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(RE)TRAÇOS SOBRE A LEGENDAGEM DE OBRAS AUDIOVISUAIS NO/DO BRASIL

(RE)TRACES OF SUBTITLING AUDIOVISUAL PRODUCTIONS IN/FROM BRAZIL

Resumo

O objetivo geral deste artigo é o de contribuir com iniciativas de pesquisa que visam (re)traçar e discutir rastros do percurso histórico da legendagem de filmes estrangeiros no Brasil e de filmes brasileiros no exterior. Metodologicamente, este trabalho realiza uma revisão de literatura, além de revisão bibliográfica em arquivos de imprensa, acrescidas de discussões críticas. Para tanto, a perspectiva teórica mobilizada é a discursivo-desconstrutiv(ist)a. Este artigo destaca a importância de trabalhar as heranças epistemológicas por nós legadas, particularmente no que tange aos Estudos da Tradução, especialmente à tradução audiovisual, e a necessidade de vislumbrar essa modalidade de tradução mais como prática sócio-histórica-discursiva de linguagem e menos como uma mera “ponte” de acessibilidade.

Palavras-chave:
legendagem; tradução audiovisual; discursivo-desconstrutiv(ist)a

Abstract

This article aims at contributing with research initiatives focusing on (re)tracing and discussing (hi)stories of subtitling of foreign films in Brazil and Brazilian films abroad. Methodologically, we carried out a literature review, including search in press archives, and critical discussion. The theoretical perspective adopted in this article is discursive-deconstructive. We highlight the importance of working on our epistemological legacies, particularly regarding Translation Studies, more specifically audiovisual translation. We also emphasize the need to begin thinking about subtitling more as a social-historical-discursive language practice and less as a mere ‘bridge’ of accessibility.

Keywords:
subtitling; audiovisual translation; discursive-deconstructivism

DESDE O INÍCIO, A INTERPRETAÇÃO

O objetivo deste artigo é o de contribuir com iniciativas de pesquisa que visam (re)traçar e discutir rastros do percurso histórico da legendagem de filmes estrangeiros no Brasil e de filmes brasileiros no exterior. Nunca é demais lembrar que, assim como quaisquer outras práticas de linguagem, as experiências de tradução para legendagem respondem a história(s) com a qual/as quais opera em herança (CORACINI, 2010CORACINI, Maria José. A memória em Derrida: uma questão de arquivo e de sobre-vida. Cadernos de Estudos Culturais, v. 1, p. 141-154, jul/dez, 2010.; DERRIDA, [1995]DERRIDA, Jacques. (1995) Mal de Arquivo. Trad. Claudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. 2001):

Herança, que, sem querer - nem ele, Derrida, nem nós - recebemos. [...] Herança essa que não torna ninguém, gratuitamente, rico, mas que significa, como ele próprio afirma, trabalho: o que fazer com ela? É a pergunta que sempre fazemos ao receber uma herança: podemos não fazer nada ou fazê-la produzir, dar frutos, transformar-se, sobre-viver. (CORACINI, 2010CORACINI, Maria José. A memória em Derrida: uma questão de arquivo e de sobre-vida. Cadernos de Estudos Culturais, v. 1, p. 141-154, jul/dez, 2010., p. 142).

Desse modo, este texto justifica-se pela necessidade de compreender a herança e o contexto sócio-histórico-cultural desta que é uma das modalidades de tradução mais consumidas, porém ainda pouco pesquisada, particularmente em contextos brasileiros:1 1 Conforme: Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2019-2023 publicada em https://www.the-numbers.com/movie/Broadway-Melody-The-(1929)#tab=international. e http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=110523_02&pesq=%22broadway%20melody%22&pasta=ano%20192&pagfis=43719. Acesso em: set. 2021. a tradução para legendagem.

Metodologicamente, este trabalho realiza uma revisão de literatura, retomando e expandindo estudos já existentes com propósitos semelhantes (FREIRE, 2011FREIRE, Rafael de Luna. “Versão brasileira” - Contribuições para uma história da dublagem cinematográfca no Brasil nas décadas de 1930 e 1940. Ciberlegenda, v. 1, n. 24, p. 7-18, 2011. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495551017019. Acesso em: jan. 2021.
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=49...
; 2014FREIRE, Rafael de Luna. Dublar ou não dublar: a questão da obrigatoriedade de dublagem de filmes estrangeiros na televisão e no cinema brasileiros. Revista FAMECOS, v. 21, n. 3, p. 1168-1191, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/100680/99415 Acesso em: jan. 2021.
https://www.revistas.usp.br/matrizes/art...
; 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
https://variety.com/1929/film/reviews/br...
e TRINDADE, 2012TRINDADE, Elaine Alves. A legendagem da televisão por assinatura do Brasil. 2012. 119f. Dissertação (Mestrado) --Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.), além de revisão bibliográfica em arquivos de imprensa. Para a discussão, partimos da perspectiva discursivo-desconstrutiv(ist)a proposta por Coracini (2019)CORACINI, Maria José. A perspectiva discursivo-desconstrutiva na pesquisa em Linguística Aplicada. In: SZUNDY, Paula T. C.; TILIO, Rogerio; VALIM de MELO, Glenda C. (Orgs.). Inovações e desafios epistemológicos em Linguística Aplicada: perspectivas sul-americanas. Campinas (SP): Pontes, 2019.,2 2 Para uma discussão mais aprofundada, buscar: Coracini (2019) e Rosa, Rondelli & Peixoto, 2015. a qual se fundamenta, principalmente, nos pensamentos de Foucault, Derrida e Lacan.

A LEGENDAGEM NO BRASIL

“Todo MUSICADO - CANTADO - SYNCHRONIZADO e FALLADO (mas desde DOMINGO com os DIALOGOS TRADUZIDOS em legendas sobrepostas, em PORTUGUEZ)” (Correio…, 29 jun. 1929:16 apudFREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
https://variety.com/1929/film/reviews/br...
, p. 190, grifos no original)3 3 No que tange à historicidade da tradução audiovisual brasileira, Freire é um autor consultado com frequência neste artigo. A recorrente referência ao autor justifica-se, pois, no Brasil, são pouquíssimos os pesquisadores que desenvolveram estudos traçando esse percurso histórico. O presente artigo surge para alargar esses estudos. :

Figura 1
Cartaz da segunda exibição de Melodia da Broadway.

O anúncio em destaque divulga/promove a segunda exibição de Melodia da Broadway (The Broadway Melody, dir. Harry Beaumont, 1929) no Brasil, este que foi o primeiro filme falado exibido no país (FREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
https://variety.com/1929/film/reviews/br...
). O pioneirismo do musical não foi destaque somente no contexto brasileiro, mas na cena cinematográfica mundial. Considerado um musical de enorme sucesso (vencedor do Oscar de Melhor Filme e com uma bilheteria internacional milionária4 4 Para mais detalhes, consultar: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-08/cinema-tem-ate-janeiro-para-garantir-acessibilidade-para-cego-e-surdo. ), Melodia da Broadway tem sido extensivamente mencionado como o primeiro filme “all-talking all-singing all-dancing5 5 “todo falado, todo musicado, todo dançante”. Tradução nossa. de todos os tempos, exibido em diversos países. Em artigo publicado no jornal carioca O Jornal, em junho de 1929, há referência, por exemplo, à estreia de Melodia da Broadway no Brasil, após exibição nos Estados Unidos, Inglaterra e França.6 6 Disponível em: https://origemdapalavra.com.br/pergunta/pergunta-3343/ Para mais detalhes, consultar também : Wierzbicki (2009), Silverman (1929), AFI Catalog (2019).

UM INTERLÚDIO

Neste ponto, vale a pena um breve interlúdio para destacar que, nos estudos cinematográficos, é bastante vasta a literatura que faz distinção entre filme falado e filme sincronizado. Ao retomarmos tal distinção neste texto, não temos a pretensão de trazer à baila a história do som no cinema em detalhes,7 7 Para discussões mais aprofundadas, buscar Chion (1999). mas tecer considerações sucintas a respeito, visto que o elemento sonoro é parte constituinte importante a ser considerada nas discussões sobre tradução para legendagem. Dito de outro modo, algumas observações sobre o percurso do som no contexto e na produção cinematográficos nos servem de trampolim para (re)traçar e discutir rastros do percurso histórico da legendagem. Voltemos, então, às noções de filme falado e filme sincronizado.

A modalidade filme falado abrange películas que, além de músicas, ruídos, vozerio e canções, apresentam diálogos sonoros8 8 Neste texto, utilizamos o termo “diálogos sonoros” para fazer referência a diálogos que têm como suporte a voz dos atores e podem ser reproduzidos por equipamentos de som ao mesmo tempo em que a imagem e, desse modo, podem ser ouvidos pelos espectadores dos filmes. Isso em contraposição a “diálogos não-sonoros” que apareceriam, por exemplo, em formato de texto verbal escrito (como é o caso dos intertítulos ou livretos) e, portanto, não são ouvidos pelos espectadores. Os “diálogos não-sonoros” seriam aqueles que compõem, por exemplo, os filmes mudos. (FREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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; WIERZBICKI, 2009WIERZBICKI, James. Film music: a history. Nova Iorque: Routledge, 2009.; ABEL, 2005ABEL, R. (Ed.). Encyclopedia of Early Cinema. Nova Iorque: Routledge, 2005.). A música parece sempre ter feito parte das produções cinematográficas, já nas primeiras cenas registradas pelos irmãos Lumière, mas a voz ganhou palco (ou melhor as telas) a partir da década de 1920 (CHION, 1999CHION, Michel. The voice in cinema. Tradução Claudia Gorbman. Nova Iorque: Columbia University Press, 1999.). As primeiras produções eram parcialmente faladas, com diálogos presentes em alguns trechos ou recortes considerados “mais relevantes” em termos de narrativa. Mais adiante, houve produções completamente faladas, com uma frequência muito maior de diálogos, como é o caso de Melodia da Broadway.

