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O CONCEITO DE LETRAMENTO NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA: RETORNO ÀS ORIGENS, DISCUSSÕES PARA O FUTURO

THE CONCEPT OF LITERACY IN BRAZILIAN SCIENTIFIC PRODUCTION: RETURN TO THE ORIGINS, DISCUSSIONS FOR THE FUTURE

Resumo

Este texto propõe uma reflexão metateórica, a qual busca retomar a emergência do termo “letramento” na produção científica brasileira, desde os seus primeiros usos nos anos 1990, discutir suas traduções e observar como se situam determinadas pesquisas hoje em relação ao conceito de letramento no Brasil. Diante da “explosão conceitual” decorrente do aumento exponencial de pesquisas na área, inúmeros binômios com o termo “letramento” são empregados nas pesquisas no campo da Linguística Aplicada no Brasil. Discutimos algumas dessas adjetivações e suas relações com a noção de letramento em uma perspectiva sócio-histórica, cultural e etnográfica sobre os usos da escrita - campo do qual emergiu. Com base na discussão desenvolvida, argumentamos pelo uso da adjetivação do termo segundo a esfera de atividade humana em que as práticas de letramento em investigação estão situadas. Por fim, ratificamos o caráter propositivo do texto, que esperamos ser visto como um convite ao debate, especialmente no campo da Linguística Aplicada, a fim de pensar de forma aprofundada o conceito de letramento, seus usos nas pesquisas da área atualmente e sua força epistêmica para explicar as práticas sociais de uso da escrita contemporâneas.

Palavras-chave:
letramento; produção científica; explosão conceitual

Abstract

This paper aims at a metatheoretical reflection that seeks to revisit the emergence of the term “letramento” in Brazilian scientific production since its earliest uses in the 1990s, discuss its translations, and observe how certain research today relates to the concept of literacy in Brazil. Faced with the “conceptual explosion” resulting from the exponential increase in research in the field, numerous binomials with the term “literacy” are employed in research in the field of Applied Linguistics in Brazil. We discuss some of these adjectives and their relationships with the emergence of the concept as arising from the socio-historical, cultural, and ethnographic perspective on the uses of writing. Based on the presented discussion, we argue for the use of the sphere of human activity in which literacy practices under investigation are situated in the adjectivization of the term. Finally, we ratify the propositional character of the text, which we hope to be seen as an invitation to debate, especially in the field of Applied Linguistics to think in depth about the concept of literacy, its uses in current research in the area, and its epistemic power to explain contemporary social practices in the use of writing.

Keywords:
literacy; scientific production; conceptual explosion

Por isso que os nossos velhos dizem: “Você não pode se esquecer de onde você é e nem de onde você veio, porque assim você sabe quem você é e para onde você vai”. Isso não é importante só para a pessoa do indivíduo, é importante para o coletivo, é importante para uma comunidade humana saber quem ela é, saber para onde ela está indo. (Ailton Krenak, O eterno retorno do encontro, p. 27)

INTRODUÇÃO

Pretendemos, neste texto, retomar brevemente a emergência do termo “letramento” na produção científica brasileira desde os seus primeiros usos nos anos 1990 e observar como se situam determinadas pesquisas hoje em relação a esse conceito no Brasil, desde o seu advento. O aumento exponencial de pesquisas na área do letramento nos últimos 30 anos culmina no que denominamos, em texto anterior, “explosão conceitual” (Vianna et al, 2016VIANNA, Carolina Assis, SITO, Luanda Soares, VALSECHI, Marília Curado, PEREIRA, Sílvia Letícia. (2016). Do Letramento aos Letramentos: desafios na aproximação entre o letramento acadêmico e o letramento do professor. In: KLEIMAN, Angela Bustos, ASSIS, Juliana. (orgs). Significados e ressignificações do letramento: desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a escrita. Campinas: Mercado de Letras.), surgindo daí expressões que adicionam à palavra diversas adjetivações, tais como “letramento social”, “letramento político”, “letramento crítico”, “letramento racial”, “letramento em direitos humanos”, “letramento emocional”, “letramento em saúde”, “letramento visual”, “letramento midiático”, “letramento musical”, “letramento em línguas estrangeiras”, entre outros1 1 Agradecemos a nosso amigo Leandro Rodrigues Alves Diniz, que há alguns anos vem compartilhando conosco diversos desses binômios encontrados em contextos variados, muitos deles acadêmicos, manifestando a necessidade de se colocar a discussão em pauta e incentivando a produção deste texto. Entre eles, destacamos alguns binômios que já encontramos nesse tempo, apenas a fim de ressaltar a explosão no uso do termo atualmente, em diferentes tipos de publicações, sejam acadêmicas, sejam midiáticas: “letramento em avaliação”, “letramentos sociais”, “letramento crítico”, “letramento científico”, “letramento racial”, “letramento visual”, “letramento literário”, “letramento matemático”, “letramento literomusical”, “letramento emocional”, “letramento ambiental”, “letramento midiático”, “letramento político”, “letramentos carolinianos”, “letramento escolarizado”, “letramento em direitos humanos”, “letramento impresso”, “letramento em SMS”, “letramento em hipertexto”, “letramento multimídia”, “letramento em jogos”, “letramentos móveis”, “letramento em decodificação”, etc. . Dando prosseguimento à reflexão que iniciamos no texto citado, aprofundaremos aqui a discussão sobre as origens e os sentidos de alguns desses binômios2 2 No seu livro A Gramática da Fantasia, Gianni Rodari (1982) propõe a criação de textos a partir do que chamou de “binômios fantásticos”, nos quais a junção de elementos, ideias, conceitos aparentemente diversos representa uma possibilidade harmoniosa e fantástica, que não hierarquiza a linguagem e tem alto potencial de significação. , observando se, e, em caso afirmativo, de que forma, eles contribuem para refinar as concepções de origem da área dos Estudos de Letramento no contexto brasileiro.

Trata-se de uma discussão metateórica que tem tomado certa proporção entre os estudiosos da linguagem atualmente3 3 Enquanto escrevíamos este texto, uma postagem no perfil do Facebook do Prof. Dr. Sirio Possenti, da Unicamp, feita no dia 18 de outubro de 2023, questionando o uso da expressão “letramento midiático”, teve mais de 300 interações e mais de 90 comentários de pesquisadores de diferentes instituições de Norte a Sul do País. , tanto em relação à origem acadêmica do termo, quanto sobre seus usos em diferentes contextos de pesquisa. Sob nossa perspectiva, tal discussão diz respeito diretamente à forma como, em uma cadeia dialógica ininterrupta (Voloshinov, 2006), até o conteúdo semântico de conceitos teóricos pode mudar e desdobrar-se para atender a novas demandas de pesquisa. Nesse sentido, conforme sugere Ailton Krenak no texto da epígrafe, precisamos lembrar de onde viemos, para saber quem somos e para onde vamos em nossa área de pesquisa e de estudos. Com esse texto, expomos a necessidade de uma discussão acadêmica em relação aos usos do conceito. E defendemos que, para tanto, é basilar ponderar as definições que estão em jogo e, consequentemente, as implicações que elas trazem para o debate sobre os Estudos de Letramento no contexto brasileiro.

Assim, na próxima seção, traçamos um retorno à origem do conceito “letramento”, o qual culminou em um novo conjunto de pesquisas sobre a escrita. Na terceira seção, destacamos a opção por adjetivar o termo pelo critério da esfera de atividade humana em que as práticas se dão. Na quarta seção, abordamos a popularização do uso da palavra “letramento” e, na quinta, analisamos algumas opções terminológicas que alteram o conceito proposto inicialmente, distanciando-se da perspectiva sócio-histórica e cultural da qual este emerge na Linguística Aplicada (LA). Ainda, analisamos traduções brasileiras dos termos em inglês literacy e literacies e binômios que, ao partirem dessas traduções, são conceituados pelo viés de habilidades individuais. Encerramos o texto com nossas considerações sobre as consequências de tais escolhas e construções para a área dos Estudos de Letramento.

1. DE ONDE VIEMOS: A EMERGÊNCIA DO CONCEITO DE LETRAMENTO NO CONTEXTO BRASILEIRO

Quando o modelo existente para explicar os sistemas convencionais de representação da linguagem não mais se mostrou suficiente para descrever a realidade pertinente a esses sistemas, suas estruturas e características, assim como seus problemas e suas possíveis soluções, um novo paradigma (Kuhn, 1962) surgiu baseado na observação, na análise dos conceitos e nas práticas dessa realidade, especificamente, a realidade escritural na contemporaneidade tecnologicamente avançada, caracterizada por mudanças rápidas e radicais. A obra seminal de Street (1984)STREET, Brian. (1984). Literacy in Theory and Practice. Cambridge, MA.: Cambridge University Press., já prenunciada pela investigação etnográfica de Heath (1983)HEATH, Shirley Brice. (1983). Ways with Words. Language, Life and Work in the Communities and Classrooms. Cambridge, Cambridge University Press. e pelo estudo psicológico-cognitivo em contexto natural de Scribner e Cole (1981)SCRIBNER, Sylvia; COLE, Michael. (1981). The Psycholoy of Literacy. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.4 4 O conceito literacy, restrito à escrita alfabética, começou a mudar muito lentamente na segunda metade do século XX, nos países de fala inglesa. Finalmente, foi na década de 1980 que novos modos de pensar sistematicamente sobre a escrita como um processo cultural e social vieram à luz e se fortaleceram no contexto latino-americano com o diálogo frutífero com a proposta crítica de ensino de Paulo Freire, ilustrada em sua noção de “leitura da palavramundo”. , teve essa função na história das ideias sobre a língua escrita, seus usos, sua propagação, sua influência na humanidade. Assim, o conceito de letramento5 5 No Brasil, o termo letramento foi cunhado por Mary Kato, em 1986, na obra “O mundo da escrita”. Tinoco (2008), ao abordar o que chama de “juvenilidade do conceito”, há pouco mais de 15 anos, indica que “no contexto editorial brasileiro, em seguida, é publicado o estudo de Tfouni (1988), lançam-se uma primeira coletânea de artigos sobre diferentes aspectos do fenômeno letramento (Kleiman, 1995) e um outro livro de Tfouni (1995) sobre a mesma temática; na seqüência, publicam-se uma segunda coletânea sobre as relações entre a alfabetização e o letramento (Rojo, 1998) e o primeiro número da coleção Linguagem e Educação, intitulado Letramento (Soares, 1998)” (Tinoco, 2008, p. 103). (em inglês literacies, no plural) emergiu e, como geralmente acontece na evolução das ciências e suas disciplinas, o abandono e a rejeição do paradigma determinaram um novo olhar para o fenômeno da escrita, sua forma de estudá-lo, bem como o modo de interpretar os resultados dos estudos e experiências realizados. Em outras palavras, podemos dizer que o conceito de literacy/literacies emergente nos anos 1980 proveio de uma oposição conceitual a uma maneira de estudar os fenômenos relativos aos usos, ao ensino e à aprendizagem da escrita, que não previa resultados compatíveis com a realidade em escrutínio6 6 Por exemplo, a tese, por muito tempo defendida, sobre o poder da escrita para aumentar as capacidades mentais do indivíduo, era anualmente desmentida pela realidade observada nas redações dos vestibulares de candidatos a uma vaga na universidade, escritas por sujeitos com alta escolaridade (Kleiman, 1995). e cujo conjunto de pressupostos, muitas vezes enunciando preconcepções antropocêntricas, não permitia fazer perguntas significativas e pertinentes sobre o fenômeno.

