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Comentário a “A ideia de composição nos Salões de Diderot”

Noção de extrema importância para se pensar a arte pictórica, ao menos desde Leon Battista Alberti, a composição já era conceito difundido, quando Diderot escreve a entrada pintura, para o verbete composição de sua EnciclopédiaDIDEROT, D.; D’ALEMBERT, J. Enciclopédia ou Dicionário razoado das ciências arte e ofícios. Seleção e organização de Pedro Paulo Pimenta e Maria das Graças de Souza. Volumes 1-6. São Paulo: Editora da Unesp, 2015-2017., o qual conta com a autoria de Jean-Jacques Rousseau, em sua entrada música. Se compor pressupõe a ideia da disposição de elementos para a formação de algo que se toma como sendo uno (uma música, um quadro), em Diderot, a unidade será pensada de modo inabitual, se considerarmos os termos comumente aceitos, segundo os quais a unidade é algo fixo e rígido. Não que Diderot tenha inventado coisa jamais vista e imaginada (o artigo de Arlenice Almeida da Silva nos lembra da influência exercida pelo britânico Francis Hutcheson e sua Investigação sobre a origem de nossas ideias de belo e virtude), contudo, confere a ela um lugar muito especial de sua filosofia, não apenas no que diz respeito ao âmbito das artes, mas também ao da natureza, como buscaremos indicar.

O que há de especial na maneira como o francês pensa a unidade que a composição almeja? Tomando de Hutcheson a concepção de que não há unidade sem variedade, relação que gera a ideia de beleza, Diderot verá nesse vínculo uno/variável o dinamismo que preside tanto à criação e à contemplação de belezas artísticas, quanto um modo de entender a natureza, sempre una, apesar da multiplicidade de elementos díspares que a formam. Se o pintor imita o universo natural, ele o faz na medida em que dispõe na tela componentes (como cores, luz, sombras que fazem figuras) que se relacionam mutuamente, em benefício de uma totalidade.

Apreender algo do fluxo contínuo da natureza, que forma e transforma unidades a partir de variedades, é, vale frisar, saber compor artisticamente. Não há unidade sem subordinação, diz-nos Diderot, sem que se componham elementos e se ordenem partes, as quais, uma vez condicionadas à ordem, geram um todo. Temos aqui uma noção orgânica operando, a partir da qual o bom arranjo de diversos componentes produz a beleza. O todo, por sua vez, ganha também características do dinamismo, e o que pode ser primeiramente tomado como totalidade pode se revelar como sendo parte de um todo maior.

O artigo de Arlenice Almeida da Silva nos lembra da célebre imagem do enxame de abelhas que Diderot apresenta, em O Sonho de d’AlembertSILVA, A. A. da. A ideia de Composição nos Salões de Diderot. Trans/Form/Ação: revista de filosofia da Unesp, v. 44, n. 2, 2021, p. 33 - 58.: podemos considerar uma das abelhas como sendo um todo composto por seus membros, mas, então, a abelha se torna parte de totalidade maior, quando se vislumbra a massa formada pelo enxame, como se ele fosse um grande animal. Como dissemos, o bom pintor saberá trabalhar em sua tela, de modo similar: dispondo os elementos de maneira orgânica, relacionando-os, fazendo de cada parte (por exemplo: ao pintar personagens, como ocorre em pinturas históricas) pequenos “todos” que culminam em uma totalidade maior, a saber: o seu quadro como um todo. Não há como não perceber aqui a influência de outro autor britânico: Shaftesbury, em seu tratado sobre a pintura, o Julgamento de HérculesSHAFTESBURY (Anthony Ashley Cooper). The judgement of Hercules. In: SHAFTESBURY. Anthony Ashley Cooper, the Third Earl of Shaftesbury Standard Edition. Editado por Wolfram Brenda, Wolfgang Lottes, Friedrich A. Uehlein e Erwin Wolff, Aesthetics, I, 5, Stuttgard: Frommann-Holzboog, 2001. (1712) - autor de quem Diderot traduz em, 1745, outro tratado, a Investigação sobre a virtude ou méritoSHAFTESBURY (Anthony Ashley Cooper). An Inquiry concerning virtue, or merit. In: SHAFTESBURY. Characteristicks of men, manners, opinion, times. Editado por Philip Ayres. V. 1. Oxford: Clarendon Press, 1999., cujo tema também é caro à concepção de arte do francês, visto que o artista deve promover a virtude.

O artigo que agora se publica recorre à bibliografia especializada e atual e nos mostra como a composição foi importante, para que Diderot cumprisse seu papel de crítico, em seus célebres Salões, aliando à contemplação estética uma ideia de natureza em constante formação. Leitura instigante e fundamentada, a qual não se furta a acrescentar argumentos originais, o texto de Arlenice Almeida da Silva nos faz lembrar o quão relevante é a obra desse autor, quando se pretende investigar o estabelecimento da estética como disciplina filosófica, autor que foi considerado como sendo a melhor imagem do que o seu século chamou de philosophe.

Referências

  • DIDEROT, D.; D’ALEMBERT, J. Enciclopédia ou Dicionário razoado das ciências arte e ofícios. Seleção e organização de Pedro Paulo Pimenta e Maria das Graças de Souza. Volumes 1-6. São Paulo: Editora da Unesp, 2015-2017.
  • SHAFTESBURY (Anthony Ashley Cooper). An Inquiry concerning virtue, or merit. In: SHAFTESBURY. Characteristicks of men, manners, opinion, times. Editado por Philip Ayres. V. 1. Oxford: Clarendon Press, 1999.
  • SHAFTESBURY (Anthony Ashley Cooper). The judgement of Hercules. In: SHAFTESBURY. Anthony Ashley Cooper, the Third Earl of Shaftesbury Standard Edition. Editado por Wolfram Brenda, Wolfgang Lottes, Friedrich A. Uehlein e Erwin Wolff, Aesthetics, I, 5, Stuttgard: Frommann-Holzboog, 2001.
  • SILVA, A. A. da. A ideia de Composição nos Salões de Diderot. Trans/Form/Ação: revista de filosofia da Unesp, v. 44, n. 2, 2021, p. 33 - 58.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2020
  • Aceito
    03 Nov 2020
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