Resumo
Recentemente, passou-se a observar a sedimentação de uma nova agenda de pesquisa no Brasil voltada às relações entre Estado e sociedade civil. Contra leituras essencialistas, fronteiriças e contextualistas, essa abordagem, denominada de interações socioestatais, tem assumido como perspectiva ontoepistemológica o argumento de que as esferas societária e institucional são fenômenos mutuamente constitutivos. Inserindo-se nessa agenda, objetiva-se avançar sobre as bases epistemológicas percebidas nos argumentos desse enfoque, destacando o pós-fundacionalismo, a contingência e ressaltando seu caráter relacional. Buscando novas contribuições, esses objetivos são explorados a partir da discussão de duas tradições intelectuais distintas, a Abordagem Estratégico-Relacional (AER) e a Perspectiva da Pólis (PP). Conclui-se que, quando lidas a partir dessas bases epistemológicas, ambas se complementam e informam elementos centrais para se pensar em termos de uma perspectiva de mútua constituição.
Palavras-chave:
Interações socioestatais; Pós-fundacionalismo; Contingência; Relacionalidade; Mútua constituição
Abstract
Recently, there has been observed the sedimentation of a new research agenda in Brazil focused on the relations between the State and civil society. Against essentialists, bordering and contextualis readings, this approach, named socio-state interactions, has been assuming as an ontoepistemological perspective the argument that socio and institutional spheres are phenomena that constitutes themselves mutually. Incorporating itself within this agenda, the objective is to make progress in the perceived epistemological foundations underlying the arguments of this approach, emphasizing post-foundationalism, contingency, and highlighting its relational nature. Seeking new contributions, these objectives are explored through the discussion of two distinct intellectual traditions, the Strategic-Relational Approach (AER) and the Polis Perspective (PP). We conclude that when examined through these epistemological foundations, both approaches complement each other and provide essential elements for considering a perspective of mutual constitution.
Keywords:
Socio-stateinteractions; Post-foundationalism; Contingence; Relationality; Mutua constitution
Introdução
Nos últimos anos, observa-se a sedimentação de uma nova agenda de pesquisa no Brasil voltada às relações entre as esferas institucional e societária para além de leituras essencialistas, fronteiriças e contextualistas1 1 . Refiro-me especificamente aos esforços pautados na tese da mútua constituição para se pensar e analisar a relação Estado-e-sociedade. Como a entendo, essa perspectiva ontoepistemológica indica uma compreensão de Estado e sociedade como relação (radicalização da dimensão relacional). Vale destacar, no entanto, que a consideração e a análise das interações entre Estado e sociedade apresentam uma trajetória anterior no país, podendo ser percebida desde a década de 1970 (Soares Filho, 2023). . Em termos epistemológicos, essas leituras podem ser compreendidas como fundacionalistas. De forma mais ampla, perspectivas teórico-filosóficas fundacionalistas informam a existência de crenças ou proposições originárias como elementos autoevidentes, justificando a presença de fundamentos últimos na reflexão sobre a realidade social (Marchart, 2009MARCHART, Oliver. (2009), El pensamiento político postfundacional. La diferencia política en Nancy, Lefort, Badiou y Laclau. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica.; Mendonça, Linhares e Barros, 2016MENDONÇA, Daniel; LINHARES, Bianca de Freitas & BARROS, Sebastián. (2016), “O fundamento como ‘fundamento ausente’ nas ciências sociais: Heidegger, Derrida e Laclau”. Sociologias, Porto Alegre, 18 (41).; Graeff, Nascimento e Marques, 2019GRAEFF, Caroline B.; NASCIMENTO, Kamila & MARQUES, Marcelo de S. (2019), “A crítica pós-fundacionalista: um debate em construção”. Norus, Pelotas, 7 (11): 580-599.).
Contra essas perspectivas, e buscando um enfoque que se pretende radicalmente relacional, dois argumentos presentes nos estudos centrados nas interações socioestatais são reveladores, quais sejam: “as capacidades de ação das organizações civis e do Estado são produto de uma história interativa e contingente de mútua constituição” (Houtzager, Gurza Lavalle e Acharya, 2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322., p. 261) e “pensar o Estado como contexto da sociedade e vice-versa é insuficiente” (Gurza Lavalle et al., 2019, p. 44). Esses argumentos indicam que o foco de uma abordagem centrada nas interações socioestatais não pode ser uma reflexão teórica e/ou análise empírica limitada à consideração das esferas institucional e societária como estando em relação, o que pode pressupor a presença de fundamentos e uma leitura relacionista para se pensar tanto o Estado como a sociedade (Marques, 2023aMARQUES, Marcelo de S. (2023a), “Interações socioestatais: mútua constituição entre a sociedade civil e a esfera estatal”. Opinião Pública [no prelo].; 2023b). Radicalizando a dimensão relacional, a abordagem centrada nas interações socioestatais, ao considerar o argumento ontoepistemológico da mútua constituição, percebe as esferas institucional e societária como relação2 2 . Esse argumento parece ter sido expressamente confirmado por Szwako em entrevista a Sanchez, Rodrigues e Braga (2022): “Para falar em termos durkheimianos, o encaixe é nossa forma elementar pela qual damos sentido ao mundo empírico. Ele carrega os pressupostos (relacionais, processuais e não externalistas) de nossa concepção de Estado, isto é, uma concepção na qual o Estado é sempre mutuamente constituído pela sociedade e dela constituinte”. .
Dentre as diferentes contribuições de estudos que podem ser percebidos como centrados nas interações socioestatais3 3 . Nem todas as contribuições informadas partem da tese de mútua constituição, mas todas, partindo de uma perspectiva relacional, informam as interações socioestatais. , destaco a crítica à leitura fronteiriça com relação tanto à tradição habermasiana de sociedade civil (Gurza Lavalle, 1999GURZA LAVALLE, Adrian. (1999), “Crítica ao modelo da nova sociedade civil”. Lua Nova, São Paulo, 47: 121-135.; 2003; 2011; Silva, 2006SILVA, Marcelo K. (2006), “Sociedade civil e construção democrática: do maniqueísmo essencialista à abordagem relacional”. Sociologias, Porto Alegre, 8 (16): 156-178.; Gurza Lavalle, Houtzager e Castello, 2011; Gurza Lavalle e Szwako, 2015; Burgos, 2015BURGOS, Raul. (2015), “Sem glória, mas com certa pena: mais uma vez sobre o conceito de sociedade civil no Brasil”. In: SHEHERER-WARREN, I. & LÜCHMANN, L. H. H. (orgs.). Movimentos sociais e engajamento político: trajetórias e tendências analíticas. Florianópolis, Editora da UFSC, pp. 161-233.) como às teorias de movimentos sociais (Abers e Von Büllow, 2011ABERS, Rebecca N. & VON BÜLOW, Marisa. (2011), “Movimentos sociais na teoria e na prática: como estudar o ativismo através da fronteira entre Estado e sociedade?”. Sociologias, Porto Alegre, 13: 52-84.; Abers, Serafim e Tatagiba, 2014; Carlos, 2015CARLOS, Euzeneia. (2015), Movimentos sociais e instituições participativas: efeitos do engajamento institucional no contexto pós-transição. Belo Horizonte, Fino Traço.; Abers, Silva e Tatagiba, 2018, Gurza Lavalle et al., 2019). Aproximando-as e tomando-as em conjunto, a primeira crítica questiona tanto (i) a atribuição de um estatuto político que fundamenta a atuação da sociedade civil, quanto (ii) o suposto princípio democrático a ela inerente, bem como desconstrói (iii) a ideia de autonomia das organizações societárias quando refletida como não relação com o Estado. Já no que diz respeito às análises sobre os movimentos sociais, a crítica é direcionada, entre outros aspectos, às concepções essencialistas que compreendem as organizações e a ação política dos movimentos como experiências extrainstitucionais e/ou necessariamente conflitivas em relação à esfera estatal. Ambas as críticas, como ressaltam Gurza Lavalle et al. (2019, pp. 36-42), sugerem a impossibilidade de se considerarem adequadamente as interações socioestatais com base em interpretações fronteiriças e essencialistas.
Dando um passo além em relação a essas interpretações, os estudos centrados nas interações socioestatais têm analisado, por exemplo, os processos de encaixes institucionais e os efeitos dos movimentos nas políticas públicas (Carlos, Dowbor e Albuquerque, 2017CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & ALBUQUERQUE, Maria do Carmo. (2017), “Movimentos sociais e seus efeitos nas políticas públicas: balanço do debate e proposições analíticas”. Civitas, Porto Alegre, 17 (2): 360-378.; Carlos, 2019; 2021; Tatagiba e Teixeira, 2021TATAGIBA, Luciana & TEIXEIRA, Ana C. C. (orgs.). (2021), Movimentos sociais e políticas públicas. São Paulo, Editora Unesp.), informando ligações estruturais entre as esferas institucional e societária e, assim, fazendo avançar a análise sobre as políticas e programas sociais a partir da consideração da forma como os movimentos influem sobre as políticas públicas e do fomento institucional ao engajamento das organizações societárias. Identificam-se, também, os esforços teóricos e os estudos empíricos sobre construção de domínios de agência, compreendidos como encaixes de alcance médio, de caráter estrutural e continuado, que conformam campos de políticas públicas, em especial as políticas sociais, e, de forma mais ampla, permitem importantes avanços tanto no exame dos processos de institucionalização de demandas, valores e interesses societários, quanto na análise das capacidades estatais, percebidas como produto de interações socioestatais (Gurza Lavalle et al., 2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86.; Carlos, 2019)4 4 . Domínios, conforme Gurza Lavalle et al. (2019b, pp. 51-52), “constituem esferas de competência e, neste caso, a competência diz respeito à capacidade de agir em determinado âmbito sob responsabilidade direta ou indireta do Estado, notadamente em campos de políticas sociais […]. Domínios de agências são configurações de encaixes institucionais articulados vertical e horizontalmente que favorecem a capacidade de agir de certos atores coletivos. Favorecem-nos porque: (i) implicam o reconhecimento de que os atores têm legitimidade para agir e demandar em nome de grupos específicos ou interesses difusos (embora não concedam monopólios na representação); (ii) selecionam e processam com maior frequência problemas e demandas relevantes para esses atores (ainda que com eles não definam uma relação de exclusividade); (iii) outorgam suporte material - organizacional ou financeiro - aos atores propiciando sua estabilização (ainda que não garantam financiamento permanente); e (iv) reduzem o poder de concorrência de atores estranhos ao domínio de agência (mesmo que não entreguem aos atores favorecidos o controle sobre as barreiras de entrada). Trata-se de domínios de agência porque institucionalizam âmbitos de atuação que animam a capacidade de ação dos atores, ‘fazem-nos’ agir estimulando sua condição de agentes”. .
Embora os enfoques centrados nas interações socioestatais não possam ser percebidos como uma abordagem unificada, pois, ainda que dialoguem entre si e considerem a tese da mútua constituição, partem de tradições particulares, como o institucionalismo histórico, as teorias de movimentos sociais e o conceito de sociedade civil - a despeito disso, como estou a sustentar, é possível identificar aspectos epistemológicos comuns que, uma vez explorados, permitem uma melhor localização dos argumentos centrais dessa agenda de pesquisa, sobretudo a dimensão relacional como parte de suas perspectivas ontológicas, epistemológicas e/ou metodológicas.