Diferentemente, o termo “sincronizado” faz referência às películas que apresenta(va)m imagens em movimento e som - sejam músicas, ruídos, vozerio, e/ou canções - em sincronia. Segundo Wierzbicki (2009)WIERZBICKI, James. Film music: a history. Nova Iorque: Routledge, 2009., em Film music: a history, os filmes sonoros realizados entre 1900 e 1915 foram, em sua maioria, gravações documentais de atuações em estúdio. O autor afirma ainda que, nessa mesma época, os filmes apresentavam acompanhamentos musicais ininterruptos, mas seus atores permaneciam glamourosamente mudos.

A duração dos primeiros filmes sincronizados era bastante limitada, cerca de cinco a seis minutos e a qualidade do som era considerada “primitiva”. Por esse motivo, os filmes sem som sincronizado por aparelhos mecânicos - referidos por alguns como filmes mudos, filmes silenciados ou ainda filmes silenciosos9 9 Chion (1999) empreende uma discussão interessante a respeito de tal distinção. , mas em muitos casos acompanhados de música ao vivo - eram predominantes. Neste caso, a inserção de intertítulos com diálogos escritos e/ou textos explicativos, descrições de sons, além de textos escritos que antecipavam cenas posteriores, por exemplo, era prática usual.

De acordo com a Encyclopedia of Early Cinema (2005, p. 471), intertítulos podem ser entendidos como “textos impressos em material que não pertence à diegese de um filme e que, portanto, são distintos de inserções textuais.”10 10 Tradução nossa. No original: “Intertitles are shots of texts printed on material that does not belong to the diegesis of a film and, therefore, are distinct from textual inserts.” . Ainda de acordo com a Encyclopedia of Early Cinema (2005, p. 471), “[o] termo intertítulo surgiu no início dos anos 1930 para diferenciar a prática do então novo processo da legendagem que fornecia, na parte inferior da imagem, uma tradução da fala em filmes falados em língua estrangeira.”11 11 Tradução nossa. No original: “As a term, intertitle appeared in the early 1930s to differentiate the practice from the then new process of subtitling which provided, at the bottom of the image, a translation for speech in foreign-language sound films.” Prática bastante usual também era a interpretação dos intertítulos por comentadores que estavam presentes nas salas de cinema e traduziam, em voz alta, os textos dos intertítulos para um público composto por muitos espectadores considerados incapazes de ler-interpretar textos escritos (CHION, 1999CHION, Michel. The voice in cinema. Tradução Claudia Gorbman. Nova Iorque: Columbia University Press, 1999.). Com o advento do cinema falado, os intertítulos passaram a ser avaliados, pelos críticos da época, como “não-cinematográficos” ou ainda “paliativos obsoletos”.

É importante destacar que os intertítulos (que também foram conhecidos, no Brasil, por legendas, letreiros, subtítulos ou títulos) diferenciam-se da legenda de que tratamos neste artigo. Aqui, consideramos as legendas de um filme como a materialização de uma leitura-tradução, constituinte da modalidade de tradução audiovisual (TAV) interlingual; modalidade esta que opera em um sistema semiótico, linguístico, cultural híbrido.12 12 Em nossa pesquisa de doutorado, ainda em andamento, discutimos esta questão. A tese ainda não foi publicada e a previsão de defesa é para 2023.

Do lugar de onde partimos, consideramos que as legendas surgem a partir de escolhas tradutórias que, temporariamente, “capturam”, fazem parar jogos de significações, marcando alguns sentidos e não outros. Essa escolha é feita por uma tradutora/tradutor, sujeito sócio-histórico, a partir da leitura-interpretação de um texto base que, no caso das modalidades de TAV, é uma convergência entre imagem e som/silêncio.

RETOMANDO OS FIOS

A primeira exibição do longa-metragem de ficção Melodia da Broadway no Brasil, em sessão fechada para a imprensa, já contava com uma tradução para o português, cuja finalidade era a de “facilitar” a apreciação do filme pelo público. Essa tradução não foi realizada em formato de legendas, mas, sim, em livretos distribuídos aos espectadores, os chamados programas que se assemelham àqueles utilizados em peças de teatro e óperas. Na ocasião, os livretos entregues na entrada do cinema não contavam com a tradução dos diálogos (possivelmente em virtude da presença extensiva de diálogos neste filme em comparação a produções anteriores), mas continham uma “explicação [...] dando o enredo da película, com bastante minúcia, [o que] permiti[a] aos espectadores compreender cena por cena do que vai na tela”13 13 Trazemos esta citação para destacar o papel atribuído aos livretos na época. Porém, acreditamos ser bastante questionável e sujeita a problematizações a ideia de que os livretos por si só possibilitariam “uma compreensão total” do filme, principalmente porque consideramos que o material fílmico é um texto a ser interpretado pelos espectadores. A noção de interpretação que trazemos à baila aqui é a de produção de sentidos a partir dos fios da tecitura de um texto (DERRIDA, 2005), a qual será discutida mais adiante. (O Cinema…,1929: 6 apudFREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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, p. 190).

A alternativa do livreto empregada para apresentar o filme falado em inglês de forma mais acessível, atraente e cativante no Brasil, não foi bem recebida pela crítica (FREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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). Possivelmente, deve ter sido bastante difícil acompanhar um filme, com músicas e diálogos sonoros em uma língua-cultura14 14 Segundo Coracini (2019), “Sabemos que a própria língua(gem) carrega consigo os aspectos culturais de um dado grupo social, de modo que não há cultura fora da língua(gem) nem língua(gem) sem cultura. Por essa razão, preferimos falar de língua-cultura. É importante precisar que entendemos cultura como conjunto de costumes, ideias, crenças, modos de proceder e de ver o mundo, que, até certo ponto se confunde com ideologia. Da mesma forma, Derrida (1967/2008) entende cultura como constitutiva do sujeito, embora nada impeça que ela possa se modificar, ainda que lentamente.” outra, vinculado à leitura-interpretação de um livreto com descrições e explicações, principalmente considerando que se tratava de um público mais acostumado com o cinema não-falado e, até essa época, um pouco menos habituado com o cinema sincronizado. Foi neste contexto que surgiu uma primeira tentativa de legendagem no Brasil.

Sobre esse episódio, Waldemar Torres relatou, em 1936, o que aconteceu na estreia de 1929:

The Broadway Melody estreou numa sexta-feira, sem legenda alguma em português. No sábado teve oito ou dez legendas (comigo rezando, na plateia do Palácio, para que nenhuma estivesse fora de sincronismo) e no domingo mais vinte legendas (oh, os sustos que dava o Vitafone!). E entre um dia e outro, uma noitada no laboratório de Paulo Benedetti, eu a marcar os lugares das traduções dos diálogos - e os seus auxiliares a postos, fazendo os contratipos das cenas que iriam ganhar as poucas legendas sobrepostas, talvez as primeiras usadas em todo o mundo! (TORRES, 1936, p. 4 apudFREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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, p. 191).

Segundo os relatos, tratou-se de uma experimentação improvisada que, provavelmente, visava amenizar as críticas recebidas na primeira sessão fechada. De acordo com Freire (2015)FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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, os diálogos não foram todos traduzidos, ou seja, o filme não foi legendado na íntegra, apenas as falas consideradas “mais importantes”. É possível ainda, de acordo com o autor, que os diálogos escolhidos e selecionados pela equipe que os traduziu tenham sido bastante resumidos e exibidos somente nos momentos entendidos por eles como cruciais. Ademais, conforme descreve Freire (2015)FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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,

a cópia vinda dos Estados Unidos não recebeu a impressão (sobreposição) das legendas em português, como se tornaria o processo padrão de legendagem. Na verdade, foram revelados e copiados no laboratório brasileiro trechos legendados que substituíram as partes dialogadas, sendo preciso, portanto, remontar a cópia para a inclusão dessas partes contratipadas. (FREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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, p.192).

Embora tenha sido uma prática improvisada, dispendiosa e bastante trabalhosa - o que inviabilizaria a continuação da legendagem praticada da mesma forma para filmes posteriores -, parece ter sido uma experiência inaugural importante para a tradução audiovisual no Brasil. Freire (2015)FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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argumenta que Augusto (1989) pontuou que Melodia da Broadway havia dado o pontapé inicial, no Brasil e talvez no mundo, para o processo de legendagem de filmes sonoros estrangeiros, embora Augusto não tenha apresentado nenhum dado que comprove o suposto pioneirismo.

Visto que (um)a (das) primeira(s) experiência(s) de legendagem, embora bem sucedida, não era viável na época, outras tentativas foram feitas a fim de buscar uma solução que agradasse ao público brasileiro espectador de filmes estrangeiros. Entre elas, a produção de filmes parcialmente falados em outras línguas-culturas, que não o inglês, a serem distribuídos no Brasil - o francês e o espanhol, por exemplo - línguas-culturas estas que, supostamente, minimizariam o problema, visto que eram consideradas (estereotipadamente) próximas - em sonoridade, léxico e origem - do português brasileiro. Além disso, optou-se por produzir cópias silenciadas de filmes sonoros, isto é, “versões que haviam sido realizadas simultaneamente às versões faladas, mas sem a incorporação do som, ou eram simplesmente filmes sincronizados exibidos sem os discos correspondentes.” (FREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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). O autor destaca também que tais práticas parecem ter sido recorrentes também em outros países, não somente no Brasil.

