Resumo:
O artigo tem o objetivo de analisar categorias do exercício do poder no âmbito dos processos políticos e legislativos relacionados às proposições de alteração da Lei n. 11.771/2008, conhecida como Lei Geral do Turismo e principal marco legal do turismo brasileiro. Por meio de uma abordagem qualitativa, foram analisados projetos de lei que alteram a norma, além de minutas e justificativas expressas. Também foram averiguadas notas de comunicação de organizações do turismo e atas de reuniões do Conselho Nacional de Turismo. O estudo revelou que os principais envolvidos com as alterações são o setor público, integrantes do Conselho Nacional de Turismo e grupos privados. As alterações têm como foco o favorecimento dos negócios privados em turismo e, embora o Conselho Nacional de Turismo não seja o único meio para apresentação de interesses dos envolvidos, ele demonstrou ser um espaço relevante para reflexão conjunta sobre alterações na norma. A investigação destaca a necessidade de identificar envolvidos e seus interesses com relação a uma norma estruturante do turismo brasileiro. Ademais, evidencia que o turismo é uma área em constante disputa com agentes e organizações que exercem seu poder e isso acarreta consequências para o turismo e suas políticas públicas.
Palavras-chave:
Turismo; Poder; Lei Geral do Turismo; Conselho Nacional de Turismo
Abstract:
The article aims to analyze categories of the exercise of power within the political and legislative processes related to proposals to amend Law No. 11.771/2008, known as the General Tourism Law and the main legal framework of Brazilian tourism. Through a qualitative approach, we analyzed bills that alter the norm, as well as drafts and expressed justifications. Communication notes from tourism organizations and minutes of meetings of the National Tourism Council were also analyzed. The study revealed that the main parties involved with the changes are the public sector, members of the National Tourism Council, and private groups. The changes focus on favoring private business in tourism, and although the National Tourism Council is not the only forum for presenting the interests of those involved, it has proven to be a relevant space for joint reflection on changes in the norm. The research highlights the need to identify those involved and their interests in relation to a norm that is structuring Brazilian tourism. Moreover, it shows that tourism is an area in constant dispute with agents and organizations that exercise their power and this entails consequences for tourism and its public policies.
Keywords:
Tourism; Power; General Tourism Law; National Tourism Council
Resumen:
El artículo tiene como objetivo analizar las categorías del ejercicio del poder dentro de los procesos políticos y legislativos relacionados con las propuestas de modificación de la Ley nº 11.771/2008, conocida como Ley General de Turismo y principal marco jurídico del turismo brasileño. A través de un enfoque cualitativo, se analizaron los proyectos de ley que modifican la norma, así como los borradores y las justificaciones expresadas. También se analizaron las notas de comunicación de las organizaciones turísticas y las actas de las reuniones del Consejo Nacional de Turismo. El estudio reveló que los principales implicados en los cambios son el sector público, los miembros del Consejo Nacional de Turismo y los grupos privados. Las modificaciones se enfocan en favorecer el negocio privado en el turismo y, aunque el Consejo Nacional de Turismo no es el único medio para presentar los intereses de los involucrados, demostró ser un espacio relevante para la reflexión conjunta sobre los cambios en la norma. La investigación destaca la necesidad de identificar a los involucrados y sus intereses en relación a una norma que está estructurando el turismo brasileño. Además, muestra que el turismo es un área en constante disputa con agentes y organizaciones que ejercen su poder y esto acarrea consecuencias para el turismo y sus políticas públicas.
Palabras clave:
Turismo; Poder; Ley General de Turismo; Consejo Nacional de Turismo
INTRODUÇÃO
Vigente desde 2008, a Lei n. 11.771, também conhecida como Lei Geral do Turismo, regula o exercício das atividades turísticas no âmbito nacional. A legislação federal que normatizava conteúdo equivalente datava da década de 1970 (Lei n. 6.505/1977). Com a lacuna de mais de 30 anos sem atualizações legislativas, a legislação atual representa a consolidação e o entendimento que se tem sobre o turismo e a importância dada à atividade (Cerqueira et al., 2010Cerqueira, L. R., Mazaro, R. M., Furtado, E. M., & Rocha Neto, J. M. da. (2010). Políticas públicas em turismo no Brasil: cronologia dos 70 anos da legislação turística e das instituições oficiais de turismo. Turismo & Desenvolvimento, 1(13/14), 977-978.), estabelecendo as principais diretrizes de ação do governo e do setor empresarial (Zastawny, 2012Zastawny, F. dos S. (2012). A participação de grupos de interesse e a Lei do Turismo. Monografia (Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo) - Programa de Pós-graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados/Cefor. Brasília (DF). ). Por esses motivos, a Lei Geral do Turismo é foco deste estudo.
