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“Sementes do mal”: Essencialização e agência na sustentação do racismo em unidades socioeducativas do Rio de Janeiro

“Seeds of evil”: essentialization and agency in sustaining racism in juvenile detentions centers in Rio de Janeiro

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar processos de essencialização de adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no estado do Rio de Janeiro, considerando as disputas profissionais sobre a dimensão racial de tais processos de essencialização. Para tanto, diferentes materiais de pesquisas de campo realizadas desde 2015 foram retomados, o que permitiu discutir a regularidade de representações racializadas sobre adolescentes internados, mesmo quando tal dimensão racial não foi percebida ou intencional. Ao constatar a centralidade da expressão “sementes do mal”, comum em unidades socioeducativas fluminenses, será possível dialogar criticamente com o conceito de racismo estrutural de modo a ressaltar a dimensão de agência na produção e reprodução de desigualdades raciais na medida socioeducativa de internação.

Palavras-chave:
Medida socioeducativa de internação; Essencialização; Racismo; Agência

Abstract

The aim of this article is to analyze processes of essentialization of adolescents serving socio-educational measure of internment in the state of Rio de Janeiro, considering professional disputes about the racial dimension of such essentialization processes. To this end, different materials from field research carried out since 2015 were revisited, which made it possible to discuss the regularity of racialized representations of adolescents in detention, even when this racial dimension was not perceived or intentional. By noting the centrality of the expression “seeds of evil”, often used in Rio de Janeiro’s socio-educational centers, it will be possible to critically dialogue with the concept of structural racism in order to highlight the dimension of agency in the production and reproduction of racial inequalities in the socio-educational measure of internment.

Keywords:
Socio-educational of internment; Essentialization; Racism; Agency

Considerações iniciais

O Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido pela sigla ECA (Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990) estabelece que indivíduos que tenham entre doze e dezoito anos e cometem atos infracionais devem ser responsabilizados por medida socioeducativa1 1 . São seis as medidas socioeducativas estabelecidas no ECA: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional. , sendo a mais grave a internação, única privativa de liberdade. O objetivo deste artigo é contribuir com os debates sobre a medida socioeducativa de internação, ao debater a produção cotidiana de desigualdades raciais no tratamento de adolescentes que cumprem esse modo de responsabilização no estado do Rio de Janeiro. Isso ocorrerá a partir da análise de uma expressão corrente no sistema socioeducativo fluminense para nomear tanto adolescentes privados de liberdade quanto suas mães: “sementes do mal”. Ao descrever processos de essencialização racial em torno dessa expressão, mas que não são vistos enquanto tais por alguns grupos profissionais que atuam na medida socioeducativa de internação, será possível analisar disputas sobre o que é racismo e dialogar criticamente com o conceito de racismo estrutural, de modo a ressaltar a dimensão de agência na produção e reprodução de desigualdades raciais.

Segundo o Levantamento Nacional de dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Brasil, 2023), 63,8% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa privativa ou restritiva de liberdade (semiliberdade ou internação) são negros, enquanto 22,3% são brancos. Como não há pesquisas que demonstrem que essa desigualdade racial se relaciona com a quantidade de atos infracionais cometidos por adolescentes brancos e negros, tais dados costumam ser definidos como resultado de processos históricos de seletividade que teriam por base a discriminação racial. As seletividades penal e socioeducativa são definidas como processos em que instituições policiais e judiciais realizam constrangimentos para certos atores sociais, gerando desigualdades de tratamento no modo como estes são punidos (Sinhoretto, 2015SINHORETTO, Jacqueline (org.). (2015), Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil. Brasília, Secretaria-Geral da Presidência da República, Secretaria Nacional de Juventude.). Assim, haveria um processo de filtragem racial que se inicia na abordagem policial de adolescentes (Oliveira; Piccirillo e Mizutami, 2023OLIVEIRA, Renan Theodoro; PICCIRILLO, Debora & MIZUTAMI, Aline. (2023), A experiência precoce e racializada com a polícia: contatos de adolescentes com as abordagens, o uso abusivo da força e a violência policial no município de São Paulo (2016-2019). São Paulo, NEV/USP. Disponível em https://nev.prp.usp.br/publicacao/a-experiencia-precoce-e-racializada-com-a-policia-2016-2019/, consultado em 17/11/2023.
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), passando pela justiça juvenil (Gonçalves, 2020GONÇALVES, Vitor Sousa. (2020), “O sistema de justiça juvenil na perspectiva sociológica: Entre frouxa articulação e linha de montagem”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 13 (3): 781-799. DOI:10.17648/dilemas.v13n3.25800.
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), chegando ao cumprimento das medidas socioeducativas (Arruda e Figueiredo, 2020ARRUDA, Jalusa Silva de & FIGUEIREDO, Otto Vinicius Agra. (2020), “Classificação racial numa comunidade de atendimento socioeducativo: reflexões sobre negritude, mestiçagem e branquitude”. Argumentum, 12 (3): 195-210. https://doi.org/10.47456/argumentum.v12i3.31049.
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; Vinuto, 2024VINUTO, Juliana; FERNANDES, Maria Nilvane & COSTA, Ricardo Peres da. (2024), “Central de vagas, audiências concentradas e lotação de unidades socioeducativas: uma análise comparada entre Amazonas e Rio de Janeiro”. Confluências: Revista Interdisciplinas de Sociologia e Direito, 26 (1): 50-67.). Não à toa, há autores que indicam que as próprias categorias que rotulam pessoas acusadas de crimes, como “bandido” ou “criminoso”, teriam uma conotação implicitamente racializada (Alexander, 2017; Borges, 2018BORGES, Juliana. (2018), O que é encarceramento em massa? Belo Horizonte, MG, Letramento, Justificando. (Feminismos Plurais).).

Apesar destas discussões, são raras as pesquisas que analisam os efeitos de tal desigualdade racial na rotina de unidades socioeducativas de internação, sobretudo quando se mobilizam métodos qualitativos (Lima, 2014). É comum ouvir por parte de pesquisadores que estudam violência, punição e temas afins a dificuldade de detectar racismo em entrevistas, comportamentos ou documentos oficiais (Vinuto, 2022VINUTO, Juliana & BUGNON, Géraldine. (2022), “Superlotação no sistema socioeducativo: uma análise sociológica sobre normativas e disputas no Brasil e na França”. Sociologias, 23: 106-137.). Por isso, constata-se a existência de desigualdades raciais nas raras e esporádicas estatísticas existentes (Almeida e Vinuto, 2020ALMEIDA, Bruna Gisi & VINUTO, Juliana. (2020), “Transparência e garantia de direitos no sistema socioeducativo: a produção de dados sobre medidas socioeducativas”. Boletim IBCCrim, [s. l.], 28 (337): 4-7.), mas pouco se avança na análise do racismo como mecanismo produtor destas desigualdades. A falta de um diálogo adequado entre sociologia das relações raciais e sociologia da violência, além das dificuldades singulares para acessar instituições estatais de controle e ordem, tem produzido argumentos em que todos “sabem” que o racismo existe, mas pouco se compreende como ocorre o engajamento rotineiro dos atores na sustentação do mesmo. Isso faz com que comportamentos e declarações orientados por estereótipos racializados não recebam o tratamento analítico que merecem, o que nos impede de compreender como estes orientam as práticas individuais e coletivas que ganham amplitude quando realizadas em instituições de Estado.

