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Anistia e crise política no Brasil pós-1964

Resumos

O artigo discute aspectos da anistia política promulgada em 1979 no Brasil. Considera suas conexões com a conjuntura de transição no país, mas propõe que seu significado profundo está relacionado com as tradições de conciliação e contra-revolução da história política brasileira.


The article argues aspects of the political amnesty promulgated in 1979 in Brazil. It considers its connections with the transition conjuncture in the country, but it proposes that its profound meaning is related with the traditions of conciliation and counterrevolution in the Brazilian political history.


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  • 1
    Barbosa, Rui. Obras completas, vol. XXXII, t. I. Discursos parlamentares, p. 43-44, apud Martins, Roberto Ribeiro, Liberdade para os brasileiros. Anistia ontem e hoje. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 65.
  • 2
    "Anistia", http://cons-costa.vilabol.uol.com.br/Anistia.html
  • 3
    Para uma análise recente, com outro enfoque do tema, ver Porto, Fabíola Brigante Del. A luta pela anistia no regime militar: a constituição da sociedade civil no país e a construção da cidadania. Dissertação de mestrado. Campinas (SP), Universidade Estadual de Campinas, 2002.
  • 4
    A anistia aos envolvidos na segunda tentativa, embora proposta por Kubitschek, só se efetivaria em 1961, já no governo de João Goulart.
  • 5
    Ver, a respeito, Martins, Roberto Ribeiro, Op. cit
  • 6
    Conciliação e reforma no Brasil. Um desafio histórico-cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. pp. 87 e 110. Ver, também, Debrun, Michel. A "conciliação" e outras estratégias. São Paulo: Brasiliense, 1983.
  • 7
    Mayer, Arno J. Dinâmica da contra-revolução na Europa, 1870-1956. Uma estrutura analítica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 58.
  • 8
    Idem. p. 62.
  • 9
    A propósito, ver Nisbet, Robert. Conservantismo. In Bottomore, Tom & __________ (Orgs.). História da análise sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. pp. 118-165.
  • 10
    Marcuse, Herbert. Idéias sobre uma teoria crítica da sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. p. 116. Para uma apresentação da doutrina contra-revolucionária, de inspiração fascista, crítica porém simpática às suas linhas gerais, ver Brito, Antônio José de. Para a compreensão do pensamento contra-revolucionário: Alfredo Pimenta, António Sardinha, Charles Maurras, Salazar. Lisboa: Hugin Editores, 1996.
  • 11
    Op. cit.p. 14.
  • 12
    Idem. p. 25.
  • 13
    Analisando os processos históricos de enfrentamento entre as classes sociais, Leon Trotskydistingue neles três sentidos: revolução (substituição da classe dominante), anti-revolução (esvaziamento do ímpeto revolucionário) e contra-revolução (destruição das forças revolucionárias). La Revolucion Española. Buenos Aires: El Yunque Editora, 1973. pp. 163-164.
  • 14
    Mayer, Arno J. Op. cit. p. 21.
  • 15
    Idem, p. 77.
  • 16
    Idem, p. 123.
  • 17
    Florestan Fernandes considera contra-revolucionários o golpe militar de 1964 e o regi-me político dele decorrente: "O que procurava impedir era a transição de uma democracia restrita para uma democracia de participação ampliada, que prometia não uma 'democracia populista' ou uma 'democracia de massas' (...), mas que ameaçava o início da consolidação de um regime democrático-burguês no qual vários setores das classes trabalhadoras (e mesmo das massas populares mais ou menos marginalizadas, no campo e na cidade) contavam com crescente espaço político próprio". Fernandes, Florestan. Revolução ou contra-revolução? Contexto, São Paulo, n. 5, p. 21, mar. 1978, Grifos do autor.
  • 18
    Jarbas Passarinho, golpista de primeira hora em 1964: "Bom, eu chamei 64 de contrarevolução, e nisso [Jacob] Gorender e eu ficamos de acordo: ele o chamou de contra-revolução preventiva". "Sob o reino do terror", Folha de S. Paulo, 26 de agosto de 1996.
  • 19
    Mayer, Arno J. Op. cit. p. 91. Grifo do autor.
