítico-reflexiva, problematizadora, em que os alunos, em vez de elementos passivos no processo de ensino-aprendizagem, tornam-se conscientes da realidade que os cerca e agentes de transformação do mundo. Essa ótica é reforçada pela Linguística Aplicada Crítica (LAC), a qual concebe o uso da língua como o ato de se posicionar ideológica e politicamente, devendo assumir-se como ferramenta que emancipa os oprimidos, comprometida com a melhoria dos mais variados contextos sociais (URZÊDA-FREITAS & PESSOA, 2012URZÊDA-FREITAS, M. T. de; PESSOA, R. R. (2012). Rupturas e continuidades na Linguística Aplicada Crítica: uma abordagem historiográfica. Calidoscópio. v. 10, n. 2, p. 225-238.). Em outros termos,

Na perspectiva da LAC, a língua deixa de ser vista como mero reflexo da realidade e passa a ser compreendida como instrumento de ação, mudança e resistência: se é a língua que produz a hegemonia e reproduz os discursos coloniais, é por meio dela que se deve lutar para subverter os discursos e práticas hegemônicas do colonialismo. (URZÊDA-FREITAS & PESSOA, 2012URZÊDA-FREITAS, M. T. de; PESSOA, R. R. (2012). Rupturas e continuidades na Linguística Aplicada Crítica: uma abordagem historiográfica. Calidoscópio. v. 10, n. 2, p. 225-238., p. 232)

Assim, mediante a Pedagogia Crítica (FREIRE, 1987FREIRE, Paulo. (1987). Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) e a LAC, docentes e alunos são instigados a questionarem o status quo das variantes de prestígio na LI, de modo a se libertarem da reprodução de mitos e crenças ultrapassados, inserindo-se nas mais diversas esferas sociais na posição de investigadores críticos. Ou seja, a Pedagogia Crítica de Freire (1987)FREIRE, Paulo. (1987). Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. ajuda-nos a migrar de um pensamento enraizado na perspectiva do ILE para o do ILF, já que muitos professores e alunos ainda se prendem às variantes de inglês dos países dominantes e reproduzem valores da colonialidade e do pensamento abissal6 6 De acordo com Sousa Santos (2007) apud Siqueira (2020), esse pensamento consiste na divisão do mundo entre norte e sul, por meio de linhas imaginárias, no qual no primeiro polo estariam as sociedades ditas desenvolvidas e no segundo, aquelas consideradas inferiores. Esse raciocínio, então, mantém a segregação e universaliza uns em detrimento de outros, diminuindo as chances de inclusão e emancipação dos oprimidos. . Afinal, onde está o questionamento crítico? Onde está a rebeldia que ele, Freire, tanto defendeu?

Vale ressaltar, entretanto, que os métodos tradicionais não são capazes de lidar adequadamente com toda a complexidade que o ELI abarca nesses tempos contemporâneos, sendo, portanto, limitados. Um método, para ser bem-sucedido, depende de muitos fatores que geralmente são ignorados, como o conhecimento do professor, a assimilação do aprendiz, contextos culturais, necessidades sociais, exigências políticas, econômicas e barreiras institucionais, todos interconectados (KUMARAVADIVELU, 2003KUMARAVADIVELU, B. (2003). Understanding Postmethod Pedagogy. In: Beyond Methods: macrostrategies for language teaching. New Haven: Yale University Press, p. 23-43.). Pensando nisso, a Pedagogia Pós-Método surge como uma alternativa que fornece aos professores a autonomia para construírem a sua própria visão e versões de ensino, localmente contextualizadas e alinhadas às necessidades identificadas.

Para tanto, essa abordagem cíclica e holística prevê algumas dimensões operacionais, sendo elas: particularidade, na qual o ensino de língua abrange um meio sociocultural específico; praticidade, em que as reflexões e ações contínuas na sala de aula aprimoram a práxis; e possibilidade, que, inspirada nos postulados freirianos, preocupa-se com questões identitárias e transformação social (KUMARAVADIVELU, 2003KUMARAVADIVELU, B. (2003). Understanding Postmethod Pedagogy. In: Beyond Methods: macrostrategies for language teaching. New Haven: Yale University Press, p. 23-43.). Logo, os profissionais da área, dispondo de bases conceituais alicerçadas em percepções teóricas, empíricas e experienciais, estariam mais capacitados para a tomada de decisões pedagógicas conscientes. Trata-se de um conhecimento indispensável, visto que não é possível realizar a transição entre os paradigmas aqui discutidos se o professor não tem plena noção do que está fazendo e das consequências das suas escolhas.

1.2 Compreensão oral na perspectiva do ILF

Tendo em mente os preceitos discutidos na subseção anterior, podemos notar que o ensino de compreensão oral em LI adquire outros fins, preocupando-se mais com o desenvolvimento da competência estratégica necessária nas interações reais, do que com a busca por assertividade e compreensão de uma fala padronizada em torno de uma única variante de inglês. No entanto, apesar dos estudos linguísticos terem avançado, com o ILF já sendo considerado um fato no meio acadêmico, as atividades de compreensão oral em muitos livros didáticos ainda refletem uma abordagem behaviorista, em que o aluno é compelido a ouvir repetidamente os áudios, até que os códigos linguísticos sejam minimamente identificáveis e assimilados (DIMOSKI, 2016DIMOSKI, B. (2016). A proactive ELF-aware approach to listening comprehension. In: COTE, Travis; MILLINER, Brett, The Center for ELF Journal. Tamagawa: University of Tamagawa, p. 25-38.).