Espero contribuir com tal debate ao descrever situações empíricas em que se naturaliza a seletividade penal racial e se estabelecem processos de essencialização de adolescentes e de suas famílias, com destaque para as mães, o que me permitirá contrapor a premissa de que o racismo estrutural é um elemento autônomo ao descrever processos de interpretação - e, portanto, de agência - que emergem nas interações em unidades socioeducativas do Rio de Janeiro. A aposta aqui é focalizar a agência dos profissionais que lidam com adolescentes internados na sustentação do racismo realizado na medida socioeducativa de internação, mas sem empreender uma “conflação ascendente” (Archer, 2003ARCHER, Margaret. (2003), Structure, agency, and the internal conversation. Cambridge, UK; Nova York, Cambridge University Press.) nem ignorar a dimensão relacional do mesmo (Campos, 2017CAMPOS, Luiz Augusto. (2017), “Racismo em três dimensões: Uma abordagem realista-crítica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32 (95): 1.). Em suma, espero analisar as relações entre agência e estrutura na produção do racismo em unidades socioeducativas privativas de liberdade.

Para tanto, reavaliei antigos diários de campo e entrevistas que produzi nas pesquisas que tenho realizado no Rio de Janeiro desde 2015, ainda que minhas experiências de investigação não se restrinjam a este estado (Vinuto, 2023VINUTO, Juliana. (2023), “Efeitos da superlotação no trabalho de segurança socioeducativa”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, 10: 34.; Vinuto; Alvarez, 2018; Vinuto e Bugnon, 2022; Vinuto, Fernandes e Costa, 2024). Desse modo, discorrerei sobre minha experiência de pesquisa no Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), órgão estadual responsável pela aplicação da medida de semiliberdade e internação no estado do Rio de Janeiro.

A partir desta retomada de entrevistas e registros de campo, escolhi episódios em que meus interlocutores mobilizaram estereótipos que, para mim, eram obviamente racializados, mas nem sempre foram entendidos da mesma forma pelos mesmos. Vale dizer que houve profissionais que também consideraram tais estereótipos como elementos racializados, sobretudo aqueles com experiência de ativismo em movimentos ou coletivos negros (Vinuto, 2024VINUTO, Juliana; FERNANDES, Maria Nilvane & COSTA, Ricardo Peres da. (2024), “Central de vagas, audiências concentradas e lotação de unidades socioeducativas: uma análise comparada entre Amazonas e Rio de Janeiro”. Confluências: Revista Interdisciplinas de Sociologia e Direito, 26 (1): 50-67.). Posteriormente, analisarei tais discordâncias como elemento importante na produção cotidiana de desigualdades raciais no cotidiano da medida socioeducativa de internação.

A princípio, as descrições a seguir poderiam ser criticadas por falta de sistematicidade, já que igualo experiências de pesquisas diferentes, realizadas em conjunturas e unidades socioeducativas diversas, e a partir de interações com profissionais com experiências específicas. Ainda assim, justifico esta estratégia tanto para destacar a regularidade de representações racializadas sobre adolescentes, quanto para analisar as disputas de sentido sobre como definir racismo, o que verifiquei no decorrer dos anos.

Este artigo está dividido em três momentos, além desta introdução e das considerações finais. Na próxima seção, discorrerei sobre o desencaixe existente entre as normativas que estabelecem que adolescentes são sujeitos em desenvolvimento, e podem ser transformados pela medida socioeducativa, e os discursos profissionais que alegam que estes não podem ser mais transformados por já serem essencialmente bandidos. Na sequência, discorro sobre a dimensão devidamente racial de tais processos de essencialização a partir da análise da categoria “semente do mal”, utilizada no sistema socioeducativo fluminense para nomear pejorativamente adolescentes e suas mães. Ao considerar tais dinâmicas de essencialização racial em um “lugar de negro” (Gonzalez, 2022GONZALEZ, Lelia. (2022), “O movimento negro na última década”. In: GONZALEZ, Lelia & HASENBALG, Carlos (orgs.). Lugar de negro. Rio de Janeiro, Zahar, pp. 15-84.), ficará explícito o modo como a medida socioeducativa estabelece desigualdades raciais. Por fim, ao constatar que esta essencialização de caráter racial não é vista como tal por alguns grupos profissionais que atuam em unidades socioeducativas, será possível complexificar o debate sobre racismo estrutural ao trazer à cena o debate de Erving Goffman (2007GOFFMAN, Erving. (2007), Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, Perspectiva., 2012) sobre enquadramentos interpretativos e sobre instituições totais. Ao considerar este ponto, concluo que as disputas existentes em unidades socioeducativas sobre o que seria ou não racismo permitem compreender o conceito de racismo estrutural como condição e resultado da agência humana.

Entre “pessoa em condição peculiar de desenvolvimento” e “sujeição criminal”

Tem gente que chama esses vagabundos de “sementinha do mal”, mas eu discordo, não acho que eles só são sementinhas de nada, eles são bandidos mesmo, já têm muita periculosidade. Não é porque são menores que são menos bandidos

Entrevista com agente de segurança socioeducativa, fev. 2022.

As medidas socioeducativas para adolescentes não são apenas outra gramática com relação à pena para adultos, pois formalmente não se trata de uma punição como estabelecido no Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940), em que fundamentos como retribuição ou dissuasão ganham centralidade. Ao contrário, é uma responsabilização de caráter educativo que, de acordo com Mariana Chies-Santos e Ana Cifali (2022CIFALI, Ana Claudia & CHIES-SANTOS, Mariana. (2022), Sistema de justiça juvenil e socioeducativo: entre o menorismo e a garantia de direitos. Florianópolis, SC, Emais Editora & Livraria Jurídica Ltda.), estaria próxima a uma política social transformadora. A ideia de “transformação” é central para a concepção das medidas socioeducativas, pois muitos formuladores de políticas socioeducativas, ativistas e profissionais que atuam diretamente com os adolescentes partem da premissa de que estes podem ser transformados. Aqui a ideia de socioeducação é marcada pela necessidade de fornecer competências aos adolescentes para que estes superem as “condições de violência, de pobreza e de marginalidade que caracterizam sua exclusão social (Bisinoto et al, 2015BISINOTO, Cynthia et al. (2015), “Socioeducação: origem, significado e implicações para o entendimento socioeducativo”. Psicologia em Estudo, 20 (4): 575-585., p. 581).

Desdobra-se desse entendimento que, além do processo judicial, a medida socioeducativa contempla ações articuladas e em rede que por meio de ações pedagógicas e intencionais têm o potencial de oportunizar a ressignificação das trajetórias infratoras e a construção de novos projetos de vida (Bisinoto et al., 2015BISINOTO, Cynthia et al. (2015), “Socioeducação: origem, significado e implicações para o entendimento socioeducativo”. Psicologia em Estudo, 20 (4): 575-585.).

A ideia de transformação de adolescentes que cumprem medida socioeducativa se sustenta normativamente na Doutrina da Proteção Integral consagrada na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (1989), que os define como sujeitos em desenvolvimento. Assim, o ECA coloca que menores de dezoito anos, mesmo quando cometem atos infracionais, devem receber proteção prioritária, por serem pessoas em processo de amadurecimento “físico, mental, moral, espiritual e social” (ECA, Art. 3). A premissa colocada é que, com oportunidades e direitos, adolescentes considerados em conflito com a lei podem se desvencilhar das condições que oportunizaram o ato infracional (Silva, 2023SILVA, Juraci Brito da. (2023), Cartografando práticas e percursos na tentativa de implantação da visita íntima no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. 251 f. Rio de Janeiro, tese de doutorado em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.).

