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Tradução A Dialética da Intuição e do Intelecto: o critério da Fertilidade 1 1 . Agradeço ao Professor Gunter, pela autorização para a tradução deste artigo.

Apresentação

“The dialetics of intuition and intelect: fruitfulness as a criterion” foi publicado originalmente como o primeiro capítulo da coletânea Bergson and modern thought: towards a unified science. O livro registra uma série multidisciplinar de conferências, proferidas em Galveston, Texas, em 1984, com o objetivo de discutir as implicações da Filosofia de Bergson para a ciência contemporânea. Desde então, a obra se tornou uma das principais referências da recepção anglo-americana do bergsonismo. A tradução de um de seus textos, talvez o mais programático, visa a divulgar ao leitor de língua portuguesa uma das principais vias interpretativas dessa recepção. O autor, Peter A. Y. Gunter, além de um dos organizadores do volume, juntamente com A. Papanicolaou, é Professor Emérito da North Texas University, USA, e conhecido especialmente pela edição de Henri Bergson: a bibliography.

Procurei ser fiel ao estilo literário do texto, conservando tanto quanto possível os aspectos conceituais e formais do original e complementando, entre parênteses, as eventuais referências a outros capítulos do compêndio. Quanto às citações de Bergson, traduzi-as diretamente do inglês. Daí a opção por manter inclusive as respectivas abreviaturas das traduções lá utilizadas. Algumas destas, como Matter and memory, deveriam mesmo ser tidas como “segundos originais”, pois foram revistas pelo próprio Bergson e aqui e acolá oferecem uma variante esclarecedora da versão em francês3 3 . Convém lembrar que Bergson, além de ter participado diretamente da revisão da tradução, escreveu um novo prefácio para a edição inglesa de Matter and memory (cf. a nota dos tradutores em MM, p. v), o qual veio, quando da sétima edição francesa, substituir o prefácio original. Logo, um material adicionado à versão inglesa posteriormente modificou a edição “original” francesa. . Há eventuais ambiguidades ou peculiaridades idiomáticas, difíceis de serem transpostas para outra língua. Apesar disso, optei por indicar entre colchetes somente alguns poucos termos técnicos sem equivalente estabelecido em português (pelo menos até onde sei), ciente de que os proficientes em língua inglesa poderão conferir o original e fazer as ressalvas que julgarem cabíveis. Para evitar uma assimilação passiva da interpretação de Gunter, proponho aqui um breve comentário da Dialética da intuição e do intelecto, cujas teses ambiciosas e controversas nos lançam por vezes ao encontro do coração do bergsonismo - ou seria de encontro ao?

Uma das principais objeções à filosofia bergsoniana, quando de sua primeira recepção crítica, era de que ela pressuporia ou resultaria numa apologia ao “irracionalismo”. O tópico que mais acirrou tal leitura foi a distinção, consagrada em A evolução criadora, entre o intelecto e o instinto. Num ensaio influente, Bertrand Russell debochou que o intelecto fosse tido como a fonte dos infortúnios dos homens, enquanto o instinto (isto é, a “intuição”) seria a maior das dádivas para as formigas, as abelhas e Bergson (1912, p. 323)! Para Julien Benda, um dos mais vigorosos opositores da “nouvelle philosophie”, o método bergsoniano seria inclusive contraditório, pois, uma vez que a inteligência fora definida pela “negação” da intuição, não faria sentido que, n’A introdução à metafísica, se fizesse uso de uma noção como “simpatia intelectual”, já que a simpatia é um aspecto da intuição (1914, p. 74-76)4 4 . Benda refere-se à versão original da Introduction à la metaphysique, publicada em 1903, na Revue de métaphysique et morale. Na versão publicada duas décadas depois, em O pensamento e o movente, Bergson, provavelmente para sanar essas dúvidas de interpretação, substituiu aquela expressão original por “simpatia espiritual”. Comentei mais detalhadamente esse tópico em Sampaio (2017b, p. 222). . Entre os germânicos, os quais consolidaram uma leitura do bergsonismo como um “filósofo da vida”, E. Cassirer lastimava que o antikantismo de Bergson o tivera conduzido, em As duas fontes da moral e da religião, a “fundar” a ética num sentimento irracional (apud RATES, 2017, p. 191).

Tais críticas não ficaram sem respostas. As análises de Russell receberam, dentre outras, uma réplica detalhada por parte de Emil Carr, sendo ambos os textos depois reeditados conjuntamente (RUSSELL; CARR, 19146. RUSSELL B, CARR E. The philosophy of Bergson. Cambridge: Bowes & Bowes, 1914.). Diante das vozes contrárias aos seus ataques ao bergsonimo, Benda chegou a publicar uma “resposta aos defensores da doutrina”. Em meio àquela atmosfera saturada pelo neokantismo e a nascente fenomenologia, Ernst Troeltsch via em Bergson a oportunidade para a superação da filosofia transcendental, e Georg Simmel o considerava “o maior filósofo vivo” (apud RATES, 2017, p. 191-192). Muitos outros exemplos poderiam ser aqui aduzidos, mas apenas para reforçar o que já está dito: o ponto central de louvor e de censura na recepção de Bergson pelos filósofos que lhe foram contemporâneos esteve vinculado diretamente ao seu “anti-intelectualismo”. Havia então aqueles que interpretaram tal anti-intelectualismo como um mero irracionalismo e os que o viram como uma crítica aos excessos do pensamento simbólico e conceitual.

É nesse cenário que a hipótese de P. Gunter se torna tão inovadora quanto polêmica: Bergson não seria nem um irracionalista nem um mero crítico dos limites da razão, porém, ele próprio um “positivista heterodoxo”. O positivismo bergsoniano teria uma matriz epistemológica calcada na Biologia, a qual, bem compreendida, permitiria uma interpretação mais cuidadosa da relação entre intelecto, instinto e intuição. Para justificar que um filósofo tantas vezes acusado de “irracionalista” seria, na verdade, uma versão melhorada do positivismo, Gunter, inicialmente, (i) resume as decisivas críticas que assolaram os positivistas “ortodoxos”. Em seguida, (ii) tenta mostrar como Bergson considerava que seria possível “verificar” empiricamente uma intuição. Temos aqui então duas flechas: quais acertam o alvo?

(i) Por “positivismo”, Gunter não tem em mente o movimento que se estabeleceu em torno de Augusto Comte ou os desdobramentos deste, no pensamento filosófico e científico francês, no qual floresceu o bergsonismo. O que ele visa é à reencarnação lógico-matemática daquele, a qual se consolidara quase cem anos após a publicação do Curso de filosofia geral. Por uma análise dos pressupostos do “neopositivismo”, dentre os quais se coligiam membros do Círculo de Viena e pensadores da tradição anglo-americana, almejava-se explicitar os pressupostos (não verificáveis) da crítica ao anti-intelectualismo bergsoniano.

Quanto às dificuldades teóricas do neopositivismo apontadas por Gunter, não tenho ressalvas. São, basicamente, os “dois dogmas do empirismo” que Quine, ele mesmo um herdeiro do Círculo de Viena, convenceu aos seus pares serem insuperáveis e exigirem, assim, uma revisão do projeto de seus predecessores. Já que até os mais destacados ascendentes do neopositivismo aceitam que este fora incapaz de restringir “sentenças factuais a sentenças empíricas e sentenças empiricamente significativas àquelas que pudessem ser ou não verificadas empiricamente”, isso talvez já fosse o bastante para desmerecer o lugar mesmo do qual emergiram as principais acusações ao anti-intelectualismo bergsoniano. Entretanto, Gunter não procura simplesmente neutralizar a leitura dos positivistas ortodoxos quanto à filosofia de Bergson. Ele quer mostrar como esta pode dar um aporte racional à nossa compreensão da realidade, que seus opositores não lograram em obter.

(ii) Se não podemos demonstrar uma afiguração entre a linguagem e a realidade que estabeleça a priori o que (não) é empiricamente verificável, poderíamos, garante-nos Gunter, fazê-lo a posteriori, por uma adequada compreensão da interação entre a intuição e o intelecto, porque tal interação não seria, como sugerido pelos primeiros escritos de Bergson, um dualismo intransponível, sendo mais bem esclarecida no contexto de uma teoria do conhecimento, em consonância com a teoria (neo)darwiniana de que as espécies foram selecionadas por um processo de adaptação ao seu meio ambiente.

