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O Estado e a produção de convenções sociaisa cerca do mercado de armas de fogo no Brasil

The State and the production of social conventions about the firearms market in Brazil

Resumo

O artigo analisa o papel do Estado na formulação de convenções sociais acerca das armas de fogo no Brasil. Selecionamos, como contencioso empírico, a Lei 10.826/2003, aprovada durante o primeiro Governo Lula (2003-2006), ainda, analisamos oito decretos presidenciais do primeiro ano do Governo Bolsonaro (2019). Na metodologia, analisamos o marco jurídico nos fundamentando nos estudos de Steiner e Trespeuch, acerca dos mercados contestados; de Bourdieu, sobre o Estado e no conceito de convenção social, de Mary Douglas. Os resultados indicam que o Estado influenciou na produção de predisposições e que a convenção social desarmamentista, produzida durante o Governo Lula, foi desafiada, gerando disputas que extrapolam a perspectiva normativa.

Palavras-chave
Armas de fogo; Mercados contestados; Governo Lula; Estatuto do Desarmamento; Governo Bolsonaro

Abstract

The article analyzes the role of the state in formulating social conventions about firearms in Brazil. We selected Law 10.826/2003, passed during the first Lula Government (2003-2006), as the empirical dispute, and also we analyzed eight presidential decrees from the first year of the Bolsonaro Government (2019). In the methodology, we analyzed the legal framework based on the studies of Steiner and Trespeuch, about contested markets; Bourdieu, about the state and the concept of social convention, by Mary Douglas. The results indicate that the state has influenced the production of predispositions and that the disarmamentist social convention, produced during the Lula Government, has been challenged, generating disputes that go beyond the normative perspective.

Keywords
Firearms; Contested markets; Lula Government; Disarmament Statute; Bolsonaro Government

Introdução

A indústria brasileira de armas de fogo pequenas e leves1 1 . A terminologia small arms and light weapons (SALW) – em português, armas pequenas e leves – é retirada do documento A/60/88, de junho de 2005, elaborado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o qual define armas pequenas como aquelas que, em aspecto amplo, são destinadas para uso individual, enquanto armas leves são as projetadas para uso por duas ou três pessoas, servindo como equipe técnica, embora possam ser transportadas e utilizadas individualmente. figura como uma das maiores do mundo e foi estruturada com o apoio do Estado, através de investimentos que remontam ao período militar (Jardim e Vieira, 2020JARDIM, Maria Chaves & VIEIRA, Mateus Tobias. (2020), "Mercado de armas de fogo pequenas e leves no Brasil: uma gênese do setor do período militar aos anos Lula". Revista Mediações (UEL), 25: 225-246.). Apesar de o Brasil possuir uma indústria de armas pulsante, o acesso dos civis às armas oscila, havendo, em termos normativos, momentos de maior abertura e outros de maior restrição, sempre em diálogo com os diferentes momentos políticos do país.

O principal momento de expansão da indústria armamentista brasileira se deu durante o Regime Militar (1964-1985), com a Doutrina de Segurança Nacional (Decreto-Lei n. 314 de 13/03/1967), norma que pontua o intento de reprimir qualquer perturbação interna (Schwam-Baird, 1997SCHWAM-BAIRD, David. (1997), Ideas and armaments: Military ideologies in the making of Brazil's arms industries. Lanham, MD, University Press of America.). Foi durante os governos militares que as plantas produtivas das empresas públicas armamentistas foram reorganizadas e unificadas sob uma única empresa, a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), criação autorizada pela Lei n. 6.227, de 1975, que pontuava, em seu artigo 2º, inciso II, o intento de cooperar com a iniciativa privada: “Promover, com base na iniciativa privada, a implantação e desenvolvimento da indústria de material bélico de interesse do Exército” (Brasil, 1975, on-line).

Se, por um lado, a produção de armas de fogo florescia e aumentava ano a ano, estimulada pelos governos militares, por outro, a regulação da aquisição, posse e porte2 2 . A distinção entre posse e porte pode ser definida da seguinte maneira: a posse permite ao cidadão manter a arma exclusivamente no interior da residência ou no local de trabalho; o porte é a possibilidade de circulação com a arma de fogo. de armas de fogo por civis era relativamente inexistente. A única norma relacionada ao tema datava do início dos anos de 1940, no caso, o Decreto-Lei n. 3.688/1941, que previa penas entre quinze dias e seis meses para o porte (artigo 19), e penas entre três meses e um ano para o indivíduo que fabricasse, importasse, tivesse em depósito ou vendesse armas (artigo 18); em ambos os casos, as penas poderiam ser substituídas por multa. Em outras palavras, a legislação era bastante branda em relação à posse e ao porte de armas por civis, mesmo que elas estivessem irregulares.

Somente mais de meio século depois, no terceiro ano do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, com a sanção da Lei n. 9.437, de 1997, é que se criou um órgão administrativo de controle de armas – o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), responsável pelo registro desses objetos e cadastramento de seus proprietários (artigo 3º), o que viabilizou um eventual rastreio daqueles apreendidos em situação de irregularidade.

Importa chamar a atenção para o fato de que, no desenvolvimento da indústria armamentista nacional, houve forte simbiose entre os setores público e privado, com grande estímulo estatal, ao mesmo tempo que inexistia regulação ou órgãos de fiscalização e controle em relação às armas possuídas por civis, de modo que, até o final dos anos de 1990, era impossível rastrear tanto as armas produzidas quanto quem as possuía.

Diante desse contexto, este artigo busca analisar alguns marcos relevantes para o mercado de armas de fogo, com especial atenção para a influência do Estado na fabricação de predisposições sobre o tema, tanto em termos objetivos, através da legislação, quanto em termos subjetivos, em sua atuação simbólica. Partimos, assim, da produção legislativa sobre armas de fogo, identificando pontos de inflexão que alteram o mercado, ora flexibilizando, ora restringindo a posse civil.

Um marco legal fundamental é a Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), norma que data do primeiro ano do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003) e adotou um conjunto de atos em direção a crenças desarmamentistas. Em seguida, selecionamos um contencioso empírico complementar, o primeiro ano do governo de Jair Messias Bolsonaro (2019)BOLSONARO, Jair Messias. (2019), @jairbolsonaro. “Por decreto pretendemos garantir a posse de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registo definitivo”. 29 de dez. de 2019, 17h37min. Tweet., quando foram publicados oito decretos presidenciais sobre a matéria, enfraquecendo o alcance do Estatuto.