  • 20
    Trotsky, León. La Revolucion Española. Op. cit. p. 159-60. Grifo meu.
  • 21
    A anistia sancionada pelo presidente da República, general João Figueiredo, em 28 deagosto de 1979, teve como resultados imediatos a libertação de quase todos os presos políticos do país e o início do retorno de mais de 5 mil exilados.
  • 22
    Saes, Décio. A questão da "transição" do regime militar à democracia. In__________. República do capital. Capitalismo e processo político no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001. pp. 39-40.
  • 23
    "Os magnatas da indústria espanhola formam um grupo hostil ao povo, constituindo um dos grupos mais reacionários no bloco, corroído pelas rivalidades internas, dos banqueiros, dos industriais, dos latifundiários, da monarquia, seus generais e funcionários". Trotsky, León. Op. cit. p. 64.
  • 24
    A bibliografia sobre a transição da ditadura militar para outra forma de dominação políticajá é vasta. Balanços historiográficos podem ser encontrados em Soares, Gláucio Ary Dillon et al. (Orgs.). A volta aos quartéis. A memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. pp. 13-41; Moisés, José Álvaro. Uma crítica da primeira geração de estudos da transição. In__________. Os brasileiros e a democracia. Bases sócio-políticas da legitimidade democrática. São Paulo: Ática, 1995. p. 23-47, e Selcher, Wayne A. (Org.). A abertura política no Brasil. Dinâmica, dilemas e perspectivas. São Paulo: Editora Convívio, 1988.
  • 25
    Para uma análise que situa a gênese do projeto de abertura política no período governamental anterior, ver Carvalho, Aloísio Henrique Castelo de. O governo Médici e o projeto de distensão política (1969-1973). Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1989.
  • 26
    Um analista do Serviço Nacional de Informações (SNI) sintetizou com clareza o alcance da anistia para a linha dura: "Desejar a anistia não é contestação; desejá-la, porém, como forma de corrigir as injustiças cometidas pela revolução, já é outra coisa". Castro, Celso. As apreciações do SNI. In __________ e D'Araújo, Maria Celina (Orgs.). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 2002. p. 47.
  • 27
    A respeito, ver os depoimentos de José Luiz Coelho Neto, João Paulo Moreira Burniere Enio dos Santos Pinheiro em Soares, Gláucio Ary Dillon et al. (Orgs.). Op. cit. especialmente às páginas 201, 216, 218, 220 e 225-6.
  • 28
    Costa, Raimundo. "Planos de Brizola ameaçaram a anistia", Folha de S. Paulo, 23 de agosto de 1999.
  • 29
    Passarinho, Jarbas. "Proposta do MDB era mais restrita", Folha de S. Paulo, 24 de agosto de 1999.
  • 30
    Ver, a propósito, Diniz, Eli. O ciclo autoritário: a lógica partidário-eleitoral e a erosão do regime. In: Lima Jr., Olavo Brasil (Org.). O balanço do poder. Formas de dominação e representação. Rio de Janeiro: IUPERJ/Rio Fundo, 1990. pp. 73-86, e Fleischer, David. As desventuras da engenharia política: sistema eleitoral versus sistema partidário. In __________ (Org.). Da distensão à abertura: as eleições de 1982. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1988. pp. 61-88.
  • 31
    "A tradição do autoritarismo", Folha de S. Paulo, 26 de agosto de 1996.
  • 32
    Depoimentos de Jarbas Passarinho e Said Farhat, titular da Secretaria de Comunicação Social do governo João Figueiredo, citados em Trevisan, Cláudia, Zorzan, Patrícia, "Lei da Anistia foi processo de 4 anos", Folha de S. Paulo, 26 de agosto de 1999.
  • 33
    Luiz Eduardo Greenhalgh, que integrou a direção nacional do CBA, atribuiu a superação do caráter restrito do projeto oficial à pressão popular: "A única luta que a esquerda ganhou durante o regime militar foi a anistia, conquistada dentro do próprio regime". Idem.