Diferentemente do que ocorreu no passado brasileiro, poucos anos após a promulgação da Lei Geral do Turismo, projetos de lei passaram a tramitar na Câmara dos Deputados com objetivo de alterar a norma. É o caso dos projetos de lei n. 641/2011 e n. 2.724/2015. Tais proposições e seus desdobramentos ocorrem em um contexto de reconfiguração das forças políticas no legislativo e, principalmente, no executivo federal (Santos; Tanscheit, 2019Santos, F., & Tanscheit, T. (2019). Quando velhos atores saem de cena: a ascensão da nova direita política no Brasil. Colombia Internacional, 99, 151-186. ) em que diversas (contra)reformas legislativas foram ou estão sendo empreendidas. Sem, no entanto, pretender aprofundar o sentido geral das reformas e suas implicações no caso específico da Lei Geral do Turismo, objetiva-se, neste artigo, analisar categorias do exercício do poder no âmbito dos processos políticos e legislativos relacionados às proposições de alteração da Lei n. 11.771/2008 (Brasil, 2008Associação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2018b). Posicionamento ABIH Nacional - Acordo firmado entre a plataforma digital de comercialização de hospedagem Airbnb e o município de Porto Seguro. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/posicionamento-abih-nacional-acordo-firmado-entre-plataforma-digital-de-comercializacao-de-hospedagem-airbnb-e-o-municipio-de-porto-seguro-ba/ em 10 jul. 2019.
http://abih.com.br/posicionamento-abih-n...
). Complementarmente, procura-se identificar quem são os principais envolvidos com as propostas e de que forma as correlações de forças entre os agentes envolvidos influenciam no sentido da alteração ou da permanência do texto legal.
A análise do poder nessa norma contribui para compreender as interações entre os que atuam na definição das políticas públicas de turismo no Brasil. Observa-se, ainda, uma carência de estudos e análises acadêmicas que investigam o tema do poder e suas relações dentro do turismo (Cheong; Miller, 2000Cheong, So-Min & Miller, Marc. (2000). Power and tourism: a Foucauldian observation. Annals of Tourism Research, 27(2), 371-390.; Wong et al., 2014Wong, J., Newton, J. D., & Newton, F. J. (2014). Effects of power and individual-level cultural orientation on preferences for volunteer tourism. Tourism Management, 42, 132-140.), bem como sobre legislação do turismo.
O artigo está estruturado em quatro seções, além desta introdução. O próximo tema abordado discorre sobre poder e políticas públicas, seus diferentes sentidos nos diversos campos de estudo e a ênfase dada à abordagem crítica do poder, desenvolvida por Faria, e que serve de base principal para as categorias de análise. Em seguida, a metodologia evidencia a pesquisa documental (com foco em projetos de lei que objetivam alterar a Lei Geral do Turismo, documentos anexos aos projetos de lei, notas de comunicação de organizações do turismo e atas de reuniões do Conselho Nacional de Turismo) de cunho qualitativo com análise de conteúdo. A terceira seção explora os resultados encontrados com relação à interação entre os envolvidos nas alterações da Lei Geral do Turismo. Por fim, as considerações finais destacam a pluralidade de sujeitos envolvidos com as modificações, os principais envolvidos com maior capacidade para promover as alterações e as oportunidades para estudos futuros nessa temática.
PODER E POLÍTICAS PÚBLICAS
O tema do poder é abordado na filosofia, na sociologia, na ciência política, na administração e nas políticas públicas, entre outros campos, como um esforço reflexivo sobre um conjunto mais ou menos amplo de questões: como se expressa, quem o exerce, quem o detém, como surge, quem o sofre, como se organiza e quais suas implicações. As diferentes questões também são formuladas a partir de quadros interpretativos e teorias distintas e, por esse motivo, não há um consenso sobre a definição de poder (Faria, 2017Faria, J. H. de. (2017). Poder, Controle e Gestão. Curitiba: Juruá Editora .) ou uma única ontologia do poder.