Em termos teóricos, nossa fundamentação vem de: Steiner e Trespeuch (2014)STEINER, Philippe & TRESPEUCH, Marie (orgs.). (2014), Marchés contestes: Quand le marché rencontre la morale. Toulouse, Presses Universitaires Du Mirail., que nos possibilitam compreender esse mercado como sendo um mercado contestado; de Bourdieu (2014)BOURDIEU, Pierre. (2014), Sobre o Estado. São Paulo, Companhia das Letras., em sua discussão sobre Estado; e, por fim, de Mary Douglas (1998)DOUGLAS, Mary. (1998), Como as instituições pensam. São Paulo, Edusc., que nos traz o conceito de convenção social, em sua obra Como as instituições pensam.

O artigo está dividido da seguinte forma: primeiro, traçamos um panorama da contribuição de Steiner e Trespeuch, Bourdieu, e Douglas; em seguida, buscamos compreender a relação entre produção de armas e possibilidade de aquisição por parte da população civil; adiante, adentramos no contencioso empírico principal – a aprovação do Estatuto do Desarmamento do primeiro Governo Lula; por fim, analisamos o contencioso empírico complementar – o primeiro ano do Governo Bolsonaro e os oito decretos presidenciais por ele editados em 2019.

A importância do Estado para a consolidação do mercado de armas de fogo

Alguns mercados – como é o caso do das armas de fogo – dependem de um contexto social favorável para que possam emergir e se consolidar, configurando-se enquanto mercados contestados, ou seja, aqueles de bens e serviços cuja circulação não se dá do mesmo modo que mercados convencionais, por força de embates sociais, políticos, jurídicos e culturais em torno de sua existência (Steiner e Trespeuch, 2014STEINER, Philippe & TRESPEUCH, Marie (orgs.). (2014), Marchés contestes: Quand le marché rencontre la morale. Toulouse, Presses Universitaires Du Mirail.).

Mercados contestados propõem reunir perspectivas morais e a ideia de mercados, essa junção é negada pelo discurso econômico mainstream, que entende a moral econômica sob a óptica da eficiência, de forma que é preciso apresentar por que razão ser menos eficiente pode ser moralmente justificável e vantajoso em um contexto de muitas potencialidades e recursos limitados e escassos (Idem). Dito de outro modo, por que limitar um mercado pode trazer benefícios maiores que os trazidos pelo crescimento desse mesmo mercado?

Mercados como os de drogas, jogos de azar, pornografia, prostituição, entre outros, trazem consigo a percepção de que é preciso estabelecer regras que determinem quem pode transacionar com quem e sob quais circunstâncias, de modo a evitar o risco de que a lógica mercadológica se aplique em áreas consideradas problemáticas e potencialmente danosas à privacidade, à integridade ou à saúde das pessoas. A arma de fogo se insere nesse horizonte, uma vez que é capaz de alterar as dinâmicas de poder; de colocar em risco a soberania de territórios e a segurança dos indivíduos; de, potencialmente, fortalecer grupos terroristas ou ligados ao crime organizado; bem como de alterar a capacidade do Estado de manutenção da ordem pública.

Essas contestações ao mercado vão se operacionalizar através de “campos de força” que colocam os defensores e detratores do mercado em lados opostos na disputa pela movimentação da linha imaginária que separa o mercado do não mercado, cada qual em defesa de uma percepção própria de bem comum (Idem, p. 15). A vitória de uma perspectiva sobre outra pode fazer com que o mercado seja banido (caso do mercado de órgãos humanos, por exemplo); proibido, porém com potencial de legalização (caso da cannabis em vários países); ou efetivo, porém mais controlado que outros mercados (caso do álcool, tabaco e armas).

O nível de proibição de cada mercado vai se operacionalizar através de dispositivos, ou seja:

[…] por dispositivo, quero dizer um conjunto resolutamente heterogêneo de discursos, instituições, arranjos arquitetônicos, decisões regulatórias, leis, medidas administrativas, declarações científicas, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, em suma: tanto o dito como o não dito, aqui estão os elementos do dispositivo. O dispositivo em si é a rede que é estabelecida entre esses elementos […].

[…] espécie de desordens de formação que em dado momento teve a principal função de responder a uma emergência. O dispositivo, portanto, tem uma função estratégica dominante… O dispositivo está sempre inscrito em um jogo de poder […] (Foucault, [1977] 1994 – tradução nossa)3 3 . “Ce que j’essaie de repeter sous ce nom, c’est, premierement un ensemble resolument heterogene comportant des discours, des institutions, des amenagements architecturaux, des decisions reglementaires, des lois, des mesures administratives, des enonces scientifiques, des propositions philosophiques, morales, philantropiques, bref: du dit aussi bien que du non-dit, voila les elements du dispositif. Le dispositif lui-meme c’est le reseau qu’on etablit entre ces elements […]. […] par dispositif, j’entends une sorte – disons – de formation qui aun moment donne a eu pour fonction majeure de repondre aune urgence. Le dispositif a done une fonction strategique dominante… Le dispositif est toujours inscrit dans um jeu de pouvoir […].” .

Esses dispositivos são, eventualmente, capazes de confinar o mercado a arenas de trocas restritas, banindo a circulação legal do bem ou serviço.

É preciso compreender que, na formação desses campos de força no entorno de uma noção de bem comum, o Estado é mais que o espaço de disputa para regulação dos mercados: ele é um difusor de pontos de vista. De acordo com Bourdieu (2014)BOURDIEU, Pierre. (2014), Sobre o Estado. São Paulo, Companhia das Letras., o Estado gera formas de pensar entre os atores sociais, inclusive na percepção que os agentes têm do próprio Estado. O Estado é uma forma de poder simbólico, pois é o lugar onde se produzem os princípios de uma representação legítima do mundo pois ele próprio é produto de uma crença coletiva, de uma ilusão bem fundada.

O Estado é um espaço comparativamente independente em relação às forças sociais na luta pelo poder: confere a posição de árbitro em conflitos políticos (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. (2014), Sobre o Estado. São Paulo, Companhia das Letras.). Ele é o metapoder, ou seja, uma instituição que reúne todas as disputas, todos os capitais e todas as formas de poder. Nessa perspectiva, o Estado não precisa dar ordens ou exercer coerção física para produzir um mundo social ordenado, ao menos “enquanto puder produzir estruturas cognitivas incorporadas que estejam em consonância com as estruturas objetivas, assegurando assim a crença da qual falava Hume, a submissão dóxica à ordem estabelecida” (Idem, p. 119).

As crenças podem ser estabelecidas através da criação de legislação específica. Essa possibilidade foi encontrada empiricamente durante pesquisas sobre casa própria na França, quando foram feitas mudanças legislativas para estimular o mercado imobiliário e influenciar a demanda por casas através da oferta de crédito (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. (2004), As estruturas sociais da economia. Tradução de Lígia Calapez e Pedro Simões. Porto, Campos das Letras.). No caso das armas de fogo, verificamos que o Estado influenciou a percepção desse mercado de modo variável, de acordo com as crenças de cada governo.