  • 34
    "A criação de uma Comissão de Reconciliação e Verdade (CRV) (...) se configurava como uma solução magistral para uma situação em que, depois que a histórica eleição multirracial de 1994 pôs fim ao apartheid, as exigências de justiça tinham de ser contrabalançadas com a necessidade de evitar provocar uma reação violenta por parte de um setor da comunidade nacional, ainda dividida". Vallely, Paul. "África do Sul 'socializa' a dor do apartheid", Folha de S. Paulo, 3 de agosto de 1998.
  • 35
    Wolthers, Gabriela, "Para FHC, falta sinceridade aos opositores da reeleição", Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 1996.
  • 36
    Folha de S. Paulo, 14 de dezembro de 1999.
  • 37
    Rossi, Clóvis. "Memória e olvido", Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 1998.
  • 38
    __________. "O coronel", Folha de S. Paulo, 19 de maio de 1995.
  • 39
    Soares, Gláucio Ary Dillon e outros (Orgs.), Op. cit. p. 37.
  • 40
    "Convém lembrar às novas gerações que os torturadores e matadores de 'subversivos', à época, não atuaram clandestinamente, mas como agentes oficiais do Estado brasileiro. Muitos deles, aliás, foram premiados e promovidos por esses atos de terrorismo estatal; como, por exemplo, os que participaram da famigerada 'Operação Bandeirante', conforme decreto de 23 de abril de 1970, do então governador do Estado de São Paulo". Comparato, Fábio Konder. "Uma questão de honra", Folha de S. Paulo, 18 de junho de 1996.
  • 41
    Folha de S. Paulo, 23 de agosto de 1995.
  • 42
    Gomes, Oswaldo Pereira, "O revanchismo e a lei dos desaparecidos", Folha de S. Paulo, 26 de março de 1998. Grifo meu. O general Ernesto Geisel deveria estar se referindo a militares acometidos de "tentação" semelhante quando, já ex-presidente, justificou o emprego da tortura na obtenção de informações para uso imediato nas operações repressivas. Ver D'Araújo, Maria Celina, Castro, Celso. Ernesto Geisel. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1997. p. 225.
  • 43
    Comparato, Fábio Konder. "Que fizeste de teu irmão?", Folha de S. Paulo, 14 de agosto de 1995.
  • 44
    Idem.
  • 45
    Idem.
  • 46
    Pronunciamento do deputado Gilnei Viana em 4 de setembro de 1995 sobre o projeto de lei 869/95. A rigor, o deputado também igualava a violência do Estado à resistência democrática: "O passado passou, e nós, que fizemos parte dele, queremos enterrá-lo dignamente, para que a Nação possa dizer que é digna daqueles que lutam no passado, seja de um lado, seja de outro (...)". Grifo meu.
  • 47
    Um distinguido liberal brasileiro tornou-se igualmente destacado defensor do papel dos golpes militares preventivos na defesa das democracias sul-americanas: "É ilusão pensar que a opção do Brasil sob Goulart, ou do Chile sob Allende, era entre dois estilos de democracia - a democracia liberal e a social-democracia. Era antes entre dois tipos de autoritarismo: o de direita e o de esquerda. Aquele, encabulado, biodegradável e declarando-se transicional, tendo em vista eventual redemocratização. Este, ideológico, messiânico, considerando-se fadado à vitória pelo determinismo histórico e praticante da violência 'sistêmica' a fim de implantar a ditadura do proletariado (...). Nem sempre é fácil a distinção entre violência 'preventiva' e violência 'sistêmica'. Os partidários de Pinochet argúem, não absurdamente, que seu líder apenas praticou violência preventiva contra uma violência maior e sistêmica, a do marxismo". Campos, Roberto. "A trapalhada dos lordes", Folha de S. Paulo, 6 de dezembro de 1998.
  • 48
    História Militar do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. pp. 401-402.
  • 49
    As informações biográficas que se seguem foram obtidas em Abreu, Alzira Alves de eoutros (Coords.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930. 2. ed. rev. e atualiz. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 2001. Respectivamente, v. 1., pp. 886-887, e v. 5, pp. 6013-6014.
  • 50
    Bastos, Celso Seixas Ribeiro. "Anistia". Dicionário de Ciências Sociais. 2. ed. Editora da Fundação Getulio Vargas: Rio de Janeiro, 1987. v. 1, p. 51.