Há tópicos dignos de nota no argumento de que a medida socioeducativa pode transformar positivamente o adolescente, como a constatação de que tal transformação ocorre em um contexto de privação de liberdade e, portanto, usualmente se restringe a comportamentos individuais, como obediência às regras internas da unidade e reflexão sobre ações passadas (Almeida, 2017ALMEIDA, Bruna Gisi Martins de. (2017), “A produção do fato da transformação do adolescente: uma análise dos relatórios utilizados na execução da medida socioeducativa de internação”. Plural, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, 24 (1): 28-53.). Para a finalidade do meu argumento, gostaria apenas de ressaltar aqui o quanto a ideia de “transformação” é central para a legitimidade da medida socioeducativa.

No entanto, nem sempre o adolescente que cumpre medida socioeducativa é entendido como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento (Fernandes, 2022FERNANDES, Ionara dos Santos. (2022), “Da escravidão à prisão pelo fio condutor da tortura no Brasil”. Revista Katálysis, 25: 283-290. https://doi.org/10.1590/1982-0259.2022.e83873.
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; Hernandez, 2018HERNANDEZ, Jimena de Garay. (2018), O adolescente dobrado: cartografia feminista de uma unidade masculina do Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, tese de doutorado, Universidade Estadual do Rio de Janeiro.). Ao contrário, há um argumento socialmente partilhado de que adolescentes já teriam discernimento sobre seus atos e, portanto, deveriam ser exemplarmente punidos. Aliás, este é um dos principais pontos que sustentam o apoio da população brasileira a propostas de redução da maioridade penal (Benetti, 2022BENETTI, Pedro Rolo. (2022), “Redução da maioridade penal: a longa trajetória de um discurso sobre adolescentes”. Sociologias, 23 (58): 168-203.).

Minhas pesquisas em interlocução com agentes de segurança socioeducativa2 2 . Os agentes de segurança socioeducativa são os profissionais responsáveis pela segurança de adolescentes e demais profissionais em unidades socioeducativas. Apesar de sua jornada de trabalho ser atravessada pela necessidade de garantir a ordem nas unidades, são muitas as diretrizes que definem que procedimentos disciplinares não são a finalidade da instituição, mas apenas um meio para viabilizar as atividades educativas oferecidas. Tais diretrizes colocam especificidades neste trabalho de segurança que justificariam o qualificativo de “socioeducativa”, mas há disputas sobre qual deveria ser a identidade profissional ideal deste trabalhador. Para mais detalhes, ver Vinuto (2020). (Vinuto, 2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia, 2020.) têm mostrado como alguns profissionais também defendem que tais adolescentes não podem ser transformados, o que é ilustrado na epígrafe desta seção: para o entrevistado, os adolescentes com quem interage “são bandidos mesmo”. Aqui o que é avaliado não é o ato infracional cometido, mas o ser do adolescente; e, por isso, não é fortuito o uso do termo “periculosidade” - uma categoria criada pela psiquiatria, mas instrumentalizada pelo Direito - para argumentar que adolescentes que cumprem medida socioeducativa são, em si mesmos, perigosos. Ao se pressupor uma criminalidade ontológica, a expressão “sementinhas do mal” é mobilizada no excerto acima para realçar a origem e a natureza dos adolescentes e justifica uma rotina institucional orientada pela priorização de procedimentos de segurança em detrimento de atividades de caráter educativo.

Para Anne Caroline Santos (2021SANTOS, Anne Caroline. (2021), “Socioeducação”: Colocando o conceito entre aspas. Curitiba, Appris.), a socioeducação é um “ornitorrinco na estrutura punitiva”, já que “possui pressupostos da educação social, mas demonstra características fortemente punitivas” (Santos e Anne Caroline, 2021). Assim, há um desencaixe entre a legislação juvenil que se orienta pela responsabilização de um sujeito em desenvolvimento e a rotina de trabalho em unidades socioeducativas do Rio de Janeiro que se orienta pela punição de um sujeito criminal.

Ao analisar criticamente a categoria “bandido”, Michel Misse (2010MISSE, Michel. (2010), “Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria ‘bandido’”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 79: 15-38.) nomeia como “sujeição criminal” um processo em que elementos existentes na trajetória de um indivíduo passam a ser considerados como parte de sua natureza, o que legitima uma demanda social por sua morte. Como afirma o autor, não se trata apenas de uma pessoa acusada de um crime, mas alguém que se supõe carregar o crime em sua alma, estabelecendo um vínculo pressuposto entre uma subjetividade e a expectativa de reincidência da transgressão. Aqui o termo “bandido” e seus correlatos não são uma acusação, mas a descrição de “uma suposta condição subjetiva peculiar que explicaria de antemão a ação criminosa” (Teixeira, 2015).

Apesar de Misse afirmar que há uma “estratificação social dos agentes passíveis de sujeição criminal” (Misse, 2010, p. 29), pouco se tem discutido sobre as possíveis dimensões racializadas de tal estratificação3 3 . O próprio autor do conceito também tem feito pouco para racializá-lo. Em seu trabalho mais recente (Misse, 2024), afirma que no Brasil o termo “bandido” é utilizado usualmente para designar aqueles consideradas não cidadãos, “aquelas identidades cuja morte não será reclamada por ninguém” (Misse, 2024, p. 65). Neste aspecto, afirma que se trata de “jovens de origem pobre, brancos ou negros” (Idem). . Para desenvolver essa discussão, na próxima seção discorrerei sobre uma expressão frequente em narrativas de alguns grupos profissionais que atuam no Degase e que já foi mencionada anteriormente neste artigo: semente do mal. Ao pressupor que o adolescente tem um caráter permanente e invariável, tal expressão reforça estereótipos racializados, como será descrito a seguir.

Adolescentes como “sementes do mal”: processos de essencialização em “Lugares de Negro”

Eu não suporto quando meus colegas chamam os adolescentes assim, de semente do mal! Parece até que os adolescentes não têm mais jeito, que vão necessariamente crescer como bandidos. Se você vem trabalhar acreditando que os meninos não têm mais jeito, melhor procurar outro lugar para trabalhar.

Conversa informal com psicóloga, abr. 2023.

No sistema socioeducativo fluminense, é comum se referir ao termo “semente do mal”, seja para afirmar que adolescentes internados não têm salvação (Duarte, 2009DUARTE, Kelly Murat. (2009), Infância e adolescência: punição, controle e o sistema de garantia de direitos. Niterói, RJ, Dissertação de mestrado em Política Social, Programa de Estudos Pós-Graduados em Política Social da Universidade Federal Fluminense. Disponível em http://app.uff.br/riuff/handle/1/17291, consultado em 18/12/2023.
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), seja para explicitar o conteúdo racista e classista do mesmo (Vinuto, 2024VINUTO, Juliana; FERNANDES, Maria Nilvane & COSTA, Ricardo Peres da. (2024), “Central de vagas, audiências concentradas e lotação de unidades socioeducativas: uma análise comparada entre Amazonas e Rio de Janeiro”. Confluências: Revista Interdisciplinas de Sociologia e Direito, 26 (1): 50-67.). Mães de adolescentes também são recorrentemente chamadas de “semente do mal”, o que lhes impõe a culpa por falhas na educação do próprio filho (Santos, 2023SANTOS, Flávia Lopes dos. (2023), “Amor, só de mãe”: um estudo sobre as estratégias de sobrevivência das mães de menino do Degase. 92 f. Rio de Janeiro, dissertação de mestrado em Políticas Públicas em Direitos Humanos, Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Em comum, o termo “semente do mal” se baseia na ideia de que certas famílias apresentam um potencial de semear danos na sociedade, reforçando uma crença lombrosiana de reprodução biológica da maldade (Santos, 2021).

