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1625, o Fogo e a Tinta: a batalha de Salvador nos relatos de guerra 1625

1625, Fire and Ink: Salvador battle in the war reports

Resumos

A reconquista da cidade de Salvador pelas forças da Monarquia Católica em 1625 foi um grande feito bélico. A abundância de testemunhos, relatos e histórias da batalha são tantos elementos que certificam a importância do acontecido para seus contemporâneos. Um exame detido dessa literatura é capaz de mostrar uma oposição, ainda que dissimulada, entre fidalgos portugueses e castelhanos: eles disputavam a proeminência nos feitos bélicos e a honra do desempenho vitorioso. Festejada, narrada e comemorada, a Batalha da Bahia acabou por se transformar num acontecimento revelador de tensões entre fidalgos de Portugal e de Castela, que iria alimentar uma dissensão mais que secular e que viria a tomar corpo em dezembro de 1640.

salvador; século XVII; narrativas históricas.


The reconquering of the city of Salvador by the Catholic Monarquic Forces was a belic enterprise of great impact. The abundance of narrations, stories and live accounts of the battle testify to its importance for their contemporaries. A detailed exam of this literature shows the opposition, even if veiled, between the "Fidalgos" from Portugal and from Castela: they both claimed proeminence of belic achievements and the merit of victorious deeds. The Battle of Bahia, narrated and celebrated to great extent, turned out to be revealing of the tensions between the "fidalgos" of Portugal and Castela, which in turn would give rise to a discution more than secular eventually embodying itself in December 1640.

Salvador; XVIIth Century; historical narratives.