O Estado ganha ainda mais relevância quando o objeto de sua atividade legiferante se dirige a um mercado contestado, sempre altamente regulado, dado que a produção de normas age, para além dos limites institucionais, também sobre as predisposições dos agentes. Nosso argumento é que, ao aprovar ou revogar uma lei, o Estado está legislando também no sentido de produzir crenças que determinam disposições sobre a questão.

Nesse ponto, importa destacar que, a despeito da previsão legal trazida pelo artigo 3º. da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n.. 4.657 de setembro de 1942) no sentido de que “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (Brasil, 1942BRASIL. (1942), "Decreto-Lei 4.657, 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro". Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 13635, 09 set. 1942, Seção 1. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4657-4-setembro-1942-414605-publicacaooriginal-68798-pe.html, consultado em 07/12/2022.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
, on-line), o conhecimento geral da norma é uma fictio iuris e depende de outras instâncias, para além da pura normatização. Nesse sentido, tanto o Governo Lula quanto o Governo Bolsonaro adotaram uma série de sinais simbólicos que não apenas ajudam na fabricação de predisposições desarmamentistas ou armamentistas, mas também divulgam as inovações legais, tanto no sentido de que se saiba da proibição de possuir armas, quanto para que mais pessoas tomem conhecimento das facilidades de acesso a elas.

Pensando questões semelhantes, Mary Douglas (1998)DOUGLAS, Mary. (1998), Como as instituições pensam. São Paulo, Edusc. buscou construir uma teoria para explicar os fundamentos sociológicos da cognição humana. A autora procura compreender como ideias e pensamentos são formados a partir de certas convenções sociais, definindo convenção social como um conjunto de regras segundo as quais os membros de um coletivo – no sentido de Durkheim – figuram um mínimo de consenso social sobre determinado tema.

As convenções sociais são instituições que dependem de um autorreforço cotidiano para que sejam naturalizadas. Especificamente em relação às armas de fogo, a convenção social seria a busca de algum consenso em relação às propostas armamentistas ou desarmamentistas, as quais, em grande medida, são construídas por ações do próprio Estado e seus agentes.

Para que uma convenção se estabeleça, é necessário um longo trabalho simbólico. As convenções sociais não são criadas isoladamente: para que sejam simbolicamente eficazes, é necessário que umas reforcem as outras. Grandes esforços foram realizados para se estabelecer uma convenção social em favor do desarmamento, no início dos anos 2000 – processo que seria desafiado, a partir de 2018, com a campanha eleitoral para a presidência e o posterior governo de Jair Bolsonaro.

Primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e a Lei 10.826/2003

Não havia no Brasil, até 2003, qualquer esforço normativo no sentido de implementar uma política restritiva em relação ao acesso civil às armas de fogo. O Estatuto do Desarmamento foi a primeira norma realmente proibitiva que visava, primeiro, a restringir o acesso às armas; e, segundo, a drenar aquelas já em posse de civis (Jardim e Vieira, 2020JARDIM, Maria Chaves & VIEIRA, Mateus Tobias. (2020), "Mercado de armas de fogo pequenas e leves no Brasil: uma gênese do setor do período militar aos anos Lula". Revista Mediações (UEL), 25: 225-246.).

O Projeto de Lei 292/1999, que daria origem à Lei Ordinária 10.826/2003, teve origem no Senado Federal e foi apresentado pelo então senador Gerson Camata4 4 . Em dezembro de 2018, Gerson Camata, então senador, foi assassinado a tiros por um ex-assessor. O fato foi diuturnamente utilizado por grupos armamentistas, sob a afirmação de que o Estatuto do Desarmamento foi incapaz de coibir mesmo a morte de seu propositor. (PMDB/ES). O projeto permaneceu com pouco andamento entre 1999 e 2002, até o início do Governo Lula (2003), momento em que se vislumbrou a possibilidade de aprovação de uma norma mais restritiva em relação ao mercado de armas de fogo.

A pauta pelo desarmamento no Brasil é bastante anterior à chegada de Lula ao Executivo Federal. Desde os anos de 1990, pesquisadores apontavam que as armas pequenas e leves têm características como tamanho, custo, portabilidade e falta de controle que as colocam como especial ameaça à segurança humana (Laurance, 2014LAURANCE, E. J. (2014), "The small arms problem as arms control: A policy driven agenda". In: BATCHELOR P. & KENKEL, K. M. Controlling small arms: Consolidation, innovation and relevance in research and policy. Abingdon, Routledge, pp. 13-35.). Um diálogo entre o sociólogo Antônio Bandeira Rangel e o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ambos militantes da causa desarmamentista, demonstra como o tema já estava presente na militância daquele período:

Em 1992, o Iser criou o Núcleo de Pesquisa, e eu passei a coordenar um estudo sobre Violência e Criminalidade. Ao levantarmos os dados sobre o Rio, constatamos que o problema maior não eram os menores de rua, como agências europeias de cooperação acreditavam, mas o tráfico de drogas e de armas. Separando um problema do outro, concluímos que era necessário controlar as armas. Assim, em 1993, quando foi criado o Viva Rio, a questão das armas já estava na nossa agenda. Em 1994, o Viva Rio encaminhou para todos os candidatos a presidente da República propostas que salientavam a questão. Iríamos fazer isso também nas eleições de 2002 (Bandeira, 2019BANDEIRA, Antônio Rangel. (2019), Armas para quê?: o uso de armas de fogo por civis no Brasil e no mundo, e o que isso tem a ver com segurança pública e privada. São Paulo, LeYa. E-book., p. 2816).

Uma iniciativa nesse sentido que merece destaque é o projeto “Rio Desarme-se”, que visava a recolher armas entregues voluntariamente por seus proprietários. A devolução voluntária de armas é uma das estratégias adotadas para drenagem das armas dispersas na sociedade, constitui-se como uma alternativa de se compreender a segurança pública em relação ao enfrentamento policial, e, no caso do projeto apontado, foi uma forma de contraposição a uma iniciativa de ocupação das comunidades cariocas – levada a cabo pelo Governo Federal através das Forças Armadas – que ficou conhecida como “Operação Rio” ou “Rio 1”.

As contestações às armas leves se ampliaram, e movimentos legiferantes se iniciaram. Projetos de lei voltados a banir completamente o mercado de armas de fogo passaram a ser discutidos nos parlamentos estaduais e, em maio de 1999, durante o governo de Joaquim Domingos Roriz, no Distrito Federal, foi promulgada a Lei 2.375/1999, que previa, em seu artigo 1º: “Fica proibida a comercialização de armas de fogo no âmbito do Distrito Federal” (Distrito Federal, 1999). Alguns meses depois, em novembro do mesmo ano, o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, promulgou a Lei 3.219/1999, que estabelecia: “Fica proibida a comercialização de armas de fogo, peças avulsas, acessórios, munições e afins em todo território do Estado do Rio de Janeiro […]” (Rio de Janeiro, 1999).