Outras alternativas incluíam a inserção de um prólogo explicativo falado, a substituição dos diálogos por música e a adição de intertítulos ausentes no filme original; a refilmagem, mantendo roteiro, figurino e cenário do filme, porém, com atores falantes da língua-cultura de recepção ou próxima a ela (houve tentativas de regravação em espanhol para filmes a serem exibidos no Brasil, por exemplo), além da dublagem. No entanto, nenhuma dessas experimentações parece ter sido tão bem sucedida quanto se esperava nesse período.15 15 Uma maior aceitação da dublagem viria posteriormente, mas não nessa época.

Importante é notar que todas essas opções têm em comum a tentativa de apagamento de traços da língua-cultura do outro marcados pela voz. Esse apagamento parcial se daria tanto pela supressão total do som, quanto pela substituição dos diálogos por intertítulos. Parcial porque traços da língua-cultura do outro sempre permanecem: na própria língua “dita” materna ou ainda inscritos nas imagens / na produção fílmica em si e na tentativa de silenciamento: as vozes do outro continuam ressoantes. Arriscamos afirmar que essa tentativa de apagamento possa ter sido um dos motivos do fracasso das alternativas supracitadas; outras razões incluem rupturas no ritmo da narrativa, falta de sincronia, excesso de texto escrito em comparação às imagens, prolongamento da duração dos filmes ou ainda múltiplos cortes de cenas mais longas (FREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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).

Seguimos na direção dessa hipótese, pois, ouvir a língua-cultura do outro, as vozes saindo da boca dos atores, ter contato com essas vozes em combinação com as imagens parecia ser uma grande novidade para a época: vislumbramos um público que aparentava desejar esse outro16 16 Mobilizamos, neste texto, a noção de “desejo pelo outro” a partir de um viés psicanalítico. Não nos concentraremos demasiadamente neste tópico por limitações de espaço, mas trazemos à baila os dizeres de Coracini (2003, p. 149) os quais nos ajudam a lançar alguma luz sobre essa questão: “A língua estrangeira é a língua ‘estranha’, a língua do estranho, do outro. Tal estranhamento tanto pode provocar medo como uma forte atração. No primeiro caso, é o medo da despersonalização que sua aprendizagem implica (Melman, op. cit., p. 33), medo do estranho, do desconhecido, medo do deslocamento ou das mudanças que poderão advir da aprendizagem de uma outra língua. [...] Os casos em que aprender línguas desempenha uma forte atração podem ser explicados, de modo geral, pela psicanálise como o desejo do outro, desse outro que nos constitui e cujo acesso nos é interditado, esse outro que viria completar o um. [...] Tanto no caso do medo como no caso da atração, é o mesmo desejo do outro, desejo de plenitude que move o amor ou o ódio, a aprendizagem ou a resistência a uma determinada língua.” , ansiava sentir e saborear a voz das estrelas do cinema. Mas não só isso: parece-nos que se buscavam traços do outro estrangeiro, da cultura que sempre vem junto com a língua do outro, o outro que, ilusoriamente, viria completar e suprir. Com os apagamentos resultantes das tentativas de tradução e substituição até então encontradas, esse desejo seria, pois, parcialmente barrado. É isso o que apreendemos, mais detidamente, dos dizeres, extraídos de críticas da época, os quais apresentamos a seguir.

Durante um período considerado como sendo de transição entre o cinema não-falado e o falado, Pedro Lima, crítico de cinema, afirmou em publicação da época: “o público preferirá um filme sofrível falado em brasileiro, a um muito bom todo falado em inglês” (LIMA, 1929 apudFREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
https://variety.com/1929/film/reviews/br...
, p. 201). Considerando os fios do dizer de Lima (1929) e os jogos de sentido ligados ao adjetivo sofrível, somos levados a interpretar que o filme brasileiro seria considerado lamentável, deixaria a desejar, teria um desempenho tolerável; ou, ainda, faria o público sofrer não pela narrativa, pela história ou por uma espécie de catarse, mas pela qualidade da imagem e do som considerados, na época, “inferiores”. É quase como se ouvíssemos espectadores da época dizendo que mesmo com qualidade de imagem e som ruins, seria preferível ir ao cinema ver filmes brasileiros, pois estes seriam mais familiares e compreensíveis em termos de narrativa: ganha-se na narrativa, sofre-se e lamenta-se pela qualidade técnica. Mesmo que não da maneira ideal, os filmes seriam, no final das contas, assistidos pelo público que buscava entretenimento nas produções exibidas nas grandes telas e poderia acompanhar as histórias, visto que “entenderiam” a língua-cultura e, portanto, a história que era contada (com todas as críticas que a noção de “entendimento” e “compreensão” pudessem suscitar).

Já o filme na língua-cultura do outro era considerado “muito bom” em comparação ao filme brasileiro em virtude de sua qualidade técnica (imagética e sonora), mas só poderia ser narrativamente acompanhado se traduzido. O filme estrangeiro seria, portanto, o ideal de cinema, dada sua qualidade técnica superior, mas esse ideal causa estranhamento quando não se compreende a língua-cultura (que é do outro), produtora desse ideal (por isso, a preferência pelo “sofrível”). Tudo a que grande parte do público teria acesso seria a imagem e os ruídos ininteligíveis dos diálogos sonoros em língua-cultura estrangeira e seriam esses os elementos que construiriam a narrativa (em dinâmica semelhante àquela dos filmes mudos), isto é, a produção cinematográfica assistida seria composta por imagem e ruídos e, assim, acabaria por escancarar o leque de interpretações produzidas a partir do filme pelo espectador (o que, a partir dos dizeres de Lima (1929 apudFREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
https://variety.com/1929/film/reviews/br...
, p. . 201), entendemos como não sendo ideal). A partir disso, poderíamos supor que o desejo do outro17 17 Desejo do outro/desejo pelo outro: ver nota 14 deste texto. (o estrangeiro, a língua-cultura que vem do outro, o ideal de cinema e de experiência cinematográfica) só seria hipoteticamente saciado se houvesse um ponto de familiaridade: a mediação pela língua-cultura do público (o português brasileiro), através da tradução.

Leitura semelhante pode-se fazer a partir de um editorial da revista Cinearte que, ao tratar da dublagem, argumenta:

Para que o processo dubbing fosse uma coisa viável entre nós, preciso era que não conhecêssemos as vozes dos artistas e, principalmente, só tivéssemos assistido filmes assim. [...] A mudança das inflexões das vozes, o desencontro de certos momentos, nos movimentos labiais perturbam todo filme e ninguém o poderá apreciar nos seus verdadeiros méritos (CINEARTE, 1931 apudFREIRE, 2011FREIRE, Rafael de Luna. “Versão brasileira” - Contribuições para uma história da dublagem cinematográfca no Brasil nas décadas de 1930 e 1940. Ciberlegenda, v. 1, n. 24, p. 7-18, 2011. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495551017019. Acesso em: jan. 2021.
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=49...
).

Apreendemos deste excerto que os “verdadeiros méritos” de um filme, ou seja, aquilo que tornaria um filme muito bom, com qualidades apreciáveis, estariam ligados à permanência das vozes dos atores e às características da oralidade (inflexão, sincronia entre som e movimentos labiais) mantidas, além da superioridade do aspecto de originalidade. Isto é, o filme estrangeiro seria melhor também porque teríamos acesso à (suposta) origem18 18 Destacamos que o acesso à uma origem seria sempre suposto, pois concordamos com Siscar (2001) ao sublinhar, em A Dificuldade de Origem, que “não haveria texto ou sentido original antes de uma leitura. Aquilo que chamamos original se estabelece e se modula segundo as diversas interpretações de um texto que, dessa maneira, perde qualquer essência ou significado intrínsecos. O sentido do original é o sentido que lhe atribui um leitor ou uma determinada situação interpretativa, um determinado contexto de leitura. O argumento pode ser resumido da seguinte maneira: não existe original antes de sua tradução; é a tradução que, de alguma maneira, cria seu original.” (SISCAR, 2001, p. 87). através da voz, da performance, do corpo do outro, diferente do filme dublado que barraria o acesso ao “original” enquanto tal. Vislumbramos haver o desejo pelo outro, pela voz do outro, pela sonoridade da língua-cultura do outro e mudanças nesse objeto de desejo seriam motivo de estranhamento, sofrimento e distanciamento desse outro que se deseja. Ao mesmo tempo, considerando que “o encontro com a língua estrangeira faz vir à consciência alguma coisa do elo muito específico que mantemos com a língua materna” (REVUZ, 1991REVUZ, C. La langue étrangère entre le désir d’un ailleurs et le risque de l’exil. Revue Education Permanente, n. 107, pp. 23-35, 1991., p. 24), as mudanças e a substituição da língua-cultura do outro barrariam também uma aproximação a nós mesmos e à nossa língua-cultura.

A relevância dada à apreciação da voz nos filmes nos leva a pensar também que, nessa época, o ideal de espectador enquanto aquele capaz de ver e ouvir era o predominante. Não há menção, na literatura nem em arquivos de imprensa da época, a possibilidades de tradução que pudessem tornar as exibições acessíveis no Brasil e essa dinâmica parece ter sido a regra por muitos anos até os dias de hoje. De acordo com Spolidorio (2017)SPOLIDORIO, S. Mapeando a Tradução Audiovisual Acessível no Brasil. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 56, n. 2, p. 313-345, 2017. Disponível em: https://catalog.afi.com/Search?searchField=MovieName&searchText=The+Broadway+Melody&sortType=sortByRelevance Acesso em: 26 set. 2021.
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, é somente a partir de 2013 que a questão da tradução audiovisual acessível começou a tomar mais corpo no contexto brasileiro. Ademais, foi somente em 2020 que se tornou obrigatória, sob pena de multa, a disponibilização de aparelhos de acessibilidade para deficientes visuais e auditivos nas salas de cinema do país19 19 Conforme disponível em: http://clap.ch/actualite/3265/cannes-2017-la-democratie-des-sous-titres.html. Para uma discussão mais detalhada a esse respeito, consultar: Spolidorio, 2017. .

