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APRESENTAÇÃO

A Trans/Form/Ação dedica este número especial à filosofia medieval, contando com dezessete artigos e uma tradução de medievalistas do país e do exterior. De temática variada, abrange as metodologias filosóficas (estruturalista, temática e histórica), o estatuto epistemológico da geomancia medieval latina, as duas maneiras de considerar a ciência (como hábito e como ato), a natureza do intelecto humano, a realidade da causa final, e temas concernentes a Agostinho, Maimônides, à mística, filosofia moral, lógica e retórica.

O artigo de Juvenal Savian Filho inaugura o fascículo abordando as três possibilidades metodológicas para o historiador da filosofia notadamente o medievalista, que são estrutura, tema e contexto, chamando a atenção para uma quarta possibilidade, a da comunidade comunicativa baseada no debate entre pares, que se beneficia das vantagens das três possibilidades e evitaria suas fragilidades.

O segundo artigo, de Alessandro Palazzo - calhando demonstrar que este senso do debate estava presente entre os autores medievais -, reconstrói o debate sobre o problema da cientificidade da geomancia medieval latina, contribuindo com a ampliação geral do escopo dos estudos de filosofia medieval (cf. DE BONI, 2000DE BONI, L. A. Estudar filosofia medieval. In: DE BONI, L. A. Filosofia medieval: textos. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. p. 7-35. Disponível em: <http://www.ramonllull.net/sw_studies/studies_original/estudar.html> Acesso em: 26 mar. 2019.
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). A geomancia é uma disciplina divinatória complexa que compartilha com a astrologia a mesma base teórica (a dependência do mundo terrestre ao céu) e muitos conceitos, mas que introduz uma imagética, uma hermenêutica e uma psicologia próprias.

No terceiro artigo, Carlos Arthur R. do Nascimento publica novamente seu trabalho sobre a dupla consideração da ciência em Tomás de Aquino: a ciência como acidente num sujeito (o cognoscente) e a ciência como referida a um objeto, ou seja, a ciência como hábito científico e a ciência como conjunto de proposições. O artigo desvenda a coincidência entre o objeto do hábito científico ou da potência (cognoscitiva) e o sujeito das proposições (o sujeito da ciência).

No quarto artigo, Matteo Raschietti destaca a posição de Alberto Magno na controvérsia sobre a unicidade do intelecto possível para toda a espécie humana. Ao contrário de Tomás de Aquino que, no opúsculo De unitate intellectus, buscou confutar essa tese, Alberto, em seu opúsculo homônimo, almejou defender a tese da imortalidade pessoal da alma.

No quinto artigo, Cesar R. Cezar procura oferecer elementos para a solução de duas interpretações concorrentes sobre Suarez com relação à causa final: teria ele reduzido a causa final à intencionalidade dos entes racionais, ou teria sustentado a realidade da causa final. Depois de fornecer o argumento decisivo em favor da realidade da causa final, Suarez explica como a causa final se dá no ente humano, em Deus e nos entes naturais.

Os três artigos seguintes são de temática agostiniana. O sexto artigo, de Sílvia M. Contaldo, é um comentário ao texto de Agostinho De fide rerum quae non videntur (Sobre a fé nas coisas que não se veem) dividido em oito capítulos. O objetivo de Agostinho é demonstrar que a fé é indispensável em qualquer âmbito das relações humanas, seja nas relações particulares ou na sociedade, procurando dessa maneira refutar aqueles que se negam a crer nas coisas que não se veem. O sétimo artigo, de Bento Silva Santos, trata da releitura fenomenológica do livro X das Confissões feita por Heidegger na preleção Agostinho e o neoplatonismo, onde interpreta que a experiência da tentação (tentatio) e a historicidade do si se manifestam no cuidado (“preocupação da vida”) e na “dispersão” com a tríplice tentação (prazer, curiosidade e ambição). O oitavo artigo, de Joel Gracioso, procura expor a relação entre idolatria, ordem e beleza com base no De vera religione. Ao abordar a questão do mal, Agostinho investiga a origem da impiedade e suas consequências (idolatria, culto ao homem, superstição, tríplice tentação), donde ele concluir pela necessidade do retorno à primeira beleza (suma harmonia), que se dá a partir da interioridade.

