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O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA INTERCULTURAL EM ALUNOS ENVOLVIDOS EM INTERAÇÃO VIA TELETANDEM

THE DEVELOPMENT OF THE INTERCULTURAL COMPETENCE IN STUDENTS INVOLVED IN TELETANDEM INTERACTION

RESUMO

Este estudo tem como objetivo fazer um levantamento de momentos de troca intercultural entre alunos americanos e brasileiros em interação via teletandem, bem como verificar como esses momentos de desenvolvimento da competência intercultural são percebidos por esses alunos via escritos semanais em um blog. Como base, tomaremos a definição de aprendizagem intercultural de Borghetti e Beaven (2015), que considera que a interculturalidade é coconstruída durante a interação, isto é, que a interação entre pessoas de culturas diferentes é potencialmente um momento de desenvolvimento da competência intercultural. Os resultados iniciais, baseados na leitura e análise dos blogs escritos pelos alunos americanos após cada sessão de Teletandem, mostram que esses alunos fazem uso dos três tipos de sequência de interação descritos. Isso parece apontar para o fato que, além do desenvolvimento linguístico, os alunos estão tendo a oportunidade de desenvolver sua competência intercultural. O acompanhamento das escritas ao longo do semestre letivo mostra que houve um aumento significativo de momentos em que os alunos explicaram aos seus companheiros aspectos da sua cultura, assim como de momentos em que já conseguiam expressar sua compreensão dos aspectos da outra cultura. Desde o primeiro blog foi registrada a tentativa de adaptação à contribuição do outro, como na busca dos temas a discutir (é necessário ressaltar que essas sessões de interações acontecem de forma autônoma sem um direcionamento por parte de professores em ambos os lados da interação) e nas opiniões sobre os assuntos apresentados. O contato regular entre os alunos tornou esse aspecto cada vez mais tranquilo para todos os participantes pesquisados.

Palavras-chave:
competência intercultural; interação; línguas estrangeiras; Teletandem

ABSTRACT

This Project has as its objective study the moments of intercultural Exchange among Brazilian and American students via Teletandem interaction, as well verify how these moments of development of intercultural competence are perceived by these students in their weekly blog writings. It is grounded in Borghetti and Beaven’s (2015) definition of intercultural learning who consider that interculturality is co constructed during interaction, that is, that the interaction of people from different cultures is potentially a moment of development of intercultural competence. Initial results, based on the reading and analyses of blogs written by American students after each Teletandem interaction, show that they make use of the three different sequences, It points to the fact that, besides the linguistic development, the students are having the opportunity to develop their intercultural competence. The blogs written along the semester show that there has been a significant increase in moments when students have explained aspects if their culture to their partners, as well as moments in which they could already explain their understanding of their partner’s culture. Since the first blog it was possible to notice the attempt to adapt to the contribution of their partners as in the search for topics to discuss (it is necessary to highlight that these interactions happen in an autonomous way without a direct guidance by the professors from each country) and in their opinions about the subjects discussed. The regular contact among the students has made this aspect very easy for all participants.

Keywords:
intercultural competence; interaction; foreign languages; Teletandem

INTRODUÇÃO

De acordo com o dicionário, tandem é uma bicicleta projetada para duas pessoas, as quais se sentam uma atrás da outra, mais especificamente uma bicicleta com dois bancos e dois pedais. A partir desta imagem surgiu uma outra definição de tandem que é “uma relação entre duas pessoas ou coisas envolvendo uma ação de cooperação, uma mútua dependência.”1

Foi, então, com essa ideia de cooperação que o tandem foi desenvolvido na Alemanha nos anos 1960 (MACAIRE, 2004MACAIRE, Dominique. Du tandem au tele-tandem: Nouveaux apprentissages, nouveaus outils, nouveaux rôles. Maître de Conference IUFM d’Aquitaine, Bordeaux, 2004. Disponível em: http://www.tele- tandem.de/doclies/macaire- iufm/macaire- iufm1.html. Acesso em: Jan. 2018.
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), para, em seguida, espalhar-se pela Europa e depois por todo o mundo. Ao longo dos anos, o tandem foi se modificando até chegar ao que temos atualmente, o teletandem, uma ferramenta que utiliza a internet para o uso de transmissão de imagem, som, textos, vídeos, etc. O teletandem pode ser feito de formas variadas, dependendo do seu objetivo, de onde e por quem ele é desenvolvido.

Assim, o teletandem pode ser feito de forma independente ou integrado a um curso de línguas; pode ou não ter um mediador; e pode ser a curto ou longo prazo. O importante é que os usuários sigam as regras básicas de separação de línguas, reciprocidade e autonomia (VASSALLO; TELLES, 2006VASSALLO, Maria Luisa; TELLES, João A. Foreign language learning in- tandem: theoretical principles and research perspectives. The Especialist, v. 27, p. 29-56, 2006.; CAVALARI; ARANHA, 2016)CAVALARI, S. M. S.; ARANHA, S. Teletandem: integrating e-learning into the foreign language classroom. Acta Scientiarum. Language and Culture, v. 38, n. 4, p. 327-336, Oct.-Dec. 2016. https://doi.org/10.4025/actascilangcult.v38i4.28139.
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, além de se familiarizarem com o uso de ferramentas e recursos online. Essas três regras garantem que as línguas dos dois participantes sejam utilizadas pelo mesmo período de tempo, sem que uma tenha prevalência sobre a outra. Os parceiros devem ter a autonomia para estabelecer seus próprios objetivos, os assuntos e as estratégias a serem utilizadas nas interações. Eles são igualmente responsáveis por avaliar seu próprio progresso, assim como ajudar o parceiro a atingir os seus objetivos.