Com as tentativas de lidar com a voz e a sonoridade da língua-cultura do outro, entrevemos a instabilidade do momento de transição do cinema mudo para o cinema sonoro. As salas exibidoras (dos grandes centros, mas também do interior, embora em ritmo mais lento, principalmente devido aos altos custos da projeção sonora) e distribuidoras tentavam adaptar-se à chegada do som e à consequente problemática linguístico-cultural. É justamente nesse período de transição e instabilidade que a prática da legendagem se consolida no Brasil. Segundo Freire (2015)FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
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, o filme Alvorada de amor (The Love Parade, dir. Ernst Lubitsch, 1929/1930br) foi o primeiro a ser legendado na íntegra, com a legendagem realizada diretamente sobre a cópia da película a ser exportada para o Brasil. Foi a primeira vez que as legendas apareciam simultaneamente à imagem e ao som:

O filme é mandado ao estrangeiro todo em dialogação inglesa, tal como é apresentado na América, sendo os letreiros explicativos impressos sobre o negativo de tal maneira que há perfeita sincronia entre as frases verbais. Assim, quem não sabe o inglês segue o sistema das legendas impressas ao pé das cenas enquanto que os que entendem a linguagem do filme o apreciam através do verbo falado (Mensageiro…, 1929, v. 10, n. 6: 25 apudFREIRE, 2015FREIRE, Rafael de Luna. O início da legendagem de filmes no Brasil. MATRIZes, v.9, n.1, p. 187-211, 2015. Disponível em: https://variety.com/1929/film/reviews/broadway-melody-1200410242/. . Acesso em: jan. 2021.
https://variety.com/1929/film/reviews/br...
).

Com o sucesso da exibição do filme, a legendagem passou a ser o processo adotado para os lançamentos subsequentes, predominando no cinema exibido no Brasil até a década de 1960. A implementação da dublagem enquanto prática de tradução audiovisual que agradasse ao público era barrada, principalmente, pela qualidade, considerada deplorável,20 20 A precariedade do sistema de som das salas de cinema predominou, segundo Freire (2011), até a década de 1980. do sistema sonoro das salas de cinema, os altos custos e a privação do público “de saborear a conversação dos artistas no idioma original” (A Cena Muda, v. 25, n. 51, 18 dez. 1945, p. 30 apudFREIRE, 2011FREIRE, Rafael de Luna. “Versão brasileira” - Contribuições para uma história da dublagem cinematográfca no Brasil nas décadas de 1930 e 1940. Ciberlegenda, v. 1, n. 24, p. 7-18, 2011. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495551017019. Acesso em: jan. 2021.
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=49...
, p. 15). Os filmes legendados permitiriam ao público “saborear” (do latim sapor, que pode apontar para os sentidos de “provar, sentir gosto, ter conhecimento, perceber”)21 21 Disponível em: https://www.leparisien.fr/culture-loisirs/ils-sous-titrent-les-films-de-cannes-en-toute-discretion-10-05-2013-2792225.php. as vozes, os tons, o outro em sua língua-cultura.

Voltamos ao movimento de desejo pelo/do outro: sentir o gosto, o sabor da língua-cultura desse outro, sentir o gosto que eles sentem, experimentar o outro, dele se aproximar e/ou se afastar. Ao mesmo tempo, “saborear” se liga também ao verbo “saber” (verbo que sinaliza para os sentidos de ter conhecimento, não ignorar, ser sabido, ter sabor ou gosto), mas saber uma língua-cultura, segundo Coracini (2014)CORACINI, Maria José. Entre adquirir e aprender uma língua: subjetividade e polifonia. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso 9 (2), 2014. Disponível em: https://periodicos.uff.br/ciberlegenda/article/view/36850
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, vai além de conhecê-la/não a ignorar: saber uma língua-cultura é ser falado por ela, ser dito pela língua muito mais do que dessa língua ser falante.

No contexto pós-guerra (já a partir da década de 1940), as condições do som começam a mudar com o aprimoramento das práticas, técnicas e equipamentos sonoros (FREIRE, 2014FREIRE, Rafael de Luna. Dublar ou não dublar: a questão da obrigatoriedade de dublagem de filmes estrangeiros na televisão e no cinema brasileiros. Revista FAMECOS, v. 21, n. 3, p. 1168-1191, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/100680/99415 Acesso em: jan. 2021.
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). No entanto, mesmo com essas mudanças, “a quase totalidade dos filmes importados para o país continuou sendo exibida em cópias legendadas. As obras audiovisuais estrangeiras dubladas em português somente viriam a se consolidar no imaginário brasileiro através não do cinema, mas da televisão” (FREIRE, 2014FREIRE, Rafael de Luna. Dublar ou não dublar: a questão da obrigatoriedade de dublagem de filmes estrangeiros na televisão e no cinema brasileiros. Revista FAMECOS, v. 21, n. 3, p. 1168-1191, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/100680/99415 Acesso em: jan. 2021.
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, p. 1171).

Em 1964, em um contexto de exaltação do nacionalismo, com a valorização de uma homogeneização linguístico-cultural em favor de uma identidade nacional, entrou em vigor - não sem tensão e polêmica - o decreto n° 52.286 (1963). Este decreto tornava obrigatória a dublagem para o português brasileiro de filmes estrangeiros exibidos na televisão do país: “Art. 18. A exibição de filmes estrangeiros na televisão requer a obrigatoriedade de dublagem em português, exceto aqueles de que trata o art. 14 (desenhos animados).”

Essa lei foi um desdobramento do decreto n° 50.450 (1961) que exigia uma cota de tela na grade televisiva, isto é, as emissoras deveriam exibir um programa nacional para cada dois programas estrangeiros. Segundo Freire (2014FREIRE, Rafael de Luna. Dublar ou não dublar: a questão da obrigatoriedade de dublagem de filmes estrangeiros na televisão e no cinema brasileiros. Revista FAMECOS, v. 21, n. 3, p. 1168-1191, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/100680/99415 Acesso em: jan. 2021.
https://www.revistas.usp.br/matrizes/art...
, p. 1175), “‘a exibição de películas [...] de procedência estrangeira projetadas pelas emissoras brasileiras de televisão, está originando problemas de caráter social, sendo preciso, portanto, ‘disciplinar as atividades comerciais das emissoras de televisão’”. Destaca-se, então, o papel político exercido pela tradução já a partir de 1964, “o papel estratégico fundamental reservado à televisão pela ditadura civil-militar instaurada em 1964 em sua política de integração nacional” (FREIRE, 2014FREIRE, Rafael de Luna. Dublar ou não dublar: a questão da obrigatoriedade de dublagem de filmes estrangeiros na televisão e no cinema brasileiros. Revista FAMECOS, v. 21, n. 3, p. 1168-1191, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/100680/99415 Acesso em: jan. 2021.
https://www.revistas.usp.br/matrizes/art...
, p. 1187).

Até que se tornasse lei, houve um sem-número de discussões contra e a favor da dublagem, principalmente no cinema:

Além das recorrentes discussões a respeito do direito à audição das vozes originais das obras estrangeiras [...] muita polêmica se instaurou no meio cinematográfico frente ao projeto. De um lado, se aventava a possibilidade da dublagem empregar profissionais brasileiros, estimular a criação de estúdios nacionais e proteger o idioma nativo contra sua “desnacionalização”. [...] O projeto de Lindgren ecoava antigas pretensões autoritárias e elitistas de padronização e normatização da identidade nacional da língua [...] “uma oportunidade para formar-se um ‘vocabulário mais seleto’”. Do outro lado, [...] vinham os argumentos de que a legendagem servia de estímulo à alfabetização - por supostamente impedir o entendimento dos filmes legendados pelos iletrados - e que a obrigatoriedade da dublagem esbarraria na falta de pessoal qualificado e equipamentos modernos (FREIRE, 2014FREIRE, Rafael de Luna. Dublar ou não dublar: a questão da obrigatoriedade de dublagem de filmes estrangeiros na televisão e no cinema brasileiros. Revista FAMECOS, v. 21, n. 3, p. 1168-1191, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/100680/99415 Acesso em: jan. 2021.
https://www.revistas.usp.br/matrizes/art...
, p. 1172).

Foi, então, na programação televisiva que a prática da dublagem se estabeleceu22 22 A década entre 1960 e 1970 foi considerada a “época de ouro” da dublagem no Brasil (FREIRE, 2014). . Nesse período, tentou-se, mais uma vez, fazer da dublagem uma prática obrigatória nas salas de cinema, porém, sem sucesso. Em 1971, houve uma nova tentativa; no entanto, a obrigatoriedade da dublagem era uma questão controversa, pois, durante esse período (de ditadura militar), discutia-se também a ampliação da participação do cinema nacional. Logo, esta foi também uma tentativa que não obteve sucesso.23 23 Para uma discussão mais detalhada sobre o assunto, vide Freire (2014). Hoje, a dublagem continua a predominar na programação da televisão aberta, enquanto nos canais de televisão pagos a legendagem é a prática dominante (TRINDADE, 2012TRINDADE, Elaine Alves. A legendagem da televisão por assinatura do Brasil. 2012. 119f. Dissertação (Mestrado) --Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.).

Seguindo os fios do percurso histórico, a legendagem saiu, então, do cinema para habitar outros meios, como a televisão, o vídeo e, mais recentemente, a Internet (sites abertos como o YouTube e também plataformas de streaming como a Netflix). Nesses últimos casos, o espectador pode escolher entre dublagem ou legendagem em diversas línguas-culturas, assim como acontece também com a maioria dos produtos audiovisuais veiculados em DVD e Blu-ray.