No nono artigo, Cecília Cavaleiro de Macedo expõe o pensamento de Maimônides no Guia dos perplexos sobre a questão do mal, a relação desta questão com a matéria, as finalidades da lei divina, e a proposta do autor de conduta virtuosa a partir da correção do hábito moral e da obediência à lei divina.

No décimo artigo, Maria Simone M. Nogueira aborda os pensamentos de Marguerite Porete († 1310) e de Simone Weil (1909-1943), analisando o conceito de aniquilamento em Porete, de descriação em Weil traçando paralelos entre as duas místicas, e apresentando Weil como leitora de Porete.

O decimo primeiro artigo, de Manoel Vasconcellos, busca analisar a Oração a São Nicolau, de Anselmo de Aosta (ou Cantuária), mostrando os aspectos contidos na oração, sua conexão com questões relevantes do pensamento do autor, e a existência na obra anselmiana da harmonia entre oração e trabalho especulativo, isto é, entre fides e ratio.

Encontram-se, na sequência, quatro artigos relacionados à filosofia moral. O décimo segundo artigo, de Edsel P. Diebe, examina em Abelardo sua “moral da intenção”, desenvolvida na primeira parte da Ethica (Scito te ipsum). O pecado é tratado por Abelardo como intencional, ou seja, não estaria no desejo, mas na intenção do indivíduo, no seu consentimento voluntário ou consciência moral. O décimo terceiro artigo, de Paulo Martines, considera a ação moral, a ação propriamente humana, em Tomás de Aquino, tratando da vontade e do voluntário, do livre-arbítrio (como conjugação de razão e vontade), e da prudência (em suas três operações: deliberação, juízo e decisão). O décimo quarto artigo, de Felipe de A. Ramos, analisa a noção de dulia (honra) na Suma de teologia (Iª IIae, q. 103). Tomás de Aquino não entende a dulia segundo a etimologia grega (douleia) como servidão/escravidão, mas como homenagem ou reverência prestada a outrem como testemunho de sua excelência ou por um bem excelente do honrado. O décimo quinto artigo, de Roberto H. Pich, comenta a abordagem de Duns Scotus ao tema da escravidão, contrastando-a com a douleia aristotélica e a servitus tomasiana. As considerações de Scotus decorrem de suas noções de liberdade e livre-arbítrio, de propriedade e de lei positiva.

No décimo sexto artigo, Guilherme Wyllie analisa a teoria dos sincategoremas, de Pedro Hispano, que são expressões cosignificativas, isto é, significam apenas em combinação com os categoremas (sujeitos e predicados). Pedro Hispano define os sincategoremas como expressões que revelam de que maneira os categoremas estão relacionados nas proposições, contribuindo para estabelecer o que estas significam e fixar as condições de verdade e as formas lógicas correspondentes.

O décimo sétimo artigo, de Ricardo da Costa, trata da retórica a partir da perspectiva dos gregos (sofistas, Platão, Aristóteles), dos romanos (Cícero, Sêneca, Quintilhano, Retórica a Herênio), e dos medievais (panegíricos, Agostinho, Marciano Capela, Isidoro de Sevilha, Bernardo de Claraval, Ramon Llull). O artigo traz ainda um extrato traduzido da Retórica nova (1301) de Ramon Llull.

O texto conclusivo é a tradução, com introdução e notas, de Jamil I. Iskandar do capítulo IV de O catálogo das ciências (Iḥṣā’ al-‘Ulūm) de al-Fārābī, intitulado Sobre a ciência física e a ciência metafísica. O texto de al-Fārābī faz uma exposição sobre o conhecimento da física (ciência natural) e o conhecimento da metafísica.

Manifesto, por fim, meus agradecimentos aos colegas medievalistas que aceitaram participar deste fascículo, esperando que suas contribuições, sobre as quais dei aqui indicações de modo breve, sejam muito úteis ao leitor.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2019
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