Este estudo surgiu durante o pós-doutorado da primeira autora em uma universidade americana2 que trabalhava com o teletandem desde o início do Projeto Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos (Projeto TTB)3 em parceria com uma universidade brasileira. Observando as interações entre as duplas de alunos das duas instituições, ficou claro o ganho linguístico dos alunos em termos de aumento de vocabulário e de fluência. No entanto, um outro aspecto igualmente importante nas interações via teletandem, o desenvolvimento da competência intercultural, não era tão facilmente percebido pelos professores que faziam a mediação desses encontros. Assim, no caso específico deste estudo, procuramos focar no desenvolvimento da competência intercultural que aparece nas interações a partir do ponto de vista dos próprios interagentes. Em outras palavras, este estudo tem como objetivo fazer um levantamento de momentos de troca intercultural entre alunos americanos e brasileiros em interação via teletandem, de modo a verificar como esses momentos de desenvolvimento da competência intercultural são percebidos por esses alunos via escritos semanais em um blog.

1. COMPETÊNCIA INTERCULTURAL

Antes de mostrar a visão de Borghetti (2015)BORGHETTI, Claudia; BEAVEN, Ana; R. Pugliese. Interactions among future study abroad students: exploring potential intercultural learning sequences. In: Intercultural Education, 26(1), January 2015. sobre aprendizagem intercultural, que é a base deste estudo, é necessário, primeiramente, definir a noção de competência intercultural tomado. Esse termo é um desdobramento do conceito de competência comunicativa, desenvolvido inicialmente por Canale e Swam (1980)CANALE, M.; SWAM, M. Theoretical bases of communicative approaches to second language teaching and testing. Applied Linguistics, v. I, Issue 1, p. 1-47, 1 March 1980..

Nesse sentido, o conceito incluía, além do conhecimento linguístico, as habilidades discursivas, estratégicas e, sobretudo, a competência sociolinguística. O conceito de Van Ek ([1986] 1996)VAN EK. Objectives for foreign language learning. Volume II: Levels. Council of Europe Publishing, (1986) 1996. 81p., por sua vez, apresenta duas novas competências ao modelo anterior, que são: a competência sociocultural (a habilidade de ‘funcionar’ em diversas culturas); e a competência social (a habilidade de se familiarizar com as diferenças sociais, mostrando confiança, empatia e motivação para lidar com os outros).

Entre os vários autores que fizeram definições sobre esse ‘novo’ termo, este estudo trabalha com a definição de Byram (1997)BYRAM, M. Teaching and assessing intercultural communicative competence. Clevedon, England: Multilingual Matters, 1997., que funciona como uma base para mostrar como momentos de interação entre pessoas de culturas diferentes podem facilitar o desenvolvimento da competência intercultural.

Byram (1997)BYRAM, M. Teaching and assessing intercultural communicative competence. Clevedon, England: Multilingual Matters, 1997. aponta 5 fatores em seu modelo de competência intercultural que podem facilitar a nossa compreensão sobre os momentos em que a interação entre os parceiros envolvidos neste estudo mostrou um possível desenvolvimento desta competência. O primeiro e principal fator apontado é o de atitudes.

Por atitudes, o autor sugere que os participantes em uma interação intercultural precisam ter a atitude de curiosidade e abertura, bem como estar preparados para suspender suas crenças e julgamentos sobre os conceitos, crenças e comportamentos do outro. Segundo Byram, os participantes precisam igualmente estar preparados para avaliar sua própria crença em seus conceitos e comportamentos, tentando tomar como ponto de partida a visão do outro, isto é, da pessoa com quem está interagindo. Complementando o que diz Byram, Belz (2003)BELZ, Julie A. Linguistic perspectives on the development of intercultural competence in telecollaboration. Language Learning & Technology, v. 7, n. 2, p. 68-99, May 2003. diz que a atitude é especialmente relevante para uma interação via teletandem, uma vez que ela é considerada tanto um pré-requisito para uma boa interação como um resultado esperado da competência intercultural.

Como segundo fator, há o conhecimento. Os participantes de uma interação intercultural devem procurar ter e desenvolver conhecimento sobre grupos sociais e sobre culturas do seu próprio país e sobre o país do outro. Eles devem ter igualmente conhecimento sobre os processos de interação em nível individual e social, pois isso é fundamental para o sucesso de uma interação.

Os dois próximos fatores são chamados por Byram (1997)BYRAM, M. Teaching and assessing intercultural communicative competence. Clevedon, England: Multilingual Matters, 1997. de habilidades. Segundo ele, as habilidades de interpretar e relacionar dizem respeito à habilidade de interpretar documentos e eventos de uma outra cultura, explicá-los e relacioná-los à sua própria cultura.

Em seguida, são citadas as habilidades de descoberta e interação, que são as habilidades de adquirir novo conhecimento sobre uma cultura e a de operá-lo durante uma interação em tempo real. Essas habilidades permitem aos interagentes estabelecer rapidamente uma compreensão sobre um novo ambiente cultural e interagir de forma rica e complexa com pessoas de culturas diferentes.