Por esse caminho, é importante notar que o predomínio da legendagem durante períodos de transição (do cinema mudo para o cinema falado; da não-obrigatoriedade da dublagem para sua obrigatoriedade em alguns contextos, etc.) sinaliza para a discussão de que a tradução para legendagem parece estar sempre vinculada à espectralidade24 24 A respeito do que Derrida nos diz sobre o espectro e a espectralidade, retomamos Espectros de Marx e a afirmação de que “Há vários tipos de espectro. O próprio de um espectro, caso isso exista, é que não se sabe se ele testemunha retornando de um vivo passado ou de um vivo futuro, pois a aparição já pode indicar o retorno do espectro de um vivo prometido. Intempestividade ainda, e desajuste do contemporâneo. (...) Todos os fantasmas se projetam sobre a tela desse fantasma (isto é, sobre um ausente, pois a tela mesma é fantasmática, como na televisão do amanhã, que dispensará o suporte ‘tela’ e projetará suas imagens - às vezes imagens de síntese - diretamente no olho, como o som do telefone no fundo do ouvido). (...) Mas, o que mais fazer, já que ele não está aí, como todo fantasma digno deste nome? E mesmo quando ele aí está, ou seja, aí sem estar aí, sente-se que o espectro olha, por certo através do elmo; ele espreita, observa, fita os espectadores e os videntes cegos, mas não vemos ver, ele permanece invulnerável sob sua armadura com viseira.” (DERRIDA, 1994, p.136-137). - discutida, neste trabalho, sob o prisma derridiano -, ou seja, ao terreno da indecidibilidade25 25 Segundo Derrida (1972), “uma proposição indecidível, Gödel demonstrou sua possibilidade em 1931, é uma proposição que, dado um sistema de axiomas dominante numa multiplicidade, não é nem uma consequência analítica ou dedutiva de axiomas, nem está em contradição com eles, nem verdadeira nem falsa do ponto de vista desses axiomas.” (DERRIDA, 1972, p. 248-249). Ainda para articular a questão, a partir da discussão empreendida por Derrida (1972), Nascimento (2001) sublinha que “O hymen opera segundo a lógica do que se chama indecidível. (...) A força do hymen se deixa avaliar na estrutura do texto mallarmeano como seu efeito mais radical, numa dupla negação (nem, nem) indecidível entre qualquer um dos polos. Derrida tem o cuidado de separar o valor desse indecidível do tipo de especulação empreitada por Heigel (...). O exemplo do hymen não traduz nenhuma excepcionalidade da língua francesa, mas (...) para um tipo de experiência irredutível a qualquer contradição dialética. (...) Vale recordar que o hymen é membrana, tecido, texto enquanto tessitura de signos. Situando-se além das oposições metafísicas, mais exatamente no espaço entre elas, signos como hymen, phármakon, tímpano, branco, enxerto, etc sinalizam a diferença ou o afastamento entre a simples inversão das oposições, sua marca no texto de partida, e seu deslocamento, sua re-marca. O hymen é índice de uma ausência de centro absoluto, ele é o meio (milieu).” (NASCIMENTO, 2001, p. 93-95). , da não-dualidade, desde suas primeiras tentativas: entre a língua-cultura do outro e a língua-cultura que me é familiar, dita “materna”; entre o sonoro e o mudo; entre o sofrível e o prazeroso; entre a presença e a ausência (de sentidos, de espectadores, de vozes, de texto, de imagem, de som): nos entre-lugares.

Vale salientar que o traçado histórico tecido até aqui deu um enfoque maior na legendagem no Brasil de filmes estrangeiros. No entanto, cabe indagar também a respeito da veiculação de produções audiovisuais brasileiras traduzidas para línguas-culturas outras. A literatura a esse respeito é bastante parca, mas nos permite seguir algumas pistas.

A LEGENDAGEM DE UMA OBRA VINDA DO BRASIL

Sabe-se que a dublagem, em substituição ao som direto dos filmes brasileiros ficcionais e não-ficcionais, tornou-se um pouco mais comum no Brasil a partir da década de 1950. Porém, neste caso, fala-se de dublagem intralingual26 26 Aqui, vale retomar a discussão empreendida por Jakobson (1976) a respeito da tradução intralingual: “a tradução intralingual ou reformulação (rewor-ding) consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua” (JAKOBSON, 1976, p.64). , isto é, na mesma língua-cultura (português brasileiro). Filmes rodados em locação (cenas externas) davam prioridade à posterior dublagem das falas, ou seja, o som das cenas dos diálogos era, prioritariamente, (re)gravado em estúdio.

No que diz respeito à tradução interlingual de filmes brasileiros, seguir as pistas do filme O cangaceiro (dir. Lima Barreto, 1953) pode nos ajudar a pensar sobre as primeiras ocorrências de tradução para legendagem de filmes brasileiros no exterior. O longa-metragem produzido pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz foi o primeiro filme brasileiro a ter reconhecimento internacional. Ganhou o prêmio de melhor filme de aventura e melhor trilha sonora no Festival de Cannes (1953). A repercussão em Cannes fez com que o filme ficasse em cartaz na França por cinco anos e fosse comprado e distribuído para outros países pela Columbia Pictures. Dada a grande repercussão internacional de O cangaceiro, trabalhamos com a possibilidade de que esse talvez tenha sido um dos primeiros filmes brasileiros (senão o primeiro) a ser legendado para outras línguas-culturas.

Nos festivais internacionais, sobretudo os mais recentes, os filmes exibidos são legendados e não dublados. Segundo organizadores de festivais e produtores de cinema, nesses eventos, é bastante comum adotar a seguinte prática: para filmes com áudio em inglês, há legenda na língua nacional do país onde se realiza o festival; há legendas em inglês para filmes rodados com áudio na língua do país de exibição; e legendas nos dois idiomas para filmes exibidos em outros idiomas. No caso do Festival de Cannes, quase todos os filmes exibidos (exceto as animações) são legendados, aparentemente, desde o início.27 27 Conforme disponível em: https://www.titratvs.com/fr/versioning#sous_titrage. É o que parecem indicar as informações concedidas pela empresa Titra Film que, segundo o artigo “Ils sous-titrent les films de Cannes en toute discrétion” (Le Parisien, 2013),28 28 Conforme disponível em: https://lantern.mediahist.org/. “inventou” a legendagem industrial em 193329 29 Assim como não há evidências que comprovem o pioneirismo brasileiro na legendagem de Melodia da Broadway, até o presente momento, não encontrei outros dados em outras fontes que comprovem o pioneirismo da Titra Film com a legendagem industrial. :

Após a sua criação nos anos 1930, a Titra Film legendou, em todas as línguas, a maior parte das obras cinematográficas mundiais, mantendo-se à frente dos desenvolvimentos tecnológicos e das mudanças de suporte. [...] A Titra Film tem acompanhado eventos de prestígio em Cannes.30 30 Conforme disponível em: https://lantern.mediahist.org/.

Com base nessas informações, é possível apenas supor que O cangaceiro tenha sido legendado em língua-cultura francesa para exibição em Cannes. No entanto, após a temporada em cartaz na França, conforme mencionamos anteriormente, o filme passou a ser distribuído internacionalmente pela Columbia Pictures, uma produtora e distribuidora de filmes norte-americana.

De acordo com uma pequena nota publicada31 31 “Columbia lança filme brasileiro: ‘Cangaceiro’ (‘The Bandit’), o primeiro filme brasileiro a ser exibido nos Estados Unidos, será apresentado pela Columbia Pictures no Trans-Lux Normandie Theatre após o término da sessão de Robison Crusoe. Vencedor do prêmio de melhor filme de aventura do Festival de Cannes e produzido pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, Cangaceiro será lançado em todo o mundo pela Columbia.” na revista cinematográfica americana Motion Picture Daily (agosto, 1954), O cangaceiro, com a Columbia Pictures, foi o primeiro filme brasileiro exibido nos Estados Unidos e passaria a ser exibido mundialmente. Os dizeres desta nota nos levam a observar que o foco parece estar muito mais no ineditismo da Columbia Pictures em distribuir o filme para o mundo, do que no fato de se tratar de um filme brasileiro traduzido (“Columbia lança filme brasileiro: ‘Cangaceiro’ (‘The Bandit’), o primeiro filme brasileiro a ser exibido nos Estados Unidos, será apresentado pela Columbia Pictures [...] “Cangaceiro” será lançado em todo o mundo pela Columbia.”).

Figura 2
Recorte de notícia da revista cinematográfica americana Motion Picture Daily (agosto, 1954).

Em artigo publicado no jornal carioca O Jornal em junho de 1953, afirma-se também que:

Segundo telegramas procedentes da Convenção Européia da Columbia Pictures International, realizada em fins do mês passado em Barcelona, na Espanha, as duas notáveis produções brasileiras “Sinhá Moça” e “O Cangaceiro” acabam de ser incluídas na distribuição internacional da Columbia. (“SINHA MOÇA”, 1953“SINHÁ MOÇA” e “O cangaceiro” nas telas do mundo. O jornal, jun. 1953. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/letras/article/view/18408 Acesso em: 05. jan. 2022.
https://revistas.ufpr.br/letras/article/...
).