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  • 1
    Os autores agradecem ao apoio fornecido pelo CNPq à realização deste trabalho.
  • 2
    Pela quantidade de publicações já repertoriadas, em diversas ocasiões, é fácil verificar a extensão do problema. José Honório Rodrigues, no seu livro Bibliografia do Domínio Holandês no Brasil, Rio de Janeiro: INL, 1949, p. 190-209, arrola mais de quarenta títulos de relações e de crônicas sobre a batalha de Salvador. É curioso lembrar que o metódico pesquisador tenha deixado de lado exatamente o texto do mais conhecido escritor da língua portuguesa do século XVII, o Padre Antônio Vieira.
  • 3
    CRISTÓVÃO, Fernando. "A luta de libertação da Bahia em 1625 e a batalha dos seus textos narrativos e épicos". Quinto Império, Salvador, v. 1, n. 16, 2002, p. 79-103. O trabalho busca integrar, com sucesso, contribuições extrapeninsulares à análise. Sua caracterização do conflito de textos contribuiu de forma singular para o presente estudo.
  • 4
    SCHWARTZ, Stuart B. "The Voyage of the vassals: royal power, nobles obligations andmerchant capital before the portuguese restoration of independence 1624-1640". The American Historical Review, 96, 3, 1991, p. 735-62.
  • 5
    A Catalunha rebelou-se em junho de 1640, seis meses antes do levante português de primeiro de dezembro. Nápoles revoltou-se em julho de 1647.
  • 6
    As mais variadas manifestações escritas de descontentamento com relação ao domínio castelhano ficaram conhecidas com o curioso nome de "Literatura Autonomista". Alguns estudos já antigos buscaram dar conta deste material, sendo o mais notável deles a obra CIDADE, Hernâni. A Literatura Autonomista sob os Felipes. Lisboa: Sá da Costa, sd.
  • 7
    O texto de Acetto conheceu tradução brasileira recente pela editora Martins Fontes. Oestudo mais importante sobre este tema é o trabalho VILLARI, Rosario, Elogio della Dissimulazione, la lotta politica nel seicento. Bari: Laterza, 1987.
  • 8
    GUERREIRO, Bartolomeu. Sermão que fez o Padre Bertolameu Guerreiro da Companhia de Jesus, na cidade de Lisboa na Capella Real, dia de São Thome, anno de 1623, cuja festa como de Padroeiro da India celebra, por ordem dos Reys o Tribunal daquelle Estado com offertas publicas das drogas delle. Lisboa: Pedro Craesbeeck, impressor del Rey, 1624, p. 7r. A última frase deste trecho citado não é destituída de significado político. Há uma ambigüidade expressa na referência aos descendentes de D. Manuel. Entre seus "netos" havia certamente Felipe II, mas também aqueles outros pretendentes à coroa de Portugal que perderam a disputa em 1580, entre eles D. Catarina de Bragança, avó de D. João, o monarca da Restauração do reino.
  • 9
    "Mas neste favor com que os menores tem obrigação de acodir à necessidade do Rey, há de entrar a fidelidade dos ministros: a não tomarem mais dos vassalos, que pede a necessidade do Rey". GUERREIRO, Op. Cit. p. 10v.
  • 10
    Idem, p. 8v.
  • 11
    MARQUES, João Francisco. A Parenética Portuguesa e a Dominação Filipina. Porto: INIC, 1986.
  • 12
    OLIVEIRA, António de. Poder e oposição política em Portugal no período Filipino (15801640). Lisboa: Difel, 1991; _____. Movimentos Sociais e Poder em Portugal no século XVII. Coimbra: IHES/FL, 2002.
  • 13
    Cf a esse respeito, o texto clássico BOXER, Charles R. O Império Marítimo Português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, especialmente p. 120-163.
  • 14
    SOARES, Pero Roiz. Memorial. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1953, p. 466.
  • 15
    Idem, p. 465-75.
  • 16
    Note-se que a peça do padre Antônio de Sousa, encenada nesta ocasião, versava sobre as conquistas de Portugal no Oriente e exaltava D. Manuel I e os grandes portugueses do século XVI ligados a esta proeza. Cf. MIMOSO, João Sardinha SJ. Relacion de la Real Tragicomédia com que los padres de la Compañia de Jesus em su Colégio de S. Anton de Lisboa recibieron a la Magetad Católica de Felipe II de Portugal. Lisboa: Jorge Rodriguez, 1620.
  • 17
    LISBOA, J. Carlos. Uma peça desconhecida sobre os holandeses na Bahia. Rio de Janeiro: INL, 1961. A peça foi editada no século XVII, no volume: Comedias Novas e Escogidas, vol. XXXIII. Madri, 1670, p. 201-33. El Brasil Restituido de Lope de Vega foi editada diversas vezes em coletâneas do teatro espanhol. A licença de encenação foi emitida em 29 de outubro de 1625, conforme pode ser visto no estudo BARREIRO, José Maria Viqueira. El lusitanismo de Lope de Vega y su Comedia "El Brasil Restituido". Coimbra: FLUC/Coimbra Editora, 1950, p. 217-8.
  • 18