“Semente do mal” não é apenas um termo pejorativo, mas um elemento de essencialização racial. Isso não significa que não haja outras nomenclaturas utilizadas como modos de subalternização, já que ser chamado de “menor” ou “vagabundo” no caso de adolescentes (Silva Jr., 2021SILVA JR., Marco Antônio Corrêa. (2021), A cobrança: a relação entre a normalização das práticas punitivas no Degase e a escassez de denúncias aos agentes que as efetuam. 2021. Niterói, dissertação de mestrado em Justiça e Segurança, Universidade Federal Fluminense.), ou como “mãe de bandido” no caso de suas mães (Varanda, 2023VARANDA, Isabele. (2023), Desaguando afetos: as relações entre maternidades negras, Casa Mãe Mulher e Degase. 122 f. Niterói, dissertação de mestrado em Antropologia, Programa de Pós Graduação em Antropologia, Universidade Federal Fluminense.), é situação comum na rotina institucional do Degase, sendo tais termos vistos como descrições imparciais do que adolescentes e suas mães “realmente são”.

Quando me refiro a processos de essencialização, quero dizer que a expressão “semente do mal” homogeneíza as identidades de adolescentes e suas mães, reforçando a ideia de que suas características são uniformes e inevitáveis, como é exemplificado na epígrafe desta seção. Tal categorização dispensa qualquer conhecimento detido da trajetória dos indivíduos, pois já teriam sido absorvidos pela sujeição criminal. Ao se estabelecer uma criminalidade ontológica como característica específica das famílias de adolescentes internados no Degase, esta passa a ser vista como a causa objetiva do ato infracional, produzindo um argumento que reifica o mesmo na natureza do adolescente e de suas mães (Campos, 2016CAMPOS, Luiz Augusto. (2016), “Multiculturalismos: essencialismo e antiessencialismo em Kymlicka, Young e Parekh”. Sociologias, Porto Alegre, 18 (42): 266-293. https://doi.org/10.1590/15174522-018004212.
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; Phillips, 2010PHILLIPS, Anne. (2010), “What’s wrong with Essentialism?”. Distinktion: Journal of Social Theory, 11 (1): 47-60.).

Neste contexto, é importante destacar o que de eminentemente racial ocorre nessa essencialização. De acordo com Antônio Sérgio Guimarães (neste dossiê), a ideia sociológica de raça se define a partir de quatro elementos: (a) conota a transmissão hereditária de características intelectuais, mentais e comportamentais; (b) procura explicar a história e a vida social como se esta fosse parte de uma ordem natural; (c) estabelece marcadores somáticos e culturais em discursos políticos; (d) é empregada para designar e manter hierarquias sociais. Para Guimarães, o termo “racismo” deveria ser utilizado apenas quando há a mobilização conjunta de todos esses quatros elementos definidores de raça. Ao colocarmos essa definição em diálogo com dados de minhas pesquisas de campo, é possível verificar como a categoria “semente do mal” é um código racial (Alexander, 2017) para atribuir sentido a adolescentes internados e suas mães4 4 . Há muitos trabalhos, como os já citados aqui, que discutem os processos de subalternização e criminalização singulares que atingem as mães de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. Mas, como eu mesma não realizei pesquisas empíricas com esse grupo, me deterei prioritariamente em analisar as representações racializadas sobre os adolescentes internados no Degase, exceto quando eu mencionar isso explicitamente. , mesmo quando não há qualquer referência explícita à raça/cor dos mesmos.

No que se refere ao primeiro ponto citado por Guimarães, a utilização de um termo comum para nomear adolescentes e suas mães remete à ideia de “famílias desestruturadas” - categoria especialmente direcionada a famílias negras (Vinuto e Alvarez, 2018VINUTO, Juliana & ALVAREZ, Marcos César. (2018), “O adolescente em conflito com a lei em relatórios institucionais: pastas e prontuários do ‘Complexo do Tatuapé’ (Febem, São Paulo/SP, 1990-2006)”. Tempo Social, 30 (1): 233, 2018.) - que conjuntamente cultivariam o mal, mais precisamente o crime, na sociedade. Ao vincular mães e filhos, explicita-se uma premissa de que tal criminalidade ontológica é transmitida hereditariamente, sendo esta uma explicação para o ato infracional. Julgamentos morais sobre as mães dos adolescentes - desde suas roupas ou seus relacionamentos amorosos, chegando à sua suposta incapacidade de disciplinar os próprios filhos - são constantemente mobilizados para explicar uma trajetória inevitável em que seria apenas questão de tempo para que o adolescente cometesse um ato infracional. O trecho a seguir ilustra esse ponto:

A vida desses moleques é muito triste, muito triste mesmo. Às vezes a mãe tem um monte de filho com pais diferentes, às vezes o pai está preso. É uma vida selvagem! Aí o primeiro que dá atenção para este adolescente é o traficante do morro. Ele dá atenção e dinheiro, o que nem o Estado nem a família nunca deu. Aí o Degase tem que resolver. Mas é difícil, né? (Entrevista com agente de segurança socioeducativa, ago. 2018).

Este tópico explicita como a expressão “semente do mal” está envolta em um contexto em que o ato infracional é tido como parte de uma ordem natural, desconsiderando todos os processos já citados de seletividade empreendidos pela polícia e pela justiça juvenil. Aqui é possível observar também a mobilização do segundo ponto colocado por Guimarães, já que processos sociais, históricos, institucionais e políticos que criminalizam famílias pobres e negras são naturalizados. Ao se explicar a história de vida dos membros destas famílias como parte de uma ordem natural, a repressão às mesmas se torna presumida e desejável.

Já o seguinte excerto de diário de campo, no qual um de meus interlocutores de pesquisa descreve que ele, por ser negro, é tido como passível de ser enquadrado no mesmo grupo dos “sementinhas”, atende ao terceiro ponto indicado por Guimarães. Neste sentido, a ideia de semente do mal atua como um marcador tanto somático quanto cultural que aproxima pessoas negras a partir da linguagem:

Maurício5 5 . Todos os nomes utilizados neste trabalho são fictícios. [um agente de segurança socioeducativa negro] descreveu um dia em que conversava com adolescentes utilizando algumas gírias usadas pelos mesmos, com o objetivo de reforçar um vínculo, de estabelecer uma igualdade no diálogo. Logo depois que retornou ao grupo dos demais agentes, ouviu de um colega de trabalho: “Estava falando pretuguês com os sementinhas?”. Maurício disse que à época não conhecia esta categoria elaborada por Lélia Gonzalez6 6 . Gonzalez elaborou o termo “pretuguês” para analisar a influência de idiomas de origem africana no português falado no Brasil. Para saber mais, ver Gonzalez (2020). , e tem certeza que seu colega de trabalho também não fazia qualquer referência à autora. Ao contrário, ele partia da premissa de que dois indivíduos negros falando uma gíria comum estavam, na verdade, falando uma língua diversa das pessoas normais e bem-educadas (Diário de campo, fev. 2018).

Ao mobilizarem uma linguagem comum, meu interlocutor e os adolescentes seriam separados do mundo das “pessoas normais”, revelando uma politização da linguagem tida como “do crime”. Tal linguagem, baseada nas gírias mobilizadas pelos adolescentes, estabelece outras formas culturais de comunicação que, ainda que implicitamente, são vistas como racializadas por serem mobilizadas por pessoas negras, sendo inclusive chamada de “pretuguês” na ocasião.