O fato de ser exibido nos Estados Unidos e de ter entrado para o circuito mundial de cinema, por si só, não nos permitiria afirmar que O cangaceiro tenha sido legendado. Porém, um recorte de notícia publicada na revista americana Harrison’s Reports (setembro, 1954) confirma que “a película, com elenco latino-americano desconhecido e legendas em inglês para interpretar o diálogo”32 32 Tradução nossa. No original: “The picture, which has an unknown Latin American cast and English sub-titles to interpret the dialogue.” foi, de fato, traduzida:

Deste último recorte, destacamos que a legenda aparece com a função de interpretar os diálogos (“English sub-titles to interpret the dialogue”). No contexto acadêmico de onde partimos, compreendemos interpretação como sinônimo de leitura: ler e interpretar são a mesma coisa, processos compreendidos como

produção de sentidos, com base na constatação de que não lemos por ‘camadas’ (primeiro lemos, depois compreendemos e, finalmente, interpretamos): no exato momento em que lemos [...] interpretamos, produzimos sentido [...] algo do leitor, da subjetividade do leitor se inscreve no texto para produzir sentido (e não para construir sentido). Produzir sentidos implica na presença de um leitor ativo, que se in-sere e se in-screve no texto, não para dele extrair um sentido, nem buscar as peças do quebra-cabeças nele inscrito, para com elas montar o puzzle que resgataria as intenções do autor [...] mas para, seguindo o fio ou ao menos um fio do texto, da tessitura, do tecido, bordá-lo com fios de sua subjetividade, de seus apartes, imprimindo no texto algo de si, tocando-o com as mãos, sem o quê não seria possível ler. (CORACINI, 2015CORACINI, Maria José. Leitura ou interpretação: pulsão escópica e gesto de violência. In: FLORES, Giovanna G. Benedetto, NECKEL, Nária R. Maffi, GALLO, Solange Maria Leda (Orgs.) Análise de discurso em rede: cultura e mídia. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015. p. 109-125., p. 112).

Nessa medida, a escolha por destacar que as legendas servem para interpretar o filme, em vez de, por exemplo, optar por anunciar que o filme teve os diálogos traduzidos (como no anúncio de Melodia da Broadway), produz efeitos de sentido de que o foco parece estar muito mais em quem lê-interpreta (neste caso, o espectador norte-americano) do que naquilo / o que se lê-interpreta na pretensa intenção de resgatar um suposto sentido original.

Por um lado, consideramos importante o destaque conferido à interpretação e a consequente apreensão de que a tradução pode ser vista como materialização de uma leitura possível que, por sua vez, levaria a outras interpretações produzidas por sujeitos. Essa constatação nos faz lembrar de Foucault (1997FOUCAULT, Michel. Nietzsche, Freud e Marx. São Paulo, SP: Princípio Editora, 1997., p. 26) quando argumenta que “a vida da interpretação [...] é o crer que não há mais do que interpretações”. Dito de outro modo, em vias foucaultianas, podemos compreender que é impossível não interpretar: há sempre textos, leituras, produção de sentidos outros em quaisquer manifestações linguísticas, inclusive em tradução. Por esse viés, retomamos Nascimento (2001)NASCIMENTO, Evandro. Derrida e a Literatura: “Notas” de literature e filosofia nos textos da desconstrução. 2a. ed. Niteroi: EdUFF, 2001. que entrelaça tradução e interpretação ao afirmar que “ler (com) Derrida é traduzir Derrida (...) porque faz parte da leitura nesse autor a noção de que o ato de ler é fundamentalmente tradutório. (...) A tradução enquanto modo de interpretação.” (NASCIMENTO, 2001NASCIMENTO, Evandro. Derrida e a Literatura: “Notas” de literature e filosofia nos textos da desconstrução. 2a. ed. Niteroi: EdUFF, 2001., p. 37).

Por outro lado, notamos que a diferença entre os anúncios em língua-cultura portuguesa e língua-cultura inglesa sobre a mesma obra audiovisual está no foco que se dá, para mais ou para menos, na língua-cultura do outro. Aqui (Figura 3), a atenção voltada à interpretação confere maior importância ao leitor-intérprete-espectador de língua-cultura inglesa, o que pode acabar reiterando a ideia de que o inglês é uma língua-cultura que exerce mais poder sobre as outras e que as línguas-culturas do dito Norte global seriam superiores àquelas vindas do Sul, e por isso esse deveria ser o foco do anúncio.

Figura 3
Recorte de notícia da revista americana Harrison’s Reports (setembro, 1954).

Além disso, ao compreendermos que “é uma relação mais de violência que de elucidação, a que se estabelece na interpretação” e que “a interpretação não aclara uma matéria que com o fim de ser interpretada se oferece passivamente, [mas] necessita apoderar-se, e violentamente, de uma interpretação que está já ali” (FOUCAULT, 1997FOUCAULT, Michel. Nietzsche, Freud e Marx. São Paulo, SP: Princípio Editora, 1997., p. 23), entrevemos relações de poder coloniais entre as línguas-culturas em questão (Figura 3), em que aquele que interpreta violenta e se apodera daquele que “passivamente” é interpretado.

Ainda em tempo, é importante lembrar que, na literatura dos Estudos da Tradução, a interpretação é assumida também por outro viés. Enquanto campo disciplinar, os Estudos da Interpretação são considerados - assim como a área de Estudos da Tradução Audiovisual - uma especialidade ou ainda uma ramificação ou subdomínio do campo mais amplo dos Estudos de Tradução (POCHHACKER, 2013POCHHACKER, Franz. The position of interpreting studies. In: MILLÁN, Carmen; BARTRINA, Francesca (Eds.) The Routledge Handbook of Translation Studies. London: Routledge, 2013. p. 60-72.), na qual se incluiriam, por exemplo, a interpretação de conferências. Para além dessa diferenciação institucional, no que diz respeito à prática, a interpretação é vista sob diferentes prismas, quais sejam: como transferência verbal, processo de criação de sentido, habilidade de processamento cognitivo, atividade de produção de discurso e/ou como mediação (POCHHACKER, 2013POCHHACKER, Franz. The position of interpreting studies. In: MILLÁN, Carmen; BARTRINA, Francesca (Eds.) The Routledge Handbook of Translation Studies. London: Routledge, 2013. p. 60-72.).

Comumente, distingue-se interpretação de tradução pela modalidade linguística: a primeira seria uma prática essencialmente oral e a segunda, uma prática escrita. Entretanto, a divisão dicotômica que estabelece interpretação enquanto tradução oral acaba por desconsiderar outras camadas não somente dessa prática em si, mas também de outras experiências linguísticas, como é o caso da interpretação em linguagem de sinais e a interpretação audiovisual que não se reduz apenas à oralidade: “A interpretação assume várias formas na tela. Pode ser consecutiva (geralmente pré-gravada), simultânea (a voz original é reduzida a um nível baixo de audibilidade após alguns segundos) ou usando linguagem de sinais” (GAMBIER, 2013GAMBIER, Yves. The position of audiovisual translation studies. In: MILLÁN, Carmen; BARTRINA, Francesca (Eds.) The Routledge Handbook of Translation Studies. London: Routledge, 2013. p. 45-59., p. 51).

O privilégio dado à dimensão da oralidade na descrição da prática da interpretação dá destaque também ao outro dessa oralidade, sua face “oposta”, que permanece “oculta”, mas que, inevitavelmente, retorna: a escrita. Consideramos não ser possível separar e antagonizar oralidade e escrita - a discussão derridiana a respeito de escritura busca, por exemplo, desconstruir a oposição fala/escrita que, por sua vez, se liga a uma cadeia de outras oposições (dentro/fora, natural/artificial, presença/não-presença…). Essa cadeia dicotômica “pressupõe a seguinte relação: fala - dentro/inteligível/essência/verdadeiro; escrita - fora/sensível/aparência/falso”. (SANTIAGO, 1976SANTIAGO, Silviano (Ed.). Glossário de Derrida. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976., p. 31). A respeito, particularmente no que tange à relação de suplementaridade entre fala e escrita, retomamos também Nascimento (2001)NASCIMENTO, Evandro. Derrida e a Literatura: “Notas” de literature e filosofia nos textos da desconstrução. 2a. ed. Niteroi: EdUFF, 2001. ao sublinhar que “se o som em si (matéria ou imagem) não corresponde à realidade da língua, não há como opô-lo à inscrição gráfica (...) sistema escrito e sistema falado têm uma raiz comum que os inscreve desde sempre numa mesma função gráfica.” (NASCIMENTO, 2001NASCIMENTO, Evandro. Derrida e a Literatura: “Notas” de literature e filosofia nos textos da desconstrução. 2a. ed. Niteroi: EdUFF, 2001., p. 140). Toda a discussão empreendida por Nascimento (2001)NASCIMENTO, Evandro. Derrida e a Literatura: “Notas” de literature e filosofia nos textos da desconstrução. 2a. ed. Niteroi: EdUFF, 2001. acontece com base nos textos da desconstrução, com destaque à Gramatologia (DERRIDA, 1973DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973.) na qual também lemos a respeito da impossibilidade de toda relação de insubordinação e hierarquia natural entre fala e escrita. Derrida (1973)DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973., assim o põe em relevo:

Ora, a partir do momento em que se considera a totalidade dos signos determinados, falados e a fortiori escritos, como instituições imotivadas, dever-se-ia excluir toda relação de subordinação natural, toda hierarquia natural entre significantes ou ordens de significantes. Se “escritura” significa inscrição e primeiramente instituição durável de um signo (e é este o único núcleo irredutível do conceito de escritura), a escritura em geral abrange todo o campo dos signos linguísticos. Neste campo pode aparecer a seguir uma certa espécie de significantes instituídos “gráficos” no sentido estrito e derivado desta palavra, regidos por uma certa relação a outros significantes instituídos, portanto “escritos” mesmo que sejam “fônicos”. (...) Na verdade mesmo na escritura dita fonética, o significante “gráfico” remete ao fonema através de uma rede com várias dimensões que o liga, como todo significante, a outros significantes escritos e orais, no interior de um sistema “total”, ou seja, aberto a todas as cargas de sentidos possíveis. É da possibilidade deste sistema total que é preciso partir. (DERRIDA, 1973DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973., p. 54-55).