Apesar da abrangência do tema, que pode ser compreendido desde a própria noção de Estado até os processos de influência entre indivíduos, as principais definições do termo remetem a uma capacidade ou condição para realização de uma ação, a qual se intentada de outra maneira, não poderia ser realizada. Para Bobbio (1987Bobbio, N. (1987). Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), não há teoria política que não parta, direta ou indiretamente, de uma definição de poder e da análise do fenômeno do poder. Tradicionalmente, para o autor, o Estado é portador de um poder soberano e sua análise é alicerçada no estudo dos diversos poderes ou prerrogativas que competem ao soberano, tais como criar uma ordem constitucional ou legislações que regulam a vida em sociedade. O soberano é entendido como aquele que, diante de conflitos ou incertezas políticas, incorpora uma autoridade dotada das características absoluta e perpétua (Chueri, 2005Chueri, V. K. de. (2005). Before the Law: philosophy and literature (the experience of that which one cannot experience). Michigan: UMI.). Segundo Chueri e Godoy (2010Chueri, V. K. de, & Godoy, M. (2010). Constitucionalismo e democracia - soberania e poder constituinte. Revista Direito GV, 6(1), 159-174.), partindo de uma abordagem político-normativa, as duas qualidades são condições fixas para o exercício do poder soberano, pois é perpétuo na medida que é duradouro e contínuo, e é também absoluto por ser incondicional, completo ou ilimitado.
Outras interpretações, como a de Foucault, consideram o poder não como uma “coisa” ou uma “capacidade” que pode ser possuída pelo Estado, por classes sociais ou por sujeitos individuais (O’Farrell, 2005O’Farrell, C. (2005). Michel Foucault. Londres: Sage Publications.). O poder se expressa na interação entre diferentes indivíduos e grupos, em dispositivos de controle e existe somente como poder exercido. O termo refere-se, portanto, a um conjunto de relações entre indivíduos que são estrategicamente mobilizadas para um fim determinado. Nesse entendimento, as instituições e os governos são a materialização de um campo altamente complexo, em que as relações de poder se expressam em todos os níveis do corpo social.
Poulantzas (1977Poulantzas, N. (1977). Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes .), influenciado por Foucault e revendo parcialmente as concepções estruturalistas de Althusser que estavam presentes em seus trabalhos iniciais, argumenta que o poder é uma relação social que sofre efeito e se condensa materialmente em estruturas no campo da luta de classes, se expressando na capacidade, também relacional, de uma dada classe social efetivar seus objetivos específicos. Assim, as relações de poder acontecem no bojo das interações entre as classes sociais e o poder do Estado deve ser considerado como o poder de uma classe determinada sobre outras classes sociais e, mais especificamente, como uma “condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classes” (Poulantzas, 2000Poulantzas, N. (2000). O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal.).
Já Faria (2011Faria, J. H. de. (2011). Economia Política do Poder. Curitiba: Juruá Editora.; 2017) desenvolve uma análise crítica do poder. Para o autor, o poder é uma capacidade que tem a finalidade de definir e realizar interesses ainda que diante de resistências. O poder não pode ser medido ou avaliado, mas pode ser estudado a partir das interações que são a base do exercício de poder. Com base no conceito de Faria, tem-se características relevantes para o estudo do poder que são aqui tratadas como categorias do exercício de poder, conforme o Quadro 1.
Interação é um conceito que designa a transformação dos sujeitos, mediante sua inter-relação. Para Gomes (2018Gomes, B. M. A. (2018). Políticas Públicas de turismo e os empresários. São Paulo: All Print.), interação é o contato entre os sujeitos, no qual o comportamento e as ações de um indivíduo interferem no comportamento de outros. Essa dimensão exprime a transição entre a análise de um indivíduo singular, que toma suas decisões de forma isolada e sem considerar o coletivo, para a de um sujeito histórica e socialmente constituído que se inter-relaciona com outros indivíduos, sejam eles membros do mesmo grupo ou de grupos distintos, mas que estão em contato e se transformam mutuamente.
Vigotsky (1991Vigotsky, L. S. (1991). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.) enfatiza que o ser humano está em constante construção e transformação e que, ao interagir com outros seres humanos, confere novos significados para a vida em sociedade e para os acordos em grupo. Para o autor, essa interação interfere no comportamento do grupo, influenciando em sua coesão ou em sua dispersão, em sua organização política ou em seus conflitos internos ou entre grupos. Quando em interação, o sujeito compartilha motivações que o leva participar de um grupo. Motivações comuns são, portanto, fundamentais para constituição de um grupo (Enriquez, 1997Enriquez, E. (1997). Organização em análise. Petrópolis: Vozes.).