Uma primeira oposição, de ordem semântica, envolve a intensão7 7 Consideramos aqui o sentido lógico-semântico da palavra intensão correspondente ao conceito contido em um termo que faz referência a determinado escopo, sendo este escopo, por sua vez, a extensão do mesmo termo. A extensão, portanto, refere-se ao conjunto total de objetos aos quais uma expressão linguística se aplica, ao passo que a intensão é parte do significado de uma expressão linguística. Como consequência, à medida que se aumenta a intensão de uma palavra, como “letramento”, por exemplo, sua extensão (aplicabilidade) diminui (e vice-versa), relação que se poderá compreender melhor com os exemplos que abordaremos na sequência do capítulo. e a extensão do termo até então utilizado para referir-se ao sistema de escrita da língua portuguesa - alfabetização -, pois tanto “letramento” quanto “alfabetização” podem ser expressos, em inglês, pela palavra literacy. A extensão da palavra literacy, em inglês, portanto, é maior que a das palavras alfabetização e letramento, quando tomadas separadamente8 8 Em inglês, é possível dizer, por exemplo, “wine literacy can´t be taught in 3 hours”, mas causaria estranhamento, em português, dizer “Letramento/alfabetização sobre o vinho/vinícola/ enológico/ da cultura do vinho não pode ser ensinado em 3 horas”. Pode-se recorrer, nesses casos, à expressão “o ABC de”, por exemplo, que remete diretamente ao alfabeto, ao abecedário, ou a princípios: “O ABC dos vinhos não pode ser ensinado em 3 horas”. . Mas, até a criação do conceito de letramento, a compreensão, o estudo e a análise das práticas sociais de uso da escrita sem as conotações de posse e domínio da letra e do código, ou de ensino normativo do sistema ortográfico, ou de sistema comunicativo autônomo do contexto de produção, ou sem a valorização de determinados usos em detrimento de outros - todos esses aspectos próprios dos usos da língua escrita transmitidos pela escola -, não eram considerados relevantes para estudar os processos de aquisição, produção, ou uso da língua.

Decorrente desse acréscimo conceitual na terminologia científica, a palavra “alfabetização” mudou sua extensão. Se comparamos as seguintes frases: “[a] silabação é uma prática de letramento” e “[a] silabação é uma prática de alfabetização”, embora ambas sejam verdadeiras, a extensão dos termos “letramento” e “alfabetização” é diferente, uma vez que sabemos que há muitas mais práticas de letramento do que de alfabetização. Em contrapartida, se comparamos “[e]screver uma tese é uma prática de letramento” e “[e]screver uma tese é uma prática de alfabetização”, também sabemos que a segunda não é verdadeira, uma vez que não faz parte do conceito contido, i.e., da intensão, da palavra “alfabetização”.

A alfabetização é, sob essa dimensão, considerada uma (ou um conjunto de) prática(s) de letramento, mas nem toda prática de letramento é uma prática de alfabetização, pois a intensão desta última expressão se aplica estritamente às atividades e práticas que têm por objetivo o domínio do sistema escritural, por meio de múltiplas atividades e gêneros, geralmente de origem escolar. Assim, de forma ilustrativa, podemos afirmar que uma lista de compras sendo ditada por uma mulher, diante das prateleiras da despensa, para seu marido, pode ser comparada a uma lista de compras numa situação de ditado por uma alfabetizadora a seus alunos em aula. Entretanto, ao contrário desta última, aquela não é, nem de longe, um exercício de alfabetização, pois corresponde a uma atividade do cotidiano doméstico, entre pessoas que mantêm relações familiares, na casa dos participantes envolvidos, que se realiza em voz rápida e sem pausas de um deles enquanto o outro anota rapidamente, fazendo abreviaturas pessoais, respondendo opcionalmente (uhum, já, repetição para confirmar/com entoação interrogativa, etc.); não é, portanto, uma atividade para ensinar o alfabeto e seus usos, i.e. não é uma atividade de alfabetização, embora seja uma prática de letramento, i.e. uma prática social de uso da escrita.

Dessa primeira oposição paradigmática fica evidente a importância da situação para determinar a função de um evento letrado e o sentido da prática de letramento que informa a atividade realizada no evento. Todo evento de letramento é situado, está enraizado na situação em que se desenvolve e seu significado, seus participantes, sua função, seu modo de fazer daí derivam. É por isso que alguns pesquisadores (nós, entre eles) insistimos que a intensão da palavra “letramento”, por si só, já dá conta das múltiplas práticas sociais de uso da escrita que ocorrem:

  • em uma determinada situação, sempre inextricável do contexto;

  • em eventos de letramento específicos segundo as convenções de diversas esferas de atividades por onde circulam essas práticas e os textos que as viabilizam;

  • segundo as normas das instituições que regulam esses modos de uso e circulação;

  • segundo as características dos eventos em que ocorrem (tais como: situação de comunicação, participantes e suas bagagens sócio-históricas e culturais, atividades envolvidas e sentidos a elas atribuídos pelos participantes, gêneros mobilizados pelos participantes para dar conta da situação).

Um segundo conjunto de oposições na origem da emergência do conceito está no discurso. A discursividade contribuiu para a distinção de duas grandes formas de organização, sempre ligadas a relações de poder e continuamente em fluxo, constituindo as identidades sociais: são essas formas a oralidade e a escrita, diferenciadas pelos jogos de sentido que esses discursos põem em movimento (Foucault, 1995FOUCAULT, Michel. (1995). A Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz F. B. Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 4ª.ed..). O conceito de oralidade letrada, derivado dos Estudos de Letramento, com diversas acepções, contrapõe-se à visão dicotômica entre ambas as modalidades da língua, questionando sua validade, uma vez que, por exemplo, um sindicalista analfabeto que dita cartas e ofícios reivindicatórios do seu sindicato a diretores e chefes durante negociações salariais, ainda que não tenha domínio sistematizado do código escrito socialmente convencionado, participa de práticas sociais letradas, pois organiza seu discurso reivindicatório epistolar segundo as normas e princípios do discurso letrado da instituição em que atua. Nessa esfera de atividades, portanto, independentemente de dominar o código, ele age com autonomia em determinadas práticas de letramento de que participa, produzindo, consumindo e fazendo circular naquela instituição gêneros dessa esfera de ação.

Assim, quando a pesquisa passa a valorizar essas formas diversas de participação em práticas sociais de leitura e escrita, a escolha pelo novo termo - letramento - dá-se em um contexto de necessidade, com a finalidade de marcar uma área de estudos em um momento de virada sociocultural no olhar de pesquisadores diretamente ligados às Ciências da Linguagem (Kleiman, 1995KLEIMAN, Angela. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras.; Tfouni, 1995TFOUNI, Leda. (1995). Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez.; Soares, 1998SOARES, Magda. (1998). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica.). A palavra, segundo Voloshinov (1929VOLOSHINOV, Valentin. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006./2006, p. 40), “será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados”. Ainda conforme o autor, tal evolução dialética repercute na evolução semântica e “uma nova significação se descobre na antiga e através da antiga, mas a fim de entrar em contradição com ela e de reconstruí-la” (Voloshinov, 1929VOLOSHINOV, Valentin. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006./2006, p. 139). Assim, no contexto brasileiro, a palavra “letramento” é cunhada no meio acadêmico, mais especificamente no campo da Linguística Aplicada (LA), para registrar a mudança pretendida na abordagem de pesquisas anteriores que consideravam a escrita uma tecnologia neutra e autônoma por si só, legitimando apenas algumas práticas socialmente mais valorizadas e desconsiderando a validade de outras. Essa nova criação passa a marcar uma abordagem de caráter social, crítico, histórico e identitário.

No campo da Educação, Magda Soares define letramento como “resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (Soares, 1998SOARES, Magda. (1998). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica., p. 18, itálicos nossos). No início dos anos 2000, a pesquisadora reconhecia certa

imprecisão que, na literatura educacional brasileira, ainda marca a definição de letramento, imprecisão compreensível se se considera que o termo foi recentemente introduzido nas áreas das letras e da educação. Entretanto, não há, propriamente, uma diversidade de conceitos, mas diversidade de ênfases na caracterização do fenômeno. (SOARES, 2002SOARES. Magda. (2002). Novas Práticas de Leitura e Escrita: Letramento na Cibercultura. Revista Educação e Sociedade. vol. 23, n. 81, p. 143-160, Campinas, SP., p. 144).