Tendo essa consideração como ponto de partida, o objetivo deste artigo consiste em avançar sobre as bases epistemológicas percebidas nos argumentos desse enfoque, destacando o pós-fundacionalismo, a contingência e o seu caráter relacional (Estado e sociedade como relação). Vale salientar que não estou a afirmar, com isso, que os estudos centrados nas interações sociestatais necessariamente sejam pós-fundacionalistas, e sim que há elementos dessa perspectiva em sua estrutura teórico-conceitual. Buscando novas contribuições para pensar as interações entre as esferas institucional e societária, explorarei esses objetivos a partir da discussão de duas tradições intelectuais distintas, a Abordagem Estratégico-Relacional (AER) e a Perspectiva da Pólis (PP), indicando potencialidades para a agenda das interações socioestatais.
A aproximação entre essas abordagens ocorre por meio de uma primazia epistemológica e se justifica a partir de dois pontos distintos. Primeiro, embora a PP seja a corrente teórico-analítica mais facilmente encontrada nos estudos orientados pela tese da mútua constituição recentemente publicados no Brasil, as considerações epistemológicas exploradas neste artigo podem contribuir para uma melhor compreensão de seus pressupostos teórico-conceituais. Segundo, ao trazer a AER para o debate, pretendo indicar, ao mesmo tempo, outra “entrada” teórico-analítica na discussão sobre as interações socioestatais e possíveis contribuições para a superação de um limite indicado por Soares Filho (2023SOARES FILHO, M. F. V. (2023), “Estado e sociedade no Brasil. A tese da mútua constituição e as políticas públicas”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, 42 (1): 143-160., p. 157) à agenda das interações socioestatais, qual seja: “diante do desafio de explicar relações socioestatais em espaços institucionalizados de políticas públicas, nota-se uma carência conceitual para dar conta do Estado”5 5 . Em outra oportunidade (Marques, no prelo, 2023b) discuto especialmente a AER e suas consequências teórico-analíticas na percepção do Estado como uma relação social, destacando, portanto, seu caráter relacional relevante para se pensar as interações socioestatais. .
Como discutirei ao longo do artigo, para uma perspectiva que percebe o Estado e sociedade como relação, não é possível pensar (i) o Estado fora ou acima da sociedade, (ii) a sociedade e suas instituições como resultado espontâneo e voluntaristas das interações societárias, nem (iii) o Estado e a sociedade como meros contextos recíprocos de mútua influência. Para avançar nesta direção, na primeira seção do artigo destacarei a crítica pós-fundacionalista, a contingência e a relacionalidade na construção de um olhar científico que refute os argumentos essencialistas, fronteiriças e contextualistas. Esse esforço também é relevante porque, como informado, uma vez explorados esses elementos epistemológicos, é possível uma melhor localização das abordagens centradas nas interações socioestatais. Na segunda seção, mobilizarei a AER, em Jessop, cujos primeiros contornos, datados do início da década de 1980, emergiram do interior da tradição marxista sobre a Teoria do Estado, especialmente em Poulantzas, e a PP, uma tradição intelectual que se desenvolveu no seio do institucionalismo histórico, sobretudo a partir da tradição norte-americana dos anos 1990, com destaque para as contribuições de Skocpol6 6 . Especialmente após o deslocamento da abordagem State-Centered (Skocpol, 1984 [1979]) para a Polity-Centered Approach (Skocpol, 1996). . Nas considerações finais, saliento que, quando lidas a partir dos elementos epistemológicos pós-fundacional, contingencial e relacional, a AER e a PP se complementam e informam elementos centrais para se pensar em termos de uma perspectiva de mútua constituição.
Aspectos epistemológicos: nas trilhas das interações socioestatais
Estado e sociedade não existem separados na vida real; eles devem ser analisados em termos de sua inter-relação.
René Bertramsen (1991BERTRAMSEN, René B. (1991), “From the capitalist state to the political economy”. In: BERTRAMSEN, René B.; THOMSEN, Jens P. F. & TORFING, Jacob (orgs.). State, economy and society. Londres, Unwin Hyman, pp. 94-145., p. 100).
Afirmar que o Estado e a sociedade não existem separadamente, e que, portanto, devem ser analisados em termos de sua inter-relação, significa aceitar a ausência de um fundamento último na compreensão do Estado e da sociedade. Ao contrário de um pensamento fundacionalista, que assegura tal existência como forma de justificação, definição e determinação em última instância do jogo estrutural, o argumento que sustenta a assertiva de Bertramsen (1991BERTRAMSEN, René B. (1991), “From the capitalist state to the political economy”. In: BERTRAMSEN, René B.; THOMSEN, Jens P. F. & TORFING, Jacob (orgs.). State, economy and society. Londres, Unwin Hyman, pp. 94-145.) se limita à possibilidade de estabelecimento de fundamentos contingências a partir da consideração da inter-relação inerente às esferas institucional e societária (Estado e sociedade como relação). Este argumento permite perceber que a forma institucional, o poder estatal e as fronteiras do Estado em relação à sociedade são de natureza relacional. Esta forma de compreensão da relação Estado-e-sociedade, como estou a sustentá-la, está balizada por uma epistemologia pós-fundacionalista percebida, mas nem sempre discutida, na literatura sobre as interações socioestatais.
O ponto de partida do pós-fundacionalismo é a crítica ao pensamento fundacional, uma longa tradição filosófica e epistemológica que surge da busca por uma explicação que sustente e fundamente a origem das coisas ou, em termos sociológicos, que permita compreender o centro que sustenta o social. Como informam Graeff, Nascimento e Marques (2019GRAEFF, Caroline B.; NASCIMENTO, Kamila & MARQUES, Marcelo de S. (2019), “A crítica pós-fundacionalista: um debate em construção”. Norus, Pelotas, 7 (11): 580-599.), esse princípio básico se origina e esgota em si mesmo, servindo de argumento ou legitimação para a existência dos conhecimentos dele derivados. Assim, a crença básica (fundamento) é autojustificada e, de forma arbitrária, é a partir dela que serão desenvolvidos e legitimados os demais conhecimentos sobre os objetos no mundo. Desta maneira:
[…] todo o conhecimento científico ocidental, originado da filosofia metafísica, estaria edificado sobre uma crença em um fundamento último que garantiria e justificaria o conhecimento posterior. Desta forma, o saber seria justificado através da remissão a estes princípios básicos válidos. Esta remissão, ou regresso, significa, em última análise, que sempre haverá um conhecimento anterior que justificará o conhecimento posteriormente desenvolvido e, da mesma forma, este conhecimento dependerá de uma crença anterior a ela que a justifique. Assim, se a crença A está justificada pela crença B, a crença B depende da justificação obtida na crença C e, igualmente, a crença C se justifica na crença D, seguindo, assim, de forma infinita (Graeff, Nascimento e Marques, 2019GRAEFF, Caroline B.; NASCIMENTO, Kamila & MARQUES, Marcelo de S. (2019), “A crítica pós-fundacionalista: um debate em construção”. Norus, Pelotas, 7 (11): 580-599., p. 584).
Esse critério de remissão é falho tanto de um ponto de vista da justificação científica, discutida a partir da possibilidade de verificação e superação/refutação da explicação7 7 . Referimo-nos ao critério de falseabilidade em Popper (2013). , como por indicar uma causalidade sustentada pela observação sequenciada de eventos (conjunção constante) sem qualquer atenção aos mecanismos relacionais e aos fenômenos emergentes. A questão que surge é: como compreender a possibilidade de limitação da remissão, como “estabilizar” a abertura do jogo estrutural, recusando o pensamento fundacional?
É no pós-fundacionalismo que se encontra uma possibilidade de saída epistemológica para o problema. Contra a tradição fundacional, o pós-fundacionalismo sustenta a impossibilidade ontológica do estabelecimento de fundamento último que esgote o processo de estruturação/fechamento do jogo estrutural (Marchart, 2009MARCHART, Oliver. (2009), El pensamiento político postfundacional. La diferencia política en Nancy, Lefort, Badiou y Laclau. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica.; Mendonça e Rodrigues, 2014MENDONÇA, Daniel & RODRIGUES, Léo P. (2014), “Do estruturalismo ao pós-estruturalismo: entre fundamentar e desfundamentar”. In: MENDONÇA, Daniel & RODRIGUES, Léo P. (orgs.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso: em torno de Ernesto Laclau. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, pp. 27-45.; Mendonça, Linhares e Barros, 2016). Isso, contudo, não significa uma negação final da noção de fundamento. Uma recusa dessa natureza atestaria a invalidação epistêmica de toda possibilidade de estabelecimento de fundamentos à estrutura, ainda que contingenciais, o que seria uma falácia epistemológica inerente ao registro antifundacionalista.
Contrariamente ao antifundacionalismo, o pós-fundacionalismo não nega a possibilidade de fundamentos, mas opera a partir do enfraquecimento do status ontológico da noção de fundamento como este é concebido pela tradição fundacionalista (fundamento último). Esse debilitamento ontológico indica a impossibilidade de um fundamento que defina e determine o jogo estrutural (Marchart, 2009MARCHART, Oliver. (2009), El pensamiento político postfundacional. La diferencia política en Nancy, Lefort, Badiou y Laclau. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica.):
O pós-fundacionalismo […] não deve ser confundido com o antifundacionalismo ou com um vulgar pós-modernismo do “vale tudo”, hoje démodé, dado que um enfoque pós-fundacional não tem por objetivo excluir por completo essas figuras do fundamento, mas debilitar seu status ontológico. O debilitamento ontológico do fundamento não conduz ao suposto da ausência total de todos os fundamentos, mas sim em supor a impossibilidade de um fundamento último, o que é completamente diferente, pois implica a crescente consciência, por um lado, da contingência e, por outro lado, do político como o momento de uma fundação parcial e, em última instância, sempre falho (Marchart, 2009MARCHART, Oliver. (2009), El pensamiento político postfundacional. La diferencia política en Nancy, Lefort, Badiou y Laclau. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica., p. 15).
Essa impossibilidade, portanto, não é explicada por uma suposta “impossibilidade empírica” que, diante de uma pluralidade de fundamentos possíveis, torna impossível a sua concretude. Transpondo a discussão para a análise social, a impossibilidade de estabelecimento de um fundamento último não é justificada pela multiplicidade de possíveis fundamentos em disputa em um contexto de crescente diferenciação e complexificação social. Trata-se, antes, de um argumento estrutural.
Seguindo o pensamento pós-estruturalista derridiano, leitura que ajuda a melhor delinear o pós-fundacionalismo (Mendonça e Rodrigues, 2014MENDONÇA, Daniel & RODRIGUES, Léo P. (2014), “Do estruturalismo ao pós-estruturalismo: entre fundamentar e desfundamentar”. In: MENDONÇA, Daniel & RODRIGUES, Léo P. (orgs.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso: em torno de Ernesto Laclau. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, pp. 27-45.; Mendonça, Linhares e Barros, 2016; Graeff, Nascimento e Marques, 2019GRAEFF, Caroline B.; NASCIMENTO, Kamila & MARQUES, Marcelo de S. (2019), “A crítica pós-fundacionalista: um debate em construção”. Norus, Pelotas, 7 (11): 580-599.; Marques, 2020), a impossibilidade de estabelecimento de um fundamento se encontra na noção de falta/ausência de um centro estável do social sobre o qual poderiam se sedimentar os fundamentos em disputa. É a falta de um centro, pois, e não a existência de uma diversidade de possíveis fundamentos em disputa, que impossibilita o estabelecimento de um fundamento último. Ou seja, trata-se de uma concepção que aceita a ideia de estrutura descentrada e que indica que, não havendo um centro estável, a sedimentação será sempre parcialmente bem-sucedida e, portanto, relativamente aberta à agência. Nesses termos, a não totalização é explicada da seguinte forma:
[…] não mais sob o conceito de finitude como assignação à empiricidade, mas sob o conceito de jogo. Se então a totalização não tem mais sentido, não é porque a infinidade de um campo não pode ser coberta por um olhar ou um discurso finitos, mas porque a natureza do campo - a saber, a linguagem e uma linguagem finita - exclui a totalização: este campo é com efeito o de um jogo, isto é, de substituições infinitas no fechamento de um conjunto finito. Este campo só permite estas substituições infinitas porque é finito, isto é, porque em vez de ser um campo inesgotável, como na hipótese clássica, em vez de ser demasiado grande, lhe falta algo, a saber, um centro que detenha e fundamente o jogo das substituições (Derrida, 2002DERRIDA, Jacques. (2002), A escritura e a diferença. 3 ed. São Paulo, Perspectiva., pp. 244-245, grifos do autor).