As motivações influenciam a coesão do grupo a partir de um projeto comum. Zimerman e Osorio (1997Zimerman, D., & Osorio, L. C. (1997). Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas.) destacam a importância do compromisso com os objetivos, ou, em outras palavras, a importância da motivação dos componentes do grupo. De acordo com os autores, uma motivação frágil estimula uma baixa participação e, no limite, o desligamento do grupo. Tais situações geram desconforto no sujeito e em seu grupo.
Para Faria (2017Faria, J. H. de. (2017). Poder, Controle e Gestão. Curitiba: Juruá Editora .), as motivações devem compreender o nível individual em que o coletivo se constitui e, portanto, dizem respeito à densidade histórica do grupo. Ao demonstrar suas motivações, os sujeitos também expressam interesses para que eles possam ser abraçados pelo coletivo. O coletivo, por sua vez, pode ter outros interesses que serão expostos para compor, modificar ou aprimorar aquele interesse exposto. A capacidade de os sujeitos realizarem seus interesses está relacionado ao grau de efetividade do exercício do poder, medido por meio das bases ou recursos que sustentam as relações de poder.
Assim, para realizar interesses, a organização deve primeiro ser capaz de definir prioridades e de representá-las. A representação de interesses ou demandas e as articulações políticas podem acontecer de forma aberta, em espaços públicos como os conselhos, ou de forma fechada, com reuniões exclusivas e individualizadas (Doctor, 2016Doctor, M. (2016). From neo-corporatism to policy networks in Brazil: the case of lobbying for port reform. Revista Agenda Política, 4(1), 175-185.). A fim de firmar a realização dos interesses expressos, a organização utiliza recursos de poder, como articulações políticas. Tais articulações dizem respeito ao desenvolvimento de habilidades e de competências ligadas ao ambiente político.
O exercício de poder também diz respeito à resistência, a qual, para Faria (2011Faria, J. H. de. (2011). Economia Política do Poder. Curitiba: Juruá Editora.; 2017), é inerente ao exercício do poder. Constatar elementos de oposição, que podem gerar conflitos e dificultar processos é fundamental para compreender a existência de objeções, lutas, bloqueios ou antagonismos em um processo. Atitudes de resistência podem acontecer em virtude de um descontentamento com outras partes. Segundo Hirschman (1973Hirschman, A. (1973). Saída, voz e lealdade: reações ao declínio de firmas, organizações e estados. São Paulo: Perspectiva.), manifestar descontentamento e insatisfação são comportamentos que podem levar à saída ruidosa, ou seja, a expressão de sua insatisfação seguida do abandono do grupo. E pode também significar a busca por outros grupos em decorrência da frustração com o grupo anterior. Portanto, comportamentos como constrangimentos, manifestações que demonstram desaprovação ou conflitos de valor são considerados atitudes de resistência.
O esquema de análise para este estudo baseado no referencial teórico busca auxiliar na compreensão de como ocorrem as relações de poder entre os envolvidos com as modificações da Lei Geral do Turismo no Brasil. A seção a seguir enfatiza os procedimentos para a análise dos documentos.
METODOLOGIA
Para este estudo, cujo objetivo é analisar as relações de poder entre os envolvidos, no âmbito dos processos políticos e legislativos, com as alterações na Lei Geral do Turismo, opta-se pela pesquisa básica, com o intuito de entender os fenômenos relacionados à alteração da referida legislação e de divulgar o conhecimento produzido. Como técnica de coleta de dados, a pesquisa documental foi escolhida.
Como fontes primárias, foram selecionados os Projetos de Lei que objetivam alterar a Lei Geral, bem como documentos anexos aos projetos de lei, como minutas e justificativas expressas dos autores dos projetos. Tais documentos estão disponíveis na página eletrônica da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Ao acessar a página, foi realizada pesquisa simplificada por assunto (Lei Geral do Turismo) e tipo de proposição (Projeto de Lei). Em seguida, os resultados da pesquisa foram verificados e selecionados os que tratavam de alterações da lei em estudo.