Embora, segundo Soares, tal imprecisão não se concretizasse em uma diversidade de conceitos, Tinoco (2008)TINOCO, Glícia M (2008). Azevedo de M. Projetos de letramento: ação e formação de professores de língua materna. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP. ressalta em sua tese de doutorado a complexidade do conceito de letramento, afirmando que, “no Brasil, há pelo menos duas definições, a partir de um enfoque mais individual ou mais social” (Tinoco, 2008TINOCO, Glícia M (2008). Azevedo de M. Projetos de letramento: ação e formação de professores de língua materna. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP., p. 106). Destacamos, portanto, que, na definição de Soares, o letramento recai em um enfoque individual e psicológico, um estado permanente ao qual o indivíduo poderia chegar ao se apropriar da tecnologia da escrita, e com isso é reforçado o domínio da escrita como código, deixando em um segundo plano o enfoque sociocultural do conceito na tradição das pesquisas etnográficas às quais nos filiamos.

Garcez (2019)GARCEZ, Pedro. (2019) Conceitos de letramento e a formação de professores de línguas. Revista da Anpoll, v. 1, nº 49, p. 12-25, Florianópolis, Jul./Set., em texto mais recente, retoma a etimologia do termo brasileiro “letramento” e argumenta que o sufixo “-mento” pode levar a uma expectativa de abordagem individual ou psicológica ao se assumir um sentido de “ação ou resultado de ação”. O próprio pesquisador chama atenção, no entanto, para a ausência de elementos relativos à aprendizagem na definição de letramento como “conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto tecnologia e enquanto sistema simbólico, em contextos específicos, para objetivos específicos” (Kleiman, 1995KLEIMAN, Angela. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras., p. 19). E ressalta que não nega “transformações nas pessoas quando participam de eventos de letramento”, mas que “o conjunto de práticas de letramento não se limita àquelas que produzem transformações ou aprendizagem” (p. 14). Conclui, assim, que, além de limitar o escopo do conceito, relacioná-lo à aprendizagem da escrita ou a uma condição do indivíduo remonta à “grande divisão” entre oralidade e escrita e aos mitos do letramento, posicionamento com o qual concordamos.

2. PARA ONDE VAMOS: OS BINÔMIOS E AS ESFERAS DE ATIVIDADE HUMANA

No desenvolvimento de pesquisas inseridas na perspectiva sócio-histórica, cultural e etnográfica sobre os usos da escrita, a utilização de expressões como “letramento escolar”, “letramento acadêmico”, “letramento do professor/profissional”9 9 Dependendo do contexto, também pode ser encontrado sob a forma mais descritiva “letramento para o local de trabalho”, já não se caracterizando como um “binômio”. , parece-nos profícua por permitir evidenciar a contraposição ou sobreposição de práticas diversas de letramento. Trata-se de adotar como critério a esfera de atividade humana10 10 O conceito de esfera não se restringe à noção de “lugar”, mas envolve os tipos de participantes possíveis da interação e suas possibilidades de relações sociais, além de definir os conteúdos temáticos possíveis e as maneiras de discursar típicas do campo social (Rojo, 2013). envolvida nas práticas de letramento focalizadas na pesquisa, conforme defendemos em trabalho anterior já mencionado (cf. Vianna et al., 2016VIANNA, Carolina Assis, SITO, Luanda Soares, VALSECHI, Marília Curado, PEREIRA, Sílvia Letícia. (2016). Do Letramento aos Letramentos: desafios na aproximação entre o letramento acadêmico e o letramento do professor. In: KLEIMAN, Angela Bustos, ASSIS, Juliana. (orgs). Significados e ressignificações do letramento: desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a escrita. Campinas: Mercado de Letras.).

Entendemos que, em tais binômios, a adjetivação permite traçar o caráter sócio-histórico de atividades e práticas de letramento, identificar as relações de poder que definem, em maior ou menor grau, essas práticas e analisar como as subjetividades se constroem e as identidades sociais são atribuídas e constituídas em cada situação. Por exemplo, o uso do binômio “letramento escolar” para caracterizar práticas de uso da leitura e da escrita próprias do funcionamento da escola possibilita uma comparação com práticas de letramento de outras esferas e nos permite compreender quais práticas de uso da escrita são legitimadas no contexto escolar, em contraste com o mundo do trabalho, ou da formação do professor, ou, ainda, da universidade, da família entre outras. A obra seminal de Heath (1983)HEATH, Shirley Brice. (1983). Ways with Words. Language, Life and Work in the Communities and Classrooms. Cambridge, Cambridge University Press., já mencionada neste artigo, que cunhou o conceito de “evento de letramento”, mostra como a prática de contar histórias para crianças pode ocorrer de maneiras diferentes e às vezes conflituosas entre si, na esfera familiar e na esfera escolar. Ou seja, quando se situa uma pesquisa voltada ao “letramento escolar”, por exemplo, entendemos que os eventos de letramento a serem analisados se dão dentro das normas da escola como esfera de atividade humana, tendo como identidades relevantes para as situações comunicativas as de professor e aluno e a situação de ensino-aprendizagem.

No binômio “letramento do professor”, a busca é por compreender que as práticas de letramento do trabalho do professor são específicas e suas capacidades de ler e escrever não podem ser questionadas a partir de parâmetros outros, descolados de seu fazer profissional (Kleiman, 2001). Pesquisas sobre a formação do professor desenvolvidas no âmbito do Grupo Letramento do Professor, entre elas as de Guedes-Pinto (2000)GUEDES-PINTO, Ana Lúcia. (2000). Rememorando trajetórias da professora-alfabetizadora: a leitura com prática constitutiva de sua identidade e formação profissionais Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP., Santos (2005)SANTOS, Cosme Batista dos. (2005). Um assunto puxa o outro: a representação da coerência textual na formação do alfabetizador. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP., Vóvio (2007)VÓVIO, Cláudia Lemos. (2007). Entre discursos. Representações, práticas e identidades leitoras de alfabetizadores de pessoas jovens e adultas. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP., Bunzen (2009)BUNZEN, Clecio. (2009) Dinâmicas discursivas na aula de português: o uso do livro didático e projetos didáticos autorais. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP., Cunha (2010)CUNHA, Rosana. (2010). Jornal Escolar: raio de ações, rede de significações. Reconfiguração do ensino de língua materna e dinamização da formação continuada do professor. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP., Maués (2010)MAUÉS, Júlia Antônia. (2010) A professora leitora na Amazônia - identidades, narrativas e travessias. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP., De Grande (2015)DE GRANDE, Paula Baracat. (2015). Formação continuada no local de trabalho do professor: possibilidades de agência e construção de sentidos para a docência. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas., Sito (2016)SITO, Luanda. (2016). Escritas afirmativas: estratégias criativas para subverter a colonialidade em trajetórias de letramento acadêmico. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP., Valsechi (2016)VALSECHI, Marília Curado. (2016). Afinal, o que é o estágio supervisionado? De labirinto a entrelugar: o estágio proposto pela Universidade na visão dos estagiários. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP., Pereira (2017)PEREIRA, Sílvia Letícia. (2017). Usos da escrita na formação docente universitária e o letramento profissional do professor. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP., Vianna (2017)VIANNA, Carolina Assis Dias. (2017). Uma experiência de assessoria pedagógica em contexto editorial: letramento do professor para o local de trabalho. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP., entre diversas outras, analisam situações de formação docente e sua relação com práticas de letramento, investigando em que medida as interações entre os participantes dos eventos observados, realizados em contexto acadêmico e profissional, contribuem para (re)pensar o debate sobre a formação de professores. Em paralelo, desenvolvem-se pesquisas que abordam a emergência de ações de criação, ao enfocar práticas de letramento de esferas dos movimentos sociais e artístico-cultural, que permitem identificar práticas de letramento de reexistência (Souza, 2009SOUZA, Ana Lúcia Silva. (2009). Letramentos de Reexistência: culturas e identidades no movimento hip-hop. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP.; Ratto, 1995RATTO, Ivani. (1995). Ação política: fator de constituição do letramento do analfabeto adulto. Kleiman, Angela Bustos. (org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado Aberto, pp. 267-290.) para nutrir uma formação docente sensível culturalmente11 11 Chamamos atenção para o fato de que conceitos como o de “letramento de reexistência” (Souza, 2009) e “letramento de sobrevivência” (Maia, 2017), a nosso ver, destacam o caráter social, cultural, histórico e identitário das práticas letradas e as relações de poder a elas inerentes. Tais binômios advêm de investigações de cunho etnográfico de práticas de letramento de moradores de grandes periferias urbanas que, em diferentes esferas, participam de práticas de letramento diversas. O sentido do termo letramento, nesses dois binômios, portanto, tal como proposto na origem da emergência do conceito no cenário brasileiro, evidencia as práticas de uso da escrita em contextos sociais diversos, e não impõem uma visão de aptidão individual. .

Em diferentes estudos do Grupo Letramento do Professor (Kleiman, 2010KLEIMAN, Angela. (2010). Trajetórias de acesso ao mundo da escrita: relevância das práticas não escolares de letramento para o letramento escolar. Perspectiva, 28(2), 375-400. DOI: https://sesameworkshop.org/resources/que-es-alfabetismo-racial-2/ Acesso em 28 de janeiro de 2024.
https://sesameworkshop.org/resources/que...
), o estudo de práticas de letramento próprias de uma esfera - a profissional/o mundo do trabalho, a acadêmica, a escolar, a artístico-cultural, a do ativismo social - promovem a análise de como seus participantes usam a escrita, quais valores são mobilizados nessas práticas, quais identidades se constroem nas interações desenvolvidas nos eventos de letramento analisados12 12 Para uma discussão mais detalhada sobre o tema, cf. Vianna et al (2016). . Tais usos, a nosso ver, contrastam com a explosão de qualificações que serão abordadas nas próximas seções, uma vez que, nos casos aqui mencionados, a análise não é pautada no desenvolvimento de habilidades individuais para atuação social, mas, como exemplificam as pesquisas citadas, no objetivo de situar as práticas em esferas de atividade humana e melhor compreender o funcionamento das relações entre os sujeitos, as lutas de poder instituídas e as interações que se desenvolvem nos contextos de trabalho e pesquisa.

3. AMPLIAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO: ENTRE SENTIDOS E LUTAS DE PODER

Assumimos, com Voloshinov (1929VOLOSHINOV, Valentin. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006./2006, p.66) e com o círculo de Bakhtin, que a palavra pode ser considerada “uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória”. É nesse embate que a palavra “letramento” vem tendo seu uso consideravelmente ampliado desde a consolidação do conceito de letramento no contexto brasileiro no início do milênio, conforme apresentado na seção anterior.

Cosson (2015COSSON, Rildo. (2015) Letramento político no legislativo [manuscrito]: a experiência do Programa Estágio-Visita. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais., p. 32) afirma que, em uma busca pelo termo “letramento” no banco de teses da Capes, a quantidade de resultados “vai de 20 estudos no período de 1991 a 1996 a 804 entre 2007 até 2011”. Dando sequência à busca do autor, em uma nova pesquisa entre os anos de 2012 e 2017, encontramos 3.347 resultados de estudos que contêm a palavra “letramento” e, entre 2018 e outubro de 2023, 5.837 estudos que utilizam o termo, confirmando a tendência verificada e evidenciando o aumento exponencial desse uso em pesquisas acadêmicas ao longo dos últimos trinta anos13 13 Vale salientar que uma busca como esta restringe os resultados ao uso da palavra, o que não necessariamente implica uma referência ou aprofundamento do conceito de letramento. . Este aumento na ocorrência da palavra “letramento” pode ser percebido não só nas pesquisas acadêmicas, mas também em sua popularização em contextos mais abrangentes, como, por exemplo, as políticas públicas e a grande mídia14 14 Alguns exemplos podem ser vistos em: “Por que precisamos de letramento climático?”, https://www.em.com.br/app/colunistas/carlos-starling/2023/10/03/noticia-carlos-starling,1570605/letramento-cientifico.shtml; “Letramento emocional: não é só a linguagem da tecnologia que você precisa dominar”, https://exame.com/esg/como-engajar-os-colaboradores-com-o-letramento-racial/. “Letramento científico - para quem pensa que estamos vivendo em um paraíso epidemiológico, os números são um choque de realidade”, https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues/literacy, “Como engajar os colaboradores com o letramento racial”, https://www.collinsdictionary.com/pt/dictionary/english-portuguese/literacy, Todos esses endereços eletrônicos foram acessados em 20 de outubro de 2023. . Especialmente neste último caso, o que se percebe é que, na maior parte das vezes, tal palavra é claramente utilizada como sinônimo de conhecimento, competência, domínio de saberes em determinada área, em geral identificada pelo adjetivo que compõe o par15 15 Teríamos, nos títulos jornalísticos citados, não uma extensão do conceito científico, mas uma representação social, ou seja, uma produção de saberes, tradições, práticas, rituais do cotidiano que a Psicologia Social tenta explicar através de representações sociais, i.e., os saberes sociais construídos pelo sujeito para entender a realidade social. Essas representações não são apenas cognitivas, mas incorporam também aspectos emotivos e afetivos dos significados (cf. Jodelet, 2005), podendo originar-se, e incorporar, consequentemente, múltiplos locais sociais, tais como, associações, blogs, portais, aldeias etc. .

Tal situação evidencia o fato de que as palavras e suas significações podem mudar quando se deslocam de contextos apreciativos e passam a ser reavaliadas pelos interlocutores em uma constante evolução dialética (Voloshinov, 1929VOLOSHINOV, Valentin. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006./2006). Quando nos voltamos para o contexto acadêmico, a escolha das palavras remete a conceitos previamente construídos e a determinadas filiações teóricas. É esse o caso do uso de “letramento” nas pesquisas das Ciências da Linguagem, daí a importância de se resgatarem as formas da sua evolução semântica dialética, a fim de compreender efetivamente com quais outros textos e conceitos se está articulando.

Considerando que, ao migrar de campos teóricos a âmbitos políticos e da vida cotidiana, a palavra vai expandindo seus sentidos, analisaremos algumas expressões que frequentemente acompanham a palavra “letramento” em pesquisas acadêmicas, a fim de entender as lógicas inerentes a escolhas de tradução, bem como observar até que ponto a utilização da palavra “letramento” se mantém em conformidade com as origens do conceito ou se distancia dessa concepção e passa a se associar com outras referências e conteúdo.

4. EXPANSÃO DE SENTIDOS: CRIAÇÕES LEXICAIS ACADÊMICAS

Os adjetivos qualificativos que acompanham o termo letramento nos diversos binômios atualmente utilizados cumprem, do ponto de vista gramatical, uma função classificadora que exprime delimitação ou circunscrição e exibe grande especificidade por seu caráter denominativo de uma subclasse (Neves, 2011NEVES, Maria Helena de Moura. (2011). Gramática de usos do português. 2ª ed. revisada, São Paulo, Editora da UNESP.): assim ocorre, por exemplo, no binômio “letramento escolar”, que indica uma suposta subclasse de letramento. Nesse caso, aumenta-se a intensão do conceito (de prática social da escrita o conceito passa a ser prática social da escrita que é ensinada-aprendida essencialmente na instituição escolar), mas o domínio de extensão do binômio fica restrito às práticas referidas ou evocadas pelo termo escolar.

Qual seria, então, a diferença entre determinadas escolhas e de que forma a construção desses binômios dialoga com o conceito, tal como este foi construído na área dos Estudos de Letramento ao longo das últimas décadas? Para responder a esta questão, selecionamos, nas próximas subseções, alguns desses binômios e os analisamos com base nas seguintes dimensões: (i) as relações com o termo na língua de origem, nos casos de tradução e (ii) as implicações dessa relação, i.e., da conceitualização proposta para o binômio em sua versão brasileira.

4.1 Escolha(s) de tradução

Em pesquisas acadêmicas brasileiras recentes, cujas referências bibliográficas são compostas de originais em inglês, tem imperado o uso do termo brasileiro “letramento” para toda e qualquer ocorrência da palavra literacy, do inglês. Embora, no processo de tradução de uma língua-fonte ou de partida, haja a busca de uma palavra ou expressão análoga, na língua-alvo ou de chegada, para o discurso a ser traduzido, a escolha por se fazer uma equivalência universal entre literacy e “letramento”, em qualquer que seja o contexto de ocorrência, faz perder de vista que a significação de uma palavra não se dá num vazio, mas é efeito da interação entre interlocutores em determinado contexto social, sendo que uma mesma palavra pode, por vezes, apontar para direções opostas (Voloshinov, 1929VOLOSHINOV, Valentin. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006./2006). Acreditamos ser esse o caso de literacy, que, conforme Kleiman já indicava há mais de 15 anos (2008KLEIMAN, Angela. (2008). Os estudos do letramento e a formação do professor de língua materna. Linguagem em (Dis)curso, v. 8, n.3, set./dez., p. 489), “hoje devemos traduzir por alfabetização ou letramento, dependendo do contexto”.

Assim, a palavra literacy, como todo termo, inclusive os técnico-científicos, pode assumir sentidos variados e ter como equivalentes, no português, possibilidades igualmente variadas de tradução, a depender do contexto em que é empregada. Uma simples consulta a dicionários bilíngues ou tradutores online16 16 https://www.linguee.pt/portugues-ingles/search?source=auto&query=literacy, https://translate.google.com/?sl=en&tl=pt&text=literacy&op=translate&hl=pt. https://exame.com/esg/como-engajar-os-colaboradores-com-o-letramento-racial/. https://theblackcurriculum.com/blog/blog-post-title-three-dxgps Acesso em 20 de outubro de 2023. Observamos que, nos links citados, apenas um dá como retorno “letramento”, o que, do nosso ponto de vista, reforça a ideia de que a palavra literacy não pode ser igualada à palavra “letramento”, isto é, não deveria ser traduzida apenas dessa forma, porque tal correspondência advém dos Estudos de letramento em um contexto bastante específico de ocorrência dos termos literacy/literacies, conforme já mencionado. já sugere tal polivalência, uma vez que são apontados como sinônimos não apenas a palavra letramento, mas também os termos alfabetização, conhecimento, domínio, capacidade, instrução. Entretanto, para muito além dessa correspondência, há contextos nos quais outros sentidos e, consequentemente, outros termos equivalentes em português podem ser empregados. Entre eles, podem ser mencionados “escrita”, “práticas de uso da escrita”, “educação”, conforme veremos nos exemplos comentados a seguir.

Na tradução do livro Social literacies - critical approaches to Literacy in Development, Etnography and Education, de Brian Street (2014)STREET, Brian. (2014). Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. tradução Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial., o linguista Marcos Bagno opta, em uma escolha compartilhada com os leitores17 17 Na página 33 do livro, Bagno faz a seguinte nota: “[a]pesar de estarmos optando sempre por traduzir literacy por letramento, mantemos neste caso a designação de Ano Internacional da Alfabetização porque foi com esse nome que a campanha da UNESCO foi designada em português (nota do trad.)”. Ressaltamos que apenas esta nota, em si mesma, já destaca que obviamente a mesma palavra literacy pode ter equivalentes distintos na língua traduzida e que, portanto, a opção irrestrita por um único termo pode acarretar imprecisões, especialmente quando um desses termos, “letramento”, corresponde a um conceito fundador de uma área de estudos. , por traduzir todas as ocorrências da palavra literacy por “letramento”, o que se evidencia desde o título do livro em sua edição brasileira, Letramentos sociais - abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação.