Uma vez que as ideias, conceitos e representações da inteligência seriam ferramentas selecionadas em vista da adaptação ao nosso meio ambiente, as teorias científicas, enquanto um subgrupo dessa atividade inteligente, seriam elas mesmas partes dessa evolução sempre em curso. A seleção destes ou daqueles conjuntos de sentenças científicas sugeriria que estes se mostraram viáveis para a nossa adaptação e, por conseguinte, verificáveis empiricamente.

Desse modo, o papel da intuição, nesse processo, seria o de fornecer o impulso criador a algumas das mais revolucionárias hipóteses moldadas pela inteligência. Daí porque, para Bergson, as grandes descobertas na origem da mecânica moderna, como o movimento acelerado, a geometria analítica ou o cálculo infinitesimal, surgiram desse contato intuitivo com a “duração pura”. Um dos objetivos do “método intuitivo” preconizado por Bergson seria, ao examinar essa convergência do intelecto com a duração pura, disciplinar os atos pelos quais obtemos essas ideias, a princípio estranhas e mesmo incompreensíveis, mas que poderiam vir a nos guiar positivamente a novas descobertas. A intuição seria para a inteligência o que a inspiração da musa é para o artista.

O objetivo de Gunter, portanto, é mostrar que as acusações de irracionalismo à filosofia de Bergson pelos neopositivistas se amparam na adoção por estes de postulados não verificáveis pela experiência, isto é, “sem sentido”, e que a “epistemologia biologista” permite justificar que o próprio Bergson cultivara um positivismo heterodoxo mais útil para estimular novas descobertas científicas. Por conseguinte, a melhor alternativa a um positivista não dogmático é se tornar um bergsoniano. Contudo, a inusitada interpretação de Gunter suscita algumas dificuldades hermenêuticas e certos desconfortos conceptuais.

Em primeiro lugar, a epistemologia de Bergson não é, e não poderia ser, “biologista”. Todo o esforço do primeiro capítulo de A evolução criadora é evidenciar que as “teorias transformistas”, das quais a teoria da seleção natural é a mais destacada, se guiam por uma concepção “mecanicista” ou “finalista” da vida. Tanto o mecanicismo quanto o finalismo são modelos da inteligência, isto é, formas de raciocínio que se ajustam antes à matéria bruta do que à evolução da vida (EC, p. x-xi). Assim, quando Bergson assevera que “uma teoria do conhecimento e uma teoria da vida são inseparáveis uma da outra” (EC, p. xiv), não propõe simplesmente que a epistemologia deve se pautar pela biologia, mas, antes, que as teorias biológicas devem estar entrelaçadas a uma crítica filosófica do conhecimento (EC, p. x), porque, sem uma crítica dos “conceitos do entendimento”, as teorias positivas da vida recaem num “simbolismo cômodo” e em “quadros [intelectuais] pré-existentes” que não lhes dão “uma visão direta do seu objeto” (EC, p. xiv). Tal visão direta do objeto é justamente uma intuição que cabe ao filósofo obter consciente e metodicamente. Por isso, no principal documento do “discurso do método” do bergsonismo citado por Gunter, a Introdução à metafísica, não há qualquer menção à biologia. Por sua vez, essa teoria intuitiva do conhecimento se articula com os fatos “supostamente observados” das teorias da vida, não para ser verificada por eles, porém, para poder mostrar na própria experiência como se constituíram os quadros intelectuais da ciência positiva (EC, p. xiv).

Daí que, ao tentar provar que “nossas intuições são tanto verificáveis quanto refutáveis” pelas sentenças empíricas, parece que Gunter inverte a direção mesma do bergsonismo. Para Bergson, há duas formas de conhecimento: uma que se refere a uma consciência que se dirige para a nossa ação sobre os objetos exteriores e que se conduz pela inteligência; outra que se volta para o que nos é interior, a nossa vida psicológica, e que consiste na intuição (PM, p. 143). Essas duas formas de conhecimento são expressões irredutíveis de dois sentidos da vida. Como uma intuição aponta para um conhecimento “sob a forma de uma penetração recíproca que é pura duração, refratária à leis e à medida” que constituem o conhecimento do que nos é exterior pelas operações da inteligência (PM, p. 143), esta jamais poderia ser verificada ou refutada por uma sentença sobre fatos supostamente observados.

Da irredutibilidade de um nível a outro não se segue um “quiasma entre o interior e o exterior”. O dualismo é insuperável, quando consideramos que tais instâncias estão separadas ontologicamente em sua origem. No entanto, diferentemente de seus “confrades” positivistas, a ontologia bergsoniana não assume que a realidade está cindida primordialmente em partes. O problema do dualismo, posto em termos bergsonianos, não consiste em desvendar como duas esferas primordialmente distintas podem vir a se entrelaçar uma com a outra, mas como de uma mesma energia vital, de um mesmo elã, surgiram, pelo processo evolutivo, direções divergentes da existência. Portanto, o objetivo do bergonismo não é demonstrar como a intuição pode servir à inteligência - por definição, apenas nos colocamos no âmbito intuitivo, quando nos desvencilhamos do “útil” -, porém, como irmos além das categorias pragmáticas da nossa inteligência moldadas pelas condições de nosso ambiente rumo a uma apreensão intuitiva do mundo. Assim, o título de uma das seções do texto de Gunter, “os usos da intuição”, é descabido, pois a “utilidade” é justamente o âmbito da inteligência, enquanto a intuição remete ao “sentido mesmo da vida”, o qual é por natureza não utilitário. As nossas ideias intuitivas recobrem “os fatos supostamente observados e as leis pelas quais a ciência os reúne uns aos outros”, não porque aquelas sejam verificáveis ou refutáveis por estes, mas porque tais fatos observados e leis científicas são uma subdivisão e especificação pragmática de uma evolução criadora que também engendra as nossas intuições. Por conseguinte, a teoria da seleção natural não poderia ser, para Bergson, um âmbito de verificação de nossas intuições.

Por outro lado, ao empregar expressões como “conceitos intuitivos”, Gunter parece não pensar radicalmente o estatuto do simbolismo em Bergson. Desde o Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, diz-se que a linguagem é inapta para apreender os nossos estados interiores (DI, p. 9). Na Introdução à metafísica, aponta-se que “a Metafísica é a ciência que pretende passar-se de símbolos” (PM, p. 188), porque nenhum conceito ou imagem corresponde ou representa a duração de nossa vida interior. Ora, se é assim, como Bergson poderia, ao estilo dos positivistas, novos ou antigos, restringir “sentenças factuais a sentenças empíricas e sentenças empiricamente significativas àquelas que pudessem ser ou não verificadas empiricamente”? Conforme assinala Bergson, “a verdade é que, acima da palavra e acima da frase, há algo bem mais simples que uma frase e mesmo que uma palavra: o sentido, que é menos uma coisa pensada do que um movimento de pensamento, menos um movimento do que uma direção” (PM, p. 138). Logo, seja segundo a letra, seja segundo o espírito da doutrina bergsoniana, uma intuição não adquire o seu sentido ou sua verdade de sentenças empíricas. Óbvio que tal “antifilosofia da linguagem” suscita problemas diversos, alguns deles apontados por Gunter. Já os discuti alhures (SAMPAIO, 2017a) e não cabe fazê-lo novamente aqui.

Não é o caso, dado o interesse específico deste comentário, de examinar a correção da doutrina bergsoniana, nem mesmo de insistir mais detalhadamente que Bergson não é um positivista, mesmo que heterodoxo. Minha leitura divergente apenas procura enfatizar as tensões da linha interpretativa que guiou o artigo de Gunter e que, com variações aqui e ali, está presente numa série de comentadores anglo-americanos inspirados em Bergson. Quem sabe, para além dos detalhes hermenêuticos, essas vias interpretativas sejam apenas desdobramentos, mesmo que divergentes, da mesma simpatia e energia criadora suscitada pelo bergsonismo.