  • 51
    Idem.
  • 52
    Discurso na sessão de 27 de dezembro de 1914, transcrito em Tribuna parlamentar - República. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1955. pp. 80-81. Grifos meus.
  • 53
    Cony, Carlos Heitor. Anistia. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, ano I, n. 1, mar. 1965. p. 22.
  • 54
    "Há 20 anos, a anistia era um sonho. E, como tal, tinha suas armadilhas. A principal delas é o confronto com a situação concreta do país. Para muitos, a anistia foi algo imperfeito, limitado. (...) A anistia foi mais uma realidade de correlação de forças políticas, o exercício da saída possível num determinado momento histórico". Gabeira, Fernando "Anistia, ainda que imperfeita", Folha de S. Paulo, 28 de agosto de 1999, republicado em Souza, Daniel, Chaves, Gilmar (Orgs.). Nossa paixão era inventar um novo tempo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1999. pp. 72-73.
  • 55
    Stepan, Alfred. Os militares na política. Mudança de padrões no Brasil. Rio de Janeiro: Artenova, 1975, pp. 162-163.
  • 56
    Pela anistia. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, ano III, n. 7, out. 1965. p. 50. Grifo do autor.
  • 57
    Resolução política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, maio de 1979.In Corrêa, Hércules. A classe operária e seu partido. Textos do exílio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. pp. 231-247, esp. p. 242.
  • 58
    Carta a Ivan Lins, Rio de Janeiro, 8 de abril de 1969. Arquivo Peri Constant Bevilaqua (Museu Casa de Benjamin Constant). A rigor, apenas os prejudicados pelo regime militar poderiam conceder algum tipo de anistia, como propõe o cartunista Henfil em seu Decreto 110: "Considerando que o ato de Anistia realiza, neste momento, uma aspiração nacional, decreta: Art. 1o - Estão anistiados todos os assinantes do AI-5, lei 477, lei Falcão e 'pacote de Abril'". Seguem-se mais 13 artigos e um "parágrafo único". Datado de 28 de fevereiro de 1978, o decreto é assinado pelo "povo brasileiro", Henfil e D. Maria (sua mãe) e, embora o texto publicado não as transcreva, informa: "seguem-se 110 milhões de assinaturas". Souza, Daniel, Chaves, Gilmar (Orgs.). Op. cit. pp. 81-82.
  • 59
    Gabeira, Fernando. Carta sobre a anistia. 3. ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1980. p. 15.
  • 60
    Padget, Tim. "Augusto Pinochet Ugarte", Folha de S. Paulo, 24 de dezembro de 1998.
  • 61
    Tavares, Celma. "Anistia: o Brasil após 20 anos", agosto de 1999, http://www.torturanuncamais .org.br
  • 62
    Rossi, Clóvis. "Falta um "mea culpa", Folha de S. Paulo, 6 de agosto de 1995.
  • 63
    Idem.
  • 64
    "Vestígios de um lugar de liberação", Folha de S. Paulo, 10 de agosto de 1997.
  • 65
    Comentando os aspectos restritivos da lei da anistia, uma crítica observa: "Mais grave, porém, era conter a lei um perdão incondicional aos integrantes do Aparato Repressivo que estiveram envolvidos com a tortura. (...) Ele dificultaria eventuais investigações sobre as atividades do Aparato Repressivo, constituindo portanto uma derrota para a oposição". Alves, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1987. p. 268. Grifo meu.
  • 66
    "Vestígios de um lugar de liberação", Folha de S. Paulo, 10 de agosto de 1997
  • 67
    Idem.
  • 68
    Ver, a propósito, D'Araújo, Maria Celina et al. (Orgs.). Os anos de chumbo. A memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p. 13.
  • 69
    "Segredos da história", Folha de S. Paulo, 26 de agosto de 1996.
  • 70
    Para uma discussão interessante da relação entre a anistia de 1979 e a memória, privilegiando outros aspectos, ver Reis, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. pp. 69-73.
  • 71
    "General Peri Bevilaqua acusa e sentencia: amarrem uma lata ao rabo dos golpistas", A Noite, Rio de Janeiro, 1o de novembro de 1961.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2002
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