Como resultado dessa decisão, ao longo do livro, o tradutor utiliza construções cujo conteúdo se distancia das ideias de base dos Estudos de Letramento, sendo que, em diversos desses trechos, para evitar tautologias e levando-se em conta os textos e sentidos comumente construídos na área, na nossa perspectiva, seria mais razoável empregarem-se outras formas em português. O quadro a seguir mostra alguns desses casos, extraídos do primeiro parágrafo da introdução do livro, nas quais o uso do termo “letramento” não se mostra o mais adequado, seja porque resulta numa definição circular que pressupõe o conhecimento do termo que está sendo definido (“Eventos de letramento são atividades particulares em que o letramento tem um papel”; “Práticas de letramento são modos culturais gerais de utilização do letramento”), seja porque resultam em erros conceituais (“aquisição do letramento”, “diferenças entre letramento e oralidade como canais de comunicação”).

Trecho original (STREET, 1995) Trecho da tradução brasileira (STREET, 2014) Sentido com base no presente debate “cognitive consequences of literacy acquisition” (p. 11) “consequências cognitivas da aquisição do letramento” (p. 17) consequências cognitivas da aquisição da escrita “differences between literacy and orality as channels of communication” (p. 11) “diferenças entre letramento e oralidade como canais de comunicação” (op. cit, p. 17) diferenças entre língua escrita e língua oral como canais de comunicação “‘Literacy events are the particular activities in which literacy has a role” “Eventos de letramento são atividades particulares em que o letramento tem um papel” (p. 18) Eventos de letramento são atividades particulares em que a escrita tem /os textos escritos têm um papel “Literacy practices are the general cultural ways of utilizing literacy” (p. 12) “Práticas de letramento são modos culturais gerais de utilização do letramento” (p. 18) Práticas de letramento são modos culturais gerais de utilização da escrita Fonte: as autoras.

Um segundo exemplo pode ser encontrado na tese de doutorado de Cosson (2015)COSSON, Rildo. (2015) Letramento político no legislativo [manuscrito]: a experiência do Programa Estágio-Visita. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais., na qual o pesquisador, ao justificar a relevância da criação do binômio “letramento político” fundamenta-se em Charles Roth (1992)ROTH, Charles. E. (1992). Environmental Literacy: Its roots, evolution, and directions in the1990s. Columbus, OH: ERIC. Clearinghouse for Science, Mathematics, and Environmental Education. e sua teoria sobre environmental literacy, conceito traduzido por Cosson como “letramento ambiental”. No entanto, no original de Roth (1992)ROTH, Charles. E. (1992). Environmental Literacy: Its roots, evolution, and directions in the1990s. Columbus, OH: ERIC. Clearinghouse for Science, Mathematics, and Environmental Education., lê-se:

[t]he concept of environmental literacy first appeared in an article by this writer in Massachusetts Audubon in 1969 (Roth, 1968). I wrote the article in response to the then frequent media references to environmental illiterates who were polluting the environment. Stating that it seemed relatively easy to determine who was environmentally illiterate, I posed the question “How shall we know the environmentally literate citizen? (Roth, 1992ROTH, Charles. E. (1992). Environmental Literacy: Its roots, evolution, and directions in the1990s. Columbus, OH: ERIC. Clearinghouse for Science, Mathematics, and Environmental Education., p. 7)18 18 A opção por manter as citações no original, em língua estrangeira, é fundamental para a discussão sobre os possíveis sentidos dos textos tomados como referência e suas traduções. .

Conforme o trecho citado, o conceito de environmental literacy data do final da década de 1960 e, por consequência, antecede por muito o debate sobre o uso do termo “letramento” no contexto brasileiro em referência às práticas sociais de uso da escrita, em seu contraste com a alfabetização19 19 Ao longo de seu texto, para defender o uso de environmental literacy, Roth (1992) desenvolve uma discussão que leva em conta estudos das décadas de 1980 e 1990 sobre o conceito de literacy e define que “Environmental literacy is the capacity to perceive and interpret the relative health of environmental systems and to take appropriate action to maintain, restore, or improve the health of those systems.”. Por esta conceituação, é possível perceber que a acepção de literacy, em Roth (1992, p. 12), está fora da intensão do conceito “letramento” dos Estudos de Letramento de vertente sociocultural no contexto brasileiro. . Em toda a sua tese, Cosson (2015)COSSON, Rildo. (2015) Letramento político no legislativo [manuscrito]: a experiência do Programa Estágio-Visita. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais. assume a tradução de literacy, em diferentes textos, pela palavra “letramento”, por vezes utilizando o termo com um sentido diferente daquele utilizado na área dos Estudos de Letramento, como também ocorre com expressões como, por exemplo, “letramento em saúde” para health literacy (Sorensen et al, 2012SORENSEN, Kristine, VAN DEN BROUCKE, Stephan, FULLAM, James, DOYLE, Gerardine, PELIKAN, Jürgen; SLONSKA, Zofia; BRAND, Helmut. (2012). Health literacy and public health: A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health, 12, 80.), “letramento financeiro” para financial literacy (Baya et. al., 2014BAYA, Charlotta; CATASÚSB, Bino; e JOHEDB, Gustav. (2014) Situating financial literacy. Critical Perspectives on Accounting, v. 25, Issue 1, p. 36-45, February.), “letramento visual” para visual literacy (Messaris, 1994MESSARIS, Paul. (1994). Visual “literacy”: Image, mind, and reality. Boulder, CO, US: Westview Press.).

Outra expressão amplamente difundida em pesquisas brasileiras é “letramento crítico20 20 Entre 2006 e 2023 foram cadastrados no Portal da Capes 1.423 trabalhos de pesquisa (profissionalizante, mestrado profissional, mestrado e doutorado) usando esse binômio, “letramento crítico”, em 7 áreas do conhecimento, mais da metade delas (762) na Grande Área “Linguística, Letras e Artes”. ”, que tem como uma de suas principais referências a pesquisadora Hilary Janks. Na introdução do livro Doing Critical Literacy - Texts and Activities for Students and Teachers, Janks e Dixon (2014)JANKS, Hillary.; DIXON, Kerryn. (2014). Doing critical literacy: Texts and activities for students and teachers. New York: Routledge. citam Paulo Freire como uma de suas fontes para o desenvolvimento do conceito de critical literacy:

[f]rom the beginning, in the work of Paulo Freire (1972b, p. 61), critical literacy was seen as a means of liberation. If he could teach his adult learners to recognize how their world had been constructed (‘named’) and if he could help them to see where such naming was oppressive, then they could liberate themselves by renaming their world. For him Reading the word included Reading the world in order to change it. Thus social transformation that strives to achieve fairness and equality is at the heart of critical literacy. (Janks e Dixon, 2014JANKS, Hillary.; DIXON, Kerryn. (2014). Doing critical literacy: Texts and activities for students and teachers. New York: Routledge., p. 6).

Como a produção acadêmica freireana é prévia à emergência do conceito de letramento no Brasil e é tomada como uma referência nos trabalhos de Street21 21 Segundo Kleiman (1995), a concepção de alfabetização proposta por Paulo Freire alinha-se à perspectiva do modelo ideológico designado por Street (1984), correspondente a uma abordagem culturalmente sensível aos sujeitos que estão sob o processo de alfabetização, feita de modo situado, ou seja, de acordo com a realidade dos educandos, tendo a escrita não como tecnologia neutra, mas com uma ferramenta política, que pode desvelar relações de poder e fomentar ações de resistência. , podemos aventar a hipótese de que a correspondência de critical literacy, nesse contexto, seria “pedagogia crítica” ou “leitura crítica”, expressões já reconhecidas no Brasil para se referir à pesquisa de Paulo Freire.

Compreendemos que a polissemia é uma realidade linguística, daí que seja razoável argumentar que a escolha por uma única palavra do português brasileiro - letramento - para traduzir toda e qualquer ocorrência de uma palavra do inglês - literacy - assimila a palavra “no sistema abstrato da língua, isto é, como uma forma sempre idêntica a si mesma” (Voloshinov, 2006, p. 97), como uma língua que ainda não se tornou língua, mas é composta de sinais correspondentes que não figuram em contextos diversos, com possibilidades de significação igualmente diversas. Na estrutura concreta da enunciação, também segundo Voloshinov (2006, p. 133), a palavra é um signo flexível e variável, sendo justamente “a multiplicidade das significações ‘o índice que faz de uma palavra uma palavra’”.

Levando em consideração questões como as anteriores em relação à univocidade nas traduções analisadas, concluímos que o resultado é a produção de binômios que desconsideram aspectos semântico-pragmáticos do termo tal qual originalmente criado por seus proponentes na década de 1990 e podem até depor contra a própria natureza da linguagem.

4.2 Para além da tradução

O binômio “letramento político” foi traduzido por Cosson (2015)COSSON, Rildo. (2015) Letramento político no legislativo [manuscrito]: a experiência do Programa Estágio-Visita. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais. diretamente de political literacy, cunhado por Bernard Crick como “a term invented to mean that someone should have the knowledge, skills and values to be effective in public life” (Crick, 2002CRICK, Bernard. (2002). A note on what is and what is not active citizenship. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras. . Acesso em 28 de janeiro de 2024.
http://www.revistas2.uepg.br/index.php/u...
, s/p). Chamamos atenção para o fato de, no original, Crick referir-se ao conhecimento e às habilidades individuais, e não às práticas sociais, distanciando o sentido do termo literacy do sentido do termo “letramento” na abordagem socio-histórica dos Estudos de Letramento, inaugurada pelos autores do New Literacies Studies.