Por razão desse tipo de prática e do imaginário coletivo, a habilidade de escuta é vista, geralmente, como um processo totalmente passivo. Todavia, consiste em um processo ativo, já que nas interações da vida cotidiana, ouvir exige o uso de diferentes recursos para compreender o que outro fala, ocorrendo momentos de interrupções para clarificar significado. Mesmo diante de gravações prontas, a escuta não é um empreendimento tão inerte quanto parece, pois sempre estamos no controle para sanarmos possíveis dúvidas, ouvindo novamente um áudio ou vídeo, fazendo anotações e pesquisas, ou perguntando a terceiros a respeito do que escutamos (GRAF, 2015GRAF, D. A. S. (2015). The phonology of English as a Lingua Franca and implications for coursebook design: listening and pronunciation tasks in the textbook global. Tese (Master in Culture and Social Science). Salzburg University, Salzburg.).

Acontece que na comunicação espontânea, temos acesso a componentes visuais, tais como gestos, expressões faciais, movimento dos lábios, ambiente, etc., os quais facilitam a assimilação do que se diz. Quando as atividades de compreensão oral são predominantemente baseadas em áudio, esses elementos paralinguísticos ficam inexplorados, tornando-as tarefas extremamente desafiadoras para os alunos, além de não serem naturais. Sendo assim, é interessante que os áudios disponibilizados em materiais didáticos, por exemplo, não sejam monólogos, mas diálogos autênticos, para que se possa perceber as ações dos interlocutores na construção dos sentidos (GRAF, 2015GRAF, D. A. S. (2015). The phonology of English as a Lingua Franca and implications for coursebook design: listening and pronunciation tasks in the textbook global. Tese (Master in Culture and Social Science). Salzburg University, Salzburg.; DIMOSKI, 2016DIMOSKI, B. (2016). A proactive ELF-aware approach to listening comprehension. In: COTE, Travis; MILLINER, Brett, The Center for ELF Journal. Tamagawa: University of Tamagawa, p. 25-38.).

Esse movimento de negociação é, por sinal, bem comum entre falantes de ILF, os quais recorrem ao fenômeno chamado acomodação, um processo em que os interlocutores ajustam seu comportamento linguístico de modo a facilitar a interação. Pode-se acomodar tanto a recepção fonológica, isto é, quando se mudam as expectativas sobre como os sons, sílabas, palavras e sentenças deveriam soar - acostumando-se com os aspectos da fala que concretamente se está em contato -, quanto a produção fonológica, quando nos fazemos mais entendíveis, falando mais devagar ou articulando melhor as palavras, por exemplo (COGO, 2009COGO, A. (2009). Accommodating difference in ELF conversations: a study of pragmatic strategies. In: MAURANEN, Anna; RANTA, Elina, English as a Lingua Franca: Studies and Findings. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, p. 254-273.; WALKER, 2010WALKER, R. (2010). Accent, accommodation and intelligibility in ELF. Modern English Teachers, v. 26, n. 4, p. 04-07.).

Outras estratégias pragmáticas, como repetição (da própria fala ou do interlocutor), paráfrase, ênfase, auto-refraseamento, mudança de código (o interlocutor utilizando termos de sua língua materna), entre outros, que no ILE são considerados deficiência na habilidade de se expressar, no ILF revelam-se prova de aptidão comunicativa. A mudança de código, por exemplo, seria uma ferramenta extra na comunicação intercultural, permitindo elaborar sentidos, outras formas de expressão e entendimento frente à pluralidade cultural. Estabeleceria, assim, certos valores, identidades e pontos de vista, já que a língua carrega significado simbólico. A repetição da fala do outro, por sua vez, pode proporcionar tempo para pensar no que dizer em seguida, bem como atestar adesão à sentença original (COGO, 2009COGO, A. (2009). Accommodating difference in ELF conversations: a study of pragmatic strategies. In: MAURANEN, Anna; RANTA, Elina, English as a Lingua Franca: Studies and Findings. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, p. 254-273.).

Logo, tais ações demonstram cooperação entre os falantes, sinal de concordância, capacidade de ouvir e engajamento na conversa, evidenciando a competência desses participantes em explorar o seu repertório linguístico multifacetado. Em vez de esperar uma fala idealmente correta, é fundamental saber adaptar-se às diferentes variantes, pois essa atitude, além de assegurar a inteligibilidade entre os sujeitos, isto é, compreensão mútua, também sinaliza solidariedade entre eles e assunção de suas identidades. Afinal, não é a existência de uma língua comum que faz possível a comunicação, mas a disposição das pessoas em se inter-relacionar e se fazer entender (COGO, 2009COGO, A. (2009). Accommodating difference in ELF conversations: a study of pragmatic strategies. In: MAURANEN, Anna; RANTA, Elina, English as a Lingua Franca: Studies and Findings. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, p. 254-273.; RAJAGOPALAN, 2001RAJAGAPOLAN, K. (2001). The politics of language and the concept of linguistic identity. CAUCE. n. 24, p. 17-28.).