Por fim, o quarto ponto colocado por Guimarães se refere a como a ideia de raça é empregada para designar e manter hierarquias sociais, o que é ilustrado no trecho a seguir:

Por exemplo, uma vez eu conheci um adolescente que tinha interesse em conversar, em ouvir conselhos, e eu me aproximei bastante desse menino. Um dia, ele comentou que tinha falado com a técnica que queria ser médico e que ela ia procurar reforço escolar para ele melhorar na escola. Eu fiquei puto com essa história! Aonde já se viu um moleque com dezesseis anos já repetiu, não sei quantas vezes [na escola], sonhar em ser médico? É por isso que eles não têm limites, porque quem deveria dar um choque de realidade neles não dá! Aí eu conversei com ele, falei que era muito mais fácil ele fazer um curso técnico e conseguir logo um emprego. Aí ele parou com essa ideia maluca de medicina. Aí é um momento que eu acho que atuei de modo socioeducativo, aconselhei ele no que era mais possível de ser feito. Mas não dá para fazer isso sempre, tem muita semente do mal que nem ouve o que a gente fala porque a facção não autoriza eles falarem com a gente (Entrevista com agente de segurança socioeducativa, nov. 2016).

Ainda que faça menção a um caso em que o adolescente não é visto de modo essencialista, notamos como adolescentes internados no Degase em geral são tidos como pessoas que não podem desejar uma profissão de prestígio. A distorção idade-série e o cumprimento de medida socioeducativa são resultados de desigualdades vivenciadas no passado, mas que justificam novas desigualdades no presente e no futuro, como se fosse impossível reverter esse quadro7 7 . Tal compreensão não é exclusividade dos trabalhadores que atuam em centros de internação. O trabalho de Mariana Tafakgi Silva (2021) com professores das redes públicas do Rio de Janeiro que atendem adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa demonstra como os primeiros veem os segundos como “outros”. Tais adolescentes são considerados como “mais adultos” do que os demais adolescentes da mesma idade, o que usualmente produz a compreensão de que estes seriam melhor atendidos em salas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) do que em salas de aula regulares, o que pode afetar o engajamento de tais adolescentes ao ambiente escolar. . Assim, a medida socioeducativa mantém hierarquias sociais ao reforçar a ideia de que adolescentes internados - sejam “sementes do mal” ou outros a quem se destina mais esperança - deveriam priorizar o mercado de trabalho (e abrir mão das possibilidades propiciadas pela educação).

Considerando os quatro pontos propostos por Guimarães para definir a ideia sociológica de raça, é possível observar que a medida socioeducativa de internação coloca em movimento uma essencialização propriamente racial, sendo a definição de adolescentes e suas mães como “sementes do mal” uma ilustração paradigmática. Essa categoria atua como um código para se referir à raça e produz a estereotipia de certas famílias como se tivessem qualidades homogêneas e inevitáveis. Dialogando com Jaciane Milanezi Reinehr (2019REINEHR, Jaciane P. Milanezi. (2019), Silêncios e confrontos: A saúde da população negra em burocracias do Sistema Único de Saúde (SUS). 277 f. Rio de Janeiro, tese de doutorado em Sociologia, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.), aqui explicações biológicas, culturais e sociais são transformadas em essências, o que permite a culpabilização de adolescentes e suas mães por não superarem suas péssimas condições de vida, mesmo quando estas são reconhecidas como consequência de desigualdades históricas e estruturais.

Adicionalmente, também é possível pensar a medida socioeducativa de internação como um “lugar de negro” nos termos de Lélia Gonzalez (2022GONZALEZ, Lelia. (2022), “O movimento negro na última década”. In: GONZALEZ, Lelia & HASENBALG, Carlos (orgs.). Lugar de negro. Rio de Janeiro, Zahar, pp. 15-84.). Ao reinterpretar o argumento de “lugar natural” de Aristóteles, a autora ressalta uma histórica divisão racial do espaço em que se estabelecem lugares físicos e simbólicos a pessoas brancas e negras, sendo os espaços negros atravessados pela negação de direitos e pela violência cotidiana, desproporcional e arbitrária. No entanto, por serem habitados predominantemente por pessoas negras, não há comoção com a tamanha crueldade que define tais lugares, já que os atingidos são considerados “merecedores” de tal opressão.

Considerando estes pontos, Gonzalez tangencia o debate sobre seletividade penal ao ressaltar que o Estado não protege as pessoas que vivem em lugares de negro, já que sua presença nestes espaços é apenas para reprimir, o que explicaria o por quê prisões e hospícios - e por que não centros de internação? - são paradigmaticamente lugares de negro (Gonzalez, 2022 p. 22).

Se, como afirma Márcia Lima (2022) ao apresentar o texto de Gonzalez, o termo lugar remete a uma dimensão crucial das desigualdades raciais, é importante compreender desigualdades de tratamento entre adolescentes brancos e negros em unidades socioeducativas que ocorrem em decorrência do local em que se encontram. Em outro momento (Vinuto, 2024VINUTO, Juliana; FERNANDES, Maria Nilvane & COSTA, Ricardo Peres da. (2024), “Central de vagas, audiências concentradas e lotação de unidades socioeducativas: uma análise comparada entre Amazonas e Rio de Janeiro”. Confluências: Revista Interdisciplinas de Sociologia e Direito, 26 (1): 50-67.) já defini os centros de internação do Rio de Janeiro como lugares de negro, mas o foco naquela ocasião foi discutir como adolescentes brancos e negros são tratados de modo diferenciado: enquanto a presença de adolescentes brancos é acompanhada de perplexidade, adolescentes negros são recebidos de modo naturalizado, como se o lugar das unidades socioeducativas fosse naturalmente deles.

Já aqui descrevo outras dinâmicas que, de modo articulado, ajudam a caracterizar as unidades do Degase como lugares de negro. Ao tratar premissas e efeitos do uso naturalizado da categoria “sementes do mal”, é possível perceber que centros de internação não são lugares de negros “apenas” por serem espaços de maioria negra ou por naturalizarem a privação de liberdade de adolescentes negros. Centros de internação também reforçam uma essencialização racial que caracteriza adolescentes e suas famílias como sujeitos criminais, o que justifica o uso da violência como ferramenta incontornável de trabalho e, no limite, de des-essencialização.

Gustavo comparou a todo momento seu próprio trabalho como agente de segurança socioeducativa com o trabalho dos agentes penitenciários8 8 . Em 2019 a nomenclatura “agente penitenciário” foi alterada para “policial penal”. Para uma análise comparativa de pesquisas empíricas sobre policiais penais e agentes de segurança socioeducativa, ver Vinuto (no prelo). . Ele afirmou, bastante insatisfeito, que o trabalho dos primeiros era menos valorizado, mas que deveria ser o contrário, pois o trabalho dos agentes penitenciários seria menos importante, já que no sistema adulto “o mal já está feito”, enquanto que no sistema socioeducativo ainda haveria esperança de recuperação. Por isso, o trabalho no sistema penitenciário se resumiria a fechar cadeado e fazer contagem de preso, enquanto que no socioeducativo haveria uma obrigação colocada pela sociedade de ressocialização do adolescente. Em seus termos: “aqui eles ainda são sementinhas do mal, não são o mal definitivo”. Gustavo afirmou que uma palmada bem dada, no momento certo, poderia resolver muitos problemas de criminalidade nestes casos, mas muitas ideologias não permitiriam mais que os pais batam em seus filhos. Por isto que os agentes deveriam “quebrar as leis” dentro do Degase, pois deveriam usar a violência com bom senso no dia a dia de trabalho para mudar estes adolescentes, ter coragem de fazer o que a família não fez: disciplinar pela violência (Diário de campo, abr. 2016).