O que Derrida está a dizer é que a noção da falta/ausência destaca, ao mesmo tempo, a inexistência de um centro fundante, isto é, de um centro estável da origem do jogo estrutural, e a necessidade de estabelecimento de alguma ordem, de algum fundamento, ainda que esse seja um fundamento contingencial, sendo e não sendo fundamento, sendo e não sendo centro. O centro da estrutura deve ser entendido, portanto, em termos de função - uma função organizativa da estrutura, mas sempre falha do ponto de vista da totalização:
[…] o centro encerra também o jogo que abre e torna possível. Enquanto centro, é o ponto em que a substituição dos conteúdos, dos elementos, dos termos, já não é possível. No centro, é proibida a permuta ou a transformação dos elementos (que podem, aliás, ser estruturas compreendidas numa estrutura). Pelo menos sempre permaneceu interditada (e emprego propositalmente esta palavra). Sempre se pensou que o centro, por definição único, constituía, numa estrutura, exatamente aquilo que, comandando a estrutura, escapa à estruturalidade. Eis por que, para um pensamento clássico da estrutura, o centro pode ser dito, paradoxalmente, na estrutura e fora da estrutura. Está no centro da totalidade, e, contudo, dado que o centro não lhe pertence, a totalidade tem o seu centro noutro lugar. O centro não é o centro. O conceito de estrutura centrada - embora represente a própria coerência, a condição da episteme como filosofia ou como ciência - é contraditoriamente coerente. E como sempre, a coerência na contradição exprime a força de um desejo. O conceito de estrutura centrada é com efeito o conceito de um jogo fundado, constituído a partir de uma imobilidade fundadora e de uma certeza tranquilizadora, ela própria subtraída ao jogo. A partir desta certeza, a angústia pode ser dominada, a qual nasce sempre de uma certa maneira de estar implicado no jogo, de ser apanhado no jogo, de ser como ser logo de início no jogo (Derrida, 2002DERRIDA, Jacques. (2002), A escritura e a diferença. 3 ed. São Paulo, Perspectiva., pp. 230-231, grifos do autor).
Não se trata, pois, nem da possibilidade de um fundamento último, nem da completa inexistência de fundamentos. O pós-fundacionalismo não nega o princípio de fundamento, mas busca subverter as premissas das perspectivas fundacionalistas (fundamento último, determinação em última instância etc.) sem cair na mera inversão, isto é, na recusa radical da possibilidade de estabelecimento de fundamentos (antifundacionalismo).
Essa estrutura de pensamento auxilia a reflexão sobre a relacionalidade do social e a verificação das relações em um plano ôntico. Nos termos aqui discutidos, é possível argumentar, no plano ontológico, sobre a relacionalidade do social, mas não é possível derivar fundamentos sobre as relações: o social, na qualidade de estruturas relacionais, não é passível de determinação nem é meramente artefatual. Isso indica que a admissão ontoepistemológica da relacionalidade não permite antecipar nenhuma necessidade de padrão relacional preexistente para se pensar os fenômenos socialmente construídos, ainda que seja possível distingui-los (e.g. Estado, família, religião etc.). Ou seja, não é possível dizer muito sobre como as relações e as relações de relações se estruturam espaçotemporalmente e geram efeitos emergentes, a não ser analisando os mecanismos que contingencialmente estruturam as diferentes configurações socioestatais: a assunção da relacionalidade, como referência ontológica do social, e seus desdobramentos ônticos evidenciam a contingência inerente à estruturalidade do social.
Em suma, considerando os elementos da crítica pós-fundacionalista, a contingência e a dimensão relacional, o argumento consiste em sustentar que a literatura sobre as interações socioestatais, especialmente aquelas pautadas na tese da mútua constituição, indica em sua estrutura teórico-conceitual a impossibilidade de determinação de estatutos políticos (fundamentos) sobre o Estado e da sociedade civil, como discutido, por exemplo, por Silva (2006SILVA, Marcelo K. (2006), “Sociedade civil e construção democrática: do maniqueísmo essencialista à abordagem relacional”. Sociologias, Porto Alegre, 8 (16): 156-178.), Gurza Lavalle (2011GURZA LAVALLE, Adrian; HOUTZAGER, Peter P. & CASTELLO, Graziela. (2011), “A construção política das sociedades civis”. In: GURZA LAVALLE, Adrian (org.). O horizonte da política: questões emergentes e agendas de pesquisa. São Paulo, Editora Unesp, pp. 185-236.), Burgos (2015BURGOS, Raul. (2015), “Sem glória, mas com certa pena: mais uma vez sobre o conceito de sociedade civil no Brasil”. In: SHEHERER-WARREN, I. & LÜCHMANN, L. H. H. (orgs.). Movimentos sociais e engajamento político: trajetórias e tendências analíticas. Florianópolis, Editora da UFSC, pp. 161-233.) e Gurza Lavalle e Szwako (2015). Ao compreender que Estado e sociedade civil são frutos de relações contingenciais e, portanto, que devem ser compreendidos a partir dos seus contextos estratégico-relacionais espaçotemporalmente inscritos, essa literatura informa, ainda que não nos mesmos termos, se tratar de efeitos emergentes da relacionalidade do social. Esses elementos epistemológicos também se tornam relevantes, por exemplo, para uma melhor compreensão sobre os seguintes pontos: (I) a autonomia do Estado, considerando que esta não se origina nem se esgota no próprio Estado, pois encontra correlação com as ligações estruturais com a sociedade, como discutido por Houtzager (2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322.), Houtzager, Gurza Lavalle e Acharya (2004); (II) a desconstrução da ideia do Estado como um Sujeito suprassocietal, ainda que goze de certa autonomia, levando em conta a mútua constituição Estado-e-sociedade (relacionalidade) - elemento ainda carente de aprofundamento nessa literatura (Soares Filho, 2023SOARES FILHO, M. F. V. (2023), “Estado e sociedade no Brasil. A tese da mútua constituição e as políticas públicas”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, 42 (1): 143-160.); (III) a desconstrução da ideia do poder do Estado como um “espaço vazio” a ser preenchido por alguma particularidade voluntarista, pois é uma estrutura relacional (Bertramsen, 1991BERTRAMSEN, René B. (1991), “From the capitalist state to the political economy”. In: BERTRAMSEN, René B.; THOMSEN, Jens P. F. & TORFING, Jacob (orgs.). State, economy and society. Londres, Unwin Hyman, pp. 94-145.; Houtzager, 2004; Jessop, 2009JESSOP, Bob. (2009), “The State and power”. In: CLEGG, Stewart R. & HOUGAARD, Mark (orgs.). The sage handbook of power. Los Angeles; Londres; Nova Delhi; Cingapura e Washington, Sage, pp. 367-382.; 2017); (IV) na compreensão de que o Estado não funda a sociedade; (V) bem como a sociedade não é o elemento último fundante do Estado, pois resultam de relações de mútua constituição (relacionalidade) (Houtzager e Gurza Lavalle; Acharya, 2004); (VI) e, por fim, que a sociedade civil não pode ser compreendida deslocada do seu contexto estratégico-relacional e que seu fundamento (estatuto político) não pode ser garantido aprioristicamente, pois estão imersos na contingecialidade inerente à estruturalidade do social (Silva, 2006; Szwako e Gurza Lavalle, 2019).
A partir dessas considerações, na sequência analisarei como a AER e a PP, duas tradições intelectuais distintas, porém aproximáveis através desses elementos epistemológicos, podem auxiliar na busca por uma adequada compreensão sobre o Estado e a sociedade a partir de um enfoque centrado nas interações socioestatais.
Pós-fundacionalismo, contingência e relacionalidade na Abordagem Estratégico-Relacional
Essa abordagem reconhece diferentes padrões de condensação [Estado como uma condensação institucionalmente mediada], correspondendo ao predomínio de diferentes princípios de socialização (econômico, militar, religioso, “racial”, etc.) e, portanto, pode ser usada muito além de sua estrutura teórica marxista inicial.
Bob Jessop (2009JESSOP, Bob. (2009), “The State and power”. In: CLEGG, Stewart R. & HOUGAARD, Mark (orgs.). The sage handbook of power. Los Angeles; Londres; Nova Delhi; Cingapura e Washington, Sage, pp. 367-382., p. 380).
O paradoxo parte-todo enfocado por Jessop (2017JESSOP, Bob. (2017), El Estado. Passado, presente, futuro. Madri, Catarata., pp. 104-106; 138-140) informa que o Estado é, ao mesmo tempo, um elemento constituinte da e um elemento constituído pela sociedade. Isso indica que, embora tenha certa autonomia enquanto objeto real, apresentando, portanto, lógicas mais ou menos especiais, e suas ações incidam sobre a sociedade de forma geral, o Estado não é uma realidade institucional deslocada das relações sociais. A resolução desse paradoxo fica mais clara quando a atenção se volta à relação entre o político, entendido como o plano das lutas sociais presentes em uma dada formação social, e a política, percebida como o plano das estruturas que, ao condensarem as contradições sociais e agirem junto ao tecido social, moldam e, direta ou indiretamente, são por elas moldadas (Poulantzas, [1978] 2015; Mouffe, 2015MOUFFE, Chantal. (2015), Sobre o político. São Paulo, WMF Martins Fontes.).
A AER fornece pelo menos três argumentos básicos que ajudam nessa análise, quais sejam:
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Embora o aparato institucional tenha recursos próprios e poderes distintos em relação a outras organizações societárias, o Estado, sendo também elemento constituído e constituinte da sociedade, depende de uma série de recursos materiais e simbólicos de diferentes instituições, tais como a família, a religião, os costumes étnicos e a economia.
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Como destaca Jessop (2009JESSOP, Bob. (2009), “The State and power”. In: CLEGG, Stewart R. & HOUGAARD, Mark (orgs.). The sage handbook of power. Los Angeles; Londres; Nova Delhi; Cingapura e Washington, Sage, pp. 367-382., p. 376), ainda que as estruturas estatais possam impactar de forma diferenciada as capacidades dos diferentes agentes societários de “perseguirem interesses e estratégias particulares em contextos específicos por meio do seu controle sobre e/ou acesso (in)direto a essas capacidades estatais”, criando, por exemplo, restrições e/ou facilitações no processo de institucionalização de demandas e agendas políticas, a efetividade dessas capacidades não é um fato em si, pois elas “dependem das ligações com forças e poderes que existem e operam além dos limites formais do Estado” (Ibidem).
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Desta forma, a própria natureza e a extensão da realização das capacidades estatais mantêm ligações estruturais estabelecidas com as instituições societárias. Por exemplo, ligações “entre políticos e funcionários do Estado e outras forças políticas e da complexa rede de interdependências estruturais e redes estratégicas que ligam o sistema estatal ao seu ambiente social mais amplo” (Idem, pp. 376-377). O resultado dessas ligações pode ser a inserção e a sedimentação de significados produzidos e mobilizados pelas experiências organizacionais societárias no interior do discurso institucional, bem como a aprendizagem institucional por parte das organizações societárias.