Esses fatores citados até o momento, quando bem desenvolvidos pelas pessoas participantes de uma interação intercultural, levam ao desenvolvimento do quinto fator, que relaciona a educação política e a consciência cultural crítica. Isso diz respeito à habilidade de avaliar criticamente as práticas e os produtos da sua própria cultura e da cultura do outro, com base em critérios explícitos.

1.1 Potenciais sequências de aprendizagem intercultural

Para que uma pessoa desenvolva a competência intercultural, de acordo com os fatores apontados por Byram (1997)BYRAM, M. Teaching and assessing intercultural communicative competence. Clevedon, England: Multilingual Matters, 1997., é preciso que haja momentos de interação efetiva em termos de informação e de estabelecimento e manutenção do contato entre os participantes. Esses momentos de aprendizagem intercultural são definidos por Borghetti e Beaven (2015)BORGHETTI, Claudia; BEAVEN, Ana; R. Pugliese. Interactions among future study abroad students: exploring potential intercultural learning sequences. In: Intercultural Education, 26(1), January 2015., em uma perspectiva construtivista, como processos cognitivos, afetivos e comportamentais que funcionam para uma compreensão da diversidade e da interação em encontros interculturais. Para os autores, todo momento que gera uma possibilidade de desenvolvimento intercultural é chamado de “potencial sequência de aprendizado intercultural”.

Segundo Borghetti e Beaven (2015)BORGHETTI, Claudia; BEAVEN, Ana; R. Pugliese. Interactions among future study abroad students: exploring potential intercultural learning sequences. In: Intercultural Education, 26(1), January 2015., em um levantamento feito com estudantes ERASMUS em preparação para a mobilidade, existem três tipos de sequência que podem gerar aprendizado intercultural: a) exemplificações e equivalências entre fenômenos; b) comunicação de compreensão em relação ao outro; c) adaptação à contribuição do outro.

Como “exemplificações e equivalências entre fenômenos”, temos os momentos em que os interagentes tentam compreender novos significados, ligando-os a algo que já conhecem. Dessa forma, equivalências são formuladas e elas, muitas vezes, assumem a forma de exemplificações.

Lopes e Freschi (2016)LOPES, Queila Barbosa; FRESCHI, Ana Carolina. Potential intercultural learning sequences in Teletandem: the importance of mediation. Revista do Gel, São Paulo, v. 13, n. 3, p. 49-74, 2016. apontam que os momentos “comunicação de compreensão ao outro” são aqueles em que os participantes tentam demonstrar que tiveram uma nova compreensão de um assunto, ideia, conceito, etc., resultante de sua interação com o outro, isto é, são aquelas ocasiões em que os interagentes tentam explicar para o outro como compreendem os acontecimentos.

Os autores ainda observam que o fator “Adaptação à contribuição do outro” pode ser entendido como momentos que levam os participantes a serem mais receptivos em relação à contribuição do outro. Isso se dá igualmente na dimensão afetiva, como o respeito às opiniões diferentes, o cuidado em relação ao outro e à curiosidade em interpretações diversas.

Como um acréscimo aos três tipos de sequências que podem gerar um aprendizado intercultural, há também a busca de pontos em comum entre os participantes como ponto de partida para a conexão afetiva entre eles. Os momentos em que os interagentes relatam que discutiram assuntos em comum são aqueles em que ‘o tempo passa rápido’ e eles se sentem confortáveis.

2. METODOLOGIA

A metodologia escolhida para este estudo segue uma abordagem qualitativa uma vez que ele lida com fenômenos educacionais que carregam em si problematizações subjetivas, mas que podem ser percebidos por olhares atentos. Como a pesquisa qualitativa usualmente envolve um pequeno número de contextos ou participantes, geralmente não há uma tentativa de generalização das suas descobertas para grandes populações. Entretanto, segundo Oliveira (2006)OLIVEIRA, A.L.A.M. Hermes e bonecas russas: um estudo colaborativo para compreender a relação teoria-prática na formação docente. 2006. 247 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas Estrangeiras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. é uma preocupação atual utilizar a pesquisa qualitativa como um meio de fornecer subsídios para empreender uma ação conjunta com outros pesquisadores.

Este estudo foi feito com a leitura e análise de blogs escritos por estudantes da universidade americana que estavam em contato via teletandem com alunos brasileiros. Os alunos americanos são de uma renomada instituição de ensino superior que tem o teletandem como parte obrigatória da disciplina de língua de português avançado. As atividades relacionadas ao teletandem são, além da participação em doze interações de uma hora por semana, a escrita de um blog sobre os momentos culturais que foram discutidos em cada sessão e um escrito sobre a aprendizagem direcionada ao vocabulário e pontos gramaticais. Este estudo tomou como base os blogs escritos pelos alunos americanos após cada sessão de interação. Os blogs eram escritos pelos alunos como uma forma de diário de aprendizagem focado em aspectos culturais e tinham como leitores apenas os professores envolvidos no projeto.