Via de regra, o uso desses recursos indica uma tentativa de alinhamento entre os falantes, e podem demonstrar sincronia, mantendo o ritmo do diálogo. No ILF, as pessoas são mais sensíveis às diferenças culturais e linguísticas que porventura criam mal entendidos, logo, estão mais suscetíveis a tomar certas atitudes para evitar determinados ruídos. Evidências sugerem, por outro lado, que os falantes nativos, além de não serem o modelo mais ideal a ser seguido, possuem uma desvantagem comunicativa pelo fato de serem monolíngues, ou seja, não conseguem se adaptar aos outros falares tão facilmente. À vista disso, em vez de se focar no sotaque de uma elite minoritária, faria mais sentido debruçar-se na fala usada pela maioria (COGO, 2009COGO, A. (2009). Accommodating difference in ELF conversations: a study of pragmatic strategies. In: MAURANEN, Anna; RANTA, Elina, English as a Lingua Franca: Studies and Findings. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, p. 254-273.; JENKINS, 2009JENKINS, J. (2009). (Un)pleasant? (In)correct? (Un)intelligible? ELF speakers’ perceptions of their accents. In: MAURANEN, Anna; RANTA, Elina, English as a Lingua Franca: studies and findings. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, p. 10-36.; CANAGARAJAH, 2007CANAGARAJAH, S. (2007). Lingua Franca English, Multilingual Communities, and Language Acquisition. The Modern Language Journal. v. 91, p. 923-939.).

Ensinar somente o padrão norte-americano ou britânico é, nesse caso, irrelevante, e, muitas vezes, inapropriado para o aprendizado de não-nativos (JENKINS, 2009JENKINS, J. (2009). (Un)pleasant? (In)correct? (Un)intelligible? ELF speakers’ perceptions of their accents. In: MAURANEN, Anna; RANTA, Elina, English as a Lingua Franca: studies and findings. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, p. 10-36.). Se limitamos e condicionamos o aluno a essas variantes, podemos prejudicá-lo, já que ele precisará interagir com sujeitos singulares, os quais utilizam o inglês com variadas marcas linguístico-culturais. Dessa forma, em se tratando de alunos do Ensino Fundamental no Brasil, a perspectiva do ILF revela-se mais adequada, pois prepara-os para o contato com o diferente, com as mais diversas possibilidades de interlocução.

No âmbito da fonologia, estudos descritivos têm mostrado quais aspectos são cruciais ou não para a inteligibilidade, compilados no que Jenkins (2000JENKINS, J. (2000). The phonology of English as an international language. United Kingdom: Oxford University Press., 2002JENKINS, J. (2002). A sociolinguistically based, empirically researched pronunciation syllabus for English as an international language. Applied Linguistics. v. 23, n. 1, p. 83-103.) chamou de Língua Franca Core (LFC) (JENKINS, 2000JENKINS, J. (2000). The phonology of English as an international language. United Kingdom: Oxford University Press., 2002JENKINS, J. (2002). A sociolinguistically based, empirically researched pronunciation syllabus for English as an international language. Applied Linguistics. v. 23, n. 1, p. 83-103.; SEIDLHOFER, 2004SEIDLHOFER, B. (2004). Research perspectives on teaching English as a Lingua Franca. Annual Review of Applied Linguistics. v. 24, p. 209-239.; SIFAKIS, 2014SIFAKIS, N. C. (2014). Teaching pronunciation in the post-EFL era: lessons from ELF and implications for teacher education. In: HERLITZ, Wolfgang; HOLVEN, Paul Van Den. English as a foreign language teacher education. Amsterdam: Rodopi, p. 127-146.). Apesar de não ser um modelo estanque, pelo contrário, está aberto à melhorias e complementações, pode servir de parâmetro a depender do contexto e do grau de acomodação necessários. Conhecer essas classificações é indispensável, já que a pronúncia é uma das principais razões que causam dificuldade na compreensão do outro (JENKINS, COGO & DEWEY, 2011JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. (2011). Review of developments in research into English as a lingua franca. Language Teaching. v. 44, n. 3, p. 281-315.; SEIDLHOFER, 2004SEIDLHOFER, B. (2004). Research perspectives on teaching English as a Lingua Franca. Annual Review of Applied Linguistics. v. 24, p. 209-239.). Somado a isso, pode tornar o ensino de compreensão oral mais produtivo e direto ao ponto, economizando tempo para explorar o que de fato vai auxiliar os aprendizes a aprimorar a habilidade de escuta.

Outra contribuição do LFC diz respeito à noção de erro, o qual, dentro dessa análise empírica, abrange somente a não reprodução dos itens considerados essenciais para o entendimento mútuo. Dito de outra forma, enquanto no ILE a métrica para julgar desvios gira em torno dos sotaques de prestígio, no ILF a referência seria o LFC, cuja finalidade é funcional e direcionada aos problemas reais de comunicação. Para exemplificar, a pronúncia aspirada das consoantes tais como /p/, /t/ e /k/ no início de palavras é necessária, visto que quando não pronunciadas assim, pode-se ouvir as consoantes opostas /b/, /d/ e /g/, respectivamente (SEIDLHOFER, 2004SEIDLHOFER, B. (2004). Research perspectives on teaching English as a Lingua Franca. Annual Review of Applied Linguistics. v. 24, p. 209-239.).