Sobre este último ponto, argumento similar é percebido em Szwako e Gurza Lavalle (2019SZWAKO, José & GURZA LAVALLE, Adrian. (2019), “Seeing like a social movement: Institucionalização simbólica e capacidades estatais cognitivas”. Novos Estudos Cebrap, 38 (2): 411-434.) a partir do conceito de “capacidades estatais cognitivas”. Conforme os autores, as dinâmicas de interação socioestatal podem gerar um processo de institucionalização de categorias, ideias e ideais das organizações societárias, incidindo sobre as capacidades de ação do Estado via políticas públicas. Similar, também, é o conceito de “incubadores institucionais” em Houtzager (2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322.), para o qual as instituições, como o Estado, podem agir no sentido de potencializar a formação e a mobilização das organizações sociais por meio de seus recursos materiais e simbólicos. Por fim, também há correspondência no conceito de “programas associativos” em Tatagiba e Teixeira (2021TATAGIBA, Luciana & TEIXEIRA, Ana C. C. (orgs.). (2021), Movimentos sociais e políticas públicas. São Paulo, Editora Unesp.). Conforme destacam as autoras, a concepção associativa de uma política diz respeito tanto à busca por uma melhor qualidade e sustentabilidade dirigidas aos projetos executados, como à promoção da cidadania e do empoderamento do público-alvo. A ideia básica de um “programa associativo” consiste na apropriação criativa das próprias experiências e discursos dos públicos-alvo para fortalecê-los, estimulando a organização coletiva do público-alvo das políticas - todos esses conceitos, em alguma medida, preveem ligações estruturais como mútua constituição.
Esse “retorno relacional do Estado”, operado pela AER e também por abordagens institucionalistas, representa um passo além de ressaltar a importância das instituições e capacidades estatais de se inserirem e produzirem efeitos sobre a sociedade. A partir dessas abordagens, compreendo que “trazer o Estado de volta” significa, antes, trazer novamente as ligações estruturais entre o político e a política ao debate e perceber como ambos se coproduzem. Jessop ajuda nesse sentido, ao salientar que à AER cabe examinar:
[…] como um determinado aparato estatal pode privilegiar alguns atores, algumas identidades, algumas estratégias, alguns horizontes espaciais e temporais, e algumas ações sobre outras, bem como os meios, se houver, através dos quais os atores políticos (individuais e/ou coletivo) consideram esse privilégio diferencial ao escolher um curso de ação a partir da análise do “contexto estratégico”. O que implica explorar as maneiras pelas quais o Estado, como um conjunto de instituições, tem um impacto específico e diferenciado na capacidade de várias forças políticas de perseguirem interesses e estratégias particulares por meio do acesso e controle de determinadas capacidades estatais - elas mesmas dependentes de seus efeitos nas ligações com forças e poderes além do Estado. A AER também estuda variações nessas capacidades, sua organização e exercício, e enfatiza como a natureza relacional do poder do Estado [diretamente relacionadas à esfera societária] tem efeitos sobre as capacidades estatais de projetar seu poder em esferas sociais bem além de suas próprias fronteiras institucionais (Jessop, 2009JESSOP, Bob. (2009), “The State and power”. In: CLEGG, Stewart R. & HOUGAARD, Mark (orgs.). The sage handbook of power. Los Angeles; Londres; Nova Delhi; Cingapura e Washington, Sage, pp. 367-382., p. 378, acréscimo meu).
Desses argumentos também se depreende que o Estado é uma necessidade contingente, o que significa que não existe um fundamento último que possa indicar sua existência, sua fonte originária de poder, tampouco sua natureza a priori que seja fora da relação Estado-e-sociedade:
[…] “necessidade contingente” indica tanto a determinação causal de fato (necessidade) de eventos e fenômenos quanto sua indeterminabilidade ex ante (contingência). Em outras palavras, eventos e fenômenos são o produto da interação não necessária entre diferentes cadeias causais para produzir um resultado definido que primeiro se tornou necessário através da articulação contingente de várias cadeias causais […].
Além disso, se existirem “necessidades contingentes”, para explicá-las adequadamente, é necessário combinar conceitos, suposições e princípios de análise de diferentes domínios teóricos e vinculá-los a um explanandum teoricamente definido […].
A “necessidade contingente” indica certas propriedades dos fenômenos “reais-concretos” e explora suas implicações ontológicas, epistemológicas, metodológicas e substantivas (Jessop, 2008JESSOP, Bob. (2008), State power. A strategic-relational approach. Cambridge, Polity Press., pp. 229; 230; 232).
Argumentar nestes termos não significa, vale destacar, uma virada pré-moderna, no sentido de uma nova fusão Estado-na-sociedade, nem uma leitura de dissolução do Estado como uma espécie de simples “convenção comunicativa” entre os indivíduos. O Estado não é nem uma coisa ou sujeito dotado de substância em si mesmo, nem uma simples convenção social. Em um nível conceitual (uma primeira definição), o Estado é uma relação contingencialmente construída a partir de relações-de-relações, de relações entre agentes societários-em-relação. Os contornos do seu caráter necessário, por essa leitura, não são dados, e, como já assinalou Mann ([1984] 1992), dizer que o monopólio da produção normativa obrigatória é a principal base da necessidade do Estado não resolve satisfatoriamente o problema da origem e do poder do Estado.
A separação entre Estado e sociedade, fruto do projeto político moderno, como já destacado por Lefort (1988LEFORT, Claude. (1988), Democracy and political theory. Cambridge, Polity Press.), marcou a problematização da desfundamentação do social em relação a uma unidade fundante do poder (fundacionalismo): o rei e a monarquia como fundamentos do social nos Antigos Regimes europeus, a relação entre o Estado e a Igreja como fonte de justificação política e social etc. Todavia, isso não significou o início de uma experiência de ausência radical de fundamentos (antifundacionalismo). Não é pelo fato de o Estado moderno não ser o centro fundante do poder nas sociedades democráticas contemporâneas, que ele não seja, em última instância, uma comunidade simbólica que representa a unidade de racionalização política, econômica e cultural da sociedade, tampouco uma realidade abstrata, uma convenção. O Estado não é uma coisa nem outra, porque ele não é nem uma unidade homogênea, nem um Sujeito racionalizante e neutro que, pairando acima e fora da sociedade, é capaz de promover uma completa integração/controle social, seja através de complexas estruturas normativo-disciplinares de controle, seja por meio da construção de amplos consensos em torno do bem comum (Poulantzas, [1978] 2015; Jessop, 1982JESSOP, Bob. (1982), The capitalist State: Marxist theories and methods. Oxford, Martin Robertson & Company., 2009).
Ao contrário dessas abordagens, e seguindo a AER, compreendo o Estado como uma relação social8 8 . Desenvolvo esse argumento da AER em outro texto (Marques, no prelo, 2023b). . Nesses termos, o seu poder e suas capacidades, ou a origem do poder do Estado, são também relacionais. Como uma relação social, o Estado, em seu sentido mais geral, passa a ser compreendido como o resultado contingencial da condensação institucional e discursivamente mediada das relações e das mudanças de equilíbrio político entre agentes societários em uma dada sociedade, o que envolve disputas em relação à organização institucional do governo e aos significados sobre o Estado9 9 . O Estado também representa uma função semiótica (Jessop, 2005; 2017), isto é, a produção de significados que envolvem, por exemplo, os seus “papéis”. Por exemplo, o Estado deve ou não promover políticas sociais e identitárias? É preciso destacar que os sentidos do Estado são discursivamente disputados por diferentes projetos políticos. (polity), aos conteúdos da política (politics) e à ação política (policies) junto à sociedade (Poulantzas, [1978] 2015; Jessop, 1982JESSOP, Bob. (1982), The capitalist State: Marxist theories and methods. Oxford, Martin Robertson & Company., 2008, 2009, 2017).
Essa definição indica que o Estado tende a comprimir uma função estrutural especial nas sociedades democráticas contemporâneas - na qualidade de espaço e mecanismo de dominação política -, por meio da produção de normativas obrigatórias e, em alguma medida, do equilíbrio desigual de antagonismos (não de integração ou completo controle): o Estado preenche estratégica e seletivamente a função operativa de fator de organização institucional entre as forças políticas em tensão numa determinada formação social. Isso não significa uma absorção de toda a estrutura societária, sobrando aos agentes societários apenas estratégias de contrapoder, tampouco que sua ação esteja orientada por uma função determinada (e.g. Estado como estrutura que age em defesa dos interesses das classes dominantes). Como não há qualquer fundamento que determine o caráter relacional do social (dimensão ontológica), será a forma como essa condensação se constituirá que dará os contornos da realidade objetal do Estado - nada pode determinar esse processo, dada a contingencialidade.
Uma rápida nota se faz necessária antes de finalizar a seção. Utilizei o termo mediação para fazer referência ao Estado. A mediação, a partir de Jessop, indica o aparato estatal não como espaço de neutralidade e equilíbrio harmonioso entre as forças políticas em uma determinada sociedade (agente mediador de conflitos), mas como um complexo institucional policêntrico, estrutural e discursivamente seletivo que, a depender da condensação institucional e discursivamente mediada das relações e das mudanças de equilíbrio político entre agentes societários em uma dada sociedade, “oferece chances desiguais a diferentes forças dentro e fora do Estado para agirem com diferentes finalidades políticas” (Jessop, 1991, p. 93). Sua função estrutural especial (mediação), portanto, é radicalmente política, contingencial, estratégica, discursiva e seletivamente construída a partir da forma como as relações entre as forças políticas em tensão (o político) se condensam no interior do aparato estatal (a política):
Nunca se chega a um ponto em que, em um território determinado, o Estado esteja finalmente construído e a partir do qual funciona, por assim dizer, no piloto automático, de acordo com suas leis próprias, fixas, definidas e inevitáveis. Tampouco, sendo menos exigente, se chega a um momento em que um único projeto de Estado se torne suficientemente hegemônico que todos os administradores estatais se limitem a aplicar um modelo algorítmico de suas funções e interesses como membros de uma classe dirigente diferenciada. O que se pode afirmar com certeza do Estado, como e em que medida isso pode ser feito, depende do resultado contingente e provisório dos conflitos para a realização de “projetos estatais” mais ou menos específicos (Jessop, 2017JESSOP, Bob. (2017), El Estado. Passado, presente, futuro. Madri, Catarata., p. 137, grifo do autor).
A recusa de um caráter determinadamente (fundamento) e o destaque para a explicação relacional na análise do Estado se justificam devido à complexidade polimórfica e policontextual do Estado10 10 . Essa complexidade é o que reflete as diferentes ênfases sobre o Estado: “o despotismo burocrático (Wittfogel, 1957), a autoridade tecnocrática (Bentham, 1970), um Estado étnico ou racial (Goldberg, 2002), um Estado de apartheid (baseado na separação étnica, Price, 1991), um Estado patriarcal (o patriarcado em geral, MacKinnon, 1989; Brown, 1992) ou um Estado ético-político (Gramsci, 1971)” (Jessop, 2017, p. 85). . O que a AER busca ressaltar, e isso é fundamental neste artigo, é o argumento de que não é possível, nem salutar, seja para uma adequada explicação sobre o Estado moderno, seja para a leitura da mudança social, determinar um caráter fundante do Estado, ainda que, em um determinado contexto ou em um determinado setor, se sobressaia um traço mais ou menos específico.
Pensar a partir deste registro exige escapar tanto das abordagens centradas no Estado, as quais tendem a percebê-lo como um “Sujeito” radicalmente autônomo e uma instância neutra e racionalizante da sociedade, quanto das abordagens centradas na sociedade. Essas últimas, em especial, cambiam entre (I) uma compreensão do Estado como um instrumento de poder da classe dominante (burguesia), portanto uma unidade em si, fechada exclusivamente em torno dos interesses sociais, políticos e econômicos da classe dominante, (II) e uma leitura do Estado como um instrumento aberto às diferentes clivagens sociais em conflito na sociedade (leitura contextualista), por conseguinte uma arena, um “espaço vazio” a ser preenchido e gerido por alguma particularidade voluntarista (Marques, no prelo 2023bMARQUES, Marcelo de S. (2023b), “O Estado como uma relação social: consequências teórico-analíticas da (re)leitura relacional”. Sociedade & Estado [no prelo].).