Para Cosson (2015COSSON, Rildo. (2015) Letramento político no legislativo [manuscrito]: a experiência do Programa Estágio-Visita. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais., p. 57), expressões adjetivadas como “letramento político” enfatizam “a aprendizagem cultural permanente dentro de um domínio específico que é designado pelo adjetivo”. Além disso, segundo o pesquisador, trata-se de destacar “a preocupação em integrar conhecimentos a habilidades, competências e ação social, marcando nesses letramentos adjetivados uma posição sempre socialmente engajada” (Cosson, 2015COSSON, Rildo. (2015) Letramento político no legislativo [manuscrito]: a experiência do Programa Estágio-Visita. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais., p. 57). Conforme Cosson, ainda, tal escolha pode “favorecer a adoção do conceito em políticas públicas, assim como facilitar que seja medido e avaliado para ser individual e socialmente aprimorado” (Cosson, 2015COSSON, Rildo. (2015) Letramento político no legislativo [manuscrito]: a experiência do Programa Estágio-Visita. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais., p. 57). Pela abordagem defendida nos trechos citados, que associa o letramento à aprendizagem permanente de conhecimentos, competências, habilidades, é possível apreender que se trata de um uso por um viés que coloca o foco no indivíduo, e não numa perspectiva sócio-histórica e cultural como a que fez emergir o conceito de letramento no campo da LA. A forma como o autor desenvolve o conceito evidencia que ele se refere à formação política do indivíduo, uma vez que ele define “letramento político” como “alunos aprendendo sobre e como se tornarem efetivos na vida pública por meio de conhecimento, habilidades e valores (QCA, 1998, p. 13)” (Cosson, 2015COSSON, Rildo. (2015) Letramento político no legislativo [manuscrito]: a experiência do Programa Estágio-Visita. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais., p. 60). Aqui, a busca pela associação direta entre letramento e aprendizagem, já discutida neste texto com base em Garcez (2019)GARCEZ, Pedro. (2019) Conceitos de letramento e a formação de professores de línguas. Revista da Anpoll, v. 1, nº 49, p. 12-25, Florianópolis, Jul./Set., esvazia a especificidade e a força conceitual de letramento.

Se letramento é tomado como o “conjunto de práticas sociais que usam a escrita” (Kleiman, 1995KLEIMAN, Angela. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras., p. 19), este não é passível de ser medido ou avaliado, nem mesmo aprimorado individual e socialmente, simplesmente porque não está no nível subjetivo, individual, mas no social, a partir do qual se conclui que uma pessoa pode participar de práticas variadas de letramento, com menos ou mais familiaridade, autonomia e disposição, dependendo de fatores variados da interação (objetivos e interesses individuais e/ou coletivos, obrigações sociais, atribuições legais, etc.). Kleiman (1995)KLEIMAN, Angela. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras. inclusive assevera que, na acepção sócio-histórica dos Estudos de Letramento, é inviável pensar em “níveis” ou “graus” de letramento, vislumbrando a incompatibilidade do conceito com a ideia de medição do indivíduo e a categorização em mais ou menos letrado.

Também sofreu alterações semelhantes o binômio “letramento racial”, uma tradução direta do inglês, feita a partir do termo racial literacy, trazido para o contexto brasileiro especialmente pela obra da pesquisadora Aparecida de Jesus Ferreira, no campo de formação docente, autobiografias e materiais didáticos22 22 Assim como a palavra letramento, a expressão “letramento racial” se expandiu de esferas acadêmicas a esferas da política pública, nos últimos 5 anos, impactando a formação de profissionais na atenção da educação antirracista, conforme mostra o trecho de notícia a seguir: “Isso acontece porque, a partir do letramento racial, organizações são convidadas a refletirem sobre como o antirracismo é uma responsabilidade de todos. Esse entendimento melhora as relações de trabalho e interpessoais, diminuindo o impacto dos casos de racismo na carreira de profissionais negras e negros”. Disponível em: https://theblackcurriculum.com/blog/blog-post-title-three-dxgps Acesso em 25 de novembro de 2023. . Quando observamos a versão em inglês, vemos que se orienta mais para a noção de leitura crítica e aprendizagem, conforme o fragmento: “The resources in this initiative can support you in building racial literacy in all children, and to also build children’s sense of self and self-worth” (SESAME WORKSHOP, s./d.SESAME WORKSHOP (s./d.) Learning About Racial Literacy. Disponível em: https://sesameworkshop.org/resources/que-es-alfabetismo-racial-2/ Acesso em: 10 abr. 2024.
https://sesameworkshop.org/resources/que...
). Essa noção, que emerge das teorias críticas sobre raça, também pode ter sentidos mais próximos das palavras conhecimentos, habilidades específicas, alfabetização ou aquisição de determinados códigos mínimos para a compreensão das dinâmicas sociais do racismo, como se vê neste outro fragmento:

[l]iteracy is defined as knowledge or skills in a specific area. The legal definition of race as defined by the Equality Act 2010, can mean your colour or your nationality (including your citizenship). It can also mean your ethnic or national origins, which may not be the same as your current nationality. (…) View racial literacy the same way you view literacy of reading, writing and numeracy. People who lack these basic literacies do struggle in later life and in work. (Benjamin, s/dBENJAMIN, Aishnine. (s/d). Racial literacy: what does it mean? Disponível em: <https://management-ui.excellencegateway.org.uk/sites/default/files/033_BernardCrick_WHAT_IS_CITIZENSHIP.pdf>. Acesso em 25 de novembro de 2023.
https://management-ui.excellencegateway....
, destaques das autoras)

Ferreira (2019)FERREIRA, Aparecida de Jesus; GOMES, Cássio Murilo Lourenço (2019). Entrevista Aparecida De Jesus Ferreira. Letramento racial crítico: falta representatividade negra em materiais didáticos e na mídia. Uniletras, Ponta Grossa, v. 41, n. 1, p. 123-127, jan/jun. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-795X.2010v28n2p375. Acesso em 28 de janeiro de 2024.
https://doi.org/10.5007/2175-795X.2010v2...
, na apresentação do Dossiê Temático Letramento Racial Crítico, Livro Didático e Interseccionalidade, destaca que se trata de um termo recente no contexto brasileiro, cuja primeira publicação data de 2014. Em sua apropriação da noção de racial literacy, a autora chama a atenção para o fato de que este é um termo que serve para “refletir sobre raça e racismo, e nos possibilita ver o nosso próprio entendimento de como raça e racismo são tratados no nosso dia a dia, e o quanto raça e racismo têm impacto em nossas identidades sociais e em nossas vidas”. Além disso, argumenta que, como formadora docente, pôr em prática a noção de letramento racial crítico em sua docência “é de extrema relevância para que assim possa também colaborar para que tenhamos uma sociedade mais justa, com igualdade e com equidade” (Ferreira, 2015, p. 138 apud Ferreira, 2019FERREIRA, Aparecida de Jesus; GOMES, Cássio Murilo Lourenço (2019). Entrevista Aparecida De Jesus Ferreira. Letramento racial crítico: falta representatividade negra em materiais didáticos e na mídia. Uniletras, Ponta Grossa, v. 41, n. 1, p. 123-127, jan/jun. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-795X.2010v28n2p375. Acesso em 28 de janeiro de 2024.
https://doi.org/10.5007/2175-795X.2010v2...
, p. 125, destaques das autoras).

A apropriação da palavra “letramento” na constituição dos binômios “letramento político” e “letramento racial” desloca o sentido inicial do termo e aproxima a noção de literacy à de leitura crítica, concentrada na competência individual, na ideia de os sujeitos identificarem seu lugar social em relação à política e ao racismo e tomarem posições de transformação dessas inequidades. Vinculados à proposta freireana de “leitura da palavramundo” (Freire, [1992] 2011FREIRE, Paulo. (1992) A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 47a. ed. São Paulo: Cortez, 2011.), estes binômios alargam excessivamente o conceito de letramento e se orientam mais a uma leitura crítica de práticas e dinâmicas sociais para se confrontar a elas ou aprender a sobreviver.

Analisamos um terceiro e último exemplo, correspondente ao uso da expressão “letramento em direitos humanos”, utilizado num artigo que analisa a exigência do respeito aos direitos humanos na proposta de redação do Exame Nacional do Ensino Médio. Segundo este texto,

respeitar os direitos humanos não é simplesmente uma “invenção” da prova de redação do ENEM. Trata-se, antes de tudo, de um exercício de cidadania que, como já dito, não deve se restringir ao ambiente escolar (como um simples letramento em direitos humanos), mas sim transcender a ele e abarcar o todo: a sociedade, o sertão, o mundo (uma cultura em direitos humanos). (Neves, 2018NEVES, Cynthia Agra de Brito. (2018). Direitos Humanos e Educação: a polêmica em torno da prova de redação do ENEM 2015 e 2017. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 57, p. 731-755., p. 747)

É possível perceber que o termo “letramento” é comparado a “um exercício de cidadania” que “não deve se restringir ao ambiente escolar” como parece ser o caso dos eventos de letramento escolares, independentemente do tema abordado: “como um simples letramento em direitos humanos’. Tal afirmação é contraditória com a intensão do conceito, que surge nos Estudos de Letramento exatamente para respaldar pesquisas sobre a escrita realizadas para além do ambiente escolar e para além da análise de competências individuais.