Esse arcabouço legislativo voltado a banir o mercado de armas de fogo em determinados territórios não vicejou. As normas eram inconstitucionais, e assim o foram declaradas, uma vez que a atribuição de legislar acerca do tema de armamentos é exclusiva da União, através do Congresso Nacional (artigo 21, XI, da Constituição Federal). No caso do Distrito Federal, por mandado de segurança impetrado pelas empresas Atlântica Comercial de Tecido LTDA e Casa Kammel Camping Caça e Pesca LTDA, e concedido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal5 5 . Processo n. 0032985-87.1999.8.07.0001; Registro do Acórdão Número: 134779; julgado em 18/12/2000 pela 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, sob relatoria da Desembargadora Adelith Castro de Carvalho Lopes. . A lei carioca, por sua vez, foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Partido Social Liberal (PSL) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a validade da norma6 6 . Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 0002903-13.1999.0.01.0000; julgada em 09/09/1999, sob relatoria da ministra Ellen Gracie. .

Apesar da inconstitucionalidade das normas estaduais, estavam lançadas as bases para que normas semelhantes fossem propostas em nível federal. Entre outros projetos com o mesmo objetivo, foi protocolado o PL 292/1999, texto inicial que daria origem à Lei 10.826/2003.

Somente com a vitória de Lula e o início de seu governo é que o tema das armas de fogo ganharia fôlego nacionalmente e, com ele, o PL 292/1999. Lula aloca agentes ligados à causa desarmamentista em postos-chaves do Governo Federal, caso do já mencionado antropólogo Luiz Eduardo Soares, na Secretaria Nacional de Segurança Pública, e do jurista Márcio Thomaz Bastos, no Ministério da Justiça.

Desse modo, os defensores do desarmamento passaram a contar com importante apoio na esfera federal, que se materializou em um primeiro aceno com o Ato Conjunto n.. 1, de 2003, responsável por criar, no Congresso Nacional, uma Comissão Mista Especial envolvendo tanto a Câmara dos Deputados como o Senado Federal, com a finalidade de “consolidar os projetos de lei em tramitação em ambas as Casas que tratem da questão do porte de armas” (Brasil, 2003a).

Restringir com sucesso o mercado de armas de fogo dependia da formação de uma disposição social que fosse sólida o bastante para romper a completa desregulamentação havida até então. Essa disposição se organizou através de várias frentes, e o debate alcançou as ruas, tudo isso apoiado por agentes alocados em postos-chaves do Governo Federal. A atuação desses agentes pode ser exemplificada na caminhada “Brasil sem Armas”, organizada pela ONG Viva Rio (1994)VIVA RIO. Rio desarme-se. (1994), Rio de Janeiro, RJ. Disponível em http://vivario.org.br/rio-desarme-se/, consultado em 20/05/2022.
http://vivario.org.br/rio-desarme-se/...
, que ocorreu em 14 de setembro de 2003, no Rio de Janeiro, na qual, em meio às 40 mil pessoas presentes, estavam Luiz Eduardo Soares, Márcio Thomaz Bastos, Miro Teixeira, Nilmário Miranda e o então Presidente da Câmara, o deputado federal João Paulo Cunha.

“O Congresso vai ter que se dobrar à vontade popular”, disse o secretário nacional de Segurança, Luiz Eduardo Soares, que participou da caminhada ao lado dos ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Miro Teixeira (Comunicações), do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e do secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. Além dos representantes do governo federal, foram a Copacabana o secretário de Segurança do Rio, Anthony Garotinho, quatro secretários estaduais e o vice-governador Luiz Paulo Conde (Cimicieri e Figueredo, 2003).

Momentos de confluência como esse são capazes de alavancar as contestações ao mercado, movimentando a linha entre mercado e não mercado em favor da restrição ou mesmo do banimento. No início dos anos 2000, havia no país uma confluência de forças políticas e sociais capazes de colocar em questão a parca regulação do mercado armamentista, além de trazer para o debate público os principais argumentos contestatórios que foram gestados na década anterior.

Muitas lutas internas foram travadas no Congresso Nacional durante a tramitação do projeto, mas um dado empírico importante é o fato de que um projeto de lei que permaneceu tramitando lentamente por anos foi capaz de passar pelas duas casas legislativas e pela sanção presidencial em apenas seis meses. A celeridade com que foi tratado pelo Congresso Nacional demonstra o grau de prioridade que o Governo Federal concedeu ao tema, ao adotar uma posição clara; e mais: demonstra o início de uma construção simbólica voltada a fabricar e distribuir crenças e, lentamente, naturalizá-las.

Por ocasião da assinatura do Estatuto do Desarmamento, o presidente Lula declarou que não há nada mais urgente do que construir a paz:

“A paz é o ponto de partida e de chegada. É a linha demarcatória de qualquer sociedade” […] “É preciso dar à paz o seu verdadeiro nome: justiça social” […]. O presidente citou dados da Organização Mundial da Saúde que mostram que a cada doze minutos morre uma pessoa assassinada no Brasil, o que, ressaltou ele, é um “recorde funesto” (Agência Estado, 2003AGÊNCIA ESTADO. (22 dez. 2003), Paz é o objetivo do Estatuto do Desarmamento, diz Lula. São Paulo. Disponível em http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,paz-e-o-objetivo-do-estatuto-do-desarmamento-diz-lula,20031222p10736, consultado em 28/09/2022.
http://brasil.estadao.com.br/noticias/ge...
).

O trecho demonstra a utilização de uma convenção social naturalizada (a perspectiva acerca da violência urbana e do crime organizado), reforçando a criação de outra (o desarmamento proposto pela norma). Conforme sugerido por Douglas (1998)DOUGLAS, Mary. (1998), Como as instituições pensam. São Paulo, Edusc., uma convenção tende a reforçar a outra, visando à sua naturalização, o que, no caso das armas de fogo, significa associar os altos níveis de violência no país ao excessivo espraiamento de armas. É interessante notar que, anos mais tarde, essa convenção seria desafiada de maneira visceralmente oposta, ou seja, a violência seria relacionada à falta de armas.

Se, em seu estudo sobre o mercado imobiliário francês, Bourdieu (2004)BOURDIEU, Pierre. (2004), As estruturas sociais da economia. Tradução de Lígia Calapez e Pedro Simões. Porto, Campos das Letras. observou que o Estado estimulava a disposição econômica dos agentes com campanhas publicitárias, no Brasil, o Estado representado na figura do Governo Lula ajudou a criar, por meio de discursos e práticas, disposições sensíveis à visão desarmamentista a partir de uma série de elementos heterogêneos, mas orientados para o mesmo sentido, tais como discursos, normas, atuação de instituições, eventos e campanhas de devolução voluntária.