Referências

  • 1
    BENDA J. Sur le succés du Bergsonisme - précédé d'une réponse aux défenseurs de la doctrine. Paris: Mercure de France, 1914.
  • 2
    BERGSON H. Matter and memory [MM] (Transl. by Nancy Margareth Paul and W Scott Palmer). London / New York: Swan Sonnenschein & Co., The Macmillan Co., 1911
  • 3
    BERGSON H. A evolução criadora [EC] (Trad. de Bento Prado Neto). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
  • 4
    BERGSON H. O pensamento e o movente [PM] (Trad. de Bento Prado Neto). São Paulo: Martins Fontes, 2006.
  • 5
    RUSSELL B. The philosophy of Bergson. The Monist, July, Vol. XXII, p. 321-347, 1912.
  • 6
    RUSSELL B, CARR E. The philosophy of Bergson. Cambridge: Bowes & Bowes, 1914.
  • 7
    KRONER R. Henri Bergson. Logos, t. I, p. 125-150, 1910.
  • 8
    SAMPAIO E. A virada linguística e os dados imediatos da consciência. Trans/Form/Aça~o, Mari´lia, v. 40, n. 2, p. 47-70, 2017a.
  • 9
    SAMPAIO E. Intuição & exercícios espirituais. Dois Pontos. Curitiba, Sa~o Carlos, v. 14, n. 2, p. 211-229, 2017b.
  • 10
    QUINE W. Os dois dogmas do empirismo. In: QUINE, W. De um Ponto de Vista Lógico. Araraquara: Unesp, cap. II., 2011
  • 11
    RATES B. As leituras alemãs da filosofia bergsoniana: transcendentalismo e Lebensphilosophie. Dois Pontos. Curitiba, São Carlos, v. 14, n. 2, p. 185-197, 2017.

Apêndice de Tradução A Dialética da Intuição e do Intelecto: o critério da Fertilidade 5 5 . “The dialetics of intuition and intelect: fruitfulness as a criterion”, escrito por Peter Gunter e publicado originalmente como um capítulo do volume coletivo Bergson and modern thought: towards an unified science [“The dialetics of intuition and intelect: fruitfulness as a criterion”, which was originally published as a chapter of the companion Bergson and modern thought: towards a unified science].

Parecerá estranho propor que Henri Bergson era um positivista. Mas é isto o que tentarei demonstrar aqui. Como Augusto Comte, Ernst Mach, Moritz Schlick ou A. J. Ayer, Bergson restringiu sentenças factuais a sentenças empíricas e sentenças empiricamente significativas àquelas que pudessem ser ou não verificadas empiricamente. No entanto, o positivismo de Bergson, em contraste ao daqueles pensadores, funda-se numa epistemologia biologista, oposta à de tipo lógico-matemático. Defenderei que, por esses e outros motivos, Bergson era um positivista melhor do que os pensadores ortodoxos. Seu positivismo heterodoxo contribui mais às ciências.

O positivismo Ortodoxo

O positivismo ortodoxo oferece uma aparência de extraordinária simplicidade, que, em grande parte, foi obtida por seu sucesso. As suas concepções básicas são: (1) uma teoria verificacionista do sentido factual, (2) uma teoria linguística (lógico-matemática) de sentenças a priori, e (3) uma teoria “emotivista” da ética, da estética e talvez das sentenças religiosas.

Irei me concentrar aqui na primeira concepção, embora comente brevemente a segunda. A teoria “emotivista” do discurso normativo era, para os positivistas ortodoxos, não mais do que um aglomerado de problemas, os quais, desde o Círculo de Viena, simplesmente não lhes interessava discutir. Proponho então não tratar dela aqui. Os positivistas ortodoxos se concentravam somente nos fatos e numa linguagem ideal perfeitamente ajustada para representá-los. O critério do sentido factual está, assim, no cerne do pensamento positivista.

Diante disso, o que é ou não uma sentença verificável não deve ser mais complicado do que um teste com papel de tornassol. Más sentenças (i.e., sentenças metafísicas) podem ser facilmente excluídas como não verificáveis, já que, para os positivistas ortodoxos, elas são, em princípio, malformadas. Pelo mesmo critério, sentenças factuais significativas (científicas ou do senso comum) poderiam ser facilmente identificadas.

Sentenças factuais significativas são constituídas por regras sintáticas próprias e podem ser facilmente cotejadas por suas respectivas instâncias de verificação e de variação. Tudo isso parece simples. Mas os rumos subsequentes da filosofia deixaram suficientemente claro que o assunto é bem mais complexo: o positivismo ortodoxo ocultou o imbróglio por dois postulados excessivamente otimistas. Irei chamá-los de doutrina da linguagem divina e o dogma da imaculada percepção.

A doutrina da linguagem divina professa a crença de que os Principia mathematica de A. N. Whitehead e Bertrand Russell oferecem um simbolismo completo e universal capaz de expressar toda e qualquer sentença significativa. Esse otimismo sintático alcança seu maior triunfo no Tractatus logico-philosophicus de Wittgenstein. Eis o que Wittgenstein anuncia:

5.6 Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.

5.61 A lógica preenche o mundo: os limites do mundo são também os limites da lógica7 7 . Wittgenstein, L. Tractatus Logico-Philosophicus. London: Routledge Kegan Paul, 1958, p. 149. .

Dada a absoluta adequação da linguagem dos Principia, não parece haver nenhum problema para se delimitar o que é factualmente significativo:

4.113 A filosofia limita o campo de disputa da ciência natural.

4.114 É preciso limitar o pensável e também o impensável8 8 . Wittgenstein, op. cit., p. 77. .

Segue-se desses postulados que a lógica formal faz todo o trabalho a priori da filosofia. Daí que as ciências naturais não têm qualquer interesse filosófico.

4.1122 A teoria darwiniana não tem mais a ver com a filosofia do que qualquer outra hipótese da ciência natural9 9 . Wittgenstein, op. cit., p. 77. .

Retornaremos a esse ponto, tão fecundo de significado para o que está aqui em debate. Enquanto isso, vamos encerrar essa discussão, com uma citação de Moritz Schlick (1936):

A linha divisória entre a possibilidade lógica e a impossibilidade de verificação é absolutamente bem delimitada e distinta. Não há transição gradual entre sentido e falta de sentido. Em ambos os casos, temos ou não temos as regras gramaticais para verificação: tertium non datur10 10 . Schlick, M. Meaning and verification. In: H. Feigl and W. Sellars (eds.). Readings in Philosophical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts, 1949, p. 156. .

Não pode haver uma sentença com um significado vago, opaco, mais ou menos formulado. A expressividade (em lógica formal) e a possibilidade de verificação são equivalentes.

Contudo, isso é extremamente geral - de fato, é absolutamente universal. Como aplicá-lo a casos efetivos de verificação no laboratório, na observação, na “pesquisa de campo”? A resposta de Wittgenstein a esse problema (o da conexão entre a probabilidade lógica e a empírica) é confusa, envolvendo um misterioso “espelhamento” entre a linguagem e o mundo. Vamos simplificar as coisas, afirmando que a lógica dos Principia é extensional e atomista: não pressupõe nenhuma conexão interna de significado entre sentenças e assume que o discurso começa com sentenças “atômicas”. Wittgenstein acrescenta, a priori, que o mundo necessita ser constituído por fatos atômicos e, embora ele jamais explique de maneira satisfatória o que são os fatos atômicos, seus seguidores presumiram que há certas proposições básicas que podem ser verificadas direta e conclusivamente por um apelo imediato aos fatos. Essas “sentenças protocolares” formaram a base para um conceito de verificação conclusiva - uma verificação sem nada a esconder.

