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Trabalho e sindicato em antigos e novos territórios produtivos: comparações entre o ABC paulista e o sul fluminense

RESENHAS

Davisson Charles Cangussu de Souza

Doutorando em Sociologia pela FFLCH - USP

Iram Jácome Rodrigues & José Ricardo Ramalho (orgs.), Trabalho e sindicato em antigos e novos territórios produtivos: comparações entre o ABC paulista e o sul fluminense. São Paulo, Annablume, 2007, 364 pp.

A coletâneaanalisa as transformações ocorridas nas duas últimas décadas no trabalho, no sindicato e nos "territórios produtivos"que abrigam os dois principais polos da indústria automotiva brasileira: o ABC paulista, uma região tradicional no setor desde o final da década de 1950, e o sul fluminense, incluída nessa cadeia produtiva nos anos de 1990. A originalidade do enfoque proposto e a diversidade temática que apresenta torna sua leitura indispensável para os estudiosos das questões trabalhistas e sindicais no Brasil, estimulando o debate acadêmico tanto entre os que se identificam com sua abordagem como entre seus críticos. Sem a preocupação de abordar cada um de seus treze artigos, teceremos alguns comentários sobre determinados aspectos analíticos e metodológicos que nos chamaram a atenção durante a leitura de alguns textos.

O objetivo mais geral do livro é estabelecer comparações entre as duas regiões escolhidas. Porém, ao contrário do que o próprio título sugere, apenas três artigos adotam esse procedimento, o que pode decepcionar o leitor que espera encontrar aí uma série de exercícios comparativos. Essa ausência pode ser compensada parcialmente por uma leitura transversal dos textos restantes, apesar de não contrabalançar o salto qualitativo que poderia ter sido dado com a delimitação prévia de um objeto de pesquisa e de uma metodologia de comparação baseada em parâmetros equivalentes para os casos analisados.

No caso do texto de Jefferson da Conceição, a utilização desse instrumento seria imprescindível para sustentar sua tese central. Ao desenvolver uma crítica ao argumento empresarial do "custo ABC", esse autor se baseia na avaliação de dados do valor adicionado nas indústrias de autopeças, e conclui sobre o crescimento da lucratividade e produtividade no setor no período estudado. Porém, ao não contrapor os dados apresentados com os de outras regiões, sua exposição perde força explicativa. Ora, pode-se indagar se as "vantagens comparativas" que o mercado de produção e consumo brasileiro oferece em relação aos países capitalistas centrais (o que explica a fragilidade da também difundida tese do "custo Brasil") não seriam ainda maiores nos "novos territórios", a começar pela ausência de tradição de luta sindical.

Um aspecto metodológico importante de ser destacado está presente no artigo de Cecília Ponteset al., que resume os resultados da pesquisa comparativa realizada pelos organizadores da coletânea. A partir da aplicação de um survey junto a operários do ABC e do sul fluminense, os autores concluem que, a despeito de diferenças relevantes no perfil socioeconômico entre os trabalhadores das duas regiões, as representações que estes fazem de suas condições de trabalho são bastante similares. O procedimento adotado nesse trabalho revela uma concepção apriorística dos fatores que condicionam "o comportamento e as opiniões" dos operários, pautados exclusivamente em critérios sociais e econômicos. Ademais, mesmo que a própria pesquisa mostre não haver uma relação de causa e efeito entre os aspectos escolhidos, não é realizado um esforço analítico adicional a fim de verificar o que há de comum entre esses dois segmentos que resulta em "atitudes operárias" tão semelhantes. Essa questão poderia ter sido aprofundada a partir de critérios metodológicos mais amplos na elaboração do questionário ou por meio de entrevistas dirigidas semiestruturadas, em que se poderia explorar elementos do plano político-ideológico e cultural.

A leitura que os autores fazem das transformações analisadas advém de um marco teórico situado em uma determinada interpretação no campo da teoria da globalização. A ideia que os une, sintetizada no texto de apresentação dos organizadores, é a constatação de um movimento de reespacialização das fábricas, que tem alterado os antigos e instalado novos territórios produtivos. Esse processo teria provocado o surgimento de estratégias baseadas em "arranjos institucionais", cujo pressuposto geral está na visão de que é possível o "entendimento" entre os "agentes sociais" a respeito de políticas de desenvolvimento regional.

Esse mesmo debate tem dividido a CUT desde o início dos anos de 1990 entre uma ala majoritária defensora de uma prática mais "propositiva" e correntes minoritárias que defendem a continuidade do modelo de ação "combativa" que caracterizou a central nos anos de 1980. Também na bibliografia podemos encontrar argumentos "partidários" de cada um dos dois lados, nem sempre apresentados com a devida argumentação crítica, apresentação de dados empíricos e rigor teórico. Esse é o caso de alguns textos presentes nesta coletânea, nos quais a maneira como determinados autores "tomam partido" os expõe a certa fragilidade argumentativa, em que as categorias analíticas são substituídas muitas vezes por meras adjetivações elogiosas às práticas sindicais do setor hegemônico cutista. Regina dos Reis, por exemplo, ao tratar dos mecanismos de "articulação política regional", desenvolvida no ABC ao longo dos anos de 1990, com intensa participação dos sindicatos da CUT, avalia-os como "iniciativas inovadoras", ou "experiências positivas", que estariam "acima das divergências político-partidárias e dos diferentes interesses e tensões existentes entre as esferas do poder público, privado e da sociedade civil" (p. 77). Nilson Oda conclui em seu texto que o sindicato dos metalúrgicos do ABC "tem mantido sua tradição histórica de defesa dos interesses dos trabalhadores" em seu apoio à criação de cooperativas e à economia solidária (p. 360).

Em outros artigos, os autores opinam até mesmo sobre o dever-fazer dos "atores". Refletindo sobre a participação do sindicato dos metalúrgicos nas estratégias de desenvolvimento regional no ABC, Zeíra Camargo afirma que os fóruns regionais "devem ser fortalecidos", ou ainda que "os atores devem continuar se qualificando para a elaboração e execução de projetos regionais" (p. 136). Na avaliação do "papel das redes sociopolíticas na promoção do desenvolvimento regional" no sul fluminense, Rodrigo Santos destaca que a região ainda caminha para esse "amadurecimento", mas que "espera-se que o sindicato dos metalúrgicos [...] assuma uma postura mais decidida nessa construção" (p. 115).

Não encontramos nesses trabalhos argumentos que validem as conclusões de seus autores. Sendo assim, o "juízo de valor" que emitem faz com que a ideologia política sindical perca seu caráter de objeto de análise, reafirmando uma velha tradição nos estudos sobre sindicalismo no Brasil, em que a abordagem teórica dos autores se confunde com o posicionamento político dos sindicatos analisados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2009
  • Data do Fascículo
    2009
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