A adesão popular ao desarmamento

O Estatuto do Desarmamento, através de seus artigos 31 e 32, adotou a estratégia de devolução voluntária como meio de drenar as armas dispersas pelo país. A campanha superou as expectativas iniciais: dados disponibilizados no Guia Prático do Desarmamento (Souza, 2014SOUZA, Robson Sávio Reis. (2014), Guia prático do desarmamento. Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública. Disponível em http://dspace.mj.gov.br/handle/1/2339, consultado em 20/05/2022.
http://dspace.mj.gov.br/handle/1/2339...
) – documento publicado pelo Ministério da Justiça – mostram um grande sucesso, sobretudo, nos primeiros anos, sendo que 550 mil armas foram recolhidas entre 2004 e 2010 (o que representa 84% do total recolhido entre 2004 e 2014), havendo uma redução nos anos subsequentes. Esse volume de armas entregues voluntariamente demonstra a eficácia da legislação e da campanha na criação de uma sensibilidade desarmamentista no país.

Por meio de consulta ao Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão, obtivemos dados sobre as devoluções de armas entre 2005 e 2011, nos quais se percebe que os estados com maiores números de armas devolvidas são Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal7 7 . Informação obtida através do e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão), em questionamento dirigido ao Departamento de Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Protocolo n. 08850002291202023. Disponível no link: https://www.dropbox.com/s/8lvd3t94dbq7xfm/Armas%20devolvidas%202005%20-%202011.pdf?dl=0. – não coincidentemente, estados onde os debates prévios foram mais aquecidos e que foram pioneiros, inclusive, em legislações proibitivas.

A estratégia de operacionalizar um dispositivo de drenagem de armas via devolução voluntária foi herdada das campanhas realizadas no Rio de Janeiro na década de 1990. O sucesso da abordagem em nível nacional demonstra a construção bem-sucedida de uma predisposição desarmamentista capaz de levar os proprietários a se desfazerem de suas armas.

A confluência de forças sociais e políticas viabilizou a emergência de uma norma altamente restritiva em relação ao mercado de armas de fogo para civis. O Estatuto do Desarmamento se apresentou como um dispositivo de contenção ao mercado, reduzindo seu alcance, dando vazão às contestações e movimentando a linha em favor do não mercado; também como um dispositivo que previu dispositivos de drenagem, em um duplo movimento: reduzindo as armas que chegam às mãos de civis e retirando as que nelas já estavam. Nenhum desses movimentos teria sido possível sem que fossem precedidos da fabricação de predisposições desarmamentistas objetivadas na legislação e distribuídas em campanhas com forte eficácia simbólica.

O modo de compreender o mercado de armas no Brasil é indissociável da forma como o Estado se posiciona e o regula. Mercados contestados são mobilizadores de distintos posicionamentos morais com percepções divergentes acerca do bem comum, e a adoção de uma ou outra perspectiva por parte de agentes eficientes do Estado é capaz de promover tanto uma mudança objetiva, através da regulação, quanto subjetiva, nas formas de percepção. Nas palavras de Bourdieu (2014BOURDIEU, Pierre. (2014), Sobre o Estado. São Paulo, Companhia das Letras., p. 308), “as instituições existem sempre sob duas formas: na realidade – o registro civil, o código civil, um formulário burocrático – e nos cérebros. Uma instituição só funciona quando há correspondência entre estruturas objetivas e estruturas subjetivas”.

O Estatuto do Desarmamento e a campanha subsequente demonstram que “O Estado inculca estruturas cognitivas semelhantes ao conjunto dos agentes submetidos à sua jurisdição. O Estado – e aí cito Durkheim – é o fundamento de um ‘conformismo lógico’ e de um ‘conformismo moral’” (Bourdieu, 2014BOURDIEU, Pierre. (2014), Sobre o Estado. São Paulo, Companhia das Letras., p. 310).

Para além das armas devolvidas, esse fato se confirma pela redução do comércio de armas de fogo. É preciso apontar que essa redução se deveu, em alguma medida, às próprias restrições trazidas pela lei; todavia, considerando que não houve o banimento do mercado, ainda era possível adquirir armas legalmente no país, sendo significativo o fato de que, enquanto o ano de 2003 trouxe 19.572 novos registros por pessoas físicas, o ano de 2004 – quando passou a vigorar o Estatuto – registrou 3.0558 8 . Informação obtida através do e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão), em questionamento dirigido ao Departamento de Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Protocolo n. 08850.002292/2020-78. Disponível no link: https://www.dropbox.com/s/x50v2xbynbgggfi/armas%20registradas%20no%20Brasil.pdf?dl=0. , o que significou uma redução de 84,39%.

Primeiro ano do governo de Jair Messias Bolsonaro (2019)BOLSONARO, Jair Messias. (2019), @jairbolsonaro. “Por decreto pretendemos garantir a posse de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registo definitivo”. 29 de dez. de 2019, 17h37min. Tweet. e a política de ampliação de acesso às armas de fogo

Jair Bolsonaro, então exercendo seu sétimo mandato como deputado federal pelo Rio de Janeiro, logrou se posicionar como um dos favoritos à vitória no pleito presidencial de 2018. Um dos motes centrais de sua campanha foi a crítica à condução dada aos problemas relacionados com a segurança pública no país.

Na proposta de governo protocolada pelo então candidato junto ao Tribunal Superior Eleitoral, chamada de “O caminho da prosperidade”9 9 . Disponível em http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/ 280000614517/proposta_1534284632231.pdf. ou “Projeto Fênix”, o tópico “Segurança e combate à corrupção” é quase inteiramente tomado pela defesa das armas de fogo: “As armas são instrumentos, objetos inertes, que podem ser utilizadas para matar ou para salvar vidas. Isso depende de quem as está segurando: pessoas boas ou más. Um martelo não prega e uma faca não corta sem uma pessoa” (“O caminho da prosperidade”, 2018, p. 25). Nas conclusões, o documento promete “4º Reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à LEGÍTIMA DEFESA sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros!” (Idem, p. 32).

Além de um programa de governo com tônica armamentista, o candidato discursou inúmeras vezes em defesa da ampliação do acesso às armas, permitiu-se fotografar portando armas, tendo sido a emulação de uma arma de fogo, feita com os dedos indicador e polegar, um sinal de apoio à sua candidatura adotado largamente tanto por ele quanto por seus apoiadores.

Jair Bolsonaro sagrou-se vencedor, tornando-se o 38º presidente do Brasil. Desde o início do seu mandato, as armas de fogo ocuparam lugar de destaque, tendo sido adotada a perspectiva da posse de arma como um direito individual a ser garantido pelo Estado. Em tweet de 29 de dezembro de 2018, ainda antes de tomar posse, Bolsonaro afirmou: “Por decreto pretendemos garantir a posse de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registro definitivo”10 10 . “Bolsonaro anuncia decreto para facilitar posse de arma a quem não tem antecedente criminal” (29 dez. 2018). (Bolsonaro, 2018) – mais do que uma visão sobre a questão de armas no país, era aqui anunciado um modo de colocá-la em prática.