Assim, temos um terreno límpido e iluminado para fazermos filosofia. A lógica dos Principia estabelece com clareza, com instrutivas fórmulas atômicas e moleculares, tudo o que pode ser dito. E o mundo obsequiosamente espelha a nossa lógica com inteira fidelidade, produzindo imaculadas percepções que dividem ordenadamente as fórmulas potencialmente verificáveis das inverificáveis (sem sentido) e de cuja certeza nem os filósofos podem duvidar. Não obstante aquelas duas teses fossem simples, elegantes, quase indubitáveis, o mundo é inflexível aos paraísos epistêmicos. A mais inusitada (embora não a única) falsificação da teoria da linguagem do positivismo ortodoxo pode ser encontrada na prova de Godel (1933), que demonstra que a lógica dos Principia e seus axiomas não são suficientemente poderosos nem para conceber toda a aritmética elementar11 11 . Delong, H. A profile of mathematical logic reading. MA: Addison-Wesley, p. 160-190. . Se isso é verdade, não há por que recriminar quem suspeita que não é possível, como Schlick e Wittgenstein esperavam, representar-se a priori todos os objetos possíveis e excluir os pseudo-objetos. Logo, não mais teremos um absoluto lógico-matemático que, de algum modo, garanta a existência de fatos atômicos, sentenças que digam respeito apenas ao que pode ser conclusivamente verificado.

O impacto de tudo isso no positivismo é imediato e incontornável. As formulações restritas do critério de significado factual (i.e., o famoso princípio verificacionista) cedem lugar a formas débeis de um princípio pelo qual uma sentença tem um significado factual se e somente se for “possível, pela experiência, apresentá-la como plausível”. Mas essa formulação é tão ampla que pode abrir a entrada para a metafísica - ou ao menos para certos tipos de metafísica. O positivismo, desatracado de seu ancoradouro lógico, vê-se à deriva rumo a uma concepção mais pragmática e biocêntrica12 12 . Esse é um tópico mais complicado do que aqui se deixa entrever. Essa mudança de um ponto de vista “sintático” para um “semântico” envolve, dentre outros fatores, o destaque do trabalho de Alfred Tarski em semântica. Cf. William Barret. Introduction. In: W. Barret and H. D. Aiken (eds.). Philosophy in the twentieth century: an anthology. New York: Random House, v. 3, 1962, p. 12-13. .

Bergson, spencer e a adaptação

Como assinalou o professor Jean Millet, Bergson começou a sua carreira como um discípulo entusiasta de Herbert Spencer. Embora Spencer adotasse uma teoria biológica do conhecimento pela qual os nossos conceitos foram formados por um gradual processo de adaptação ao nosso meio ambiente, ele acreditava que, no caso da física newtoniana, os nossos esquemas conceptuais básicos teriam alcançado uma adaptação última e plenamente satisfatória. Em certo sentido, ele absolutizou a física newtoniana tanto quanto Wittgenstein absolutizou a lógica dos Principia. O que restava fazer, segundo Spencer, era ampliar essa derradeira adaptação (newtoniana) à biologia, à psicologia, à sociologia, e à filosofia. As pesquisas de Bergson sobre o tempo e o movimento o levaram a romper com Spencer. Não obstante tenha rejeitado as premissas newtonianas de Spencer, Bergson continuou a defender uma teoria biológica do conhecimento. Nossos conceitos, na perspectiva de Bergson, são esculpidos por nossas adaptações ao meio ambiente. Todavia, quem pode garantir que alguma de nossas adaptações, mesmo a mais elegante e bem-sucedida, é derradeira e jamais será superada? Novos e revolucionários conceitos ainda continuam a ser possíveis, seja em física, seja em biologia e em outras ciências. Bergson acreditava que a filosofia poderia ajudá-los a nascer.

A epistemologia biológica de Bergson contém uma dualidade que é claramente estranha à de Spencer, a saber, a tensão entre intuição e inteligência. Nenhum outro ponto da filosofia de Bergson tem sido mais incompreendido do que este, e nada lhe é mais central. Para Bergson, cabe recordar, intuições apreendem a mobilidade como um todo, sem lhes falsear o caráter. Por outro lado, a inteligência dispersa a totalidade do movimento em partes estáticas e externas entre si. Com a intuição, nós temos o fluxo da experiência: rico, qualitativo, indefinido. Com a inteligência, vêm os Paradoxos de Zenão, as Formas de Platão, o Mundo-Máquina de Descartes e Newton.

A distinção bergsoniana entre intuição e inteligência é bastante confusa, quando a formulamos como um contraste insuperável. Há a tentação de supor que lidamos aqui com um dualismo bem delimitado, no qual o que persiste é apenas a relação conflituosa entre seus termos. Assim Bertrand Russell o define: uma “luta de facas” entre dois modos antitéticos de ver a experiência13 13 . Russell, B. A history of Western philosophy. New York: Simon and Schuster, 1945. Russell descreve a distinção entre intelecto e instinto (o qual ele identifica com intuição) na filosofia de Bergson como “uma relação ao estilo Sanford e Merton, na qual o instinto é o bom sujeito e o intelecto é o mau sujeito” (p. 793) [trata-se de uma referência a um livro infantil bastante conhecido pelos ingleses, The history of Stanford and Merton, escrito por Thomas Day e publicado originalmente em 1783. Nessa coletânea de histórias, vemos a interação entre o arrogante aristocrata Tommy Merton e aquele que se torna seu mentor e modelo, o fazendeiro Henry Stanford (N.T.)]. . O primeiro livro de Bergson, o Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, encoraja-nos a aceitar essa visão do instável e interminável conflito (e, por conseguinte, as suas intermináveis incoerências conceituais). Nele, o quiasma entre o interior e o exterior, a duração e o espaço, é deixado desprotegido. Do mesmo modo, algumas observações de Bergson, em A introdução à metafísica, podem nos deixar pasmos. “A metafísica”, ele assevera, “é a ciência que se propõe dispensar quaisquer símbolos”14 14 . Bergson, H. An introduction to metaphysics. In: Andison, Mabelle L. The Creative Mind. Trans. New York: Philosophical Library, 1946, p. 191. [as demais referências a essa obra serão abreviadas por CM]. . Assim, se a inteligência lida com o simbolismo, tanto na linguagem quanto na matemática, a intuição aparece para nos levar ao inefável, e mesmo ao indizível. Mas, para muitos, esse é um beco sem saída.

Esses dualismos aparentemente bem delimitados e tantos outros que poderiam ser mencionados têm sido um obstáculo, seja para os muitos amigos do bergsonismo, seja para a maioria de seus críticos, como atesta o comentário de Russell. Por tais dualismos, a relação entre uma teoria biológica do conhecimento e o contraste da intuição com a inteligência se torna quase ininteligível. O que aqui nos ajuda a nos adaptar ao quê? O que nos permite formular novos conceitos? Como estes podem ser aplicados a isto ou àquilo?

Os meios para se resolver esses problemas e, por conseguinte, para o restabelecimento do pensamento de Bergson, em sua completude e coerência conceptual, podem ser encontrados em todos os seus trabalhos de Matéria e memória em diante (1896)15 15 . Bergson, H. Matter and memory. Trans. Nancy Margaret Paul and W. Scott Palmer. London: George Allen and Unwin Ltd. and New York: The Macmillan Company, 1929, p. 339 [as demais referências a essa obra serão abreviadas por MM]. . Entretanto, podem ser particularmente encontrados em vários dos ensaios de O pensamento e o movente (1934). Esses ensaios, incluindo especialmente os dois capítulos “introdutórios” e a “Introdução à metafísica”, são o “discurso do método” bergsoniano. Todos os que se interessam por entender o seu pensamento deveriam começar por aqui.

O positivismo, convém lembrarmos, começa pela afirmação de que uma dada lógica formal define o que (não) é em princípio empiricamente verificável. Contudo, a matemática demonstra que um tal sistema lógico completo não existe. O que é, então, uma sentença capaz de ser ou não verificada? A resposta óbvia é que não o podemos dizer a priori e que devemos ser bastante cuidadosos antes de condenarmos sentenças inicialmente estranhas ou “obscuras” ou “metafísicas” ao esquecimento semântico ou sintático. Mas isso é precisamente o que Bergson defende. Novas ideias em ciência sempre parecem a princípio estranhas. Porém, estas são precisamente as ideias que podem se mostrar mais férteis. E, ele insiste, elas podem muito bem ser ideias engendradas pela intuição filosófica. Nesse sentido, ele assevera:

Eu vejo que muitas das grandes descobertas, daquelas que de algum modo transformaram a criaram uma nova ciência positiva, ressoaram das profundezas da duração pura. Quanto mais vívida for a realidade que tocamos, mais profundo terá sido a sua ressonância (CM 228).