Havia quinze alunos americanos e, consequentemente, quinze interagentes brasileiros. Foram analisados os blogs de duas alunas. O critério para a escolha dessas alunas foi, primeiramente, o da pontualidade com a escrita, ou seja, a escolha foi feita levando em consideração os alunos que escreviam o blog dentro do prazo dado pela professora, que era de, aproximadamente, uma semana. Cinco alunos se encaixaram nesse critério. O segundo critério levou em consideração os que escreviam o blog no menor tempo no limite de uma semana. A hipótese era de que, quanto menos tempo se passava entre a interação e a escrita do blog, mais fiéis seriam as lembranças da conversação entre os participantes. A leitura e análise que resultaram neste artigo se iniciavam logo que os blogs eram postados.

2.1 Os participantes do estudo

Esta seção apresenta o perfil das alunas escolhidas, bem como o objeto do estudo: a escrita dos blogs por elas produzidos, conforme elas próprias enviaram por meio de um questionário online. Kelly,4 apesar de não ter nascido no país, chegou aos Estados Unidos ainda muito jovem e, dessa forma, considera o inglês como sua primeira língua. Além do inglês, ela também fala espanhol. Quanto à língua portuguesa, ela explica que já fez seis disciplinas diferentes na universidade, além da que estava cursando na época. Kelly passou um ano na Inglaterra e já viajou ao Brasil diversas vezes. Seu curso na universidade é o de Letras – Inglês.

A segunda aluna nasceu em um país da América do Sul, onde morou durante quinze anos e tem o espanhol como sua primeira língua. Além do inglês e do espanhol, ela fala francês. Vivian já fez duas disciplinas de português na universidade anteriores a que a levou a participar deste estudo. Ela é estudante do curso de Economia Política Internacional.

O perfil dos alunos brasileiros que interagiram com essas alunas da universidade americana foi retirado dos escritos dos próprios blogs. Dessa forma, tudo o que sabemos dos alunos brasileiros nos foi passado por suas interagentes americanas via leitura desses blogs.

Kelly teve uma parceira, Carmem, que ficou apenas na primeira sessão, substituindo a pessoa que teve de faltar naquele momento. Carmem tem 22 anos e está no último ano da faculdade. Ela é de Minas Gerais, mas estuda em uma universidade do interior de São Paulo. A partir da segunda sessão, Kelly passou a interagir com Daniel, um rapaz de 17 anos, que está no último ano do ensino médio. Ele mora em uma cidade do interior de São Paulo e pretende fazer faculdade na mesma cidade. Ele começou a trabalhar em um salão de beleza há pouco tempo. Essa dupla será considerada a dupla [1].

A dupla [2] é composta pela Vivian e sua parceira brasileira, Maria. Maria está no primeiro ano da faculdade e, em função do seu curso universitário, vive longe da família em uma cidade do interior de São Paulo. Esta dupla passou boa parte da primeira interação comparando a vida universitária em suas respectivas universidades.

2.2 Instrumentos e procedimentos de coleta e análise dos dados

Como dito, o principal instrumento de coleta de dados foram os blogs escritos pelos alunos americanos depois de cada interação via zoom com seus parceiros brasileiros. A importância de se trabalhar com os escritos é que eles mostram aquilo que os próprios alunos consideram como sendo os momentos de aprendizagem cultural. Essa era a única recomendação da professora – descrever o que eles consideravam como troca intercultural nas interações. Havia outros instrumentos de avaliação na disciplina que faziam levantamento de outros aspectos via essa interação, os linguísticos, por exemplo.

Como explicado, cada aluno da universidade americana deveria escrever um texto narrando sua experiência intercultural após cada sessão de teletandem. As sessões duravam 60 minutos, trinta para cada língua. A mediadora presente na sala apontava aos participantes o momento de trocar de língua, assim como quando o tempo estava se esgotando. Os participantes eram encorajados a sempre trocar a língua com a qual iniciavam uma interação para não haver o risco de estar sempre mais cansados quando no momento da troca.

O blog contendo a descrição da troca intercultural deveria ser escrito semanalmente – as interações eram às terças-feiras e os alunos tinham até a segunda-feira da semana seguinte para publicarem os seus blogs online. Escolhemos como objeto de nossa pesquisa os blogs dos alunos que escreviam dentro do prazo solicitado, tomando o cuidado de escolher aqueles que escreveram no menor tempo, isto é, mais próximo da atividade de interação. A hipótese é que quanto mais cedo eles escreviam o blog, mais clara era a lembrança da interação.

Depois de escolhidos os textos para análise, várias leituras foram feitas para identificar os assuntos tratados nos textos e aqueles momentos que poderiam ser considerados como potenciais sequências de desenvolvimento intercultural. Todos esses momentos foram catalogados de acordo com o tipo de sequência, cuidando de explicitar o número de cada blog de onde foram retirados. Os objetivos foram identificar e descrever as sequências que parecem gerar aprendizagem intercultural.

Além dos blogs, utilizou-se um pequeno questionário online que havia sido enviado a todos os alunos para que fossem coletadas algumas informações importantes, como as línguas que falavam, os seus países de origem, os cursos aos quais atendiam. Esse questionário serviu de base para a descrição dos participantes da universidade americana.

3. ANÁLISE DE DADOS

Uma primeira leitura dos blogs revelou a preocupação dos interagentes em procurar pontos em comum que pudessem servir de base para as conversações. Na primeira interação, havia uma dupla falando de comida, principalmente de biscoitos. A aluna da universidade americana elogiou um biscoito brasileiro, e a brasileira, por sua vez, disse que ama os cookies americanos. A outra dupla tentou achar pontos em comum ao descrever sua vida universitária em comparação com sua vida em casa (para atender à universidade, ambas tiveram de se mudar para uma cidade diferente da dos seus pais). Esse procedimento foi repetido ao longo das interações; alguns deles são mostrados a seguir.