    ALDENBURGK, Johann Gregor. Relação da Conquista e perda da cidade do Salvador pelos holandeses em 1624-5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1961.
  • 19
    A plaine and true relation of the going forth of a Holland fleete the eleventh of november 1623, to the coast of Brasil with the taking of Salvador, and the chief occurrences falling out there, in the time of the hollanders continuance therein. As also the coming of the sapnhish armado to Salvadoe, with the beleaguering of it, the accedints falling in the towne the time of beleaguering... Roterdam, 1626.
  • 20
    A plaine and true relation, cit. p. 3.
  • 21
    Poucos anos antes dos acontecimentos de Salvador, um impresso circulou em Paris dandonovas da passagem de Felipe III por Lisboa, do juramento das cortes a seu sucessor e da atitude dissimulada dos lusitanos com relação aos seus verdadeiros sentimentos para com o seu rei castelhano. Cf. Le serment de fidelité faict au prince d'Espagne, à l'ouverture des Estats du Royaume de Portugal. Paris: Nicolas Alexandre, 1619, p. 7.
  • 22
    GUERREIRO, Bartolomeu SJ. Jornada dos vassalos da coroa de Portugal, pera se recuperar a Cidade do Salvador, na Bahia de todos os Santos, tomada pollos Olandezes, a oito de mayo de 1624, & recuperada ao primeiro de mayo de 1625. Feita pollo padre Bertolameu Guerreiro da Companhia de Jesus. Lisboa: Mattheus Pinheiro, 1625. O jesuíta, que esteve embarcado na frota portuguesa, tinha seu volume pronto em outubro desse mesmo ano, conforme atestam as primeiras licenças para publicação, datadas de 7 de novembro.
  • 23
    Idem, páginas não numeradas.
  • 24
    Guerreiro viveu sete anos na corte dos Duques de Bragança, foi confessor de D. Theodósioe pregou nas exéquias celebradas em 1630 em sua memória. O sermão foi publicado dois anos depois: cf.GUERREIRO, Bartolomeu. Sermam que fez o R. P. Bertolameu Guerreiro da Companhia de Jesus nas exequias do anno que se fizerão ao serenissimo Principe D. Theodosio segundo Duque de Bragança em Villaviçosa na Igreja dos religiosos de S. Paulo primeiro hermitão onde o dito senhor está depositado em 29 de novembro de 1630. Lisboa: Mathias Rodrigues, 1632. O sermão faz um elogio exaltado da Casa de Bragança declarando em uma passagem o seu expressivo posto no reino: "Tres grandezas tem o Reyno de Portugal, com ser tão pequeno, & limitado pera quem fora pequena a Monarchia Romana. Primeira a famosa cidade de Lisboa, cabeça do Reyno enchendo todas as partes do mundo com a opulencia de seus comercios, como se fora senhora do Oceano, como em outros tempos foy {...} A segunda, as conquistas do Reyno. Senhoreando a monarchia portuguesa os berços donde o sol nos nasce, & as sepulturas onde se nos esconde: dando principio ao seu senhorio, onde a Monarchia Romana pos fim a seu imperio {...} A terceira, a magnificencia real da casa de Bragança, que a pos os Reys se segue, & declara por tenção sua Depois de vos, nos" 26v-27r.
  • 25
    Cf. SCHWARTZ Cit. p. 744-5.
  • 26
    Joaquim Veríssimo Serrão, por exemplo, tratando das expedições holandesas sobre as conquistas de Portugal, refere-se à perda e recuperação da Bahia nos seguintes termos: "Um ataque de surpresa, em 1624, levou à conquista de Salvador, notícia que ao chegar ao Reino causou a maior emoção. No ano seguinte, uma frota enviada de Lisboa pôde reconquistar a capital do Brasil". SERRÃO, Joaquim Veríssimo. O tempo dos filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668). Lisboa: Colibri, 1994. Este texto foi publicado em 1982, num extenso manual de História de Portugal.
  • 27
    GUERREIRO, Bartolomeu. Jornada dos Vassalos, Cit. p. não numerada.
  • 28
    VARGAS, Tomás Tamayo de. Restauracion d la ciudad Del Salvador, I Baia de Todos-Sanctos, em la província del Brasil por lãs armas de Dom Philippe IV, el grande, Rei Catholico de lãs Espanas, Índias etc. Madri: viúva de Alonso Martin, 1628, p. não numerada. Este livro foi traduzido ao português e dedicado a D. Pedro II por Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva em 1847.
  • 29
    Ibidem, p. não numerada.
  • 30
    Ibidem, p. não numerada.
  • 31
    A carta não saiu impressa na época. VIEIRA, Antônio. Cartas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1997, vol. I, p. 3-70.
  • 32
    VIEIRA, Op. Cit. p. 11.
  • 33
    Felipe II, após a invasão de Portugal pelas forças castelhanas, fez reunir as cortes do reino em1580. Na ocasião fez-se o acordo que, entre diversos outros itens, estatuía o princípio da nomeação de portugueses para as funções de governo no reino (exceção aberta apenas para o Vice-Rei, se membro da família real) e do ultramar.