Neste trecho se observa a crença de que a violência urbana poderia ser resolvida com uma “uma palmada bem dada” nestes adolescentes, tidos como responsáveis pelo problema mais amplo de insegurança pública. Tal argumento pode ser analisado a partir de Gonzalez (2022GONZALEZ, Lelia. (2022), “O movimento negro na última década”. In: GONZALEZ, Lelia & HASENBALG, Carlos (orgs.). Lugar de negro. Rio de Janeiro, Zahar, pp. 15-84.), quando ressalta que em lugares de negro se naturaliza o uso da violência, ainda que isso seja visto como uma eventualidade desracializada. Como em unidades socioeducativas há o argumento de que todos os adolescentes internados seriam tratados “do jeito que merecem” (Vinuto, 2024VINUTO, Juliana; FERNANDES, Maria Nilvane & COSTA, Ricardo Peres da. (2024), “Central de vagas, audiências concentradas e lotação de unidades socioeducativas: uma análise comparada entre Amazonas e Rio de Janeiro”. Confluências: Revista Interdisciplinas de Sociologia e Direito, 26 (1): 50-67.), as interações - sejam elas respeitosas ou agressivas - são vistas como reações inevitáveis ao comportamento do próprio adolescente.

Ao pensar o Degase como um lugar de negro, destaco que são os adolescentes negros que participam compulsória e desproporcionalmente de tais dinâmicas, mesmo que adolescentes brancos internados também sofram as consequências da privação de liberdade. E mesmo quando a violência de um lugar de negro eventualmente atinge pessoas brancas, isso não apaga o fato de que o racismo opera como um catalisador de violências que incide de maneira preferencial, embora não exclusiva, sobre negros (Alves, 2011ALVES, Jaime Amparo. (2011), “Topografias da violência: necropolítica e governamentalidade espacial em São Paulo”. Revista do Departamento de Geografia, 22: 108-134.). Ainda, dialogando com Michelle Alexander (2017), quando adolescentes brancos são prejudicados neste contexto, isso não significa que estes sejam os verdadeiros alvos, mas que vivenciam os danos colaterais da medida socioeducativa de internação.

Este ponto é importante porque é comum ouvir de alguns profissionais do Degase que todos os adolescentes internados são tratados igualmente, o que seria prova de que não haveria racismo na instituição. Estas e outras estratégias de negação do racismo ajudam a compreender a constatação de Andréa Lopes da Costa quando afirma ironicamente que “as vítimas são negras, mas o crime nunca é por raça” (Costa, 2022, sem paginação). Meu argumento é que, se concordarmos com Alves ou Alexander de que violências direcionadas a negros também podem vitimar as pessoas brancas que habitam o mesmo contexto, esta exceção que confirma a regra não pode ser vista como atestado de inexistência de racismo. Ao contrário, a possível igualdade no tratamento violento direcionado a adolescentes brancos e negros em unidades socioeducativas significa que lugares de negro são fundados numa violência singular que, apesar de atingir preponderantemente pessoas negras, afeta todos que estejam ao redor. Desse modo, a análise de Gonzalez nos ajuda a sair das violências individuais para compreender as violências de um dado contexto.

Por fim, gostaria de destacar que tais processos de essencialização racial em unidades socioeducativas fluminenses não são vistos como racismo por parte dos profissionais que aí atuam, o que costuma ser interpretado - inclusive por outros servidores do Degase - como prova da existência de racismo estrutural. Pensar tal contexto em termos de racismo estrutural permite constatá-lo independentemente da intenção individual, o que torna mais fácil o argumento daqueles interessados em discutir a produção institucional de desigualdades raciais. Gostaria de propor um debate em que os processos de essencialização racial analisados até aqui não são vistos apenas como “efeito” do racismo estrutural, já que dependem, de modo articulado, da interpretação e agência dos atores.

Denegação da existência de racismo na medida socioeducativa de internação: um modo de agência

[Eu e um servidor do Degase chamado Antônio fomos convidados a oferecer um curso sobre segurança socioeducativa para diretores de unidade]. Em um dado momento, tentei iniciar uma discussão sobre relações raciais a fim de indicar que as dinâmicas de suspeição generalizada nas unidades do Degase também ocorriam devido a estereótipos racializados que foram construídos historicamente sobre a população negra. Logo no início da minha fala, um dos diretores me interrompeu para defender que não existia racismo no Degase e que, inclusive, seria muito difícil provar a existência do racismo no Brasil, já que “não dá para saber quem é branco e quem é negro” entre nós. O diretor me explicou em um tom bastante professoral que o Brasil não era como os Estados Unidos, já que aqui “tudo é misturado”.

Diário de Campo, ago. 2019.

Durante as experiências de pesquisa em que tentei abordar o tema das relações raciais no Degase (Vinuto, 2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia, 2020.), foram recorrentes as afirmações que denegavam (Gonzalez, 2020GONZALEZ, Lélia. (2020), “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, pp. 75-138.) a existência de racismo na instituição, como é ilustrado no trecho de diário de campo acima exposto. Assim como em outras pesquisas (Mattos, 2023MATTOS, Kênia Rodrigues. (2023), No interior da medida: punição e relações raciais no sistema socioeducativo na cidade de São Carlos. São Carlos, SP, dissertação de mestrado em Sociologia, Universidade Federal de São Carlos.), esse trecho ilustra a atualidade do mito da democracia racial em unidades socioeducativas. Ao discutir esse tipo de dado com colegas pesquisadores ou interlocutores de pesquisa, tal silenciamento costuma ser entendido como prova da existência do racismo estrutural, um fenômeno considerado tão normalizado que a maioria das pessoas não o perceberia (Almeida, 2019ALMEIDA, Silvio. (2019), Racismo estrutural. São Paulo, Sueli Carneiro; Pólen. (Feminismos Plurais).; Bonilla-Silva, 2020).

A popularidade do conceito de racismo estrutural demonstra maior conscientização sobre os mecanismos que produzem desigualdades entre brancos e não brancos, pois possibilita analisar a produção de desigualdades raciais mesmo quando não são percebidas ou intencionais. Ao mesmo tempo, como destacam Solène Brun e Patrick Simon (2022BRUN, Solène & SIMON, Patrick. (2022), “‘Ceci n’est pas du racisme’: Controverses publiques et scientifiques dans la qualification du racisme”. Mouvements, Paris, v. HS 2, n. HS: 20-38.), a popularização do termo é paradoxalmente acompanhada por “lutas definicionais” sobre a identificação do racismo e a atribuição de responsabilidade por comentários e comportamentos racistas, além de uma essencialização dos acusados.

Daniel Sabbagh (2022SABBAGH, Daniel. (2022), “Le ‘racisme systémique’: un conglomérat problématique”. Mouvements, Paris, v. HS 2, n. HS: 56-74.) defende que há armadilhas nesta definição expandida do racismo, sendo uma delas a desresponsabilização dos indivíduos, que podem ser vistos como marionetes de uma estrutura. Considerando isto, mobilizo aqui o conceito de agência proposto por Saba Mahmood (2019MAHMOOD, Saba. (2019), “Teoria feminista, agência e sujeito liberatório: algumas reflexões sobre o revivalismo islâmico no Egito”. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 23 (1): 135-175.), pois permite pensá-la para além do binário opressão-resistência e dialogar com afirmações e comportamentos não liberais. Mahmood defende que normas não são apenas consolidadas ou subvertidas, mas também performadas de várias maneiras e, por isso, define agência como qualquer capacidade para a ação facultada por relações de subordinação específicas:

Deste ponto de vista, o que aparece, de um ponto de vista progressista, como um caso de passividade insultante e docilidade pode ser efetivamente uma forma de agência - forma que apenas pode ser entendida a partir dos discursos e estruturas de subordinação que criam as condições para o seu desenvolvimento. Neste sentido, a capacidade de agência pode ser encontrada não só em atos de resistência às normas como também nas múltiplas formas em que essas normas são incorporadas (Mahmood, 2019MAHMOOD, Saba. (2019), “Teoria feminista, agência e sujeito liberatório: algumas reflexões sobre o revivalismo islâmico no Egito”. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 23 (1): 135-175., p. 147).