A dupla [1] mostra, pelo que diz Kelly, que ela tinha essa preocupação de se aproximar do seu parceiro, para buscar pontos em comum entre eles. As escritas a seguir foram retiradas de diversos blogs ao longo do semestre. “Eu falei que sou como ele porque também gosto mais de letras.”; “Falamos sobre o assunto de não gastar dinheiro e concordamos que nós dois somos ruins com isso e podemos pensar mais antes de sempre gastar dinheiro.”; “Eu amo ouvir dicas do Daniel de tratamentos ou os melhores modos de cuidar do cabelo.”

Como fica claro, a interagente americana aponta vários momentos em que ela e seu parceiro procuraram se conectar pelas semelhanças existentes entre os dois, apesar de aparentemente (ver descrição dos participantes do estudo) haver uma distância grande entre eles. Essa estratégia parece ter tornado as conversas mais fluidas, o que facilitou a interação.

A dupla [2] também mostrou momentos de busca de aspectos em comum entre as participantes para facilitar a conversa. Além das duas serem universitárias, elas tinham aproximadamente a mesma idade, e isso foi um fator que auxiliou o processo: “É interessante conhecer uma pessoa de minha idade que mora em outro país.” No blog 7, Vivian deixa clara a importância da busca de pontos em comum para auxiliar no desenvolvimento da interação: “Nós decidimos focar nossa conversa sobre coisas que gostamos de cozinhar porque percebemos na última sessão que ambas gostamos muito de cozinhar!”

Tomou-se, em seguida, as descrições dos três tipos de sequência que podem ser interpretados como aprendizado intercultural ou que tivessem potencial aprendizado cultural. A primeira, segundo Borghetti e Beaven (2015)BORGHETTI, Claudia; BEAVEN, Ana; R. Pugliese. Interactions among future study abroad students: exploring potential intercultural learning sequences. In: Intercultural Education, 26(1), January 2015., é “exemplificações e equivalências entre fenômenos”. Foram encontrados oito momentos desse tipo nos relatos da dupla [1] e sete da dupla [2].

O Quadro 1 apresenta, primeiramente, os momentos da dupla [1].

Quadro 1
Exemplificações e equivalências – Dupla [1]

Dessa forma, o Quadro 1 traz as sequências interacionais descritas pela aluna Kelly que parecem ser promissoras em termos de aprendizagem intercultural pela própria aluna. As exemplificações e as equivalências deixam claro que a aluna é capaz de compreender novos significados ao ligar esses novos conceitos a algo que ela já conhecia. Em alguns casos, ela faz essa equivalência em forma de exemplificações, como a comparação entre morar com a avó e ter um colega de quarto, ou a ligação entre vestibular e o teste de SAT (Scholastic Assessment Test).

Em relação à questão da música, Kelly faz uma ligação entre os próprios brasileiros. A princípio, ela estranha o fato de o Daniel só escutar música americana. Depois, ela faz uma ligação com as rádios paulistas e constata que elas tocam mais música americana que brasileira. Nesse caso, apesar de compreender, ela demonstra sua tristeza de a música brasileira que ela gosta tanto não ser tão admirada por muitos moradores do próprio país.

A dupla [2] também parece ter aproveitado bastante as interações para fazer equivalências e utilizar exemplos das culturas americana e brasileira como forma de demonstrar que houve aprendizado intercultural.

Como pode ser verificado no Quadro 2, algumas exemplificações e equivalências feitas pela Vivian estão relacionadas à língua, seja ela entre o português e o espanhol, seja entre o português e o inglês via expressões idiomáticas ou com vocabulário associado a frutas ou superstições. Isso demonstra, como o sabem vários pesquisadores, entre eles Byram (1997)BYRAM, M. Teaching and assessing intercultural communicative competence. Clevedon, England: Multilingual Matters, 1997., que a aprendizagem da competência linguística não pode ser separada da aprendizagem da competência intercultural. Ou como afirma Belz (2003)BELZ, Julie A. Linguistic perspectives on the development of intercultural competence in telecollaboration. Language Learning & Technology, v. 7, n. 2, p. 68-99, May 2003., o objetivo do ensino não deveria ser língua e cultura ou cultura na língua, mas, sim, língua como cultura.

Quadro 2
Exemplificações e equivalências – Dupla [2]

No caso da política, Vivian parece ter ficado aliviada ao descobrir que o surgimento de movimentos de extrema direita não ocorreu apenas nos Estados Unidos, mas está ocorrendo no Brasil também, assim como em outros países. A ligação, feita pelas estudantes, entre Bolsonaro e Trump serviu como ponto de partida para a discussão, mostrando que, na política, os dois países estão atravessando momentos bem similares.

O próximo tipo de sequência é a “comunicação de compreensão ao outro”, isto é, são os momentos em que os participantes tentam demonstrar que tiveram uma nova compreensão de um assunto, ideia, conceito, etc. No caso da dupla [1], foram três momentos encontrados que demonstram a compreensão de novos conceitos. Na dupla [2], foram 6.