O argumento relacional exige, pois, a recusa tanto das abordagens estadocêntricas como das sociocêntricas, porque ambas destacam uma relação de externalidade - ou relacionismo11 11 . Uma leitura relacionista só permite perceber relações entre fenômenos (e.g. sociedade civil e subsistemas) e não os fenômenos como relação. Desenvolvo essa crítica em outro trabalho (Marques, no prelo, 2023a) - especificamente contra a tradição habermasiana de sociedade civil. - entre Estado e sociedade, sendo que, na verdade, são estruturas relacionais mutuamente constitutivas. Este segue sendo o grande desafio: pensar relacionalmente o Estado (Estado-e-sociedade) exige um esforço de concebê-lo como “parte de uma teoria mais abrangente de sociedade, mas é justamente na articulação entre Estado e sociedade que muitos dos problemas não resolvidos da teoria do Estado são localizados” (Jessop, 2009JESSOP, Bob. (2009), “The State and power”. In: CLEGG, Stewart R. & HOUGAARD, Mark (orgs.). The sage handbook of power. Los Angeles; Londres; Nova Delhi; Cingapura e Washington, Sage, pp. 367-382., p. 371). Pode-se acrescentar a esse desafio a promoção de um debate em um terreno em que muitos dos pressupostos das abordagens fronteiriças, essencialistas e contextualistas ainda estão sedimentados, o que exige um esforço pluriteórico e a construção de “convergências críticas” para o desenvolvimento de uma perspectiva de mútua constituição.
Pós-fundacionalismo, contingência e relacionalidade na Perspectiva da Pólis
Os argumentos pós-fundacionais, contingenciais e relacionais também podem ser percebidos na Perspectiva da Pólis. Isso fica claro, por exemplo, na assertiva de Houtzager, Gurza Lavalle e Acharya (2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322., p. 261), para os quais “as capacidades de ação das organizações civis e do Estado são produto de uma história interativa e contingente de mútua constituição”. Nesses termos, não pode haver margens para determinações e contextualismos na explicação sobre as interações socioestatais. Tendo isso em vista, destacarei a seguir como esta tradição constrói esse argumento desde a sua principal base, o “enfoque centrado na organização política” (Polity-Centered Approach) em Skocpol (1996SKOCPOL, Theda. (1996), Los origenes de la politica social en los Estados Unidos. Madri, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. 12 12 . Trata-se do clássico livro Protecting Soldiers and Mother. The political origins of social policy in the United States, originalmente publicado em 1992 - edição em espanhol de 1996. ), e se desenvolve em argumentos institucionalistas mais recentes.
Nessa abordagem, ao contrário de seus estudos anteriores voltados à agenda Bringing the State Back In (Evans, Rueschemeyer e Skocpol, 1985SKOCPOL, Theda. (1985), “Bringing the State Back In: Strategies of analysis in current research”. In: EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich & SKOCPOL, Theda (orgs.). Bringing the State Back In. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 3-43.), cuja análise ainda concebia as organizações estatais e as elites como elementos analíticos centrais, dotados de uma autonomia tendencialmente absoluta em relação aos agentes societários e, portanto, de uma abordagem ainda centrada no Estado, Skocpol aprimorou o argumento sobre as ações e as mudanças institucionais, destacando que a análise necessitava perceber os processos políticos e “identificar os grupos ativos na política, os recursos que estes podem aportar na estruturação de alianças ou em conflitos mútuos”, buscando compreender, também, como as “mudanças nas configurações institucionais das organizações políticas nacionais proporcionam vantagens a algumas estratégias e perspectivas ideológicas e impedem outras” (Skocpol, 1996, p. 50; 51). Com isso, estruturou uma análise que informa a presença e a ação estratégica de agentes políticos na consideração das transformações institucionais, os efeitos das instituições sobre os grupos sociais e o processo de encaixe institucional de grupos sociais13 13 . Conferir também Soares Filho (2023, pp. 144-147). .
A despeito dos ajustes de caráter relacional e da tentativa de saída do registro estadocêntrico, as críticas aos limites relacionais em sua obra se mantiveram. No ano de 2007, na ocasião do recebimento do Prêmio Johan Skytte em Ciência Política, Skocpol fez um levantamento de suas agendas de pesquisa para também rebater as críticas. Ao comentar a agenda Bringing the State Back In, enfatizou que os objetivos consistiam em tratar a política e a formulação de políticas públicas não como reflexo direto, um subproduto, da dinâmica social, cultural e/ou econômica. Procurava, portanto, romper com uma tradição teórica “centrada na sociedade”.
Ao propor essa mudança, Skocpol buscou uma melhor conceituação das estruturas e capacidades estatais14 14 . Informada por Skocpol, a noção de capacidade estatal é retomada com centralidade teórico-analítica por Gurza Lavalle et al. (2019, pp. 57-69) na análise da dinâmica de institucionalização dos interesses e demandas societárias. “para explicar mais adequadamente como os Estados são formados e reorganizados e para explorar, em diferentes cenários, como afetam as sociedades por meio de suas intervenções - ou abstenções - e por meio de suas relações com grupos sociais” (Skocpol, 2008, p. 110). Para a autora, o projeto Bringing the State Back In fora mal caracterizado. Ao contrário das críticas, Skocpol (2008, p. 111) argumenta que não “estava sugerindo qualquer tipo de determinismo político” (leitura “estadocêntrica”), nem um completo descarte de abordagens “centradas na sociedade”, e sim uma “abordagem totalmente relacional”. No entanto, para a crítica, o centralismo analítico nas organizações estatais e o seu caráter contextualista não foram totalmente deslocados, mantendo-se como parte dos pilares de sua estrutura teórico-analítica: o caráter relacional parece ser sempre na direção do Estado para a sociedade, caracterizando mais um relacionismo que propriamente uma abordagem relacional15 15 . Para uma leitura sobre os limites contextualista-relacionais do enfoque de Skocpol, conferir Gurza Lavalle et al. (2019, pp. 42-53; 60-63). .
Apesar das críticas, com esse movimento, Skocpol obteve maior êxito no deslocamento de uma abordagem State-Centered para a Polity-Centered Approach. Isso lhe permitiu tecer críticas pertinentes a diferentes abordagens essencialistas, deterministas e demasiadamente culturalistas (abordagens centradas na sociedade) na análise da origem e desenvolvimento/mudança das políticas de seguridade social nos Estados Unidos e do processo de organização social, especialmente das mulheres/mães, a partir de suas relações com a esfera política.
A despeito da persistência da explicação a partir das estruturas institucionais na análise do processo de encaixe das demandas sociais, tais como disposições institucionais, instituições governamentais, regras eleitorais, partidos políticos e as políticas públicas anteriores (path dependence), bem como para a explicação do processo de organização das mulheres em associações (Skocpol, 1996SKOCPOL, Theda. (1996), Los origenes de la politica social en los Estados Unidos. Madri, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales., pp. 54; 67; 92; 95-98; 683-687), as inovações promovidas por Skocpol possibilitaram uma leitura “mais relacional” quando comparada à agenda anterior - esta é a consideração central buscada no artigo. Com isso, forneceu à tradição histórico-institucional novas e importantes ferramentas analíticas e metodológicas para a análise das interações socioestatais e as mudanças políticas, ainda que, conforme a crítica de Gurza Lavalle et al. (2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86., pp. 25-29; 42-52), muitos desses aspectos, especialmente os que envolvem a construção do conceito de encaixes, tenham permanecido subteorizados16 16 . A síntese da crítica dos autores é apresentada por Soares e Filho (2023, p. 147): “A principal crítica à autora é por não alcançar mecanismos teóricos atentos à caracterização da institucionalização obtida pelos atores em movimento […]. O conceito de domínio de agência concede maior sensibilidade qualitativa à caracterização das configurações dos encaixes. Pode-se dizer que o conceito define as características associadas aos encaixes”. Para um avanço nesse sentido, que informa tipos de encaixes referentes a processos de institucionalização específicos (programático, posicional, simbólico e prático), ver a sistematização de Sanchez, Rodrigues e Braga, em entrevista com Gurza Lavalle, Carlos, Szwako e Dowbor (2022, p. 275), operada a partir de Gurza Lavalle e Szwako (2015). . O trabalho de Skocpol teve importantes desdobramentos:
A abordagem ensejou desdobramentos analíticos e de pesquisa em duas direções complementares - contextual e relacional -, mas com implicações teóricas distintas para a compreensão da ação coletiva. De um lado, em registro contextualista, a proposta da autora estimulou estudos atentos à influência institucional do Estado e do sistema político sobre a disposição de agir e as capacidades de ação dos atores sociais; de outro, em registro relacional e atento à gênese, animou indagações debruçadas sobre a construção histórica dessas capacidades em termos da moldagem de encaixes institucionais ou entradas preferenciais (points of access) arquitetados pelos atores sociais no Estado (engineering fit). No primeiro caso, a adequação ou encaixe (fit) das formas e recursos organizacionais dos atores ao contexto macro e meso institucional favoreceria sua capacidade e disposição de agir. Corresponderia àquilo que Skocpol (2008SKOCPOL, Theda. (2008), “Bringing the State Back In: Retrospect and prospect”. Scandinavian Political Studies, 31 (2): 109-124.) denominou de “efeitos indiretos” do Estado sobre a ação dos atores sociais. No segundo caso, as instituições não são contexto externo, mas produzidas no processo de construção das capacidades de ação dos atores ou, de modo mais preciso, embora abstrato, são endógenas ao processo estudado e não exógenas ou meramente contextuais (Gurza Lavalle et al., 2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86., p. 45).
Nesse processo de “virada relacional institucionalista”, o conceito de encaixes, bem como a sua lógica relacional e reflexiva, passou a ganhar cada vez mais importância nas leituras baseadas na Perspectiva da Pólis. Em sua apresentação seminal, os encaixes são percebidos como “pontos de acesso e de influência, historicamente mutáveis, permitidos pelas instituições políticas da nação” (Skocpol, 1996SKOCPOL, Theda. (1996), Los origenes de la politica social en los Estados Unidos. Madri, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales., p. 75). Vale destacar que, embora “permitidos pelas instituições políticas”, os encaixes não são simples produtos de engenharia institucional cujo objetivo seja absorver os agentes e as organizações societárias em um processo simples, e analiticamente simplista, de cooptação das organizações societárias. O conceito indica complexas interações em diferentes níveis, espaços e hierarquias políticas. Como salientam Sanchez, Rodrigues e Braga em entrevista realizada com Gurza Lavalle, Carlos, Szwako e Dowbor (2022, pp. 272-273):
O conceito de encaixes é amplo o suficiente para abarcar uma grande diversidade de instâncias empíricas, desde reuniões regulares com o poder público, participação em conselhos de políticas públicas, até a aprovação de projetos de leis, emendas constitucionais, regulações infralegais, passando pela criação de programas, órgãos, organismos, pela adoção de categorias simbólicas oriundas da linguagem dos movimentos sociais e pela adoção de instrumentos específicos de políticas públicas.