Ao pensar a negação da existência de racismo como modo de agência, é possível observar o trabalho ativo e interpretativo dos atores nas lutas definicionais sobre se existe ou não racismo em centros de internação do estado do Rio de Janeiro. Em um país que até hoje convive com o mito da democracia racial, em que o racismo é crime inafiançável e imprescritível (Lei Federal n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei Federal n. 14.532, de 11 de janeiro de 2023), e no qual há um “preconceito de ter preconceito” (Fernandes, 2007FERNANDES, Florestan. (2007), O negro no mundo dos brancos. 2. ed. rev. São Paulo, Global Editora (Coleção Florestan Fernandes).), não deveriam causar surpresa as estratégias para se afastar de qualquer possibilidade de ser nomeado como “racista”.

Apesar do destaque dado aos profissionais que argumentam ativamente sobre a inexistência de racismo no Degase, há disputas entre estes e outros trabalhadores que ressaltam justamente o oposto, isto é, que o Degase só existe devido a uma seletividade punitiva de caráter racial. Neste ponto, ressalto a atuação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros do Degase (Neab-Degase), um coletivo de servidores do Degase criado em 2015 que organiza publicações, eventos e cursos sobre racismo nas medidas socioeducativas. Ao olhar os dissensos entre profissionais do Degase que afirmam inexistir racismo no Degase e aqueles vinculados ao Neab-Degase, é notório o trabalho interpretativo para definir a situação ao seu redor, mesmo em um ambiente institucional. Enquanto os primeiros selecionam fragmentos de sua jornada de trabalho que consideram provas indiscutíveis de que adolescentes e suas famílias são perigosos, os segundos definem esta construção de perigo como prova da existência de racismo, racializando categorias como “vagabundo” ou “mãe de bandido” e fortalecendo a ideia de que os primeiros são sujeitos em desenvolvimento. Ou seja, dentre diversas normas, crenças e costumes disponíveis, cada um destes grupos ativamente distingue o que, em sua perspectiva, é a realidade mais verdadeira e age cotidianamente a partir de tal percepção.

Para pensar tais lutas definicionais, me aproximo da proposta Erving Goffman (2007GOFFMAN, Erving. (2007), Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, Perspectiva., 2012) tanto em sua análise sobre enquadramentos interpretativos (frames) quanto sobre instituições totais. A discussão sobre enquadramentos permite entender a dimensão relacional do significado que os atores dão ao seu próprio contexto, sem desconsiderar como este se fundamenta em seu mundo circundante; enquanto isso, a discussão sobre instituições totais leva a considerar o caráter coercitivo de certas organizações sobre a possibilidade de se desvencilhar de enquadramentos já cristalizados, já que constrangem as possibilidades de percepção dos atores.

Neste aspecto, mais do que apontar o racismo embutido na crença de que adolescentes e suas mães são “sementes do mal”, a abordagem sobre enquadramentos interpretativos permite compreender as condições que possibilitam a denegação (Gonzalez, 2020GONZALEZ, Lélia. (2020), “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, pp. 75-138.) da dimensão racial destes processos. Se concordarmos com Goffman quando defende que enquadramentos interpretativos convertem em algo significativo aquilo que, de outro modo, seria desprovido de significação, podemos pensar que profissionais do Degase que negam a existência do racismo agem de tal modo porque trabalham em um contexto que confirma seu ponto de vista. Para Goffman, todos temos a capacidade de agir de modo contrário ao que é tido como correto desde que arranjemos um enquadramento no qual ser incorreto seja razoável. No caso do Degase, há um enquadramento hegemônico em que, mesmo que violência e negação de direitos sejam direcionadas especialmente a pessoas negras, isso não é visto como racismo. Isso ocorre porque o próprio Degase oferece poucos “dispositivos de apoio” (Goffman, 2012, p. 562) para que seus profissionais pensem e ajam de modo diferente, e, assim, o termo “semente do mal” é entendido como um retrato imparcial do que adolescentes e suas mães são.

Se cada contexto fortalece certos enquadramentos, em instituições totais (Goffman, 2010) há uma coerção mais evidente dos mesmos. O que unifica as diferentes instituições totais é que estas concentram, em um mesmo local, diferentes aspectos da vida (notadamente trabalho, descanso e lazer), que passam a ser realizados sob a autoridade de uma equipe dirigente, o que afeta as interações ao constranger as possibilidades de percepção e ação. Para Goffman, instituições totais permitem a racionalização de ações que seriam condenadas como violência em outros contextos, ou seja, sob outros enquadramentos:

A tradução do comportamento do internado para termos moralistas, adequados à perspectiva oficial da instituição, necessariamente conterá algumas pressuposições amplas quanto ao caráter dos seres humanos. Dados os internos que tem ao seu cargo, e o processamento que a eles deve ser imposto, a equipe dirigente tende a criar o que se poderia considerar uma teoria da natureza humana. Como uma parte implícita da perspectiva institucional, essa teoria racionaliza a atividade, dá meios sutis para manter a distância social com relação aos internados e uma interpretação estereotipada deles, bem como para justificar o tratamento que lhes é imposto (Goffman, 2010, p. 80).

Ainda que Goffman não empreenda uma análise sobre enquadramentos interpretativos em instituições totais, Sonke Neitzel e Harald Welzer (2014NEITZEL, Sönke & WELZER, Harald. (2014), Soldados sobre lutar, matar e morrer. São Paulo, Companhia das Letras.) argumentam que a coerção própria a tais instituições faz com que disputas de sentido sejam aí menos presentes. Isso permite compreender como processos de essencialização se consolidam em centros de internação, locais nos quais quase tudo sugere que, de fato, adolescentes e suas mães são “sementes do mal” e merecem o tratamento securitário que recebem.

Mas apesar da menor expectativa de enquadramentos inovadores em instituições totais, o já referido Neab-Degase impede de definir os profissionais do Degase como fantoches que simplesmente reproduzem uma estrutura racista. E as disputas nas quais estão envolvidos torna evidente o trabalho interpretativo de seus profissionais. Sobre disputas de enquadramento, Goffman discorre justamente sobre adolescentes criminalizados:

Diz-se que aquilo que para os adolescentes dos centros deteriorados das cidades é brincadeira rude e diversão pode ser visto como vandalismo e roubo pelas autoridades e pelas vítimas. Ora, embora um dos lados em litígio possa acabar estabelecendo uma definição que convença o outro lado (ou, pelo menos, domine suficientemente as forças coercitivas para induzir uma mostra de respeito), pode transcorrer um considerável período de tempo em que não há nenhum acordo imediato possível, em que, de fato, não há teoricamente maneira de levar todos os envolvidos a compartilhar o mesmo quadro. Nestas circunstâncias, pode-se esperar que as partes que têm versões opostas dos acontecimentos possam disputar abertamente entre si sobre como definir o que aconteceu ou está ocorrendo. O resultado é uma disputa de quadro (Goffman, 2012GOFFMAN, Erving. (2012), Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise. Petrópolis, RJ, Vozes., pp. 394-395).

Ao atentar para as disputas de enquadramento, ou lutas definicionais nos termos de Brun e Simon (2022BRUN, Solène & SIMON, Patrick. (2022), “‘Ceci n’est pas du racisme’: Controverses publiques et scientifiques dans la qualification du racisme”. Mouvements, Paris, v. HS 2, n. HS: 20-38.), é possível observar a capacidade dos atores em interpretar o seu contexto e mobilizar enquadramentos específicos que antecipam o modo como entendem ser razoável agir em um dado contexto. Isso não minimiza o peso institucional que afeta tais disputas em instituições totais, mas, justamente por este contexto, revela as modalidades de agência possíveis.