Como exemplo, Bergson cita os primórdios da mecânica moderna, os quais remetem aos parâmetros estabelecidos por Galileu, quanto ao estudo da queda dos corpos num plano inclinado em si e por si mesmo16 16 . Bergson, H. Creative evolution. Trans. Arthur Mitchel. Introduction by Peters A. Y. Gunter. Lanham, MD: University Press of America, 1983, p. 330-334 [As demais referências a esta obra serão abreviadas por CE]. . Outros exemplos relevantes são a geometria analítica de Descartes (CE 334-335) e o cálculo diferencial de Leibniz e Newton (CM 37).

Poder-se-ia objetar que a descoberta da aceleração por Galileu e o desenvolvimento concomitante do cálculo infinitesimal por Newton e Leibniz são eventos bastante raros na história da ciência, particularmente na história da Matemática, nos quais a nossa tendência inveterada de obscurecer as características do movimento per se é significativamente superada. No entanto, tal objeção pouco afeta a tese bergsoniana. As mais importantes intuições são, por natureza, bastante raras. O que importa é que as abordagens de Galileu, Newton e Leibniz, quanto ao movimento, são pontos de inflexão absolutamente essenciais na história da ciência. Não podemos imaginar a ciência moderna sem eles [veja Millet (“Bergson epistemology and its origins in mathematical thought”. In: Gunter, P; Papanicolaou, A. (ed.) Bergson and modern thought: towards an unified science. London/New York, 1987, p. 29-37)].

Segundo Bergson, até recentemente, as intuições que guiavam tais descobertas teriam sido obtidas de maneira apenas casual. Mas seria agora possível, por um novo entendimento da duração, procurá-las metodicamente. Deve-se interpretar Bergson como alguém que tentou sistematicamente alcançar tais intuições, em todos os seus principais livros, e sua crítica das opiniões científicas estabelecidas (“ciência normal”) deve ser entendida enquanto um meio para se obter um novo discernimento metafísico e científico.

Não devemos nos surpreender, então, se em cada um dos escritos de Bergson encontrarmos críticas de abstrações científicas ainda em voga acompanhadas por sugestões quanto a novas direções para a pesquisa científica. Daí que, em O ensaio sobre os dados imediatos da consciência, encontremos a crítica da Psicologia associacionista seguida por sugestões que nos colocam às portas da teoria gestáltica. Em Matéria e memória, encontramos críticas às teorias do século XIX sobre percepção, memória, neurologia e causação, seguidas por novas concepções mnemônicas, neurofisiológicas, epistemológicas, psicopatológicas e físicas. Em A evolução criadora, às críticas ao neodarwinismo, à epistemologia psicológica e à termodinâmica seguem-se especulações concernentes à taxonomia, à cosmologia, à física e à psicologia comparada. Seu ensaio sobre os sonhos, destacado pelo Professor Harpshorne [“Bergson’s aesthetic creationism compare to Whitehead’s”. In: Gunter, P.; Papanicolaou, A. (ed.) Bergson and modern thought: towards an unified science. London/New York, 1987, p. 369-382], contém sugestões ainda relevantes para a pesquisa sobre sonhos e parapsicologia. Muitos outros exemplos poderiam ser avultados.

Isso apenas pode ser o caso, se Bergson acreditar que nossos conceitos intuitivos contêm discernimentos que (não) são verificáveis. A seguinte passagem de O pensamento e o movente põe isso de maneira clara:

A Filosofia deve então ser capaz de modelar-se com a ciência, e uma ideia, cuja origem se presuma intuitiva, deve ser pura fantasia e nada ter a ver com uma intuição se, dividindo-se e subdividindo as suas divisões, não tenha êxito em recobrir os fatos supostamente observados e as leis pelas quais a ciência os reúne uns aos outros, sendo assim capaz de corrigir certas generalizações e de retificar certas observações (CM 147-148).

Nossas intuições são tanto verificáveis quanto refutáveis. O nosso intuicionismo precisa lidar com as afrontas das observações e experimentos. As sentenças selecionadas de nossas intuições, sem dúvida, satisfazem o requisito de que, para serem factualmente significativas, “é preciso que elas se rendam ao provável” - ou ao improvável.

As linhas gerais da teoria biológica do conhecimento de Bergson são agora ao menos razoavelmente claras. Ideias, conceitos e representações são, sobretudo, ferramentas pelas quais nos adaptamos ao que nos rodeia. As nossas adaptações, as quais podem parcialmente deturpar a realidade, nunca são plenas. Em particular, os conceitos mecanicistas que regularam as ciências, desde o século XVII, não são completos nem acabados. Novos conceitos e vocabulários não mecanicistas podem ser concebidos pelas ciências. Assim como os demais organismos no curso da evolução, o progresso do homem pode ocorrer pela expansão de uma antiga adaptação ou pela produção de uma nova. Neste último caso - dado o conceito bergsoniano de evolução -, um apelo a uma intuição revigorante e a uma nova orientação conceptual é indispensável.

Que os conceitos metafísicos possam conduzir a descobertas científicas não é, definitivamente, uma ideia nova. William Barrett reforça a importância desse uso “regulativo” da metafísica:

De fato, enquanto estimulantes sugestões à criação científica, as crenças metafísicas têm desempenhado uma função recorrente na história da ciência. O revide positivista é de que essa utilidade é “meramente psicológica”. Mas seria esse “meramente psicológico” tão desprezível quando leva à criação científica? As crenças metafísicas poderiam ter levado a criações científicas se fossem completamente “sem sentido”?17 17 . Barret, W., op. cit., p. 17. Cf. também Hartshorne, C. Metaphysics contributes to ornithology. Theoria to Theory, v. 13, p. 127-140, 1979.

A queixa de Barrett aponta para outro aspecto do atípico positivismo de Bergson. Se uma intuição pode, “dividindo-se e subdividindo-se” a si mesma, fazer surgir conceitos que têm significado e uso ,num âmbito privilegiado para as ciências, isso apenas pode ser o caso porque eles têm, em sua pureza intuitiva e circunstância supralinguística, um tipo único de sentido e relevância. É difícil falar sobre o indizível. Mas é claro que a intuição bergsoniana não pode ser noeticamente vazia, i.e., carente de conteúdo conceptual. E é claro que deve haver uma rota de transição entre esse “pensamento sem imagem” pré-linguístico e pré-simbólico (veja-se o ensaio de M. Čapek [“Bergson`s theory of the mind-brain relation”. In: Gunter, P; Papanicolaou, A. (ed.) Bergson and modern thought: towards an unified science. London/New York, 1987, p. 129-148]) e os significados de tipo linguísticos e simbólicos com orms quais somos familiarizados. Não podemos, então, afiar que o método bergsoniano nos deixa desamparados no beco sem saída do inefável.

Já abordamos bastante, em abstrato, o método bergsoniano. Mas como ele se sai, na pesquisa científica concreta? Sem dúvida, esse autor acha que ele se sai bem melhor do que geralmente se acredita e que poderia se sair ainda melhor, se fosse ao menos entendido. Esta é essencialmente a questão que procuro aqui, ao menos parcialmente, responder: o que o método e as concepções bergsonianas podem fazer por nós, agora? Este que lhes dirige a palavra sem dúvida acredita que eles podem fazer bastante coisa, se ao menos forem entendidos.

Os usos da intuição

O que se segue é um breve esquema de algumas aplicações do método filosófico de Bergson. Somente um quadro elementar será dado em cada caso, porém, serão fornecidas algumas notas bibliográficas e explicativas. As categorias a serem contempladas são três: o tempo físico, o biológico e o sociológico. O tempo psicológico bergsoniano, com os seus corolários relativos à memória, adaptação e criatividade, embora tenha dado e dê muitas vias fecundas de pesquisa, não será aqui examinado.