Decretos presidenciais, desarticulação do Estatuto do Desarmamento e fabricação de uma nova convenção social

A desarticulação do Estatuto do Desarmamento foi iniciada logo na primeira quinzena do Governo Bolsonaro. Entretanto, afastando-se do modus operandi tradicional – qual seja, a aprovação de uma nova lei que regulasse o tema e revogasse expressa ou tacitamente a norma anterior, de modo a fazer-se necessária a tramitação de um texto por ambas as casas do Congresso Nacional com todos os debates, comissões, audiências públicas e possíveis modificações decorrentes –, optou-se por fazer uma mudança via decretos presidenciais.

Os decretos presidenciais possuem previsão legal no artigo 85, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, e autorizam o presidente da República a regulamentar uma lei já existente. Em outras palavras, os decretos são destinados a operacionalizar, em termos práticos, o modo de aplicação de uma lei, detalhando-a. Os decretos, uma vez que independem de outros poderes da República e podem ser emanados unilateralmente pela autoridade executiva, não podem ir além das disposições da lei, devendo limitar-se aos termos de sua aplicabilidade.Em 15 de janeiro de 2019, foi publicado o primeiro decreto presidencial sobre armas, nesse caso, o Decreto n.. 9.685/2019, que modificou o Decreto n. 5.123, de 1º de julho de 2004, até então responsável por regulamentar a Lei 10.826/2003. O citado decreto deu novas diretrizes ao registro de posse e comércio de armas de fogo e munições. Um dos seus pontos mais sensíveis foi a modificação do artigo 12, parágrafo 7º, inciso IV, do Estatuto do Desarmamento, que passou a ter a redação a seguir, autorizando a aquisição de armas de fogo para:

IV – residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por 100 mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Brasil, 2003, on-line).

Para compreender o alcance dessa previsão jurídica, é preciso compreender que o caput do artigo 4º do Estatuto do Desarmamento previa que uma arma somente poderia ser adquirida por aquele que comprovasse a efetiva necessidade de possuí-la. Com isso, a norma gerava uma espécie de força centrífuga por meio da qual todos os indivíduos eram afastados do mercado por uma presunção de desnecessidade. Provada a efetiva necessidade, não estava ainda garantido o direito à posse de uma arma, era preciso atender outras exigências – no caso, comprovação de idoneidade, apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa, e comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica.

A comprovação de efetiva necessidade se fazia nos termos da Instrução Normativa DPF n.. 23/2005, momento em que o interessado apresentava um documento pontuando seus motivos, o qual seguiria para análise da autoridade responsável, no caso um delegado da Polícia Federal. Ao pontuar que a efetiva necessidade seria presumida nos estados com índices acima de dez homicídios por 100 mil habitantes, o decreto de Bolsonaro criou uma presunção de efetiva necessidade em todo o país, já que, conforme o Atlas da Violência de 2018 (Ipea, 2022), o estado com o menor índice era São Paulo, com 10,9 (Cerqueira et al., 2018).

Essa mudança – que, sob o ponto de vista jurídico, parece pequena – representa a total desarticulação de um importante dispositivo de confinamento e um avanço significativo da linha que separa mercado e não mercado. Se, antes, todos estavam presumivelmente fora dos critérios necessários para adquirir uma arma, agora, todos estão presumivelmente dentro, ou seja, a força centrífuga que afastava do mercado todo indivíduo que não estivesse comprovadamente em situação de risco deixa de atuar – presume-se, assim, que todos estão sob risco.

Após esse primeiro decreto, uma série de decretos se seguiu, revogando total ou parcialmente os decretos anteriores. Poucos meses depois, foram editados os Decretos 9.785, de 7 de maio de 2019, e 9.797, de 21 de maio de 2019, que revogaram o primeiro decreto. As contestações às aberturas promovidas pelo Governo Federal se articularam rapidamente: ainda em maio de 2019, o Projeto de Decreto Legislativo (PCD) n° 233 foi protocolado pelo Senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), o qual objetivava suspender os efeitos dos decretos recentes; em 12 de junho, o citado projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por quinze votos a nove, seguindo para votação pelo plenário; em 18 de junho, foi aprovado no Plenário do Senado Federal por 47 votos a 28, seguindo para confirmação pelo Plenário da Câmara dos Deputados.

Antecipando a possível suspensão, o Governo Federal editou quatro novos decretos em 25 de junho de 2019. O primeiro foi o Decreto 9.844, que revogou os Decretos 9.785 e 9.797. Além dele, ao longo do dia foram editados os Decretos 9.845, 9.846 e 9.847 – este último, responsável por revogar o Decreto 9.844. Foram quatro decretos relativos a armas em um único dia. A manobra fez com que o PDC n°. 233, de 2019 – que deveria ser confirmado pelo Plenário da Câmara dos Deputados –, perdesse o objeto, já que se referia a decreto agora revogado. No entanto, as aberturas que o PDC visava revogar permaneciam vigentes, uma vez que os novos decretos as reeditavam sob nova roupagem.

Houve, ainda, em 20 de agosto de 2019, a edição do Decreto 9.981/2019, que retificou questões de redação do Decreto 9.847. Foram, assim, oito decretos presidenciais sobre o tema entre janeiro e agosto de 2019. A adoção desses instrumentos normativos como modus operandi de atuação no tema das armas demonstra que a estratégia adotada foi realizar uma espécie de revogação real do Estatuto, enquanto permanecia sua vigência formal. Apesar de o governo federal jamais ter realizado nenhuma movimentação séria no sentido de aprovar uma norma substitutiva do Estatuto, ele buscou desarticulá-lo, afastando os dispositivos que o operacionalizavam – a norma se manteve vigente, mas esvaziada em sua teleologia.

O volume de decretos gerou, ainda, uma confusão acerca de quais disposições permaneciam – e por quanto tempo estariam – vigentes. Houve uma hiperprodução normativa que, pela própria confusão gerada, criou os mesmos efeitos de uma revogação. Em termos simbólicos, o trabalho não foi menor: o Governo Bolsonaro atuou como um sólido defensor do tema, performando uma espécie de publicidade de Estado em favor das armas.

Esse modus operandi dialoga com as posições de Bolsonaro em defesa visceral da arma de fogo e na busca da construção de uma convenção social favorável. Anteriormente ao Governo Bolsonaro, os dados demonstram o sucesso na construção de uma convenção social desarmamentista: em pesquisa de novembro de 2013, o Datafolha constatou que 68% da população era favorável à proibição de armas, enquanto 30% se colocavam a favor da liberação; em setembro de 2018, já durante a campanha presidencial de Bolsonaro, este índice oscilou para 58% favoráveis à proibição, contra 40%11 11 . “55% são contra liberação de armas” (27 out. 2018). .