Embora a abordagem de Skocpol (1996SKOCPOL, Theda. (1996), Los origenes de la politica social en los Estados Unidos. Madri, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales.) ainda confira certa primazia à dimensão estrutural e aos atores institucionais ou alocados na instituição (políticos e administradores), inclusive para explicar o sucesso dos encaixes, bem como argumente que os Estados “são organizações dotadas de autoridade e recursos - coletores de impostos, centros de autoridade cultural e guardiões dos meios de coação -, [e] lugares de ação autônoma” (Skocpol, 1996, p. 76, acréscimo meu), compreendo que existe margem para uma compreensão “mais relacional” na interpretação do conceito de encaixe. Não apenas nesse conceito em particular. De forma mais ampla, o “olhar relacional”, como já destacaram Gurza Lavalle et al. (2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86.), atravessa a contribuição de Skopol (1922).
A Polity-Centered Approach propõe que a análise da mudança social e da produção de políticas públicas deve se atentar tanto aos fatores societários (o político) como aos fatores político-institucionais (a política), para que, desta forma, não recaia nem em um “determinismo societário”, nem, ao contrário, em um “determinismo político” (Skocpol, 1996SKOCPOL, Theda. (1996), Los origenes de la politica social en los Estados Unidos. Madri, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales., p. 83). Por meio dessa leitura, o conceito de encaixe pode ser lido a partir de uma dimensão “mais relacional” e, como mostrarei a seguir, contingencial: os encaixes como efeitos emergentes das relações entre Estado e sociedade, o que significa que, para sua adequada compreensão, é preciso considerar a relação Estado-e-sociedade e sua contingencialidade inerente.
Esse argumento fica mais claro quando a atenção se volta para a indicação de Skocpol (1996SKOCPOL, Theda. (1996), Los origenes de la politica social en los Estados Unidos. Madri, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales., p. 75) de que os encaixes devem ser compreendidos a partir da relação “entre as metas e as capacidades dos diversos grupos politicamente ativos”. Por grupos politicamente ativos, Skocpol se refere, em diferentes momentos da obra, tanto aos grupos de interesses, às organizações empresariais, aos políticos eleitos, aos funcionários da burocracia e às associações de mulheres/mães, e não apenas aos grupos e atores que fazem parte da estrutura política stricto sensu. Por capacidades, refere-se tanto às capacidades organizacionais (e de ação desses grupos junto às instituições) quanto à capacidade de formação de alianças “dentro” e “fora” da estrutura institucional. Esse foi o caso dos grupos de mulheres e seu êxito em levar adiante as políticas de seguridade social nos Estados Unidos (Skocpol, 1996, pp. 416-680).
A despeito de certa primazia da explicação institucional na compreensão dos encaixes na análise de Skocpol, a autora informa que é necessário considerar a capacidade dos agentes societários tanto em se organizarem política e institucionalmente como em arquitetarem, viabilizarem, interpretarem o contexto e construírem encaixes:
Sem burocracias governamentais ou uma igreja estabelecida, a política federal dos Estados Unidos deixou um amplo espaço para associações voluntárias. E segundo os padrões internacionais, as estadunidenses eram mulheres altamente educadas e bem preparadas para participar da vida comunitária […]. Nesse amplo espaço entraram grupos de mulheres dispostas a organizar as agendas do debate público e legislativo […].
[…] os tipos de capacidades organizacionais e retóricas que as numerosas associações maternalistas aplicaram à política social dos Estados Unidos, no início do século XX, encontraram um “encaixe” surpreendentemente bom para os pontos de influência judicial e legislativa disponíveis na época, em um momento em que o status dos tribunais e dos partidos estava experimentando uma transformação desigual e fragmentária em direção a um sistema de governo parcialmente burocrático e orientado para grupos de interesse (Skocpol, 1996SKOCPOL, Theda. (1996), Los origenes de la politica social en los Estados Unidos. Madri, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales., pp. 685-686; 687).
Outro elemento a ser destacado, levando às últimas consequências a identificação de sua dimensão relacional, estratégica e contextual presente no desenvolvimento da explicação institucionalista, e que será fundamental na Perspectiva da Pólis, é que os encaixes são construções contextual e estrategicamente seletivas, portanto, contingencialmente estruturadas e atravessadas por disputas, seja para sua construção, seja para sua modificação ou mesmo extinção. O que determina se um ambiente institucional é receptivo ou não a processos de encaixes de certos grupos societários, e não de outros, é a própria configuração institucional, isto é, a forma como as forças políticas se encontram condensadas institucional e discursivamente e constroem ou modificam as instituições.
Por esta leitura, que busca salientar as implicações mútuas entre o político e a política no Polity-Centered Approach, também é possível localizar as contribuições do institucionalismo histórico para se pensar, assim como na AER, o Estado como campo atravessado e constituído por disputas. Isso porque, como nos informa a autora:
[…] a estrutura geral das instituições políticas proporciona acesso e influência a alguns grupos e alianças, encorajando e recompensando seus esforços para configurar as políticas governamentais enquanto, simultaneamente, se nega acesso e influência a outros grupos e alianças que operam na mesma organização política nacional. Isto significa que o grau de êxito que logra qualquer grupo ou movimento politicamente ativo não é influenciado somente pela consciência de si, e a “mobilização de recursos” desta mesma força social […] depende [também] das oportunidades relativas que as instituições políticas existentes oferecem ao grupo ou movimento em questão e, simultaneamente, das que negam a seus adversários e competidores (Skocpol, 1996SKOCPOL, Theda. (1996), Los origenes de la politica social en los Estados Unidos. Madri, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales., p. 91, destaque da autora; acréscimo meu).
Essa leitura relacional nos leva a uma crítica pontual sobre a forma como o conceito foi recentemente retomado por Gurza Lavalle et al. (2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86.). O caráter relacional, contingencial e politicamente tensionado que busco identificar no conceito parece ter sido relativamente esvaziado na definição dos autores na discussão sobre os domínios de agência, para os quais:
Encaixes, em formulação mais restritiva e relacionalmente mais radical, são aqui definidos como sedimentações institucionais de processos de interação socioestatal que ganham vida própria (artefatos: instrumentos, regras, leis, programas, instâncias, órgãos) e mediante os quais atores sociais são, em alguma medida, bem-sucedidos em dirigir de modo contínuo a seletividade das instituições políticas ao seu favor, ampliando sua capacidade de agir […] um processo em construção contínua que supõe ação e atores […]. Encaixes arquitetados pelos atores no Estado e domínios de agência que conferem legitimidade de agir e poder de influência na política e no processo de decisão são construções históricas contingentes e não fatalidades (Gurza Lavalle et al. 2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86., p. 47; 54, destaques meus).
Primeiramente, devo ressaltar que a ideia de sedimentação, desde a sua tradição fenomenológica em Husserl (Marques, 2020MARQUES, Marcelo de S. (2020), “Status ontológico da Teoria do Discurso (TD) em Laclau e Mouffe: diálogos, perspectivas teóricas e conceitos básicos”. Dados, Rio de Janeiro, 63 (2): 1-33.), deve ser lida, nos termos aqui propostos, como processos graduais de institucionalização, considerando as interações socioestatais. Essa compreensão não é estranha à leitura de Gurza Lavalle et al. (2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86.): pelo contrário, como se destaca na citação anterior, os autores estão cientes dos processos e disputas em torno da construção e manutenção (institucionalização) dos encaixes. No entanto, surge um problema quando informam a ideia de “ganham vida própria”, ainda que também informem tratar-se de um “processo em construção contínua” e “construções históricas contingentes e não fatalistas”.
Isso porque, como nos ajuda a pensar Ernesto Laclau (2000LACLAU, Ernesto. (2000), Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. 2 ed. Buenos Aires, Nueva Visión.), a sedimentação informa um efeito de ocultamento da contingencialidade por meio da rotinização, conferindo aspectos de cristalização de algo que é radicalmente contingencial. Quando algo é sedimentado (e.g. um discurso, uma política pública, um domínio de agência etc.), “o sistema de possibilidades alternativas tende a desvanecer-se e os traços da contingência originária a apagar-se” (Laclau, 2000, p. 51). Ou seja, “o instituído tende a assumir a forma de uma mera presença objetiva”. É sobre a ideia de “presença objetiva” que destaco a crítica aos autores.
Ao longo da argumentação de Gurza Lavalle et al. (2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86.), fica claro que a compreensão dos autores se mantém fiel ao conceito original apresentado por Skocpol. Os autores evidenciam que a construção de encaixes não deriva necessariamente de um ato decisional, mas expressa o resultado de complexas interações processuais entre agentes societários e esfera institucional, podendo ou não ser contínuo. No entanto, como apontado, toda sedimentação é contingencial; está sujeita a questionamentos sobre sua validade e, portanto, a sua “presença objetiva” deve ser compreendida como sempre precariamente estabelecida.
Isso significa dizer que da mesma forma que não é possível garantir a priori a construção de encaixes, pois eles dependem das interações e mecanismos relacionais contingencialmente estruturados, uma vez instituídos, não podem ter sua manutenção definitivamente fundamentada. A ideia de sedimentação, em uma leitura que se pretende “relacionalmente mais radical”, como expresso por Gurza Lavalle et al. (2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86.), não pode indicar esse processo de fechamento. Isso porque os encaixes são passíveis de disputas políticas e de influências diretas das mudanças da configuração institucional promovidas pelas forças políticas em jogo17 17 . Elementos desse argumento também são apresentados por Sanchez, Rodrigues e Braga (2022, pp. 273-274), no trabalho de entrevista com Gurza Lavalle, Carlos, Swako e Dowbor. Como destacam: “Os encaixes, apesar de apresentarem um determinado grau de institucionalização, são passíveis de desinstitucionalização […] os encaixes também podem ser disputados e eventualmente utilizados por atores outros aos que engajaram na sua produção”. . Ou seja, ainda que a sua sedimentação seja bem-sucedida por meio do estabelecimento de leis, normas e regras, tornando-se parte da estrutura política no interior de uma trajetória institucional (path dependence), e, como toda política, embora inevitavelmente promovam efeitos feedbacks para políticas e ações futuras, os encaixes podem ser reativados, isto é, podem ser discursiva e institucionalmente questionados ou modificados.
Esse argumento indica que é preciso considerar: (i) as ações dos agentes institucionais e societários e seus tensionamentos; (ii) os conflitos por recursos entre diferentes instituições ou a incidência direta ou indireta de uma instituição sobre a outra (e.g. mudanças de regras ou do entendimento sobre as regras de uma instituição podem provocar choques em outras); (iii) e disputas internas, em uma mesma instituição, pelo entendimento das regras organizativas (não necessariamente as regras precisam mudar, a mudança discursiva sobre a interpretação das regras já é suficiente para provocar alterações significativas). Essa crítica, contudo, não significa que as experiências de sedimentação institucionais não apresentem certa persistência/estabilidade. O que deve ser ressaltado é que a ideia de persistência/estabilidade não pode ser uma explicação que se origina e se esgota nas próprias experiências, uma vez cristalizadas. Mantê-la requer uma mobilização discursiva contínua de apoio político e esforços com o objetivo de contornar demandas internas e externas que são constantemente apresentadas nas interações socioestatais (Mahoney; Thelen, 2010MAHONEY, James & THELEN, Kathleen. (2010), “A theory of gradual institutional change”. In: MAHONEY, James & THELEN, Kathleen (orgs.). Explaining institutional change: ambiguity, agency and power. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 1-37.). Afinal, as restrições sociais, políticas e econômicas são cambiantes, os princípios éticos, políticos e morais estão em constantes disputas discursivas na sociedade, o ordenamento e a interpretação das regras jurídicas e legislativas não são estáticos, bem como mudam as forças políticas das coalizões governamentais e a própria disputa política por recursos (materiais e simbólicos) no interior das instituições e entre diferentes instituições do Estado. Em suma, os instrumentos, regras, leis, programas, instâncias que estruturam as experiências institucionais podem ser alterados, podem ser politicamente desidratados ou mesmo extintos, o que se entende por reativação - vide as experiências recentes no contexto brasileiro durante o governo Bolsonaro. Recorrendo novamente a Laclau:
A reativação, portanto, não consiste em um retorno à situação original, mas apenas em redescobrir, por meio do surgimento de novos antagonismos, o caráter contingente da pretendida “objetividade”. Mas essa redescoberta pode, por sua vez, reativar a compreensão histórica dos atos originários da instituição, na medida em que formas adormecidas, que eram consideradas simples objetividade e tidas como garantidas, agora se revelam como contingentes e projetam essa contingência para suas próprias origens (Laclau, 2000LACLAU, Ernesto. (2000), Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. 2 ed. Buenos Aires, Nueva Visión., p. 51, destaque meu).