Provavelmente, o mais impressionante exemplo de aplicação do método bergsoniano é a sua antecipação da física do século XX - especialmente a quântica. Retrospectivamente, não é difícil ver como essa antecipação se deu. A física newtoniana propôs uma representação do universo estritamente desprovida de temporalidade. Seu espaço absoluto é sem movimento, suas partículas de massa, por definição, não se alteram. Os movimentos dentro do rígido espaço euclidiano são redutíveis (assim como o tempo absoluto) a arranjos de pontos (ou instantes), em si mesmos imutáveis, enquanto o movimento em si mesmo é tido como reversível (estritamente falando, e a despeito da descoberta da termodinâmica). Finalmente, e talvez o mais significativo, presume-se que todo fenômeno no mundo newtoniano está submetido a um estrito determinismo. Daí que pareça impossível de se evitar a visão laplaciana: passado, presente e futuro dão-se simultaneamente, passivamente, desde sempre e para sempre imutáveis para uma mente que possa fazer todos os cálculos.

Para a prática de físicos, astrônomos ou engenheiros, ocupados em fazer observações, medições ou fabricar instrumentos, a supressão do tempo por Newton pode não ser imediatamente visível. Mas, para aqueles que se dedicam a uma pesquisa teórica, a ausência de temporalidade do mundo newtoniano, assumida literalmente e levada às últimas instâncias, deve ser extremamente perturbadora. Bergson foi o primeiro a vê-lo claramente e assim foi capaz de formular, em termos gerais, uma concepção alternativa da natureza física. Em 1896, ele propôs que se deveria conceber a matéria como constituída de “modificações, perturbações, mudanças de tensão ou de energia, e nada mais” (MM 266). Dito de maneira um tanto simples e abstrata, neste mundo, as energias são pulsantes (quânticas), as entidades deixam simplesmente de ser localizadas (adquirindo as características de ondas) e a indeterminação vem a ser o aspecto mais fundamental dos microeventos (ou seja, Bergson incentiva os cientistas a verem os eventos naturais pela indeterminação de suas medições). Por isso, como o físico Louis de Broglie assinalou, não há nenhum exagero em assumir que, em Bergson, nós encontramos Heisenberg antes de Heisenberg, Bohr antes de Bohr18 18 . De Broglie, L. The concepts of contemporary physics and Bergson’s ideas on time and motion. In: Peter A. Y. Gunter (ed. and trans.). Bergson and the evolution of physics. Knoxville: University of Tennessee Press, 1969, p. 62-76. . Nós podemos, desse modo, entender, em termos bergsonianos, não apenas como foi possível, mas por que foi possível a experiência tornar os conceitos da física bergsoniana prováveis - mesmo que estranhos, fora do senso comum, até não científicos como devem ter parecido aos filósofos e cientistas de então, além de, sobretudo, distantes das proposições ideais de uma linguagem formal19 19 . Como exemplo de uma tentativa frustrada de um dos contemporâneos de Bergson, para entender os conceitos físicos deste, cf. Rene Berthelot. Un romantisme utilitaire: étude sur le mouvement pragmatiste. In: Le pragmatisme chez Bergson. Paris: Felix Alcan, v. 2, p. 223-227. Para uma cuidadosa e influente análise do conceito bergsoniano de natureza física, cf. especialmente Milič Čapek. Bergson and the modern physics: a reinterpretation and reevaluation. Dordrecht, Holland: D. Reidel, 1971, p. 414 (Boston Studies in Philosophy of Science, v. 7) .

Como é bastante conhecido, em Duração e simultaneidade (1922), Bergson criticou a relatividade einsteiniana. Há hoje um consenso de que essa crítica não foi bem-sucedida. Nesse sentido, de que a física de Einstein seja ou não uma verificação ou uma variação das intuições de Bergson dependerá a admissão de que a física da relatividade implica uma filosofia do ser ou uma filosofia do devir. Esse problema tem sido bastante discutido pelo Professor Costa de Beauregaard e pelo Professor Čapek20 20 . Čapek, M. Bergson and modern thought: a reintepretation and reevaluation. Dordrecht, Holland: D. Reidel, 1971, p. 414 (Boston Studies in the Philosophy of Science, v. 7). Ver também Čapek, M. The Philosophical impact of contemporary physics. New York: D. Van Nostrand, 1961, p. 414. e não poderá ser tratado aqui. Gostaria, contudo, de destacar dois pontos, os quais podem ajudar a pôr em perspectiva a crítica de Bergson à relatividade.

O primeiro é que algumas passagens de Matéria e memória, bem como de trabalhos subsequentes, deixam claro que a tentativa de Bergson de substituir o mundo atemporal da física newtoniana por uma física da “duração real” inclui tanto o microcosmo quanto o macrocosmo. Ou seja, Bergson procurava introduzir novos conceitos acerca do tempo físico, seja em nosso entendimento do muito pequeno (em termos aproximados, a física quântica), seja do muito grande (essencialmente, o domínio da relatividade). Sempre me pareceu que lhe cabia uma parcela do mérito por tentar reformular, num estilo conceptualmente coerente, as nossas noções da realidade física macroscópica, num tempo no qual pouquíssimos físicos ou filósofos concebiam que tal reformulação seria útil ou possível.

Ao tatear rumo a um novo “paradigma” para a natureza física de larga escala (e esse é meu segundo ponto), Bergson chegou a muitos conceitos que possuem uma surpreendente semelhança com aqueles da relatividade. Com efeito, de 1896 em diante, Bergson negou que tanto o espaço quanto o tempo (da física) tivessem qualquer existência separada da “matéria”, que a matéria pudesse ser concebida distinta da energia, que velocidades infinitas são possíveis, que modelos de corpúsculos cinéticos possam representar os constituintes fundamentais da natureza física ou a natureza do movimento. Mesmo a posição que ele assume, em Duração e simultaneidade, não pode nos cegar para as fascinantes similaridades entre o seu conceito de uma natureza física variável, estruturada por campos, e o sistema físico que Einstein alcançou, independentemente, anos depois21 21 . Cf. Actes du Xe Congrès des Sociétés de Philosophie de Langue Française (Congress Bergson). Paris: Armand Colin, v. 2, 1959, p. 65-87; J. T. Fraser (ed.). The voices of time. London: Allen Lane, The Pilgrim Press, 1968, p. 415-454. .

Pode-se encontrar algumas semelhanças de família entre as especulações biológicas de Bergson e as ideias (e descobertas) de certos biólogos do século 20. Isso deve ser surpreendente, dado que ele é interpretado como um “vitalista”, e o vitalismo é universalmente considerado como uma hipótese biológica inútil, a qual deve ser imediatamente posta nos entulhos da história. Se Bergson era ou não um vitalista depende, de fato, de como o termo “vitalismo” é definido. No entanto, a potente fertilidade da biologia de Bergson pode ser explicada à parte dessa palavra. Aqui, como no caso da física, há mais uma vez um fio condutor conceptual, a saber, o esforço bergsoniano de substituir um estranho e atemporal esquema explicativo (biológico mecanicista, permeado por um reiterado newtonianismo inconsciente) por conceitos que enfatizem uma temporalidade fundamental. O que Bergson propõe para as ciências da vida é um conceito de tempo biológico (e bem antes deste se tornar popular).

Atualmente, esquece-se de que Bergson inspirou, direta e indiretamente, algumas das primeiras pesquisas sobre o tempo biológico. Refiro-me aqui, respectivamente, aos trabalhos de Alexis Carrel sobre o tempo celular e o de Pierre Lecomte du Noüy sobre o tempo fisiológico. As pesquisas de Carrel e Lecomte du Noüy não parecem, tanto quanto posso afirmar, ter influenciado diretamente os subsequentes trabalhos em cronobiologia22 22 . Milič Čapek, Ce qui est vivant et ce qui est mort dans la critique bergsonienne de la relativité. Revue de Synthèse, série générale 101, n. 99-100, p. 313-344, 1980. . Mas a renovação do interesse por esse campo, nos anos 1950, aponta para o caráter incontornável do problema do tempo para a biologia.

Esse é um campo muito complexo e não espero destacar aqui mais do que três de seus conceitos básicos: a noção de oscilações temporais nos organismos (incluindo as suas células); a noção da transferência estritamente temporal de informações; e a noção de hierarquia temporal. A noção de oscilações temporais é desenvolvida por Brian Goodwin, em seu Temporal organization in cells23 23 . Carrel, A. Man, The unknown. New York and London: Harper and Brothers, 1935, p. 168. Du Noüy, P. L. Biological Time. London: Methuen, 1936, p. 180. . Goodwin sugere que a chave para o entendimento do comportamento celular está em nos darmos conta de sua estrutura essencialmente temporal. Não é para a arquitetura celular e sim para os seus ciclos que precisamos dirigir a nossa atenção. Por tal ponto de vista, a célula aparece como ativa, uma entidade autodeterminada. E, o que é mais ainda importante, nós podemos vir a entender bem mais sobre o processo de controle celular, o qual é bem mais sutil e dinâmico do que se supunha.