Nos casos mostrados no Quadro 3, os interagentes procuraram deixar claro um para o outro sua compreensão sobre os novos assuntos tratados. Nos blogs, Kelly tenta mostrar para seu(s) leitor(es) a compreensão que ela teve sobre os assuntos discutidos. No Blog 5, Daniel explica a ela como funcionam as duas empresas que fazem intercâmbio na cidade. Uma empresa é mais cara, uma vez que você não tem de receber pessoas de fora em sua casa. A outra empresa trabalha com a ideia de troca, em que você tem de receber alguém para ser recebido no exterior. A explicação do Daniel prossegue para falar do processo de seleção dos candidatos. No seu blog fica claro que ela conseguiu entender bem como funcionam as duas empresas. Ela relata isso dizendo que achou isso bem interessante, porque onde mora não tem algo semelhante.

Quadro 3
Comunicação de compreensão dos fenômenos ao outro – Dupla [1]

O mesmo se passa sobre o vestibular. Ela já tinha uma ideia do que seria o exame, mas Daniel deu várias informações extras que ela reproduziu no seu blog, deixando claro o quanto ela tinha aprendido.

Um caso interessante diz respeito aos esportes universitários. Kelly tenta conversar com o Daniel sobre um artigo que ela leu sobre o esporte universitário americano e que lhe causou muita surpresa. Nesse caso específico, a estranheza não era em relação ao país do outro, mas ao seu próprio. Ela escreve com detalhes no blog sua compreensão do problema, deixando claro que não tinha uma opinião final sobre o assunto e que gostaria de discutir mais o caso. Infelizmente, Daniel não se mostrou suficientemente interessado no assunto para que a conversa rendesse mais.

O Quadro 4 mostra os momentos em que Vivian relata sua compreensão de novas ideias, conceitos e assuntos.

Quadro 4
Comunicação de compreensão dos fenômenos ao outro – Dupla [2]

Em vários momentos ao longo dos blogs, Vivian procura mostrar sua compreensão sobre a diversidade cultural brasileira. Isso passa não apenas pelo carnaval, mas por outras diferentes celebrações no país. Essas ocasiões serviram para mostrar à Vivian que o Brasil é uma mistura de uma variedade de culturas.

O tema indígena havia sido discutido em sala com a professora e foi provavelmente o motivo de a Vivian ter decidido utilizá-lo como assunto para uma de suas interações. Sua ação teve um resultado positivo, pois sua companheira não apenas discutiu sobre o que ela já conhecia, mas trouxe igualmente novos fatos sobre o assunto, mostrando até mesmo um vídeo sobre o tema. Vivian demonstra ter tido uma nova compreensão sobre o assunto.

Estereótipos são sempre um assunto que é tratado com muito cuidado pelos envolvidos em interações via teletandem. Todos procuram evitar alguns tópicos bem conhecidos que podem causar um sentimento desagradável nos participantes de um lado ou de outro. Nesse caso, as interagentes resolveram falar sobre estereótipos positivos e, pelo relato, isso foi bastante interessante para ambas as partes. Vivian parece ter chegado à conclusão de que os estereótipos positivos que tinha foram confirmados por sua companheira de tarefa.

O terceiro e último tipo de sequência mostra as circunstâncias de adaptação à contribuição do outro. Nesse caso, os participantes tentam ser mais receptivos em relação às contribuições do outro e mais atentos em acomodar essas contribuições na sua fala. Isso pode ocorrer também na dimensão afetiva da aprendizagem intercultural, tendo como exemplos a curiosidade mostrada em relação às interpretações diversas, respeito por opiniões diferentes e cuidado com os outros.

Em relação à dupla [1], 9 momentos podem se encaixar nessa categoria. O Quadro 5 mostra a participante Kelly esforçando-se para se adaptar à contribuição do Daniel e manter uma conversação agradável até o final dos doze encontros.

Quadro 5
Comunicação de adaptação à contribuição do outro – Dupla [1]

Por meio da leitura dos blogs, a dupla [1] é composta por uma pessoa que já tem uma competência intercultural um pouco mais desenvolvida que seu parceiro, principalmente no que diz respeito à adaptação em relação à contribuição do parceiro.

Nos momentos em que a estudante americana descreve fenômenos da cultura dos Estados Unidos, o brasileiro não parece realmente contribuir com opiniões diferentes ou com perguntas de mais esclarecimentos. Ele simplesmente concorda com ela: “Ele concorda com minha opinião” foi a escrita quando Kelly tentou falar sobre dois assuntos que eram importantes para ela: a eleição e os esportes universitários. Por outro lado, quando Kelly concorda com o Daniel em relação a algum assunto, como é o caso do ensino de línguas nas escolas, ela dá explicações e exemplificações sobre seu ponto de vista.

Kelly demonstra sua insatisfação quando o Daniel não lê o texto combinado para discutirem na sétima interação. Era sobre esportes universitários e ela estava visivelmente interessada em discutir o assunto, que tinha trazido novas perspectivas para ela. No entanto, apesar de seus esforços, o Daniel não demonstra nenhum interesse e o assunto morre: “A conversa sobre esportes não durou muito tempo mas começamos a falar sobre o vestibular...” Kelly parece se preocupar com seu parceiro primeiro ao tentar encontrar desculpas para sua falta de interesse em um assunto que ela queria muito discutir: “[...] o Daniel não é muito ligado aos esportes, especialmente esporte universitário porque ele ainda está no ensino médio.” Em seguida, pelo fato de, depois de o assunto ter morrido, eles terem passado para um assunto que era do interesse imediato do Daniel, o vestibular.