Por essas vias, o recorte em destaque na Figura 3, ao afirmar que a legenda aparece com a função de interpretar os diálogos (“English sub-titles to interpret the dialogue”), parece aproximar a legenda à interpretação, entrelaçando a escrita à oralidade. Ao mesmo tempo, destaca a dimensão oral (que vem nos traços do termo “interpret” [interpretar]). Esse destaque produz efeitos de sentidos que acabam por encadear legenda-interpretação mais à oralidade e, portanto, ao dentro/inteligível/essência/verdadeiro. As legendas em inglês interpretam, logo, “trariam” o verdadeiro sentido.

Além disso, a ênfase na oralidade sugerida pela trama legenda-interpretação produz também efeitos de sentidos que remetem a oralidade à performance da voz e, portanto, ao corpo, trazendo, novamente, à cena o sujeito que habita esse corpo e produz essa voz. Por esse viés interpretativo, somos, mais uma vez, conduzidos a uma leitura-interpretação que envolve um sujeito no processo de tradução, sujeito que borda o texto “com fios de sua subjetividade, de seus apartes, imprimindo no texto algo de si, tocando-o com as mãos” (CORACINI, 2015CORACINI, Maria José. Leitura ou interpretação: pulsão escópica e gesto de violência. In: FLORES, Giovanna G. Benedetto, NECKEL, Nária R. Maffi, GALLO, Solange Maria Leda (Orgs.) Análise de discurso em rede: cultura e mídia. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015. p. 109-125., p.112).

A INTERPRETAÇÃO NÃO SE PODE NUNCA ACABAR

Na tentativa de criar breves efeitos de conclusão, retomamos o objetivo deste artigo, qual seja, o de contribuir com iniciativas de pesquisa que visam (re)traçar e discutir rastros do percurso histórico da legendagem de filmes estrangeiros no Brasil e de filmes brasileiros no exterior, para destacar que consideramos um objetivo atingido.

Vale notar que a busca por rastros da legendagem de filmes brasileiros fora do país foi muito mais árdua, isto é, a precariedade de informações a esse respeito parece ser muito mais evidente que o oposto (a legendagem de filmes estrangeiros no Brasil). A nosso ver, esse seria um indício de um desde-sempre adormecimento de filmes brasileiros no exterior e suas respectivas traduções e o poder simbólico exercido pela língua-cultura inglesa. Queremos crer que isso parece ser confirmado pela análise que fizemos do recorte de notícia da revista americana Harrison’s Reports (setembro, 1954).

Ao longo do artigo, buscamos trabalhar nossa herança: resgatando dizeres de pesquisas que vieram antes de nós e que, portanto, nos foram legadas, não apenas com a finalidade de chegar a mais uma revisão de literatura, mas com o interesse de fazer com que essa herança produza ainda mais, dê frutos, transforme-se, sobre-viva (CORACINI, 2010CORACINI, Maria José. A memória em Derrida: uma questão de arquivo e de sobre-vida. Cadernos de Estudos Culturais, v. 1, p. 141-154, jul/dez, 2010.; DERRIDA, [1995]DERRIDA, Jacques. (1995) Mal de Arquivo. Trad. Claudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. 2001), colocando a legendagem em um fluxo que vá além do entendimento que olha essa modalidade de tradução meramente como uma “ponte” de acessibilidade que liga diferentes grupos.

Por fim, na tentativa de responder ao questionamento (“o que fazer com ela [a herança]?), esperamos ter trazido à baila a necessidade ainda corrente de o campo, como um todo, se voltar a questões como as que foram trabalhadas aqui. Haverá sempre interpretação… que nunca se pode acabar.