Torna-se incoerente, também, o fato de a autora explicitar a ancoragem de sua argumentação em Brian Street, conforme evidencia o seguinte trecho23 23 Chamamos atenção para o fato de que o texto de Street citado consiste na versão traduzida de 2014, cujas escolhas de tradução foram analisadas na seção anterior, corroborando, em certa medida, a hipótese de que a tradução poderia propiciar ou evitar equívocos contraproducentes para o desenvolvimento das pesquisas da área, conforme comprovam os usos da palavra “letramento” em Neves (2018). :

mais uma vez insisto, ampliando a ideia de Abreu (2015) e ancorada em Street (2014)STREET, Brian. (2014). Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. tradução Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial., que não basta investir em um letramento autônomo em direitos humanos, o qual privilegia, sobretudo, alunos de escolas particulares; é preciso apostar em uma cultura em direitos humanos, ou melhor, em um letramento ideológico em direitos humanos, por meio do qual se comungue educação e direitos humanos, que envolva tanto alunos de escolas de ensino público quanto privado, o sertão e o mundo. (Neves, 2018NEVES, Cynthia Agra de Brito. (2018). Direitos Humanos e Educação: a polêmica em torno da prova de redação do ENEM 2015 e 2017. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 57, p. 731-755., p. 747)

O uso da expressão “letramento ideológico em direitos humanos” sugere que, para a autora, o termo “letramento” é empregado com uma extensão mais ampla24 24 Pelo contexto, é possível depreender que a autora do artigo, ao empregar as expressões “letramento autônomo em direitos humanos” e “letramento ideológico em direitos humanos”, utiliza os conceitos de “letramento autônomo” e “letramento ideológico” em referência a modos de ensinar que promovam posicionamentos, respectivamente, menos ou mais sensíveis e críticos, por parte dos alunos, em relação aos direitos humanos. , que foge do escopo do conceito elaborado por Brian Street (1984)STREET, Brian. (1984). Literacy in Theory and Practice. Cambridge, MA.: Cambridge University Press., cujos modelos autônomo e ideológico referem-se a maneiras como as pessoas e as instituições concebem os usos da escrita em diferentes contextos. Ou seja, ao contrastar usos e valores relacionados à escrita, a pesquisadora distingue uma maneira hegemônica (geralmente alinhada à perspectiva escolar) de conceber a escrita como uma tecnologia neutra (que chamou de letramento autônomo); e outra maneira que compreende as práticas de uso da escrita como sempre situadas, dependentes dos contextos de uso (o modelo ideológico).

Nesse sentido, retornamos a Street quando propõe que não há como “investir” ou “apostar” em um ou outro modelo; o que se faz possível é compreender as práticas de uso da escrita como sempre situadas e nunca neutras, e investir (ou “apostar em”) pesquisas e análises que fomentem essa compreensão, i.e., alinhadas ao modelo ideológico de letramento. A expressão “letramento em direitos humanos” empregada no texto analisado, segundo nosso argumento neste artigo, restringe o letramento ao ambiente escolar e à relação de ensino-aprendizagem e, embora explicite uma suposta ancoragem à epistemologia original do conceito, incorre em uma inconsistência teórica se for analisada a partir da perspectiva dos Estudos de Letramento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao revisitar a origem do conceito de letramento, na área da LA, no Brasil, observamos que, no contexto brasileiro, a palavra “letramento” deriva de traduções dos termos em inglês literacy e literacies, sendo utilizada, muitas vezes, em contraposição à palavra alfabetização, uma prática escolar referente aos anos iniciais de aquisição e uso do código e da língua escrita. Desse conceito de letramento, que já nasce de uma oposição polêmica, surgem estudos e pesquisas que se apropriaram do termo, por vezes acrescentando a ele adjetivações com o objetivo de circunscrever a esfera de atividade humana na qual ocorrem as práticas sociais de uso da escrita que interessam ao pesquisador. Nesses casos, em geral, retomam um dos sentidos básicos do conceito, o fato de ser situado (escolar ou na escola, acadêmico ou na universidade, do professor ou no contexto do trabalho docente, de reexistência ou de sobrevivência). A esses usos se agregam outros binômios que derivam de traduções diretas de originais em inglês, alguns dos quais acrescentam novos sentidos ao termo letramento, nem sempre em consonância com o conceito desenvolvido no meio acadêmico no Brasil na década de 1990.

Quando a inovação é acompanhada pela ampliação da extensão do conceito, a palavra pode abranger significados que focam aspectos subjetivos, individuais, e a-históricos, ou que destacam o desenvolvimento de habilidades individuais, conhecimentos, uma aprendizagem crítica de determinado tópico ou assunto e competências específicas de um determinado tema ou campo de ação (político, racial, em direitos humanos), entre outras possibilidades de significados divergentes ao termo original. Para saber quem somos e para onde vamos, como Krenak defende na epígrafe deste artigo, o pensamento diacrônico é essencial no meio acadêmico, o que envolve procurar as fontes dos textos consultados, conhecer os contextos históricos e cronológicos que forneciam a contrapalavra (Voloshinov, 2006, p. 135) no diálogo, verificar se as filiações teóricas são consistentes, para nomear apenas algumas práticas do letramento acadêmico.

O distanciamento do conceito original tem como consequência sua distorção ou seu esvaziamento semântico. E, ainda que possa evidenciar uma questão política ao envolver a escolha pelo uso de uma palavra (mesmo que polêmica) de destaque nas esferas acadêmica, midiática e governamental, e que pode vir a proporcionar maior repercussão ao discurso que a circula, não chega a ser compensado pelas perdas que tal esvaziamento acarreta para a consistência teórica e metodológica da área de pesquisa.

Nem a relevância, nem o valor das pesquisas, nem sua influência no campo estão aqui em questão, mas o uso de um termo científico que se afasta do sentido que tinha ao ser criado, sem se explicitar tal afastamento e pressupondo, considerando como dada, uma suposta correspondência, o que pode levar assim a construções inconsistentes. A busca do presente texto é fomentar o debate teórico do campo dos estudos de letramento e ampliar a discussão para a construção de investigações futuras que não se esqueçam dos compromissos de sua origem.

Visibilidade e impacto social são bem-vindos a um termo científico, desde que a escolha não aconteça em detrimento da consistência de um conceito homônimo de uma área de pesquisa e estudo. Ratificamos que o conceito de letramento de uma perspectiva sociocultural, conforme escrutinado neste artigo, funda a área dos Estudos de Letramento no Brasil nos anos 1990 e, desde então, tem sido extremamente importante no reconhecimento e legitimação de práticas sociais de uso da escrita para muito além das práticas escolares, reverberando a voz e a participação ativa de grupos sociais por vezes alijados da construção do conhecimento.