O esforço de Kelly de manter a conversa com o Daniel, mesmo com assuntos que eram apenas do interesse dele, fica claro na sua primeira frase do Blog 9: “Hoje eu e o Daniel falamos sobre os assuntos que já tínhamos discutidos em outras semanas.” Esses assuntos eram o vestibular e o intercâmbio, dois temas que interessam diretamente ao Daniel. No entanto, Kelly procura demonstrar entusiasmo e interesse no seu parceiro ao discutir tudo novamente e, mesmo escrevendo frases como: “Depois falamos sobre um assunto bem legal para o Daniel!”. Outro momento que demonstra que Kelly está preocupada em se adaptar às contribuições do Daniel é quando ela relata que, em todas as interações, o Daniel fala sobre cuidados com o cabelo. Ela relata esse fato de forma positiva e mostra que está muito satisfeita com as trocas de informações entre eles: “A gente sempre fala um pouco de cabelo e eu amo ouvir dicas do Daniel de tratamentos ou os melhores modos de cuidar do cabelo!”.

Um outro momento que demonstra a tentativa da Kelly de se abrir ao que interessa ao Daniel é quando eles falam sobre saúde. O assunto surgiu num momento em que o Daniel diz que estava com dor de cabeça. Em seu blog, Kelly relata o problema descrito pelo Daniel e a sua recomendação para ajudá-lo. Ele continua o relato, dizendo por que não podia fazer o que ela recomendava. Em seguida, ela fala de seu próprio problema de saúde, mas nada é dito sobre a reação do Daniel sobre o que ela narrou. Ao contrário, ele escuta o que ela diz e replica dizendo que ele deve fazer o oposto e continua falando de seu problema.

Na interação 11, o Daniel trouxe um assunto, uma imagem do mundo focada nos estereótipos de cada país. Apesar de claramente irritada pela imagem passada dos Estados Unidos como o país do fast food, Kelly procura amenizar sua desaprovação ao falar com o Daniel que seus amigos de outros países tinham essa visão estereotipada em relação aos americanos. Ela procura deixar claro que entende que outras pessoas tenham essa imagem e, em momento algum, ela indica que parece acreditar que o Daniel também tem essa ideia formada.

A segunda dupla mostra duas pessoas que estão aparentemente em níveis bem similares de desenvolvimento da competência intercultural, principalmente no que diz respeito à adaptação em relação à contribuição do outro.

Quadro 6 Comunicação de adaptação à contribuição do outro – Dupla [2]
Circunstâncias de adaptação à contribuição do outro Explicações sobre o momento da escrita
“Depois começamos a falar sobre a atual situação política no Brasil e foi ótimo ouvir as opiniões de uma pessoa brasileira que atualmente se encontra nesta realidade. Todavia, fiquei chocada ao saber sobre a nova legislação brasileira que rotula a homossexualidade como uma “doença”, especialmente quando tive a percepção de sociedade brasileira como uma sociedade muito aberta.” (Blog 3) Sociedade brasileira aberta ou conservadora?
Maria: “Quando as pessoas no exterior pensam no Brasil, geralmente pensam no Rio de Janeiro.” Vivian: “Esse pensamento ressoou comigo porque eu muitas vezes eu penso só no Rio de Janeiro quando penso no Brasil.”[...] “Foi muito legal aprender sobre os diferentes lugares no interior de São Paulo e perceber a diversidade do Brasil. O país tem muitos lugares que eu quero visitar – não só o Rio de Janeiro.” (Blog 5) Visão super simplificada do Brasil
“Acho que é muito ruim que os estudantes têm que fazer o exame vestibular mais de uma vez se eles querem mudar o que estão estudando. Eu não acho que é eficiente e acho que o governo brasileiro deveria considerar mudar o sistema.” (Blog 6) Vivian, depois da explicação da Maria sobre o vestibular, concorda com sua posição sobre o assunto.
“Embora este assunto não seja interessante para mim, falamos sobre o processo de candidatura às universidades americanas, os diferentes tipos de instituições educacionais (universidades privadas, universidades estaduais, “community colleges”, etc.) e a cultura das faculdades aqui.” (Blog 8) Vivian se adapta ao que sua parceira está pedindo.
“Eu amo a música então eu achei legal o tema da música brasileira e os diferentes estilos musicais do país muito legal.” (Blog 9) Mútuo interesse em música

No terceiro blog, ao discutir política, Vivian fica inicialmente bastante satisfeita ao ouvir a opinião de uma pessoa de sua idade, que também está na universidade. No entanto, ao ouvir sobre algumas tentativas de passar uma lei que considera o homossexualismo uma doença, Vivian faz um esforço para entender o Brasil de forma diferente da imagem que ela tinha. Essa adaptação diz mais respeito à imagem anterior e à realidade mostrada que em relação à opinião de sua parceira que também considera o assunto um absurdo.