Essa crítica parte da compreensão de que a (re)produção das estruturas é sempre tendencial, considerando que as instituições são fenômenos dinâmicos e “instrumentos distributivos carregados de implicações de poder” (Mahoney e Thelen, 2010MAHONEY, James & THELEN, Kathleen. (2010), “A theory of gradual institutional change”. In: MAHONEY, James & THELEN, Kathleen (orgs.). Explaining institutional change: ambiguity, agency and power. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 1-37., pp. 7-8). Nesse sentido, compartilho os argumentos de Gurza Lavalle, para o qual “nem todo ponto de acesso é, para nós, um encaixe”18 18 . Resposta de Guzar Lavalle, em entrevista a Sanchez, Rodrigues e Braga (2022, p. 280), na distinção entre diferentes possibilidades de acessos ao Estado e um encaixe propriamente dito. . No entanto, há que se ressaltar, a partir de um ponto de vista também relacional, contingencial e pós-fundacional, que qualquer resultado de um processo de institucionalização de interação socioestatal (um encaixe propriamente dito) nunca estará finalmente fundamentado. Se aceitássemos o argumento que indica que os encaixes “ganham vida própria”, haveria o risco de cair, novamente, na ideia de autonomia absoluta das instituições19 19 . Vale destacar que os autores (e organizadores) de Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição recentemente indicaram, de forma mais clara, os argumentos que estou a ressaltar, evidenciando que não é possível garantir a ou assumir a ideia de sedimentação como algo fundamentado (“ganham vida própria”). Conferir em entrevista a Sanchez, Rodrigues e Braga (2022, pp. 285-286). .
Outro importante elemento a ser destacado da PP é a análise das interações entre o Estado e os agentes societários a partir da compreensão das ligações estruturais - como abordado na seção anterior, essa ideia também se faz presente na AER. As ligações são compreendidas como “arranjos institucionais - estruturas legais e organizações administrativas - e políticas públicas por meio dos quais o Estado exercita suas diversas funções produtivas, sociais e regulatórias” (Houtzager, 2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322., p. 34). Como mecanismos relacionais que atam o Estado e a sociedade, refletindo “a forma e o grau de presença estatal em comunidades locais” (Houtzager, 2004, p. 166), as ligações estruturais podem fornecer recursos materiais e simbólicos capazes de fomentar a criação de novos interesses coletivos e encorajar a formação de organizações sociais. É a partir dessa explicação que Houtzager analisa as “raízes institucionais da ação coletiva”.
Essa construção tem suas bases no “foco tocqueviliano”, já sublinhado por Skocpol (1992; 2008), acerca dos efeitos das estruturas e ações estatais sobre os grupos sociais - essa discussão se mantém em trabalhos mais recentes da autora, que passou a destacar na discussão o conceito de capital social e o engajamento cívico nos Estados Unidos e a enfocar a codeterminação entre as esferas estatal e societária (Skocpol, Ganz e Munson, 2000; Skocpol, 2008). A corroboração de Houtzager, ainda que o autor, ao que parece, mantenha-se centrado nas estruturas e ações estatais em relação aos grupos sociais, deve ser complementada pela compreensão das “raízes societárias da ação estatal” (Marques, no prelo, 2023bMARQUES, Marcelo de S. (2023b), “O Estado como uma relação social: consequências teórico-analíticas da (re)leitura relacional”. Sociedade & Estado [no prelo].), argumento já realçado por Gurza Lavalle et al. (2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86., p. 65). Nesses termos, as ligações passam a informar a relevância das instituições não como simples elementos contextuais da ação coletiva (crítica contextualista), nem como elementos dotados de vida própria, como entidades coisificadas, mas como agente que, em constante relação com diferentes agentes societários, está envolvido no processo de formação da ação coletiva no interior da esfera societária, também sendo por ela formatado. Ao se atentar às interações entre Estado e sociedade, o foco da PP, a partir de Houtzager, passa a ser:
[…] interpretar como os atores estatais e societários constituem-se, tornam-se politicamente significativos e interagem através do divisor de águas privado/público para produzir uma mudança propositada […].
A relação entre atores estatais e societários está no centro da abordagem [da Pólis]. Em vez de assumir a autonomia e coerência do Estado, assim como fizeram algumas abordagens estatistas anteriores, a abordagem da pólis ajuda a problematizar o Estado. Ele é visto de modo a considerar suas variações em presença e em suas relações com grupos sociais, tanto por intermédio do espaço social e geográfico […] quanto por áreas de políticas públicas (Houtzager, 2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322., pp. 31-32, destaque do autor; acréscimo meu).
É nesse sentido, por exemplo, que Houtzager (2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322.), em sua análise sobre a cidadanização da população rural no Brasil entre os anos de 1964 e 1995, destaca a importância do Estado e da ala progressista da Igreja Católica no processo de organização dos trabalhadores rurais e da emergência do novo sindicalismo. Disponibilizando complexas redes organizacionais, recursos materiais, apoio técnico e político, proteção e uma estrutura ideológica capaz de potencializar a formação e o desenvolvimento da ação coletiva, o Estado e a Igreja disputaram a organização desses trabalhadores em torno de seus campos organizacionais, atuando como “incubadoras institucionais” (Houtzager, 2004) segundo os projetos de suas elites. Ou seja, a partir de suas ligações estruturais com a esfera societária, Estado e Igreja estiveram diretamente envolvidos no processo de mobilização de organizações societárias em seus projetos de mudanças políticas, demonstrando empiricamente os limites normativos da ideia de emergência espontânea/voluntarista e de autonomia das organizações da sociedade civil - quando esta é concebida como não relação com a esfera política.
Esses elementos são contribuições extremamente relevantes para se pensar a mútua constituição entre as esferas societária e institucional, considerando, também, as “raízes societárias da ação estatal”, isto é, a possibilidade da inserção e da sedimentação de significados produzidos e mobilizados pelas experiências organizacionais societárias no interior do discurso institucional (Gurza Lavalle e Szwako, 2015GURZA LAVALLE, Adrian & SZWAKO, José. (2015), “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, Campinas, 21 (1): 157-187.; Szwako e Gurza Lavalle, 2019; Marques, 2022MARQUES, Marcelo de S. (2022), Interações socioestatais: mútua constituição entre os Coletivos Culturais e o Estado no Espírito Santo. 361f. Porto Alegre, tese de doutorado em Sociologia, Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.):
Assim, ao mesmo tempo em que os interesses dos atores da sociedade civil são moldados, seja à distância ou diretamente, pela capacidade acumulada (ou pela falta dela) num subcampo específico de política pública, esses atores não estatais são eles próprios estruturadores de capacidades por meio das interações socioestatais (Gurza Lavalle et al., 2019GURZA LAVALLE, Adrian; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika & SZWAKO, José. (2019),“Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: GURZA LAVALLE, A.; CARLOS, E.; DOWBOR, M. & SZWAKO, J. (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro, Eduerj, pp. 21-86., p. 65).
Antes de concluir a presente análise sobre as contribuições da Perspectiva da Pólis, devo fazer uma observação sobre o conceito de incubadoras(es) institucionais, que também pode ser de grande importância para as abordagens centradas nas interações socioestatais.
Ainda que Houtzager (2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322., pp. 176; 166) destaque que as organizações sociais surjam a partir da preexistência de “redes sociais locais”, e que as instituições incubadoras agem no sentido de potencializar a formação e a mobilização das organizações sociais por meio de recursos institucionais e simbólicos nas relações estabelecidas, ao longo da obra parece sobressair a ideia de produtores de fato da ação coletiva:
Penso que alguns agentes da elite estimulam intencionalmente a formação de grupos e desempenham o papel de incubadores institucionais para novos agentes. Esses agentes da elite atraem pessoas desorganizadas para seus campos organizacionais e ideológicos, ajudam a redefini-las como grupos sociais e apoiam sua constituição como novos agentes políticos coletivos. Enquanto a figura “aliados” pressupõe apoiar agentes existentes de várias maneiras, os incubadores institucionais tentam criar novos atores e desse modo reunir cisões políticas e reorientar a contestação política. Ao contrário da figura dos “aliados”, incubadores contribuem intencional e crucialmente com redes sociais locais, recursos organizacionais e material ideológico necessário para superar os obstáculos para a ação coletiva (Houtzager, 2004HOUTZAGER, Peter P.; GURZA LAVALLE, Adrian & ACHARYA, Arnab. (2004), “Atores da sociedade civil e atores políticos: participação nas novas políticas democráticas em São Paulo”. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Participação em São Paulo. São Paulo, Unesp, pp. 257-322., p. 214, destaque meu).
Ao longo da obra, em geral, e dessa conceituação, em particular, Houtzager parece cambiar entre o argumento de (i) apoio/estímulo dos incubadores para a organização e mobilização da ação coletiva, considerando as redes sociais relacionais preexistentes20 20 . Nesta compreensão, encontro correlação com o conceito de “programas associativos” desenvolvido por Tatagiba e Teixeira (2021). Ambos os conceitos podem ser importantes instrumentos para reflexões e análises empíricas voltadas às interações socioestatais. , e o argumento de (ii) criação de identidades coletivas por meio da ação diretiva dos incubadores e dos interesses especiais de suas elites, aproximando-se, desta forma, da tese de artefatualidade das organizações em Cohen e Rogers (1995COHEN, Joshua & ROGERS, Joel. (1995), “Secondary associations and democratic governance”. In: WRIGHT, Erik Olin (ed.). Associations and democracy. The real utopias project, vol. I. Londres, Verso, pp. 7-98.). Embora não discorde de que a ação diretiva ocorra, estou mais inclinado à primeira possibilidade de interpretação, a qual indica a ação de potencializadores da formação da ação coletiva a partir de complexas interações socioestatais. Assim compreendida, a incubação também passa a indicar mútua constituição, uma vez que na interação socioestatal ocorrem trocas de recursos institucionais e simbólicos, configurando uma mútua aprendizagem21 21 . Apresento essa ideia, ainda de forma embrionária, em Marques (2022). Em estudos ainda em desenvolvimento busco uma melhor apresentação. - Gurza Lavalle, Carlos, Szwako e Dowbor falam em “adoção de uma categoria simbólica de movimento como parte da linguagem oficial do Estado” (Sanches, Rodrigues e Braga, 2022SANCHES, Beatriz R.; RODRIGUES, Fernando P. & BRAGA, Victoria L. (2022), Falando de institucionalização e movimentos sociais: usos, vantagens e limites da abordagem de encaixes institucionais e domínios de agência. Entrevista de Adrian Gurza Lavalle, Euzeneia Carlos, José Szwako e Monika Dowbor. Política & Sociedade, Florianópolis, 12, (51): 270-296., p. 273); esse argumento fora antecedido por Szwako e Gurza Lavalle (2019).