Do conceito de célula como uma entidade rítmica e pulsante, Goodwin veio a propor (com o auxílio do físico Morrill Cohen) um modelo de “mudança de fase” [phase-shift] quanto à comunicação intercelular24 24 . Goodwin, B. C. Temporal organization in cells: a dynamic theory of cellular control processes. London and New York: Academic Press, 1964, p. 163. . Nessa perspectiva, o caráter pulsante da célula se transfere para as ondas químicas propagadas pela célula, em seu meio adjacente. O puro timing dessas ondas químicas projetadas pelas células pode, especialmente por padrões de interferência, produzir padrões biológicos de informação. Esse particular modelo de retroalimentação celular parece garantir uma confirmação parcial da tese de Goodwin-Cohen. Espera-se que os estudos sobre a formação segmentada (dos quais os exemplos clássicos são a asa do pinto e os corpos centrípedes) venham a ampliar esses resultados.

Finalmente, temos a noção de hierarquia temporal. Os biólogos contemporâneos que se debruçam sobre essa noção a tratam como algo inteiramente novo. Entretanto, a sua primeira aparição no pensamento moderno se deu em Matéria e memória, no qual Bergson contrasta a duração da mente (com sua abrangência e plenitude) com a da matéria (mais breve, carente de conteúdo qualitativo) (veja Papanicolaou [“Aspects of Henri Bergson’s psycho-physical theory”. In: Gunter, P.; Papanicolaou, A. (ed.) Bergson and modern thought: towards an unified science. London/New York, 1987, p.] e Čapek [“Bergson`s Theory of the Mind-Brain Relation”. In: Gunter, P.; Papanicolaou, A. (ed.) Bergson and modern thought: towards an unified science. London/New York, 1987, p. 129-148]). De acordo com Bergson, é claro que, ao menos nos casos em que a patologia não interfere, a mente arranja-se para controlar a matéria. Essa noção de hierarquia temporal reaparece, na Introdução à metafísica, como o conceito de “continuidade de durações” (CM 221) e, na Evolução criadora, como a significativa determinação nas relações entre espécies “superiores” e “inferiores” (CE 128). Um já maduro C. H. Waddington, resumindo duas conferências dedicadas à elaboração de uma autêntica biologia teorética, deu-se conta de um impressionante consenso entre vários dos conferencistas, quanto à centralidade da escala e da hierarquia temporal nos seres vivos. H. H. Pattee, T. Bastin, C. Longuet-Higgins e mesmo David Bohm, observa Waddington, convergem quanto à imprescindibilidade dessas noções. Ele conclui:

É sem dúvida significativo quando tantos daqueles que estudam os problemas teóricos gerais da biologia pelo ponto de vista dos físicos desenvolvem de maneira tão próxima argumentos convergentes que atribuem tal importância às mudanças da escala temporal25 25 . Goodwin, B. C. and Cohen, M. A phase-shift model for the spatial and temporal organization of living systems. J. Theoret. Biol., v. 25, p. 49-107, 1969. .

Parece provável a Waddington que uma formulação superior da biologia teorética está em desenvolvimento. Ele desconhecia que essa formulação já havia sido sugerida, há seis décadas ou mais, por Bergson.

O conceito de tempo sociológico é a terceira área de que irei tratar aqui. É uma área “nova” de pesquisa e, sem dúvida, pouco familiar aos participantes desta conferência, assim como o seu pano de fundo na história das ideias. Robert H. Lauer resumiu a história conceptual desta, e nela notou uma prioridade:

Três sociólogos cujos esforços foram pioneiros para desenvolver uma sociologia do tempo: Pitrim Sorokin, Georges Gurvitch e Wilbert E. Moore. Cada um deles, de um modo ou de outro, influenciou tal campo de estudos. Devemos ressaltar que à parte destes e algumas outras poucas iniciativas, o ordenamento temporal do comportamento recebera uma atenção esparsa em sociologia até os anos 1970.

Há muitas abordagens para o estudo do tempo social e um extraordinário número de fenômenos (uma embarasse de richesse) nos convidam a investigá-los. Os ritmos do discurso e o do convívio amigável cotidiano, as diferentes temporalidades de uma vila ou de uma cidade, os tempos conflitantes de diferentes culturas ou de classes sociais de uma mesma cultura são importantes aspectos do comportamento humano de um grupo. Como Oswald Spengler afirma, em seu The decline of West:

É pelo sentido que intuitivamente se impregna no tempo que uma cultura se diferencia de outra. Estamos aptos para socializar pela nossa ‘repercussão’ nos ritmos de nossa sociedade desde as relações da primeira infância até o domínio da linguagem.

É interessante - porém, espero que agora não mais surpreendente - que, dos três pioneiros no estudo do tempo social, dois deles (Pitirim Sorokin e Georges Gurvitch) estivessem profundamente conscientes do conceito bergsoniano de duração. No que diz respeito à formulação de sua concepção de tempo social, Gurvitch reconhece explicitamente seu débito para com Bergson. Por sua vez, Sorokin não faz tais concessões. Mas a sua insistência na distinção entre o tempo social e o físico (astronômico), a sua crença na centralidade da intuição para o conhecimento (incluído aí o conhecimento social), as suas muitas críticas contra a tirania do tempo do relógio dão à sua sociologia uma aparência extremamente bergsoniana, uma aparência que o próprio Sorokin salientou. As fontes da teoria da dinâmica social e cultural de Sorokin ainda carecem de um estudo cuidadoso. Todavia, o ponto básico a ser aqui indicado é a pertinência metódica da Filosofia de Bergson, tanto para a descoberta quanto para a pesquisa do tempo social.

Apenas um breve quadro de algumas aplicações do método bergsoniano - tão breve quanto rudimentar - ficou prometido no início desta seção. Daí que não surpreenda que somente essa aplicação quanto ao tempo social tenha sido abordada. Mesmo assim, o que se enfatizou é suficiente para indicar com clareza a natureza, limites e aplicabilidade do método filosófico de Bergson e da teoria do conhecimento que o sustenta. A intuição bergsoniana não é nem o beco sem saída de uma experiência indizível, nem o apelo a uma evidência esotérica. Trata-se de um discernimento que conduz a expressões que podem ser testadas. Isso constitui um positivismo fora do padrão, o qual é mais fértil do que o estéril positivismo acadêmico que tem dominado a filosofia até aqui, neste século.