As pesquisas sobre o tema realizadas após o início do Governo Bolsonaro, pelo mesmo instituto, demonstram que, em que pese ter ocorrido uma oscilação em favor das armas, a solidez da convenção social anterior se mantinha para a maioria da população. Em pesquisa de abril de 2019, os números variaram para 64% favoráveis à proibição e 34% contrários12 12 . “Cresce a parcela de brasileiros contrários à posse de armas” (11 abr. 2019). . Dados semelhantes foram encontrados pelo Ibope, que, em pesquisa realizada em junho de 2019, constatou que 61% da população é contrária à flexibilização do uso de armas13 13 . “61% dos brasileiros são contra flexibilização da posse de armas”. (2019). . Em julho de 2019, o Datafolha constatou que 66% dos entrevistados se declararam contrários à posse de armas14 14 . “66% são contra posse de armas, e 70% rejeitam flexibilizar porte”. (12 jul. 2019). .

A despeito de a maioria se definir desarmamentista, quando retomamos os dados relativos aos registros de armas de fogo, temos que, em 2017, houve 33.031 registros efetivados por cidadãos; em 2018, esse número teve algum aumento e ficou na ordem de 35.758; em 2019, com os decretos de Bolsonaro em vigor, o número de armas registradas por civis foi de 43.240; e, em 2020, os números saltaram para 122.378 armas registradas15 15 . Informação obtida através do e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão), em questionamento dirigido ao Departamento de Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Protocolo n. 08198.032105/2020-21. Disponível no link: https://www.dropbox.com/s/osrl3vecdimue9f/6%20-%20armas%20registradas%20entre%201999%20e%202020.zip?dl=0 e n. 08198.010239/2021-72. Disponível no link: https://www.dropbox.com/s/jekt2u8mktbmuqx/15%20-%20Registro%20de%20armas%20cidad%C3%A3o%20%202020%20completo.csv?dl=0. .

É possível que esse descompasso entre uma maioria desarmamentista e o incremento no número de registro de armas seja apenas aparente, como nos alerta Bourdieu:

O mundo social está semeado de chamados à ordem, que só funcionam como tais para aqueles que estão predispostos a percebê-los, e que reanimam disposições corporais profundamente enraizadas, que não passam pelas vias da consciência e do cálculo. […] A submissão à ordem estabelecida é produto do acordo entre as estruturas cognitivas que a história coletiva (filogênese) e a individual (ontogênese) inscreveram nos corpos e nas estruturas objetivas do mundo ao qual se aplicam: a evidência das injunções do Estado só se impõe de maneira tão poderosa porque ele impôs as estruturas cognitivas segundo as quais é percebido (Bourdieu, 1996BOURDIEU, Pierre. (1996), "Espírito de estado: gênese e estrutura do campo burocrático". In: Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo, Papirus., pp. 117-118).

O aumento de registros não nos autoriza a presumir que tenha havido uma erosão da convenção social desarmamentista do período anterior, pois, conforme nos pontua Douglas (1998)DOUGLAS, Mary. (1998), Como as instituições pensam. São Paulo, Edusc., as convenções sociais dependem de tempo e reiterados reforços para que sejam construídas e naturalizadas. O que podemos afirmar é que houve um avanço do mercado em suas possibilidades – a fronteira entre mercado e não mercado avançou significativamente em favor dos armamentistas, e essa abertura pode ter sido fundamental para atender a uma demanda reprimida. Em outras palavras, os agentes já favoráveis ao mercado gozaram de um momento para dar vazão aos seus anseios, uma vez que o mercado se ampliou.

Por fim, o assunto das armas está distante de encontrar qualquer consenso na sociedade brasileira, e a disputa se mostra marcada por um acirramento promovido pelo início de um terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (2023), que rapidamente retomou a política anterior, revogando os decretos presidenciais do Governo Bolsonaro no primeiro dia de seu governo16 16 . . “Governo Lula revoga decretos sobre armas e munições e fixa regras temporárias” (18 jan. 2023). .

Considerações finais

O mercado de armas, em sua característica de contestado, é um mercado altamente moral, cuja viabilidade se dá em um campo de disputas acerca de uma percepção variável de bem comum, capaz de fazer transitar a fronteira entre mercado e não mercado, ampliando o alcance e acesso ou, ao contrário, restringindo o alcance do mercado.

Essas contestações morais existentes no âmbito social possuem uma força que se materializa no terreno político. É possível notar que o peso dos ventos políticos na configuração do mercado é fundamental, de modo que se torna impossível mapeá-lo sem, ao mesmo tempo, fazer uma espécie de sociologia política acerca da posição de cada governo e da sensibilidade dos seus agentes, no sentido de dar esteio a uma ou outra dessas posições antagônicas.

Por longo período, possuir armas não era uma questão nevrálgica, ou ao menos não tomava o debate público com grande força. O trabalho de pesquisadores e de grupos relacionados com o estudo e combate da violência é que iniciou a associação entre violência e armas de fogo, a qual recebeu o seu reconhecimento como marco quando da aprovação do Estatuto do Desarmamento.

Esse instrumento normativo foi a cristalização legal de uma perspectiva em relação às armas e trouxe consigo, para além do relativo fechamento do mercado, mecanismos para o desenvolvimento de uma convenção social desarmamentista. Campanhas de devolução voluntária e de conscientização que ocuparam uma série de espaços trouxeram para o país a ideia de que a crescente violência urbana poderia ser combatida através de uma perspectiva coletiva de segurança viabilizada por um desarmamento amplo e pela concentração do poder armado nas mãos do Estado.

Essa nova convenção social possibilitou um programa bem-sucedido de drenagem das armas dispersas, já que a posse de uma arma se tornou restrita e, até mesmo, moralmente questionável perante a coletividade.

Por meio de dois contenciosos empíricos, demonstramos as oscilações em relação ao tema promovidas por governos que defendem ora maior restrição, ora maior flexibilização do acesso civil às armas, o que implica uma ampliação ou retração do mercado. Se, até a promulgação do Estatuto do Desarmamento, as armas não eram alvo de grandes debates, após a lei e as políticas públicas que a acompanharam, o tema se tornou alvo de programas políticos, projetos de leis e, inclusive, de plataformas políticas em eleições presidenciais.

A eleição de Jair Bolsonaro e seus decretos representam, sob o ponto de vista legal, uma retomada da regulamentação anterior ao Estatuto, com amplas possibilidades de aquisição de armas. Todavia, diferentemente do momento anterior, o Estado – na figura dos agentes relacionados ao Executivo Federal – passa a operar como um divulgador das armas. Ainda, a forma de operacionalizar a abertura do mercado não se caracteriza por uma desregulamentação nos moldes clássicos de revogação de normas restritivas ou de substituição da norma anterior por uma nova regulação com acesso ampliado – o modelo seguido foi uma abundante produção legiferante, capaz de operar uma revogação prática, ao mesmo tempo que, ao longo de todo o Governo Bolsonaro, o Estatuto do Desarmamento permaneceu vigente.