Dessa maneira, seria proveitoso que as atividades incluíssem a escuta, análise e comparação de características de sotaques diversificados, de modo a conduzir o estudante a captar as formas distintas de pronunciar um mesmo aspecto fonológico. Igualmente, ouvir um texto oral, tentar reconstruí-lo conforme o que foi reconhecido, para posterior contraste com a transcrição original, ajuda o aprendiz a perceber as suas dificuldades de compreensão. Ademais, uma breve introdução do falante, como o nome, idade, lugar onde nasceu, profissão, etc. antes da reprodução de um áudio pode diminuir a ansiedade dos alunos, pois eles terão uma ideia prévia do que os esperam (WALKER, 2010WALKER, R. (2010). Accent, accommodation and intelligibility in ELF. Modern English Teachers, v. 26, n. 4, p. 04-07.; VANDERGRIFT, 2009VANDERGRIFT, L.; GOH, C. (2009). Teaching and Testing Listening Comprehension. In: H. LONG, Michael; DOUGHTY, C. J. The Handbook of Language Teaching. Singapore: Wiley-Blackwell, p. 395-411.; DIMOSKI, 2016DIMOSKI, B. (2016). A proactive ELF-aware approach to listening comprehension. In: COTE, Travis; MILLINER, Brett, The Center for ELF Journal. Tamagawa: University of Tamagawa, p. 25-38.).

Entende-se, portanto, que “em um contexto de formas e convenções plurais, é importante que os estudantes sejam sensíveis à relatividade das normas” (CANAGARAJAH, 2007CANAGARAJAH, S. (2007). Lingua Franca English, Multilingual Communities, and Language Acquisition. The Modern Language Journal. v. 91, p. 923-939., p. 936). A falta de compreensão não depende apenas do nível de repertório linguístico que o aprendiz possui em relação à língua-alvo, de forma isolada, mas também do conhecimento das inclinações linguísticas e culturais do seu interlocutor. Por isso, no âmbito de sala de aula, é essencial engajar os aprendizes em uma escuta ativa, ensinando-os estratégias usadas por falantes em contextos autênticos de comunicação, proporcionando situações em que a incerteza e a imprevisibilidade sejam elementos composicionais, tal como acontece em circunstâncias genuínas de interação. Além disso, é importante abordar temas críticos, relevantes e localmente situados, oportunizando reflexões sobre sotaques e aspectos linguísticos de falantes não-nativos, de modo a torná-los donos e responsáveis pela negociação dos tópicos discursivos, bem como exercitar neles o respeito pela diversidade (DIMOSKI, 2016DIMOSKI, B. (2016). A proactive ELF-aware approach to listening comprehension. In: COTE, Travis; MILLINER, Brett, The Center for ELF Journal. Tamagawa: University of Tamagawa, p. 25-38.).

2. EXAMINANDO O LIVRO DIDÁTICO

À luz de toda essa discussão, analisamos o livro de inglês do 9º ano, aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2018, intitulado English and More!7 7 Editora responsável Izaura Valverde, publicado pela Richmond Educação, ano 2018. . Adotamos como critérios de seleção desse material os seguintes aspectos: a) o fato de ser utilizado em escolas públicas do município de Ilhéus-BA e b) um ano de aprovação pelo PNLD recente, considerando-se o período de escrita desse artigo, a fim de se obter um resultado atualizado. Foram examinadas todas as atividades das seções de compreensão oral das oito unidades que o compõem, com o propósito de se obter um panorama mais completo no que concerne à elaboração do material para o desenvolvimento dessa habilidade. Todavia, por questão de delimitação de espaço, apresentamos os aspectos encontrados nas unidades 3 e 4, que melhor ilustram a discussão aqui traçada e, na seção 2.1, tecemos comentários em torno dos pontos mais recorrentes ao longo do livro todo.

Para essa análise utilizamos uma abordagem qualitativa, por considerarmos que os pesquisadores não podem estar separados do fenômeno estudado, pois eles são a principal ferramenta de pesquisa (RUKWARU, 2015). Logo, nesse tipo de estudo, demanda-se interpretação por parte do investigador, já que “é impossível alcançar objetividade e neutralidade de forma completa” (RUKWARU, 2015, p.140, tradução nossa). A fim de estruturar os dados de maneira organizada e rigorosa, optamos pela técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Persona, 1977. e orientamos a nossa investigação com base nas categorias descritas no quadro abaixo:

Quadro 1
Categorias De Análise - ILE vs. ILF

Considerando os critérios acima, exploramos os áudios das respectivas unidades em tela do livro, bem como descrevemos e interpretamos os resultados verificados, fazendo uma reflexão crítica e construindo um diálogo com os nossos pressupostos teóricos.

Assim, apresentamos, a seguir, os aspectos encontrados nas unidades 3 e 4, escolhidas por conterem de modo mais explícito o paradigma do ILE, e, portanto, melhor servirem como exemplificação da nossa pesquisa.