Se o racismo envolve conjuntamente ideologias, atitudes e estruturas (Campos, 2017CAMPOS, Luiz Augusto. (2017), “Racismo em três dimensões: Uma abordagem realista-crítica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32 (95): 1.), olhar para este cenário ajuda a compreender a multidimensionalidade do racismo no modo como se dão processos de essencialização racial, incrustados no termo “sementes do mal”, que justificam a centralidade dos procedimentos de segurança na medida socioeducativa de internação. Mesmo quando não se percebe o racismo, não significa que ele seja inoperante. Ao contrário, ele ganha amplitude e legitimidade precisamente devido à sua natureza denegada (Gonzalez, 2020GONZALEZ, Lélia. (2020), “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, pp. 75-138.). Ao olhar para tal contexto, é possível identificar uma produção cotidiana da razoabilidade da privação de liberdade de adolescentes prioritariamente negros, em que a agência dos profissionais que atuam em organizações é fundamental para a sustentação deste modelo punitivo.

Considerações finais

O esforço principal deste trabalho foi analisar processos de essencialização racial de adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Rio de Janeiro e também de suas mães. Minha aposta é que, ao compreender processos de essencialização racial embutidos na expressão “sementes do mal”, corriqueira no sistema socioeducativo fluminense, é possível analisar produção cotidiana de desigualdades raciais no tratamento de adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no estado do Rio de Janeiro.

Ao analisar as disputas sobre a dimensão racial de tal expressão, foi possível debater a dimensão de agência na produção e reprodução de desigualdades raciais em centros de internação do Degase, dialogando criticamente com o conceito de racismo estrutural. A abordagem interpretativa de Goffman permitiu dar atenção a complexidades, ambiguidades e inconsistências nesta tradução de coerções institucionais em inúmeras possibilidades de reforçá-las ou resistir às mesmas, mesmo em instituições como as que ele nomeia como “totais”. Neste aspecto, este trabalho ajuda a pensar o racismo estrutural - categoria cada vez mais presente nos estudos sobre violência, controle social e punição - como resultado da agência humana, ao invés de uma dinâmica autônoma. Evidentemente a agência também não é vista aqui como algo autônomo, já que demonstrei como a preexistência de desigualdades estruturais, além de questões propriamente institucionais, também afetam as interações e estereótipos existentes em unidades socioeducativas. Assim, o olhar interessado nas formas cotidianas de produção de desigualdades raciais foi mobilizado de modo a considerar as interações entre agência e estrutura, mas ainda mantendo no plano analítico as distinções entre ambas, como sugere Luiz Augusto Campos (2017CAMPOS, Luiz Augusto. (2017), “Racismo em três dimensões: Uma abordagem realista-crítica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32 (95): 1.).

Dessa forma, penso que pesquisas etnográficas potencializam as possibilidades de entender tais disputas, já que permitem complexificar a naturalidade com que certas categorias são mobilizadas cotidianamente em determinados contextos, o que não necessariamente é possível com qualquer método ou técnica de pesquisa. E apenas com tal acesso aprofundado é possível ir além das afirmações dos/as nossos/as interlocutores/as de pesquisa, para entender o que tais afirmações falam sobre o contexto em que estes/as vivem. Assim, penso que a etnografia proporciona um olhar aprofundado para captar a dimensão racial de processos de essencialização nos quais se denega a raça.

Ao focalizar a agência dos profissionais que atuam em centros de internação, não defino a denegação do racismo no Degase como culpa individual dos trabalhadores que aí atuam. Ao contrário, tanto as dinâmicas de essencialização direcionadas aos adolescentes e suas mães quanto o esforço em silenciar a existência de dimensões raciais destas dinâmicas são componentes constituintes da própria implementação da privação de liberdade. Ao se sustentar em uma seletividade racial, a medida socioeducativa de internação só se torna razoável para aqueles que a executam quando se denega sua dimensão racial. O termo “sementes do mal” surge como ilustração destes processos, nos quais a lei afirma que adolescentes são sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento, mas a jornada de trabalho em centros de internação reforça a ideia de que adolescentes e suas mães são naturalmente desviantes.

Nesse sentido, estes e outros processos de essencialização, sobretudo os de caráter racial, são centrais tanto para manter a razoabilidade da privação de liberdade para “transformar” adolescentes, quanto para internar majoritariamente adolescentes negros sem que isso seja considerado racismo. E o silenciamento em torno deste debate é o que torna tal processo eficaz e naturalizado.

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  • 1
    . São seis as medidas socioeducativas estabelecidas no ECA: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional.
  • 2
    . Os agentes de segurança socioeducativa são os profissionais responsáveis pela segurança de adolescentes e demais profissionais em unidades socioeducativas. Apesar de sua jornada de trabalho ser atravessada pela necessidade de garantir a ordem nas unidades, são muitas as diretrizes que definem que procedimentos disciplinares não são a finalidade da instituição, mas apenas um meio para viabilizar as atividades educativas oferecidas. Tais diretrizes colocam especificidades neste trabalho de segurança que justificariam o qualificativo de “socioeducativa”, mas há disputas sobre qual deveria ser a identidade profissional ideal deste trabalhador. Para mais detalhes, ver Vinuto (2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia, 2020.).
  • 3
    . O próprio autor do conceito também tem feito pouco para racializá-lo. Em seu trabalho mais recente (Misse, 2024MISSE, Michel. (2024), “Comparando bandidos: dois filmes, uma meia desculpa e várias gufas”. In: FELTRAN, Gabriel & MISSE, Michel. Mundo do crime. Rio de Janeiro, RJ, Mórula Editorial (Dois Pontos).), afirma que no Brasil o termo “bandido” é utilizado usualmente para designar aqueles consideradas não cidadãos, “aquelas identidades cuja morte não será reclamada por ninguém” (Misse, 2024, p. 65). Neste aspecto, afirma que se trata de “jovens de origem pobre, brancos ou negros” (Idem).
  • 4
    . Há muitos trabalhos, como os já citados aqui, que discutem os processos de subalternização e criminalização singulares que atingem as mães de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. Mas, como eu mesma não realizei pesquisas empíricas com esse grupo, me deterei prioritariamente em analisar as representações racializadas sobre os adolescentes internados no Degase, exceto quando eu mencionar isso explicitamente.
  • 5
    . Todos os nomes utilizados neste trabalho são fictícios.
  • 6
    . Gonzalez elaborou o termo “pretuguês” para analisar a influência de idiomas de origem africana no português falado no Brasil. Para saber mais, ver Gonzalez (2020).
  • 7
    . Tal compreensão não é exclusividade dos trabalhadores que atuam em centros de internação. O trabalho de Mariana Tafakgi Silva (2021SILVA JR., Marco Antônio Corrêa. (2021), A cobrança: a relação entre a normalização das práticas punitivas no Degase e a escassez de denúncias aos agentes que as efetuam. 2021. Niterói, dissertação de mestrado em Justiça e Segurança, Universidade Federal Fluminense.) com professores das redes públicas do Rio de Janeiro que atendem adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa demonstra como os primeiros veem os segundos como “outros”. Tais adolescentes são considerados como “mais adultos” do que os demais adolescentes da mesma idade, o que usualmente produz a compreensão de que estes seriam melhor atendidos em salas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) do que em salas de aula regulares, o que pode afetar o engajamento de tais adolescentes ao ambiente escolar.
  • 8
    . Em 2019 a nomenclatura “agente penitenciário” foi alterada para “policial penal”. Para uma análise comparativa de pesquisas empíricas sobre policiais penais e agentes de segurança socioeducativa, ver Vinuto (no prelo).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2024
  • Aceito
    30 Abr 2024
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