  • 1
    Agradecemos a nosso amigo Leandro Rodrigues Alves Diniz, que há alguns anos vem compartilhando conosco diversos desses binômios encontrados em contextos variados, muitos deles acadêmicos, manifestando a necessidade de se colocar a discussão em pauta e incentivando a produção deste texto. Entre eles, destacamos alguns binômios que já encontramos nesse tempo, apenas a fim de ressaltar a explosão no uso do termo atualmente, em diferentes tipos de publicações, sejam acadêmicas, sejam midiáticas: “letramento em avaliação”, “letramentos sociais”, “letramento crítico”, “letramento científico”, “letramento racial”, “letramento visual”, “letramento literário”, “letramento matemático”, “letramento literomusical”, “letramento emocional”, “letramento ambiental”, “letramento midiático”, “letramento político”, “letramentos carolinianos”, “letramento escolarizado”, “letramento em direitos humanos”, “letramento impresso”, “letramento em SMS”, “letramento em hipertexto”, “letramento multimídia”, “letramento em jogos”, “letramentos móveis”, “letramento em decodificação”, etc.
  • 2
    No seu livro A Gramática da Fantasia, Gianni Rodari (1982)RODARI, Gianni. (1982). Gramática da fantasia, tradução de Antonio Negrini. São Paulo: Summus. propõe a criação de textos a partir do que chamou de “binômios fantásticos”, nos quais a junção de elementos, ideias, conceitos aparentemente diversos representa uma possibilidade harmoniosa e fantástica, que não hierarquiza a linguagem e tem alto potencial de significação.
  • 3
    Enquanto escrevíamos este texto, uma postagem no perfil do Facebook do Prof. Dr. Sirio Possenti, da Unicamp, feita no dia 18 de outubro de 2023, questionando o uso da expressão “letramento midiático”, teve mais de 300 interações e mais de 90 comentários de pesquisadores de diferentes instituições de Norte a Sul do País.
  • 4
    O conceito literacy, restrito à escrita alfabética, começou a mudar muito lentamente na segunda metade do século XX, nos países de fala inglesa. Finalmente, foi na década de 1980 que novos modos de pensar sistematicamente sobre a escrita como um processo cultural e social vieram à luz e se fortaleceram no contexto latino-americano com o diálogo frutífero com a proposta crítica de ensino de Paulo Freire, ilustrada em sua noção de “leitura da palavramundo”.
  • 5
    No Brasil, o termo letramento foi cunhado por Mary Kato, em 1986KATO, Mary. No mundo da escrita. São Paulo: Ática, 1986., na obra “O mundo da escrita”. Tinoco (2008)TINOCO, Glícia M (2008). Azevedo de M. Projetos de letramento: ação e formação de professores de língua materna. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP., ao abordar o que chama de “juvenilidade do conceito”, há pouco mais de 15 anos, indica que “no contexto editorial brasileiro, em seguida, é publicado o estudo de Tfouni (1988), lançam-se uma primeira coletânea de artigos sobre diferentes aspectos do fenômeno letramento (Kleiman, 1995KLEIMAN, Angela. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras.) e um outro livro de Tfouni (1995)TFOUNI, Leda. (1995). Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez. sobre a mesma temática; na seqüência, publicam-se uma segunda coletânea sobre as relações entre a alfabetização e o letramento (Rojo, 1998) e o primeiro número da coleção Linguagem e Educação, intitulado Letramento (Soares, 1998SOARES, Magda. (1998). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica.)” (Tinoco, 2008TINOCO, Glícia M (2008). Azevedo de M. Projetos de letramento: ação e formação de professores de língua materna. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP., p. 103).
  • 6
    Por exemplo, a tese, por muito tempo defendida, sobre o poder da escrita para aumentar as capacidades mentais do indivíduo, era anualmente desmentida pela realidade observada nas redações dos vestibulares de candidatos a uma vaga na universidade, escritas por sujeitos com alta escolaridade (Kleiman, 1995KLEIMAN, Angela. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras.).
  • 7
    Consideramos aqui o sentido lógico-semântico da palavra intensão correspondente ao conceito contido em um termo que faz referência a determinado escopo, sendo este escopo, por sua vez, a extensão do mesmo termo. A extensão, portanto, refere-se ao conjunto total de objetos aos quais uma expressão linguística se aplica, ao passo que a intensão é parte do significado de uma expressão linguística. Como consequência, à medida que se aumenta a intensão de uma palavra, como “letramento”, por exemplo, sua extensão (aplicabilidade) diminui (e vice-versa), relação que se poderá compreender melhor com os exemplos que abordaremos na sequência do capítulo.
  • 8
    Em inglês, é possível dizer, por exemplo, “wine literacy can´t be taught in 3 hours”, mas causaria estranhamento, em português, dizer “Letramento/alfabetização sobre o vinho/vinícola/ enológico/ da cultura do vinho não pode ser ensinado em 3 horas”. Pode-se recorrer, nesses casos, à expressão “o ABC de”, por exemplo, que remete diretamente ao alfabeto, ao abecedário, ou a princípios: “O ABC dos vinhos não pode ser ensinado em 3 horas”.
  • 9
    Dependendo do contexto, também pode ser encontrado sob a forma mais descritiva “letramento para o local de trabalho”, já não se caracterizando como um “binômio”.
  • 10
    O conceito de esfera não se restringe à noção de “lugar”, mas envolve os tipos de participantes possíveis da interação e suas possibilidades de relações sociais, além de definir os conteúdos temáticos possíveis e as maneiras de discursar típicas do campo social (Rojo, 2013ROJO, Roxane. (2013). Gêneros discursivos do círculo de Bakhtin e multiletramentos. ROJO, Roxane H. R. (org.) Escol@ Conect@d@: os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola, pp. 13-36.).
  • 11
    Chamamos atenção para o fato de que conceitos como o de “letramento de reexistência” (Souza, 2009SOUZA, Ana Lúcia Silva. (2009). Letramentos de Reexistência: culturas e identidades no movimento hip-hop. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP.) e “letramento de sobrevivência” (Maia, 2017MAIA, Junot de Oliveira (2017). Fogos digitais: letramentos de sobrevivência no Complexo do Alemão/RJ. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas.), a nosso ver, destacam o caráter social, cultural, histórico e identitário das práticas letradas e as relações de poder a elas inerentes. Tais binômios advêm de investigações de cunho etnográfico de práticas de letramento de moradores de grandes periferias urbanas que, em diferentes esferas, participam de práticas de letramento diversas. O sentido do termo letramento, nesses dois binômios, portanto, tal como proposto na origem da emergência do conceito no cenário brasileiro, evidencia as práticas de uso da escrita em contextos sociais diversos, e não impõem uma visão de aptidão individual.
  • 12
    Para uma discussão mais detalhada sobre o tema, cf. Vianna et al (2016)VIANNA, Carolina Assis, SITO, Luanda Soares, VALSECHI, Marília Curado, PEREIRA, Sílvia Letícia. (2016). Do Letramento aos Letramentos: desafios na aproximação entre o letramento acadêmico e o letramento do professor. In: KLEIMAN, Angela Bustos, ASSIS, Juliana. (orgs). Significados e ressignificações do letramento: desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a escrita. Campinas: Mercado de Letras..
  • 13
    Vale salientar que uma busca como esta restringe os resultados ao uso da palavra, o que não necessariamente implica uma referência ou aprofundamento do conceito de letramento.
  • 14
    Alguns exemplos podem ser vistos em: “Por que precisamos de letramento climático?”, https://www.em.com.br/app/colunistas/carlos-starling/2023/10/03/noticia-carlos-starling,1570605/letramento-cientifico.shtml; “Letramento emocional: não é só a linguagem da tecnologia que você precisa dominar”, https://exame.com/esg/como-engajar-os-colaboradores-com-o-letramento-racial/. “Letramento científico - para quem pensa que estamos vivendo em um paraíso epidemiológico, os números são um choque de realidade”, https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues/literacy, “Como engajar os colaboradores com o letramento racial”, https://www.collinsdictionary.com/pt/dictionary/english-portuguese/literacy, Todos esses endereços eletrônicos foram acessados em 20 de outubro de 2023.
  • 15
    Teríamos, nos títulos jornalísticos citados, não uma extensão do conceito científico, mas uma representação social, ou seja, uma produção de saberes, tradições, práticas, rituais do cotidiano que a Psicologia Social tenta explicar através de representações sociais, i.e., os saberes sociais construídos pelo sujeito para entender a realidade social. Essas representações não são apenas cognitivas, mas incorporam também aspectos emotivos e afetivos dos significados (cf. Jodelet, 2005JODELET, Denise. (2005). Loucuras e representações sociais. Tradução de Lucy Magalhães. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.), podendo originar-se, e incorporar, consequentemente, múltiplos locais sociais, tais como, associações, blogs, portais, aldeias etc.
  • 16
    https://www.linguee.pt/portugues-ingles/search?source=auto&query=literacy, https://translate.google.com/?sl=en&tl=pt&text=literacy&op=translate&hl=pt. https://exame.com/esg/como-engajar-os-colaboradores-com-o-letramento-racial/. https://theblackcurriculum.com/blog/blog-post-title-three-dxgps Acesso em 20 de outubro de 2023. Observamos que, nos links citados, apenas um dá como retorno “letramento”, o que, do nosso ponto de vista, reforça a ideia de que a palavra literacy não pode ser igualada à palavra “letramento”, isto é, não deveria ser traduzida apenas dessa forma, porque tal correspondência advém dos Estudos de letramento em um contexto bastante específico de ocorrência dos termos literacy/literacies, conforme já mencionado.
  • 17
    Na página 33 do livro, Bagno faz a seguinte nota: “[a]pesar de estarmos optando sempre por traduzir literacy por letramento, mantemos neste caso a designação de Ano Internacional da Alfabetização porque foi com esse nome que a campanha da UNESCO foi designada em português (nota do trad.)”. Ressaltamos que apenas esta nota, em si mesma, já destaca que obviamente a mesma palavra literacy pode ter equivalentes distintos na língua traduzida e que, portanto, a opção irrestrita por um único termo pode acarretar imprecisões, especialmente quando um desses termos, “letramento”, corresponde a um conceito fundador de uma área de estudos.
  • 18
    A opção por manter as citações no original, em língua estrangeira, é fundamental para a discussão sobre os possíveis sentidos dos textos tomados como referência e suas traduções.
  • 19
    Ao longo de seu texto, para defender o uso de environmental literacy, Roth (1992)ROTH, Charles. E. (1992). Environmental Literacy: Its roots, evolution, and directions in the1990s. Columbus, OH: ERIC. Clearinghouse for Science, Mathematics, and Environmental Education. desenvolve uma discussão que leva em conta estudos das décadas de 1980 e 1990 sobre o conceito de literacy e define que “Environmental literacy is the capacity to perceive and interpret the relative health of environmental systems and to take appropriate action to maintain, restore, or improve the health of those systems.”. Por esta conceituação, é possível perceber que a acepção de literacy, em Roth (1992ROTH, Charles. E. (1992). Environmental Literacy: Its roots, evolution, and directions in the1990s. Columbus, OH: ERIC. Clearinghouse for Science, Mathematics, and Environmental Education., p. 12), está fora da intensão do conceito “letramento” dos Estudos de Letramento de vertente sociocultural no contexto brasileiro.
  • 20
    Entre 2006 e 2023 foram cadastrados no Portal da Capes 1.423 trabalhos de pesquisa (profissionalizante, mestrado profissional, mestrado e doutorado) usando esse binômio, “letramento crítico”, em 7 áreas do conhecimento, mais da metade delas (762) na Grande Área “Linguística, Letras e Artes”.
  • 21
    Segundo Kleiman (1995)KLEIMAN, Angela. (1995). Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras., a concepção de alfabetização proposta por Paulo Freire alinha-se à perspectiva do modelo ideológico designado por Street (1984)STREET, Brian. (1984). Literacy in Theory and Practice. Cambridge, MA.: Cambridge University Press., correspondente a uma abordagem culturalmente sensível aos sujeitos que estão sob o processo de alfabetização, feita de modo situado, ou seja, de acordo com a realidade dos educandos, tendo a escrita não como tecnologia neutra, mas com uma ferramenta política, que pode desvelar relações de poder e fomentar ações de resistência.
  • 22
    Assim como a palavra letramento, a expressão “letramento racial” se expandiu de esferas acadêmicas a esferas da política pública, nos últimos 5 anos, impactando a formação de profissionais na atenção da educação antirracista, conforme mostra o trecho de notícia a seguir: “Isso acontece porque, a partir do letramento racial, organizações são convidadas a refletirem sobre como o antirracismo é uma responsabilidade de todos. Esse entendimento melhora as relações de trabalho e interpessoais, diminuindo o impacto dos casos de racismo na carreira de profissionais negras e negros”. Disponível em: https://theblackcurriculum.com/blog/blog-post-title-three-dxgps Acesso em 25 de novembro de 2023.
  • 23
    Chamamos atenção para o fato de que o texto de Street citado consiste na versão traduzida de 2014, cujas escolhas de tradução foram analisadas na seção anterior, corroborando, em certa medida, a hipótese de que a tradução poderia propiciar ou evitar equívocos contraproducentes para o desenvolvimento das pesquisas da área, conforme comprovam os usos da palavra “letramento” em Neves (2018)NEVES, Cynthia Agra de Brito. (2018). Direitos Humanos e Educação: a polêmica em torno da prova de redação do ENEM 2015 e 2017. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 57, p. 731-755..
  • 24
    Pelo contexto, é possível depreender que a autora do artigo, ao empregar as expressões “letramento autônomo em direitos humanos” e “letramento ideológico em direitos humanos”, utiliza os conceitos de “letramento autônomo” e “letramento ideológico” em referência a modos de ensinar que promovam posicionamentos, respectivamente, menos ou mais sensíveis e críticos, por parte dos alunos, em relação aos direitos humanos.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Todos os trechos de textos teóricos analisados no artigo estão disponíveis ao público, seja em publicações impressas, seja em publicações digitais, conforme detalhado nos referenciais bibliográficos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2024
  • Aceito
    11 Abr 2024
  • Publicado
    12 Abr 2024
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