3ª Unidade - Feeling good?

O tema da unidade diz respeito ao bem-estar físico e emocional, contendo o relato de uma jovem em luto pela morte de sua mãe, isto é, há apenas um interlocutor. O gênero textual utilizado é o podcast e o áudio corresponde à faixa 08 (2min06s).

No que concerne às categorias, verificamos na categoria A o sotaque norte-americano, perceptível pela fala rápida, supressão dos sons finais das palavras, além do uso de verbos frasais e expressões idiomáticas, como so badly, por exemplo. Além disso, é especificamente de Los Angeles, pois a garota menciona que a família, de raízes filipinas, mudou-se para essa cidade. Já referente à categoria B, a fala da jovem segue a norma-padrão, o que, por se tratar de um relato, não faz muito sentido (dificilmente em fala espontânea alguém segue estritamente as normas). No quadro de pronúncia, pede-se para reconhecer a diferença entre os sons de off/of, com base na pronúncia da jovem. Ou seja, têm-se como métrica o sotaque norte-americano, não abrindo margem para a possibilidade dessa diferença não acontecer a depender das identidades dos interlocutores, nem esclarece que não causa problemas de inteligibilidade (pois o contexto dá pistas sobre qual deles se está utilizando).

Na categoria C, apesar de tratar-se de um podcast, percebe-se que a fala da jovem não é espontânea, devido às pausas típicas de quem lê um texto e à falta de desvios e elementos próprios da comunicação real (hesitação, repetição, digressão, correção, marcadores conversacionais, pausa para pensar, etc.). Logo, supõe-se que seja um script já pré-formulado. Na categoria D, a identidade norte-americana é privilegiada, tanto por ser a origem da jovem do áudio, quanto pelas imagens de pre-listening, em que só são representadas pessoas brancas. Um outro aspecto a ser observado é que a história conduz os alunos a interpretar que nos Estados Unidos tudo é melhor.

Em relação à categoria E, o tema é pertinente e abarca uma situação que ocorre no mundo real, suscetível a qualquer pessoa. Porém, é voltado à realidade e cultura dos países hegemônicos, como os povos que vieram para os EUA buscar condições melhores de subsistência. Além disso, não valoriza em nada a cultura filipina, pois só focaliza aspectos negativos de lá, desmerecendo-a. Por fim, na categoria F, constatamos que há reprodução do pensamento e de valores coloniais norte-americanos, pois a garota menciona que tem raízes filipinas e que a avó se mudou com seus 8 filhos para Los Angeles em busca de uma vida melhor. Ou seja, reforça-se a crença do tal sonho americano, passando a ideia que nesse país as pessoas podem, de fato, viver com qualidade.

Pode-se notar que, das seis categorias descritas, todas englobam o paradigma do ILE.

4ª Unidade - Lifestyles

O tema da unidade gira em torno dos estilos de vida, e, na faixa 10 (2min56s), uma youtuber opina sobre as diferenças entre viver no campo e em cidade. Há, novamente, apenas um interlocutor.

Na categoria A, o sotaque manifestado é o britânico, pois a garota possui marcas próprias desse sotaque. Além disso, apesar de ser alemã, vive em Londres. Na categoria B, notamos que a fala da jovem ocorre de modo informal, como esperado devido ao gênero relato de opinião, no entanto, segue a norma-padrão do inglês britânico. No quadro de pronúncia, o foco é o reconhecimento do pronounced ou silent r, conduzindo o aluno a ouvir um trecho da fala da jovem (faixa 12), em que se pode ouvir o standard English britânico, e o mesmo texto lido por um homem com sotaque norte-americano (faixa 13). O livro não expande para as pronúncias de outros interlocutores com nacionalidades diferentes, não fornecendo ao aluno a oportunidade de refletir sobre estereótipos e visões reducionistas referentes à LI no mundo - o que a metodologia do próprio livro promete (p. XVI). Ao contrário, fica implícita a ideia que se deve imitar o falante nativo e de que desvios ou sotaques que destoam do considerado ideal (inglês padrão norte-americano ou britânico) não são desejáveis.

No que tange à categoria C, a fala no áudio é espontânea, pois foi retirada de um contexto original, no qual uma jovem relata como é a vida em Londres (vídeo na plataforma Youtube), pode-se perceber que não se trata de material fabricado para o ensino da língua. São perceptíveis elementos tais como pausas, hesitação, correção, marcadores conversacionais, digressão, por exemplo. No entanto, por se tratar de um monólogo, bem como ser uma fala rápida e de nível avançado, a compreensão oral fica limitada e dificultosa para a realidade do público-alvo (alunos de 9º ano de escola pública). Já na categoria D, vimos que as identidades de falantes de países desenvolvidos são prestigiadas, tendo em vista que a jovem no áudio nasceu na Alemanha (potência econômica e política mundial) e tem sotaque britânico (país do círculo interno).