  • 34
    MOERBEECK, Jan Andries. Redenen Wâeromme de West-Indisch Compagnie dient te trachten het Landt van Brasilia den Connick van Spangie te ontmachtigen en data ten eersten. Amsterdam: Cornelius Lodewycksz, 1624. Há tradução brasileira publicada com o título: Os holandeses no Brasil. Rio de Janeiro, 1942.
  • 35
    NARBONA Y ZUÑIGA, Eugenio de. "Historia de la Recuperacion del Brasil". Anais da Biblioteca Nacional. Vol. 69, 1950, p. 170.
  • 36
    GUERREIRO, p. 5.
  • 37
    Dentre as inúmeras edições desse texto, destaca-se a já citada de José Maria Viqueira Barreiro. O original de Lope de Vega acompanhado de longa introdução e de comentários nem sempre dignos de consideração.
  • 38
    Entre as causas do descuido de Diogo de Mendonça Furtado estaria o fato de "los governadores del siglo antes passan a ser mercadores que capitanes", FARIA E SOUSA, Manuel de. Epitome de las Historias Portuguesas. Bruxelas: Foppens, 1677, p. 332.
  • 39
    Epitome, p. 333.
  • 40
    VALENCIA Y GUZMÁN, Juan de. Compendio historial de la jornada del Brasil año 1625. Recife: Pool, 1984, p.247.
  • 41
    Compendio, p. 251.
  • 42
    NARBONA Y ZUÑIGA, Eugenio de. Historia, p.191.
  • 43
    VIEIRA, Cartas, p. 27.
  • 44
    MENEZES, Manuel de. "Recuperação da cidade do Salvador", Revista do IHGB, 1850, p. 400.
  • 45
    Plaine and True Relation, p. 9.
  • 46
    ALDENBURGK, Johann Gregor. Relação da Conquista, p. 178.
  • 47
    ALDENBURGK. Relação, p. 187.
  • 48
    "... se tomo possession de la ciudad en nombre de Don Philipe el Quarto Rei de las Espanas, entrando en ella el maestro de campo general, su teniente; i el maestro de campo Don Juan de Orellana con algunas compañias para su guarda; como para la prevencion de lo que conveniesse, assi en el modo de proceder de los soldados, como en el cobro de la hazienda real..." VARGAS, Tomas Tamayo de. Recuperacion, p. 134r-v. VARGAS. Recuperacion, p. 134v-5r.
  • 49
    Relaçam verdadeira de tudo o succedido na restauração da Bahia de todos os Santos desde o dia, em que partirão as armadas de sua Magestade, té o em que em a dita Cidade forão arvorados seus estandartes com grande gloria de Deos, exaltação do Rey, & Reyno, nome de seus vassallos, que nesta empresa se acharão, anihilação, & perda dos Olandezes ali domados. Mandada pellos officiaes de sua Magestade a estes Reynos. Porto: João Rodriguez, 1625, p. não numerada. A data da taxação é 12 de julho de 1625 e, conforme assegurou Pero Róis Soares, a notícia do sucesso chegou a 6 de julho na capital. O documento foi reeditado depois em Lisboa. Mais recentemente o IHBG publicou a relação no volume 5 de sua revista.
  • 50
    "Resolutas estas capitulações; deram os olandeses a entrada na cidade, foram os primeiros que entraram, o Marquês de Coprani e D. João de Orelhana, a quem não tocava a entrada, & tocava a Antônio Moniz Barreto, Mestre de Campo de um terço português". GUERREIRO, Jornada, p. 58v.
  • 51
    GUERREIRO. Jornada, p. 59r.
  • 52
    GUERREIRO. p. 58/59.
  • 53
    MENEZES. Recuperação, p. 592.
  • 54
    MENEZES. Recuperação, p. 591.
  • 55
    MENEZES. Recuperação, p. 592-3.
  • 56
    VIEIRA. Cartas, p. 44.
  • 57
    FARIA E SOUSA. Epitome, p. 335.
  • 58
    Plaine end True Relation, p. 20. ALDENBURGK. Relação: "Igualmente, tiveram que os portugueses de resgatar de novo a cidade de S. Salvador e pagar dobrado tributo anual ao tesouro espanhol... Além do mais, tiveram os portugueses de resgatar os seus velhos canhões em poder dos espanhóis, que muito espoliaram a cidade, carregando os navios da frota com pau-brasil, fumo, açúcar, especiarias e tudo quanto puderam arrebanhar de mesas, cadeiras, tapeçarias e móveis", 218.
  • 59
    CARNEIRO, Diogo Gomes. Oração Apodixica aos scismaticos da patria. Lisboa: Lourenço de Anvers, 1641, f. 8r.
  • 60
    Sete anos após os acontecimentos de Salvador, João Pinto Ribeiro publicou um livreto cujo título já expunha a resistência à idéia do empenho dos fidalgos portugueses nas guerras da Monarquia: Discurso sobre os fidalgos e soldados portugueses não militarem em conquistas alheias desta coroa. Lisboa: Pedro Craesbeeck, 1632.
  • 61
    "The council of State acted to prevent the publication before Menezes could publish his. See Consulta, Council of State, April 1623 {sic}, British Library, London, Egerton 324, fol. 18". SCHWARTZ. p. 740n.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2005

Histórico

  • Recebido
    Jul 2004
  • Aceito
    Nov 2004
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