A opção por formas de regulação frágeis, como são os decretos presidenciais, aumenta ainda mais a insegurança jurídica, uma vez que momentos de transição de governo, como a do início do terceiro mandato de Lula (2023), trazem uma revogação maciça de normas, o que, em si, é ineficaz para trazer o cenário anterior, já que, entre revogações, repristinações e ações judiciais, o bem em questão é durável, e as armas não retornam às fábricas pela força de um novo fechamento das possibilidades do mercado. Um desarmamento bem-sucedido deve, assim, mais uma vez, estabelecer dispositivos de drenagem eficientes.

Dessa disputa, pesquisas apontam que a maioria dos brasileiros permanece desaprovando a possibilidade ampliada de possuir armas, o que revela que, apesar de o mercado estar sob disputa acerca das formas de compreender esse bem, não houve, no período do Governo Bolsonaro, uma naturalização ou a formação de uma convenção definitiva sobre o tema.

Demonstramos, assim, que, nessa disputa, o Estado possui a capacidade de promover convenções sociais ao atuar na modificação das percepções sociais acerca de determinado tema. Primeiro, o Estado consegue atuar simplesmente pautando a questão, mas, para além disso, promove sinais simbólicos aptos a reforçarem ou contestarem certas predisposições. O primeiro Governo Lula, com secretários e ministros abertamente desarmamentistas, promoveu mudanças legislativas importantes no sentido da restrição do acesso às armas, mas também reforçou predisposições desarmamentistas com sucesso, como podemos objetivar nos números (devoluções e registros). O Governo Bolsonaro, por outra via, atuou em sentido diametralmente oposto, contestando as predisposições anteriormente distribuídas e defendendo uma predisposição armamentista (Proposta de Plano de Governo Bolsonaro, 2018). Assim, as mudanças não ficam adstritas ao âmbito institucional normativo (via Direito), mas alcançam o cultural (produção de disposições).

Por fim, é importante perceber que a criação de convenções sociais é determinante para o sucesso de uma ou outra perspectiva, de forma que o êxito do Estatuto do Desarmamento e da campanha pelo desarmamento pode não encontrar o mesmo resultado caso a estratégia de drenagem seja novamente a devolução voluntária, afinal, se a utilização de formas jurídicas frágeis para a abertura do mercado permitiu uma rápida revogação dos decretos armamentistas, as predisposições construídas ao longo do Governo Bolsonaro são mais sólidas e perenes e podem representar um desafio ainda maior que as alterações legais.

Referências Bibliográficas

  • 1
    . A terminologia small arms and light weapons (SALW) – em português, armas pequenas e leves – é retirada do documento A/60/88, de junho de 2005, elaborado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o qual define armas pequenas como aquelas que, em aspecto amplo, são destinadas para uso individual, enquanto armas leves são as projetadas para uso por duas ou três pessoas, servindo como equipe técnica, embora possam ser transportadas e utilizadas individualmente.
  • 2
    . A distinção entre posse e porte pode ser definida da seguinte maneira: a posse permite ao cidadão manter a arma exclusivamente no interior da residência ou no local de trabalho; o porte é a possibilidade de circulação com a arma de fogo.
  • 3
    . “Ce que j’essaie de repeter sous ce nom, c’est, premierement un ensemble resolument heterogene comportant des discours, des institutions, des amenagements architecturaux, des decisions reglementaires, des lois, des mesures administratives, des enonces scientifiques, des propositions philosophiques, morales, philantropiques, bref: du dit aussi bien que du non-dit, voila les elements du dispositif. Le dispositif lui-meme c’est le reseau qu’on etablit entre ces elements […]. […] par dispositif, j’entends une sorte – disons – de formation qui aun moment donne a eu pour fonction majeure de repondre aune urgence. Le dispositif a done une fonction strategique dominante… Le dispositif est toujours inscrit dans um jeu de pouvoir […].”
  • 4
    . Em dezembro de 2018, Gerson Camata, então senador, foi assassinado a tiros por um ex-assessor. O fato foi diuturnamente utilizado por grupos armamentistas, sob a afirmação de que o Estatuto do Desarmamento foi incapaz de coibir mesmo a morte de seu propositor.
  • 5
    . Processo n. 0032985-87.1999.8.07.0001; Registro do Acórdão Número: 134779; julgado em 18/12/2000 pela 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, sob relatoria da Desembargadora Adelith Castro de Carvalho Lopes.
  • 6
    . Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 0002903-13.1999.0.01.0000; julgada em 09/09/1999, sob relatoria da ministra Ellen Gracie.
  • 7
    . Informação obtida através do e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão), em questionamento dirigido ao Departamento de Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Protocolo n. 08850002291202023. Disponível no link: https://www.dropbox.com/s/8lvd3t94dbq7xfm/Armas%20devolvidas%202005%20-%202011.pdf?dl=0.
  • 8
    . Informação obtida através do e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão), em questionamento dirigido ao Departamento de Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Protocolo n. 08850.002292/2020-78. Disponível no link: https://www.dropbox.com/s/x50v2xbynbgggfi/armas%20registradas%20no%20Brasil.pdf?dl=0.
  • 9
    . Disponível em http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/ 280000614517/proposta_1534284632231.pdf.
  • 10
    . “Bolsonaro anuncia decreto para facilitar posse de arma a quem não tem antecedente criminal” (29 dez. 2018).
  • 11
    . “55% são contra liberação de armas” (27 out. 2018).
  • 12
    . “Cresce a parcela de brasileiros contrários à posse de armas” (11 abr. 2019).
  • 13
    . “61% dos brasileiros são contra flexibilização da posse de armas”. (2019).
  • 14
    . “66% são contra posse de armas, e 70% rejeitam flexibilizar porte”. (12 jul. 2019).
  • 15
    . Informação obtida através do e-SIC (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão), em questionamento dirigido ao Departamento de Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Protocolo n. 08198.032105/2020-21. Disponível no link: https://www.dropbox.com/s/osrl3vecdimue9f/6%20-%20armas%20registradas%20entre%201999%20e%202020.zip?dl=0 e n. 08198.010239/2021-72. Disponível no link: https://www.dropbox.com/s/jekt2u8mktbmuqx/15%20-%20Registro%20de%20armas%20cidad%C3%A3o%20%202020%20completo.csv?dl=0.
  • 16
    . . “Governo Lula revoga decretos sobre armas e munições e fixa regras temporárias” (18 jan. 2023).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2023
  • Aceito
    17 Jan 2024
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