Em relação à categoria E, o tema deixa de ser relevante a partir do momento em que foca no estilo de vida de Londres, uma cidade de país do círculo interno, incoerente com a realidade de estudantes de escola pública brasileira. No áudio, a jovem menciona a conveniência de pedir comida por aplicativos, fazer compras por internet, e morar numa cidade em que ela pode desfrutar de estabelecimentos como restaurantes, bares, museus, shows e novas arquiteturas. Ou seja, ao optar por esse áudio, sem propor uma reflexão crítica sobre as diferentes realidades existentes no mundo, inclusive no Brasil, o livro supervaloriza a rotina e os aspectos típicos dessa cidade, que nada condizem com as condições socioeconômicas dos alunos. Isso não favorece “a ruptura com formas de pensar lineares, reducionistas, etnocêntricas, discriminatórias e excludentes” (VALVERDE, 2018VALVERDE, I. (2018). English and More! 1. ed. São Paulo: Richmond., p. VII), como promete o livro.

Por fim, fica bem evidente, na categoria F, a reprodução de valores coloniais, tanto pelo conteúdo do áudio, quanto pela elaboração das questões, que não se propõem em nenhum momento a trazer outros estilos de vida que não os de países dominantes, a questionar diferentes realidades, desigualdades sociais, muito menos a pensar o contexto local dos alunos. Desde quando alunos de escola pública desfrutam facilmente de lazer como idas a restaurantes, bares, shows, e pedido de comida por aplicativo/compras na internet, de forma tão prática como a garota menciona? Isso nos faz lembrar o mundo plástico do livro didático criticado por Siqueira (2012)SIQUEIRA, D. S. P. (2012). Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p. 311-353..

Observa-se que, das seis categorias analisadas, prevaleceram, em todas, aspectos relativos ao ILE.

2.1 A difícil integração do ILF e o Livro didático

Arriscamo-nos a afirmar, a partir da análise, que o livro English and More! do 9º ano do Ensino Fundamental privilegia os sotaques de países hegemônicos - notadamente Estados Unidos e Inglaterra - sendo, nas unidades 1, 3, e 4, declaradamente sotaques específicos das grandes metrópoles. Para completar, os áudios mostram-se com um nível acima do esperado para alunos brasileiros do 9º ano do ensino fundamental, pois são marcados por vocabulário e gramática avançados, rapidez na fala, poucas pausas e supressão de sons. Como discutimos na seção 1.2, essa não é a melhor opção, pois o ILF geralmente apresenta-se mais compreensível para eles, já que nós, brasileiros, compartilhamos de diversas marcas desse inglês, o que propicia uma familiaridade com as pronúncias não-nativas.

Somado a isso, na maioria das unidades do livro, os áudios não são oriundos de materiais autênticos e a comunicação é engessada/roteirizada, seguindo a norma-padrão da LI. Isso destoa do prenunciado pelo livro na apresentação da seção Listening, no qual garante que “o uso de textos autênticos instigantes e contemporâneos, presentes também nessa seção, visa assegurar que a oralidade seja trabalhada em sua dinâmica interação com outras modalidades e semioses na construção de sentidos” (VALVERDE, 2018VALVERDE, I. (2018). English and More! 1. ed. São Paulo: Richmond., p. XXVII). Apenas um áudio é uma fala espontânea (unidade 4), no entanto, privilegia sotaque nativo, além de ser um monólogo. Logo, as estratégias de compreensão oral segundo o ILF e os comportamentos linguísticos dos interlocutores não puderam ser trabalhadas.

Outro ponto relevante diz respeito aos quadros de pronúncia, os quais deixam evidente que os elementos fonéticos e fonológicos dos falantes nativos são o correto, o modelo a ser imitado, já que não menciona outras possibilidades. Pelo contrário, na unidade 5 é reforçada, de modo explícito, a ideia de que a pronúncia do nativo deve ser a referência, ao sugerir que Native speakers of English do this to... (p. 91). Tal fato, mais uma vez, é incoerente com o que o livro postula para essa seção, pois diz que “a pronúncia é abordada de modo que acolha as diversas formas de falar a língua inglesa em seu status de língua franca” (VALVERDE, 2018VALVERDE, I. (2018). English and More! 1. ed. São Paulo: Richmond.,p. XXVII). Consoante o demonstrado, isso não ocorreu.

Pode-se notar, também, que devido ao modo de elaboração das atividades, bem como a falta de diálogos espontâneos e de contato com elementos paralinguísticos, o processo de escuta é visto como um mecanismo passivo. Boa parte das questões de compreensão oral resumem-se à identificação de palavras/informações nas sentenças ditas no áudio, não expandindo para outras propostas discutidas por Dimoski (2016)DIMOSKI, B. (2016). A proactive ELF-aware approach to listening comprehension. In: COTE, Travis; MILLINER, Brett, The Center for ELF Journal. Tamagawa: University of Tamagawa, p. 25-38., nas quais os alunos exercitam a escuta ativa produzindo os seus próprios áudios ou negociam os sentidos por meio da leitura de roteiros para o colega, por exemplo. Reconhecemos, porém, a preocupação do livro em exercitar a habilidade de inferência de informações e a identificação de pistas contextuais - ainda assim, nos questionamos quanto a sua eficácia, tendo em vista o nível avançado dos áudios e o sotaque de nativos.