  • 1
  • 2
    Para uma discussão mais aprofundada, buscar: Coracini (2019)CORACINI, Maria José. A perspectiva discursivo-desconstrutiva na pesquisa em Linguística Aplicada. In: SZUNDY, Paula T. C.; TILIO, Rogerio; VALIM de MELO, Glenda C. (Orgs.). Inovações e desafios epistemológicos em Linguística Aplicada: perspectivas sul-americanas. Campinas (SP): Pontes, 2019. e Rosa, Rondelli & Peixoto, 2015ROSA, M.T.; RONDELLI, D. R.; PEIXOTO, M. B. S. Discurso, Desconstrução e Psicanálise no campo da Linguística Aplicada: (du)elos e (des)caminhos. In: D.E.L.T.A., São Paulo, 31-especial, p. 253-281, 2015..
  • 3
    No que tange à historicidade da tradução audiovisual brasileira, Freire é um autor consultado com frequência neste artigo. A recorrente referência ao autor justifica-se, pois, no Brasil, são pouquíssimos os pesquisadores que desenvolveram estudos traçando esse percurso histórico. O presente artigo surge para alargar esses estudos.
  • 4
  • 5
    “todo falado, todo musicado, todo dançante”. Tradução nossa.
  • 6
    Para mais detalhes, consultar também : Wierzbicki (2009)WIERZBICKI, James. Film music: a history. Nova Iorque: Routledge, 2009., Silverman (1929)SILVERMAN, Sid. Broadway Melody. Variety, Nova Iorque, 12 de fev. de 1929. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=110523_05&Pesq=cangaceiro%20cannes%20fran%c3%a7a&pagfis=21863. Acesso em: 07 jan. 2022.
    http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader...
    , AFI Catalog (2019).
  • 7
    Para discussões mais aprofundadas, buscar Chion (1999)CHION, Michel. The voice in cinema. Tradução Claudia Gorbman. Nova Iorque: Columbia University Press, 1999..
  • 8
    Neste texto, utilizamos o termo “diálogos sonoros” para fazer referência a diálogos que têm como suporte a voz dos atores e podem ser reproduzidos por equipamentos de som ao mesmo tempo em que a imagem e, desse modo, podem ser ouvidos pelos espectadores dos filmes. Isso em contraposição a “diálogos não-sonoros” que apareceriam, por exemplo, em formato de texto verbal escrito (como é o caso dos intertítulos ou livretos) e, portanto, não são ouvidos pelos espectadores. Os “diálogos não-sonoros” seriam aqueles que compõem, por exemplo, os filmes mudos.
  • 9
    Chion (1999)CHION, Michel. The voice in cinema. Tradução Claudia Gorbman. Nova Iorque: Columbia University Press, 1999. empreende uma discussão interessante a respeito de tal distinção.
  • 10
    Tradução nossa. No original: “Intertitles are shots of texts printed on material that does not belong to the diegesis of a film and, therefore, are distinct from textual inserts.”
  • 11
    Tradução nossa. No original: “As a term, intertitle appeared in the early 1930s to differentiate the practice from the then new process of subtitling which provided, at the bottom of the image, a translation for speech in foreign-language sound films.”
  • 12
    Em nossa pesquisa de doutorado, ainda em andamento, discutimos esta questão. A tese ainda não foi publicada e a previsão de defesa é para 2023.
  • 13
    Trazemos esta citação para destacar o papel atribuído aos livretos na época. Porém, acreditamos ser bastante questionável e sujeita a problematizações a ideia de que os livretos por si só possibilitariam “uma compreensão total” do filme, principalmente porque consideramos que o material fílmico é um texto a ser interpretado pelos espectadores. A noção de interpretação que trazemos à baila aqui é a de produção de sentidos a partir dos fios da tecitura de um texto (DERRIDA, 2005DERRIDA, Jacques. A farmácia de Platão. Tradução Rógerio da Costa. 3. ed. São Paulo: Editora Iluminuras, 2005.), a qual será discutida mais adiante.
  • 14
    Segundo Coracini (2019)CORACINI, Maria José. A perspectiva discursivo-desconstrutiva na pesquisa em Linguística Aplicada. In: SZUNDY, Paula T. C.; TILIO, Rogerio; VALIM de MELO, Glenda C. (Orgs.). Inovações e desafios epistemológicos em Linguística Aplicada: perspectivas sul-americanas. Campinas (SP): Pontes, 2019., “Sabemos que a própria língua(gem) carrega consigo os aspectos culturais de um dado grupo social, de modo que não há cultura fora da língua(gem) nem língua(gem) sem cultura. Por essa razão, preferimos falar de língua-cultura. É importante precisar que entendemos cultura como conjunto de costumes, ideias, crenças, modos de proceder e de ver o mundo, que, até certo ponto se confunde com ideologia. Da mesma forma, Derrida (1967/2008) entende cultura como constitutiva do sujeito, embora nada impeça que ela possa se modificar, ainda que lentamente.”
  • 15
    Uma maior aceitação da dublagem viria posteriormente, mas não nessa época.
  • 16
    Mobilizamos, neste texto, a noção de “desejo pelo outro” a partir de um viés psicanalítico. Não nos concentraremos demasiadamente neste tópico por limitações de espaço, mas trazemos à baila os dizeres de Coracini (2003CORACINI, M. J. Língua estrangeira e língua materna: uma questão de sujeito e identidade. In: CORACINI, Maria José, org. Identidade e discurso: (des) construindo subjetividades. Campinas: editora da UNICAMP; Chapecó: Argos editora universitária, 2003. p. 139 - 160., p. 149) os quais nos ajudam a lançar alguma luz sobre essa questão: “A língua estrangeira é a língua ‘estranha’, a língua do estranho, do outro. Tal estranhamento tanto pode provocar medo como uma forte atração. No primeiro caso, é o medo da despersonalização que sua aprendizagem implica (Melman, op. cit., p. 33), medo do estranho, do desconhecido, medo do deslocamento ou das mudanças que poderão advir da aprendizagem de uma outra língua. [...] Os casos em que aprender línguas desempenha uma forte atração podem ser explicados, de modo geral, pela psicanálise como o desejo do outro, desse outro que nos constitui e cujo acesso nos é interditado, esse outro que viria completar o um. [...] Tanto no caso do medo como no caso da atração, é o mesmo desejo do outro, desejo de plenitude que move o amor ou o ódio, a aprendizagem ou a resistência a uma determinada língua.”
  • 17
    Desejo do outro/desejo pelo outro: ver nota 14 deste texto.
  • 18
    Destacamos que o acesso à uma origem seria sempre suposto, pois concordamos com Siscar (2001)SISCAR, Marcos. A dificuldade de Origem. Revista Letras, Curitiba, n. 56, p. 81-139. jul./dez, 2001. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8648885. . Acesso em: 08 jan. 2023.
    https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
    ao sublinhar, em A Dificuldade de Origem, que “não haveria texto ou sentido original antes de uma leitura. Aquilo que chamamos original se estabelece e se modula segundo as diversas interpretações de um texto que, dessa maneira, perde qualquer essência ou significado intrínsecos. O sentido do original é o sentido que lhe atribui um leitor ou uma determinada situação interpretativa, um determinado contexto de leitura. O argumento pode ser resumido da seguinte maneira: não existe original antes de sua tradução; é a tradução que, de alguma maneira, cria seu original.” (SISCAR, 2001SISCAR, Marcos. A dificuldade de Origem. Revista Letras, Curitiba, n. 56, p. 81-139. jul./dez, 2001. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8648885. . Acesso em: 08 jan. 2023.
    https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
    , p. 87).
  • 19
    Conforme disponível em: http://clap.ch/actualite/3265/cannes-2017-la-democratie-des-sous-titres.html. Para uma discussão mais detalhada a esse respeito, consultar: Spolidorio, 2017SPOLIDORIO, S. Mapeando a Tradução Audiovisual Acessível no Brasil. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 56, n. 2, p. 313-345, 2017. Disponível em: https://catalog.afi.com/Search?searchField=MovieName&searchText=The+Broadway+Melody&sortType=sortByRelevance Acesso em: 26 set. 2021.
    https://catalog.afi.com/Search?searchFie...
    .
  • 20
    A precariedade do sistema de som das salas de cinema predominou, segundo Freire (2011)FREIRE, Rafael de Luna. “Versão brasileira” - Contribuições para uma história da dublagem cinematográfca no Brasil nas décadas de 1930 e 1940. Ciberlegenda, v. 1, n. 24, p. 7-18, 2011. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495551017019. Acesso em: jan. 2021.
    http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=49...
    , até a década de 1980.
  • 21
  • 22
    A década entre 1960 e 1970 foi considerada a “época de ouro” da dublagem no Brasil (FREIRE, 2014FREIRE, Rafael de Luna. Dublar ou não dublar: a questão da obrigatoriedade de dublagem de filmes estrangeiros na televisão e no cinema brasileiros. Revista FAMECOS, v. 21, n. 3, p. 1168-1191, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/100680/99415 Acesso em: jan. 2021.
    https://www.revistas.usp.br/matrizes/art...
    ).
  • 23
    Para uma discussão mais detalhada sobre o assunto, vide Freire (2014)FREIRE, Rafael de Luna. Dublar ou não dublar: a questão da obrigatoriedade de dublagem de filmes estrangeiros na televisão e no cinema brasileiros. Revista FAMECOS, v. 21, n. 3, p. 1168-1191, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/100680/99415 Acesso em: jan. 2021.
    https://www.revistas.usp.br/matrizes/art...
    .
  • 24
    A respeito do que Derrida nos diz sobre o espectro e a espectralidade, retomamos Espectros de Marx e a afirmação de que “Há vários tipos de espectro. O próprio de um espectro, caso isso exista, é que não se sabe se ele testemunha retornando de um vivo passado ou de um vivo futuro, pois a aparição já pode indicar o retorno do espectro de um vivo prometido. Intempestividade ainda, e desajuste do contemporâneo. (...) Todos os fantasmas se projetam sobre a tela desse fantasma (isto é, sobre um ausente, pois a tela mesma é fantasmática, como na televisão do amanhã, que dispensará o suporte ‘tela’ e projetará suas imagens - às vezes imagens de síntese - diretamente no olho, como o som do telefone no fundo do ouvido). (...) Mas, o que mais fazer, já que ele não está aí, como todo fantasma digno deste nome? E mesmo quando ele aí está, ou seja, aí sem estar aí, sente-se que o espectro olha, por certo através do elmo; ele espreita, observa, fita os espectadores e os videntes cegos, mas não vemos ver, ele permanece invulnerável sob sua armadura com viseira.” (DERRIDA, 1994DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: O Esrado da dívida, o trabalho da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Tradução Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994., p.136-137).
  • 25
    Segundo Derrida (1972), “uma proposição indecidível, Gödel demonstrou sua possibilidade em 1931, é uma proposição que, dado um sistema de axiomas dominante numa multiplicidade, não é nem uma consequência analítica ou dedutiva de axiomas, nem está em contradição com eles, nem verdadeira nem falsa do ponto de vista desses axiomas.” (DERRIDA, 1972, p. 248-249). Ainda para articular a questão, a partir da discussão empreendida por Derrida (1972), Nascimento (2001)NASCIMENTO, Evandro. Derrida e a Literatura: “Notas” de literature e filosofia nos textos da desconstrução. 2a. ed. Niteroi: EdUFF, 2001. sublinha que “O hymen opera segundo a lógica do que se chama indecidível. (...) A força do hymen se deixa avaliar na estrutura do texto mallarmeano como seu efeito mais radical, numa dupla negação (nem, nem) indecidível entre qualquer um dos polos. Derrida tem o cuidado de separar o valor desse indecidível do tipo de especulação empreitada por Heigel (...). O exemplo do hymen não traduz nenhuma excepcionalidade da língua francesa, mas (...) para um tipo de experiência irredutível a qualquer contradição dialética. (...) Vale recordar que o hymen é membrana, tecido, texto enquanto tessitura de signos. Situando-se além das oposições metafísicas, mais exatamente no espaço entre elas, signos como hymen, phármakon, tímpano, branco, enxerto, etc sinalizam a diferença ou o afastamento entre a simples inversão das oposições, sua marca no texto de partida, e seu deslocamento, sua re-marca. O hymen é índice de uma ausência de centro absoluto, ele é o meio (milieu).” (NASCIMENTO, 2001NASCIMENTO, Evandro. Derrida e a Literatura: “Notas” de literature e filosofia nos textos da desconstrução. 2a. ed. Niteroi: EdUFF, 2001., p. 93-95).
  • 26
    Aqui, vale retomar a discussão empreendida por Jakobson (1976)JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Tradução Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Editora Cultrix, 1976. a respeito da tradução intralingual: “a tradução intralingual ou reformulação (rewor-ding) consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua” (JAKOBSON, 1976JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Tradução Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Editora Cultrix, 1976., p.64).
  • 27
  • 28
    Conforme disponível em: https://lantern.mediahist.org/.
  • 29
    Assim como não há evidências que comprovem o pioneirismo brasileiro na legendagem de Melodia da Broadway, até o presente momento, não encontrei outros dados em outras fontes que comprovem o pioneirismo da Titra Film com a legendagem industrial.
  • 30
    Conforme disponível em: https://lantern.mediahist.org/.
  • 31
    “Columbia lança filme brasileiro: ‘Cangaceiro’ (‘The Bandit’), o primeiro filme brasileiro a ser exibido nos Estados Unidos, será apresentado pela Columbia Pictures no Trans-Lux Normandie Theatre após o término da sessão de Robison Crusoe. Vencedor do prêmio de melhor filme de aventura do Festival de Cannes e produzido pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, Cangaceiro será lançado em todo o mundo pela Columbia.”
  • 32
    Tradução nossa. No original: “The picture, which has an unknown Latin American cast and English sub-titles to interpret the dialogue.”

REFERÊNCIAS

  • ABEL, R. (Ed.). Encyclopedia of Early Cinema. Nova Iorque: Routledge, 2005.
  • “CANGACEIRO” with an all-foreign cast. Harrison’s Reports, set. 1954. Disponível em: https://lantern.mediahist.org/ Acesso em: 05. jan. 2022.
    » https://lantern.mediahist.org/
  • CHION, Michel. The voice in cinema. Tradução Claudia Gorbman. Nova Iorque: Columbia University Press, 1999.
  • COLUMBIA Releasing Brazilian Picture. Motion Picture Daily, ago. 1954. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S2176-45732014000200002 Acesso em: 05. jan. 2022.
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  • CORACINI, Maria José. Entre adquirir e aprender uma língua: subjetividade e polifonia. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso 9 (2), 2014. Disponível em: https://periodicos.uff.br/ciberlegenda/article/view/36850
    » https://periodicos.uff.br/ciberlegenda/article/view/36850
  • CORACINI, Maria José. Leitura ou interpretação: pulsão escópica e gesto de violência. In: FLORES, Giovanna G. Benedetto, NECKEL, Nária R. Maffi, GALLO, Solange Maria Leda (Orgs.) Análise de discurso em rede: cultura e mídia. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015. p. 109-125.
  • CORACINI, Maria José. A perspectiva discursivo-desconstrutiva na pesquisa em Linguística Aplicada. In: SZUNDY, Paula T. C.; TILIO, Rogerio; VALIM de MELO, Glenda C. (Orgs.). Inovações e desafios epistemológicos em Linguística Aplicada: perspectivas sul-americanas. Campinas (SP): Pontes, 2019.
  • DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradução Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973.
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  • DERRIDA, Jacques. A farmácia de Platão. Tradução Rógerio da Costa. 3. ed. São Paulo: Editora Iluminuras, 2005.
  • FOUCAULT, Michel. Nietzsche, Freud e Marx. São Paulo, SP: Princípio Editora, 1997.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2022
  • Aceito
    31 Jan 2024
  • Publicado
    17 Abr 2024
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