Um último ponto a ser destacado é que a Perspectiva da Pólis indica que Estado e sociedade civil não podem ser compreendidos como duas realidades distintas e não relacionáveis, ou apenas indiretamente relacionáveis. Contra essa leitura, a PP promove uma desfundamentação epistemológica no sentido de desconstruir qualquer possibilidade de fundamentos últimos que assegurem uma forma objetal especial, portanto distinta e separada, da sociedade civil em relação à esfera estatal e vice-versa.
Assim como na AER, para a PP o Estado não está isolado da sociedade civil, e as forças políticas societárias não são experiências predeterminadas que, espontaneamente, emergem do mundo da vida sem qualquer relação com a esfera estatal e/ou econômica. Como produtos de processos históricos e contingenciais marcados por constantes interações, Estado e a sociedade civil, para essa abordagem, devem ser analisados em seus contextos históricos e institucionais relacionalmente estruturados, e não com base em princípios normativos a partir dos quais derivariam relações (im)pertinentes entre ambos (e.g. opinião pública, influência, perda de autonomia, colonização do mundo da vida etc.).
Considerações finais
Como abordei ao longo do artigo, a aproximação entre duas tradições teórico-analíticas distintas, e por vezes assumidas como antagônicas, foi possível a partir da identificação de aspectos epistemológicos percebidos em ambas as abordagens. Especificamente sobre a PP, esta emergiu e tem se desenvolvido como uma abordagem dotada de um caráter relacional, colocando no centro de suas análises as ligações estruturais em torno de arranjos institucionais que ajudam a analisar as interações entre o Estado e os agentes societários. Com a presente discussão, é possível perceber que essa abordagem fornece importantes argumentos para se pensar a sociedade civil de forma não essencialista, bem como para se analisar a criação de vínculos entre esta e o Estado, escapando dos argumentos deterministas - como a discussão sobre a perda de autonomia e a ideia de cooptação dos agentes societários no momento em que interagem cooperativamente com a esfera institucional.
Com relação à AER, seu argumento central é a necessidade de se pensar a esfera estatal para além das abordagens estadocêntricas. A partir de um enfoque relacional e realista crítico, a AER compreende o Estado simultaneamente como campo e como agente. A primeira dimensão indica um campo estratégico-relacional seletivamente estruturado, isto é, não como um simples contexto da ação dos agentes, mas como um terreno institucional assimétrico, policêntrico, atravessado por contradições e dotado de certa autonomia - o que também se encontra, em alguma medida, na PP. A segunda dimensão informa que a agência é seletivamente orientada, considerando a condensação institucional e discursiva das forças políticas e o modo como ocorre a “atualização/realização” dos seus poderes causais. Isso significa que as estruturas não têm poder em si (autonomia absoluta): o poder é “atualizado/realizado” (autonomia relativa), o que exige uma consideração sobre as disputas pelo poder político.
Em suma, quando lidas a partir de elementos pós-fundacionais, contingenciais e relacionais, ambas se complementam e informam elementos centrais para se pensar em termos de uma mútua constituição entre as esferas institucional e societária. Para além dessas contribuições, objeto central do artigo, também foi possível indicar pontos neurálgicos do desenvolvimento da agenda de pesquisa sobre as interações socioestatais que consideram a referida tese. Além de apontar aspectos epistemológicos e conceitos centrais, alcançou-se informar pontos que têm sido criticados em estudos recentemente publicados. As críticas, como têm sido elaboradas até o presente momento, inclusive neste artigo, ao contrário de colocar em questão elementos centrais dessa agenda, visam a somar esforços em seu avanço.
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1
. Refiro-me especificamente aos esforços pautados na tese da mútua constituição para se pensar e analisar a relação Estado-e-sociedade. Como a entendo, essa perspectiva ontoepistemológica indica uma compreensão de Estado e sociedade como relação (radicalização da dimensão relacional). Vale destacar, no entanto, que a consideração e a análise das interações entre Estado e sociedade apresentam uma trajetória anterior no país, podendo ser percebida desde a década de 1970 (Soares Filho, 2023).
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2
. Esse argumento parece ter sido expressamente confirmado por Szwako em entrevista a Sanchez, Rodrigues e Braga (2022): “Para falar em termos durkheimianos, o encaixe é nossa forma elementar pela qual damos sentido ao mundo empírico. Ele carrega os pressupostos (relacionais, processuais e não externalistas) de nossa concepção de Estado, isto é, uma concepção na qual o Estado é sempre mutuamente constituído pela sociedade e dela constituinte”.
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3
. Nem todas as contribuições informadas partem da tese de mútua constituição, mas todas, partindo de uma perspectiva relacional, informam as interações socioestatais.
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4
. Domínios, conforme Gurza Lavalle et al. (2019b, pp. 51-52), “constituem esferas de competência e, neste caso, a competência diz respeito à capacidade de agir em determinado âmbito sob responsabilidade direta ou indireta do Estado, notadamente em campos de políticas sociais […]. Domínios de agências são configurações de encaixes institucionais articulados vertical e horizontalmente que favorecem a capacidade de agir de certos atores coletivos. Favorecem-nos porque: (i) implicam o reconhecimento de que os atores têm legitimidade para agir e demandar em nome de grupos específicos ou interesses difusos (embora não concedam monopólios na representação); (ii) selecionam e processam com maior frequência problemas e demandas relevantes para esses atores (ainda que com eles não definam uma relação de exclusividade); (iii) outorgam suporte material - organizacional ou financeiro - aos atores propiciando sua estabilização (ainda que não garantam financiamento permanente); e (iv) reduzem o poder de concorrência de atores estranhos ao domínio de agência (mesmo que não entreguem aos atores favorecidos o controle sobre as barreiras de entrada). Trata-se de domínios de agência porque institucionalizam âmbitos de atuação que animam a capacidade de ação dos atores, ‘fazem-nos’ agir estimulando sua condição de agentes”.
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5
. Em outra oportunidade (Marques, no prelo, 2023bMARQUES, Marcelo de S. (2023b), “O Estado como uma relação social: consequências teórico-analíticas da (re)leitura relacional”. Sociedade & Estado [no prelo].) discuto especialmente a AER e suas consequências teórico-analíticas na percepção do Estado como uma relação social, destacando, portanto, seu caráter relacional relevante para se pensar as interações socioestatais.
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6
. Especialmente após o deslocamento da abordagem State-Centered (Skocpol, 1984SKOCPOL, Theda. ([1979]1984), Los Estados y las revoluciones sociales. Un análisis comparativo de Francia, Rusia y China. México, DF, Fondo de Cultura Económica. [1979]) para a Polity-Centered Approach (Skocpol, 1996).
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7
. Referimo-nos ao critério de falseabilidade em Popper (2013POPPER, Karl R. (2013), A lógica da pesquisa científica. São Paulo, Cultrix.).
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8
. Desenvolvo esse argumento da AER em outro texto (Marques, no prelo, 2023bMARQUES, Marcelo de S. (2023b), “O Estado como uma relação social: consequências teórico-analíticas da (re)leitura relacional”. Sociedade & Estado [no prelo].).
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9
. O Estado também representa uma função semiótica (Jessop, 2005JESSOP, Bob. (2005), “Critical realism and the strategic-relational approach”. New Formations, 56: 40-53.; 2017), isto é, a produção de significados que envolvem, por exemplo, os seus “papéis”. Por exemplo, o Estado deve ou não promover políticas sociais e identitárias? É preciso destacar que os sentidos do Estado são discursivamente disputados por diferentes projetos políticos.
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10
. Essa complexidade é o que reflete as diferentes ênfases sobre o Estado: “o despotismo burocrático (Wittfogel, 1957), a autoridade tecnocrática (Bentham, 1970), um Estado étnico ou racial (Goldberg, 2002), um Estado de apartheid (baseado na separação étnica, Price, 1991), um Estado patriarcal (o patriarcado em geral, MacKinnon, 1989; Brown, 1992) ou um Estado ético-político (Gramsci, 1971)” (Jessop, 2017JESSOP, Bob. (2017), El Estado. Passado, presente, futuro. Madri, Catarata., p. 85).
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11
. Uma leitura relacionista só permite perceber relações entre fenômenos (e.g. sociedade civil e subsistemas) e não os fenômenos como relação. Desenvolvo essa crítica em outro trabalho (Marques, no prelo, 2023aMARQUES, Marcelo de S. (2023a), “Interações socioestatais: mútua constituição entre a sociedade civil e a esfera estatal”. Opinião Pública [no prelo].) - especificamente contra a tradição habermasiana de sociedade civil.
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12
. Trata-se do clássico livro Protecting Soldiers and Mother. The political origins of social policy in the United States, originalmente publicado em 1992 - edição em espanhol de 1996.
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13
. Conferir também Soares Filho (2023, pp. 144-147).
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14
. Informada por Skocpol, a noção de capacidade estatal é retomada com centralidade teórico-analítica por Gurza Lavalle et al. (2019, pp. 57-69) na análise da dinâmica de institucionalização dos interesses e demandas societárias.
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15
. Para uma leitura sobre os limites contextualista-relacionais do enfoque de Skocpol, conferir Gurza Lavalle et al. (2019, pp. 42-53; 60-63).
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16
. A síntese da crítica dos autores é apresentada por Soares e Filho (2023, p. 147): “A principal crítica à autora é por não alcançar mecanismos teóricos atentos à caracterização da institucionalização obtida pelos atores em movimento […]. O conceito de domínio de agência concede maior sensibilidade qualitativa à caracterização das configurações dos encaixes. Pode-se dizer que o conceito define as características associadas aos encaixes”. Para um avanço nesse sentido, que informa tipos de encaixes referentes a processos de institucionalização específicos (programático, posicional, simbólico e prático), ver a sistematização de Sanchez, Rodrigues e Braga, em entrevista com Gurza Lavalle, Carlos, Szwako e Dowbor (2022, p. 275), operada a partir de Gurza Lavalle e Szwako (2015).
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17
. Elementos desse argumento também são apresentados por Sanchez, Rodrigues e Braga (2022, pp. 273-274), no trabalho de entrevista com Gurza Lavalle, Carlos, Swako e Dowbor. Como destacam: “Os encaixes, apesar de apresentarem um determinado grau de institucionalização, são passíveis de desinstitucionalização […] os encaixes também podem ser disputados e eventualmente utilizados por atores outros aos que engajaram na sua produção”.
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18
. Resposta de Guzar Lavalle, em entrevista a Sanchez, Rodrigues e Braga (2022, p. 280), na distinção entre diferentes possibilidades de acessos ao Estado e um encaixe propriamente dito.
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19
. Vale destacar que os autores (e organizadores) de Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição recentemente indicaram, de forma mais clara, os argumentos que estou a ressaltar, evidenciando que não é possível garantir a ou assumir a ideia de sedimentação como algo fundamentado (“ganham vida própria”). Conferir em entrevista a Sanchez, Rodrigues e Braga (2022, pp. 285-286).
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20
. Nesta compreensão, encontro correlação com o conceito de “programas associativos” desenvolvido por Tatagiba e Teixeira (2021TATAGIBA, Luciana & TEIXEIRA, Ana C. C. (orgs.). (2021), Movimentos sociais e políticas públicas. São Paulo, Editora Unesp.). Ambos os conceitos podem ser importantes instrumentos para reflexões e análises empíricas voltadas às interações socioestatais.
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21
. Apresento essa ideia, ainda de forma embrionária, em Marques (2022MARQUES, Marcelo de S. (2022), Interações socioestatais: mútua constituição entre os Coletivos Culturais e o Estado no Espírito Santo. 361f. Porto Alegre, tese de doutorado em Sociologia, Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.). Em estudos ainda em desenvolvimento busco uma melhor apresentação.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Out 2023 -
Data do Fascículo
May-Aug 2023
Histórico
-
Recebido
12 Jan 2023 -
Aceito
09 Jul 2023