No que tange à abordagem das temáticas, apesar de algumas serem relevantes, o livro poderia ter desenvolvido as tarefas de forma mais crítica, elaborando perguntas que conduzissem os alunos a refletirem sobre o contexto socioeconômico em que estão inseridos, bem como acerca de diversidade cultural, desigualdades de todo o tipo, as distintas realidades e valores entre países, variações linguísticas, diferentes sotaques, etc. Seria interessante, ainda, propor discussões que trabalhassem a criatividade e a capacidade de pensar em soluções para tais adversidades. Logo, podemos dizer que, nesse pormenor, o material está alinhado, em sua maioria, com os postulados da Pedagogia Crítica de Freire (1987)FREIRE, Paulo. (1987). Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. apenas no que concerne a escolha das temáticas, que são necessárias, mas peca na pouca problematização e enfrentamento do status quo.

Ademais, ao longo de todas as seções de compreensão oral, há elementos que giram em torno da cultura e realidade de países anglocêntricos, mais evidentes nas unidades 3, 4 e 7, por exemplo. Quanto ao nosso recorte, o livro não cumpre o que promete em sua metodologia, ao dizer que as atividades envolverão questões que “convidam à reflexão sobre visões, comportamentos, atitudes e eventos vinculados às culturas de diversos grupos sociais, com o intuito de oferecer condições para a expansão do olhar e da compreensão de mundo do estudante, ampliando sua capacidade de identificar seu lugar e também o lugar do outro em meio à pluralidade linguística e cultural” (VALVERDE, 2018VALVERDE, I. (2018). English and More! 1. ed. São Paulo: Richmond., p. XVI). Ou seja, perpetua os valores da classe dominante, com situações utópicas e representações que nada condizem com o modo de vida dos países do círculo de expansão.

Ainda que as perguntas trabalhem a capacidade de inferir e refletir, a interculturalidade crítica de Walsh (2009)WALSH, C. (2009). Interculturalidade e (des) colonialidade: perspectivas críticas e políticas. In: XII Congresso ARIC. Anais... Florianópolis: Aric, p. 01-18., na qual a colonialidade deve ser contestada nos âmbitos políticos, econômicos, sociais, do saber, do ser e da vida, não é explorada com profundidade. Nesse sentido, a reprodução do pensamento e dos valores coloniais (categoria F) permanece implícita e, em alguns momentos, explícita. Tal fato respalda a crítica de Siqueira (2012)SIQUEIRA, D. S. P. (2012). Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p. 311-353., quando ele relata que mesmo na ocasião de algumas editoras inserirem aspectos culturais de países não hegemônicos, o que está sendo proposto não é a inclusão dos ingleses do mundo, nem mesmo o desenvolvimento de reflexão crítica. Grande parte dos exercícios têm como base o inglês considerado padrão, e a inserção de elementos culturais de outros países são apenas pretexto para o ensino de estruturas gramaticais e aspectos fonéticos e fonológicos de nativos.

A proposta do livro, nas seções de compreensão oral, é, portanto, incongruente com a fundamentação teórica que apresenta na introdução, pelo menos no que tange à interculturalidade crítica e o ELI, abarcando o paradigma do ILF, tais quais os concebemos. Ou seja, temos a impressão que há uma falha em se abordar o ILF de forma ampla, nos moldes aqui sugeridos, corroborando com Siqueira (2018)SIQUEIRA, D. S. P. (2018). Inglês como Língua Franca não é zona neutra, é zona transcultural de poder: por uma descolonização de concepções, práticas e atitudes. Revista Línguas & Letras. v. 19, n. 44, p. 93-113. quando o autor pontua que além da resistência em se admitir o caráter colonialista do ILE e de toda a bilionária indústria de ELI, parece ocorrer, também, uma enorme confusão, desinteresse ou até mesmo má vontade, por parte de alguns, em tentar compreender o caráter não neutro do ILF.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse trabalho, procuramos destacar os conceitos atrelados ao paradigma do ILE e do ILF, em que, no primeiro, a aquisição do idioma gira em torno dos comportamentos linguísticos dos falantes de países dominantes, e, no segundo, falantes não-nativos apoderam-se dessa língua, imprimindo as suas marcas sócio-linguísticas-culturais e usam-na para construir os significados com aqueles que não compartilham a mesma língua materna.

Discorremos, em seguida, sobre a necessidade de uma renovação da área de ELI, à luz de pressupostos teóricos que já concebem o idioma pelo status de língua franca, bem como reconhecem a sua natureza político-ideológica, reiterando a urgência de uma prática pedagógica problematizadora e de uma revisão dos métodos tradicionais.

Tratamos dos aspectos subjacentes à compreensão oral segundo o paradigma do ILF, tais como a priorização da inteligibilidade, o fenômeno da acomodação, além de algumas estratégias de negociação de sentidos. A partir desse conhecimento, sugerimos e comentamos como trabalhar essa habilidade em sala de aula, com base nesses princípios, ficando evidente que o entendimento mútuo é mais bem-sucedido quando há o uso do ILF.