  • 1
    . Agradeço ao Professor Gunter, pela autorização para a tradução deste artigo.
  • 2
    . Professor Associado I da Universidade de Brasília (UnB), Professor do Programa de Pós-Graduação em Metafísica e do Departamento de Filosofia/UnB. http://orcid.org/0000-0002-6641-8843. E-mail: evaldosampaio@unb.br.
  • 3
    . Convém lembrar que Bergson, além de ter participado diretamente da revisão da tradução, escreveu um novo prefácio para a edição inglesa de Matter and memory (cf. a nota dos tradutores em MM, p. v), o qual veio, quando da sétima edição francesa, substituir o prefácio original. Logo, um material adicionado à versão inglesa posteriormente modificou a edição “original” francesa.
  • 4
    . Benda refere-se à versão original da Introduction à la metaphysique, publicada em 1903, na Revue de métaphysique et morale. Na versão publicada duas décadas depois, em O pensamento e o movente, Bergson, provavelmente para sanar essas dúvidas de interpretação, substituiu aquela expressão original por “simpatia espiritual”. Comentei mais detalhadamente esse tópico em Sampaio (2017b, p. 222).
  • 5
    . “The dialetics of intuition and intelect: fruitfulness as a criterion”, escrito por Peter Gunter e publicado originalmente como um capítulo do volume coletivo Bergson and modern thought: towards an unified science [“The dialetics of intuition and intelect: fruitfulness as a criterion”, which was originally published as a chapter of the companion Bergson and modern thought: towards a unified science].
  • 7
    . Wittgenstein, L. Tractatus Logico-Philosophicus. London: Routledge Kegan Paul, 1958, p. 149.
  • 8
    . Wittgenstein, op. cit., p. 77.
  • 9
    . Wittgenstein, op. cit., p. 77.
  • 10
    . Schlick, M. Meaning and verification. In: H. Feigl and W. Sellars (eds.). Readings in Philosophical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts, 1949, p. 156.
  • 11
    . Delong, H. A profile of mathematical logic reading. MA: Addison-Wesley, p. 160-190.
  • 12
    . Esse é um tópico mais complicado do que aqui se deixa entrever. Essa mudança de um ponto de vista “sintático” para um “semântico” envolve, dentre outros fatores, o destaque do trabalho de Alfred Tarski em semântica. Cf. William Barret. Introduction. In: W. Barret and H. D. Aiken (eds.). Philosophy in the twentieth century: an anthology. New York: Random House, v. 3, 1962, p. 12-13.
  • 13
    . Russell, B. A history of Western philosophy. New York: Simon and Schuster, 1945. Russell descreve a distinção entre intelecto e instinto (o qual ele identifica com intuição) na filosofia de Bergson como “uma relação ao estilo Sanford e Merton, na qual o instinto é o bom sujeito e o intelecto é o mau sujeito” (p. 793) [trata-se de uma referência a um livro infantil bastante conhecido pelos ingleses, The history of Stanford and Merton, escrito por Thomas Day e publicado originalmente em 1783. Nessa coletânea de histórias, vemos a interação entre o arrogante aristocrata Tommy Merton e aquele que se torna seu mentor e modelo, o fazendeiro Henry Stanford (N.T.)].
  • 14
    . Bergson, H. An introduction to metaphysics. In: Andison, Mabelle L. The Creative Mind. Trans. New York: Philosophical Library, 1946, p. 191. [as demais referências a essa obra serão abreviadas por CM].
  • 15
    . Bergson, H. Matter and memory. Trans. Nancy Margaret Paul and W. Scott Palmer. London: George Allen and Unwin Ltd. and New York: The Macmillan Company, 1929, p. 339 [as demais referências a essa obra serão abreviadas por MM].
  • 16
    . Bergson, H. Creative evolution. Trans. Arthur Mitchel. Introduction by Peters A. Y. Gunter. Lanham, MD: University Press of America, 1983, p. 330-334 [As demais referências a esta obra serão abreviadas por CE].
  • 17
    . Barret, W., op. cit., p. 17. Cf. também Hartshorne, C. Metaphysics contributes to ornithology. Theoria to Theory, v. 13, p. 127-140, 1979.
  • 18
    . De Broglie, L. The concepts of contemporary physics and Bergson’s ideas on time and motion. In: Peter A. Y. Gunter (ed. and trans.). Bergson and the evolution of physics. Knoxville: University of Tennessee Press, 1969, p. 62-76.
  • 19
    . Como exemplo de uma tentativa frustrada de um dos contemporâneos de Bergson, para entender os conceitos físicos deste, cf. Rene Berthelot. Un romantisme utilitaire: étude sur le mouvement pragmatiste. In: Le pragmatisme chez Bergson. Paris: Felix Alcan, v. 2, p. 223-227. Para uma cuidadosa e influente análise do conceito bergsoniano de natureza física, cf. especialmente Milič Čapek. Bergson and the modern physics: a reinterpretation and reevaluation. Dordrecht, Holland: D. Reidel, 1971, p. 414 (Boston Studies in Philosophy of Science, v. 7)
  • 20
    . Čapek, M. Bergson and modern thought: a reintepretation and reevaluation. Dordrecht, Holland: D. Reidel, 1971, p. 414 (Boston Studies in the Philosophy of Science, v. 7). Ver também Čapek, M. The Philosophical impact of contemporary physics. New York: D. Van Nostrand, 1961, p. 414.
  • 21
    . Cf. Actes du Xe Congrès des Sociétés de Philosophie de Langue Française (Congress Bergson). Paris: Armand Colin, v. 2, 1959, p. 65-87; J. T. Fraser (ed.). The voices of time. London: Allen Lane, The Pilgrim Press, 1968, p. 415-454.
  • 22
    . Milič Čapek, Ce qui est vivant et ce qui est mort dans la critique bergsonienne de la relativité. Revue de Synthèse, série générale 101, n. 99-100, p. 313-344, 1980.
  • 23
    . Carrel, A. Man, The unknown. New York and London: Harper and Brothers, 1935, p. 168. Du Noüy, P. L. Biological Time. London: Methuen, 1936, p. 180.
  • 24
    . Goodwin, B. C. Temporal organization in cells: a dynamic theory of cellular control processes. London and New York: Academic Press, 1964, p. 163.
  • 25
    . Goodwin, B. C. and Cohen, M. A phase-shift model for the spatial and temporal organization of living systems. J. Theoret. Biol., v. 25, p. 49-107, 1969.
  • 26
    . Waddington, C. H. (ed.). Comments by C.H. Waddington. In: Towards a Theoretical Biology. Sketches. Chicago: Aldine Publishing Company, v. 2, 1969, p. 266-267.
  • 27
    . Lauer, R. H. Temporal man: the meaning and uses of social time. New York: Praeger, 1981, p. 13.
  • 28
    . Citado por Florence H. Kluckhohn. The nature of cultural integration and change. In: E. A. Tiryakin (ed.). Sociology Theory, Values and Sociocultural Change: Essays in Honor of Pitirim A. Sorokin. New York: Free Press of Glencoe; London: Collier-Macmillan, 1963, p. 225. Kluckhohn cita The decline of West, de Spengler, como a fonte dessa sentença, mas não indica nem volume nem página. De minha parte, não fui capaz de encontrar a sua precisa localização. Para considerações similares de Spencer, cf. The decline of West. C. F. Atkinson (trans.), New York: Knopf, v. 1, 1947, p. 109-110, 113, 121-126, 131-136.
  • 29
    . Stern, D. Some interactive functions of rhythm changes between mother and infant. In: Interaction Rhythms: Periodicity in Communicative Behavior. New York: Human Sciences Press, 1983, Inn., p. 101-117.
  • 30
    . Gurvitch, G. The spectrum of social time. Dordrecht, Holland: Reidel, 1964, p. 9-10. Cf. também Georges Gurvitch. Social structure and the multiplicity of times. In: E. A. Tiryaken (ed.). Sociology Theory, Values and Sociocultural Change. New York: Free Press of Glencoe; London Collier-Macmillan, 1963, p. 171-184. A passagem que se segue à aqui citada é interessante quanto ao contexto do presente artigo: “Em seu importante trabalho, Sociocultural cause, space and time, 1943, Pitirim Sorokin foi capaz de oferecer uma aplicação mais concreta e exata do conceito bergsoniano de tempo social.” (p. 184n).
  • 31
    . Essas noções-chave assumidas por Sorokin são encontradas em vários de seus volumosos escritos. Para a distinção entre tempo social e físico, cf. Pitirim A. Sorokin and Robert K. Merton. Social time: a methodological and functional analysis. American Journal of Sociology, v. 42, n. 5, p. 615-629, mar. 1937. Para o intuicionismo “integralista” de Sorokin, cf. Joseph B. Ford. Sorokin as philosopher. In: P. J. Allen (ed.). Pitirim Sorokin in Review. Durham, NC: Duke University Press, 1963, p. 39-66; Pitirim A. Sorokin, social and cultural dynamics. New York: American Book Company, v. 2, 1937, p. 746-773. Para as suas objeções à tirania do “tempo do relógio”, cf. Pitirim A. Sorokin. Sociocultural causality, space and time. Durham, NC: Duke University Press, 1943, p. 197-200; Social and cultural dynamics. New York: American Book Company, v. 2, 1937, p. 426-428.
  • 32
    . SAMPAIO, E. A Dialética da Intuição e do Intelecto: o critério da fertilidade. Trans/form/ação, Marília, v. 43, n. 2, p. 325-348, Abr./Jun., 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2018
  • Aceito
    30 Jun 2019
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