No Blog 5 fica claro que a Vivian está aberta a novas ideias e conceitos sobre o Brasil, apresentados por Maria. Maria começa a interação dizendo que os estrangeiros só querem conhecer o Rio de Janeiro, como se o Rio fosse a única parte do país que valesse a pena visitar. Vivian primeiramente reconhece que ela era uma dessas pessoas: “Esse pensamento ressoou comigo porque eu muitas vezes eu penso só no Rio de Janeiro quando penso no Brasil.” Em seguida, depois de ouvir atentamente as explicações e as imagens mostradas por Maria, ela reconhece que mudou sua forma de pensar e que gostaria de visitar outras partes do Brasil e não apenas o Rio.

O tema discutido no Blog 8 deixa claro que a Vivian preocupava-se com sua parceira e estava disposta a falar sobre o processo de candidatura às universidades americanas, apesar de o assunto não ser de seu interesse. Ela descreve em detalhes como funciona esse processo e os tipos de ensino superior do país. Por outro lado, ela também escuta o que sua parceira lhe diz sobre o sistema brasileiro e finaliza com “Eu percebi que as universidades daqui são muito diferentes das universidades brasileiras.”

A música brasileira foi o assunto discutido na interação 9. Esse é um assunto de mútuo interesse e que rendeu uma conversação bem rica em relação aos diferentes estilos musicais do país. A conversa foi acrescida de vídeos e imagens por parte da brasileira. Vivian demonstra sua abertura à contribuição da companheira ao escrever em outro blog: “Maria me mostrou algumas das músicas contemporâneas do Brasil, que ainda tenho escutado”. Ela não apenas conversou sobre o assunto, mas demonstrou sua vontade de conhecer realmente o que sua parceira lhe falava ao escutar as músicas que lhe foram sugeridas ao longo do semestre.

CONCLUSÃO

O processo de desenvolvimento da competência intercultural é longo e contínuo. A leitura das escritas dos alunos nos blogs nos dá uma mostra dos momentos em que podemos perceber a aprendizagem intercultural, por meio da mudança ou da adaptação dos alunos a ideias e comportamentos diversos dos da sua cultura. Para identificarmos esses momentos como aqueles favoráveis à aprendizagem intercultural, nós procuramos fazer um levantamento de todos eles que ocorrem nos blogs a partir do conceito de Borghetti e Beaven (2005)BORGHETTI, Claudia; BEAVEN, Ana; R. Pugliese. Interactions among future study abroad students: exploring potential intercultural learning sequences. In: Intercultural Education, 26(1), January 2015. de “potencial sequência de aprendizado intercultural”, identificados em três topologias. Sabemos que existem várias possibilidades de analisar o desenvolvimento intercultural, mas neste estudo decidimos focar no conceito desses autores. Deixamos aqui a sugestão de mais pesquisas que utilizem outras formas de analisar dados que mostrem uma aprendizagem intercultural.

Os dados deste estudo parecem indicar que as alunas da universidade americana tiveram um ganho não apenas linguístico, mas, sobretudo, cultural, o que pode ser verificado na sua escrita por meio das exemplificações e equivalências que conseguiram fazer entre a sua cultura e à do parceiro brasileiro; na sua comunicação de compreensão dos fenômenos ao outro; e nas circunstâncias de adaptação à contribuição do outro, no caso do parceiro brasileiro.

Para finalizar, podemos dizer que essa forma de análise dos momentos em que podemos perceber a ocorrência de aprendizagem intercultural pode trazer novas oportunidades e ideias para os professores de ensino de língua no momento de gerenciar a interação de suas classes. Ao mesmo tempo, todo curso de educação intercultural pode se beneficiar desses conceitos ao desenvolver metodologias para explorar interações entre alunos de culturas diversas, segundo essas topologias sugeridas por Borghetti e Beaven (2005)BORGHETTI, Claudia; BEAVEN, Ana; R. Pugliese. Interactions among future study abroad students: exploring potential intercultural learning sequences. In: Intercultural Education, 26(1), January 2015., ou outras que podem surgir a partir de novas pesquisas na área.

  • 1
    Definição retirada do Dicionário Collins: https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/tandem.
  • 2
    Projeto intitulado “O ensino de Português Língua Estrangeira e a educação intercultural”
  • 3
    Projeto temático financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
  • 4
    Foram dados nomes fictícios aos participantes para preservar a identidade de cada um deles.
  • 5
    Todos os quadros são de nossa autoria.
  • DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA
    Os dados que apoiam as conclusões deste estudo não estão disponíveis ao público, uma vez que este material contém informações que podem vir a comprometer a privacidade dos participantes na investigação.

REFERÊNCIAS

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  • BYRAM, M. Teaching and assessing intercultural communicative competence. Clevedon, England: Multilingual Matters, 1997.
  • BORGHETTI, Claudia; BEAVEN, Ana; R. Pugliese. Interactions among future study abroad students: exploring potential intercultural learning sequences. In: Intercultural Education, 26(1), January 2015.
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  • VASSALLO, Maria Luisa; TELLES, João A. Aprendendo línguas estrangeiras in-tandem: histórias de identidades. Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 8, n. 2, p. 341- 381, 2008.

Disponibilidade de dados

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Os dados que apoiam as conclusões deste estudo não estão disponíveis ao público, uma vez que este material contém informações que podem vir a comprometer a privacidade dos participantes na investigação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2021
  • Aceito
    17 Maio 2024
  • Publicado
    21 Maio 2024
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