Vimos, na análise das atividades de compreensão oral do livro didático, que o paradigma do ILE foi preponderante, mostrando-se à serviço, portanto, da manutenção de valores coloniais e do pensamento hegemônico. Tal fato nos surpreendeu, tendo em vista que o material se propôs a trabalhar a LI pelo viés intercultural, bem como a romper com práticas excludentes nos mais variados âmbitos, além de prometer dar ênfase ao inglês como língua franca. O que ocorreu, na verdade, foi a inserção de uma ou outra temática pertinente e culturalmente diversa - mas não criticamente trabalhadas -, para justificar que há o enfrentamento do status quo, ao passo que, paradoxalmente, as demais unidades reforçam a colonialidade.

Diante desse cenário, e, ao atingirmos o objetivo aqui proposto, qual seja, o de verificarmos a predominância dos paradigmas do ILE e do ILF nas atividades de compreensão oral em LI do livro English and More!, esperamos que a análise realizada possa contribuir para a formação crítico-reflexiva dos docentes no que concerne o ensino de compreensão oral em LI, de modo que estejam conscientes dos aspectos controversos presentes nos livros didáticos os quais manuseiam. Colocamo-nos a favor de uma reestruturação desses materiais, a fim de que o ELI na perspectiva do ILF saia do plano da superficialidade, passando a contemplar adequadamente a diversidade cultural, a reflexão crítica, os diferentes sotaques e variações linguísticas, além de situações de relevância social, contextualizadas localmente.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Os dados públicos que apoiam as conclusões deste estudo - o discurso de Marielle de 8 de Março de 2018 e o testemunho de Taliria Petrone - estão, respectivamente, disponíveis em https://www.youtube.com/watch?v=G5sjJvK_Txs e https://florescerpormarielle.psol50.org.br/nao-serei-interrompida/. As entrevistas com os colegas da Marielle não estão disponíveis ao público, uma vez que este material contém informações que podem vir a comprometer a privacidade e a segurança dos participantes na investigação.

  • 1
    Utilizamos o termo para referirmo-nos às potências anglófonas que exercem influência sobre os demais países, principalmente em termos político, econômico, cultural e militar.
  • 2
    Os processos são: transferência linguística, quando os itens fossilizáveis são resultado de influência da língua nativa; transferência de treinamento, no caso da fossilização ser resultado de aprendizado sedimentado por meio de cursos, professores, livros, etc.; estratégias de aprendizado de segunda língua, quando a fossilização é fruto da tentativa consciente de dominar a língua-alvo; estratégias de comunicação em segunda língua, quando o aprendiz tenta resolver problemas na comunicação, seja por meio de redução de formas linguísticas ou outros recursos para transmitir significado; e, por fim, generalização excessiva de regras e elementos semânticos na língua-alvo, como os casos de hipercorreção, por exemplo.
  • 3
    A fim de classificar o uso do inglês pelo mundo, Kachru (1997)KACHRU, B. (1997). World Englishes and English-using communities. Annual Review of Applied Linguistics, v. 17, p. 66-87. propôs o modelo dos três círculos, separados em círculo interno, o qual abrange os países cujo inglês é o idioma materno, tais como EUA, Inglaterra e Canadá; círculo externo, envolvendo países que foram colonizados pelos britânicos, a exemplo da Índia, Nigéria e África do Sul; e círculo de expansão, em que estão inseridos os demais países os quais utilizam o inglês para se comunicar, devido à influência do idioma no mundo dos negócios, ciência, tecnologia e educação, tais como o Brasil, China, Japão, etc.
  • 4
    World Englishes é um conceito defendido por Kachru (1985)KACHRU, B. (1985). Standards, codification and sociolinguistic realism: English language in the outer circle. In R. Quirk and H. Widowson (Eds.), English in the world: Teaching and learning the language and literatures (p. 11-36). Cambridge: Cambridge University Press., que legitima as variações de inglês do círculo externo, as quais já são reconhecidas devido a um processo histórico de colonização, assumindo o papel de segunda língua oficial desses países. Ou seja, são variações que, ao longo do tempo, adaptaram-se a um novo contexto geográfico, passando a ser institucionalizadas.
  • 5
    O termo é adotado aqui segundo a definição elaborada por Walsh (2009)WALSH, C. (2009). Interculturalidade e (des) colonialidade: perspectivas críticas e políticas. In: XII Congresso ARIC. Anais... Florianópolis: Aric, p. 01-18., que assume a perspectiva intercultural do ponto de vista crítico, em que os diversos grupos culturais, conscientes de suas diferenças, agem contra as estruturas de poder que mantém a discriminação e subalternização de seres e saberes, trabalhando em conjunto por uma sociedade justa, equitativa e plural. Trata-se, portanto, de um projeto político, social e ético a ser construído, a fim de transgredir e transformar essas condições.
  • 6
    De acordo com Sousa Santos (2007) apud Siqueira (2020), esse pensamento consiste na divisão do mundo entre norte e sul, por meio de linhas imaginárias, no qual no primeiro polo estariam as sociedades ditas desenvolvidas e no segundo, aquelas consideradas inferiores. Esse raciocínio, então, mantém a segregação e universaliza uns em detrimento de outros, diminuindo as chances de inclusão e emancipação dos oprimidos.
  • 7
    Editora responsável Izaura Valverde, publicado pela Richmond Educação, ano 2018.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2023
  • Aceito
    08 Maio 2024
  • Publicado
    18 Jun 2024
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