Além desses, como fontes secundárias, foram coletadas notas de comunicação de organizações do turismo e atas de reuniões do Conselho Nacional de Turismo (CNT), que é a estrutura de governança que assessora o Ministério do Turismo na formulação e na implementação da Política Nacional de Turismo. Destaca-se que todos os documentos analisados são de livre acesso ao público em geral.
As notas de comunicação referem-se a três organizações: Associação Brasileira de Agências de Viagens (ABAV), Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) e Confederação Nacional do Comércio (CNC). As três organizações foram selecionadas por divulgarem notas de comunicação de sua autoria, em suas páginas na internet, e por serem organizações que participam do Conselho Nacional de Turismo e, portanto, foram consideradas relevantes nas definições das políticas públicas de turismo no Brasil. Para delimitar as notas de comunicação das organizações, as páginas na internet oficiais da ABAV, ABIH e CNC foram visitadas e selecionadas notas de comunicação que abordam a Lei Geral do Turismo. No total, foram encontradas 31 notas de comunicação, entre os anos de 2016 e 2019, sendo selecionadas para este artigo 11 delas, que abordam de forma explícita sujeitos envolvidos com os trâmites de projetos de lei sobre a Lei Geral do Turismo. Ressalta-se que não foram identificadas notas de comunicação sobre a Lei Geral nas páginas dessas organizações em anos anteriores a 2016.
As atas de reuniões do CNT foram coletadas no site do conselho e selecionadas as que abordavam a Lei Geral do Turismo. O recorte temporal dos documentos é de 2011 a 2019, tendo em vista que o primeiro Projeto de Lei que objetivou modificar a Lei Geral do Turismo data de 2011. Ao todo, foram selecionadas dez atas de reuniões que relatam manifestações sobre as alterações na Lei Geral do Turismo. A seleção dessas atas para o presente estudo se deu por conterem registros das manifestações dos integrantes do CNT. Por esse motivo, não foram investigadas, de forma individual, cada organização presente no CNT, mas o coletivo de discursos sobre as alterações na Lei Geral do Turismo.
Para a análise dos dados, a abordagem qualitativa foi escolhida, pois é orientada para a investigação de casos concretos, considerando sua singularidade temporal, local e partindo de atividades de pessoas em seus contextos locais (Flick, 2013Flick, U. (2013). Introdução à metodologia de pesquisa: um guia para iniciantes. Tradução: Magda Lopes. Porto Alegre: Penso.). A partir da pesquisa qualitativa e para verificar os assuntos contidos nos documentos, foram usadas técnicas de análise das comunicações, formal e informal, para medir a implicação dos sujeitos em seus discursos em atas ou em notas de comunicação de um grupo restrito, tais como discussões, entrevistas, conversas de grupo de qualquer natureza.
O tratamento dos dados foi realizado com base na categorização temática, na qual os conteúdos são organizados em categorias significativas para o objeto de estudo. A análise foi realizada com o auxílio de software Atlas Ti, no qual houve a inserção de todos os documentos. Cada categoria e elemento constituinte do exercício de poder foi acrescentado como código no Atlas Ti e, em seguida, durante a leitura dos documentos, os períodos ou parágrafos foram identificadas por meio desses códigos. Após essa etapa, foi gerado um relatório no Microsoft Word com cada código e com o conteúdo dos períodos ou parágrafos identificados para, então, ser realizada a releitura e reanálise do conteúdo dos documentos.
Os resultados da análise de conteúdo são expostos na seção seguinte.
INTERAÇÕES ENTRE OS ENVOLVIDOS COM AS ALTERAÇÕES NA LEI GERAL DO TURISMO
O capítulo dos resultados está estruturado de forma a, primeiramente, apresentar o processo legislativo, bem como a institucionalidade do Sistema Nacional de Turismo. Então, tem-se as justificativas expressas às alterações da referida norma. Em seguida, está a exposição e caracterização dos envolvidos com as modificações identificadas nos documentos analisados, segmentados em poder público (Executivo e Legislativo), organizações presentes no CNT e grupos privados externos ao CNT. Passa-se, então, à análise e descrição das categorias do exercício de poder e seus elementos constituintes.
A primeira categoria abordada é a interação e as relações estabelecidas entre grupos observados. A categoria seguinte trata das motivações, referentes àquelas que impulsionam o pertencimento das organizações ao CNT e à percepção da influência do grupo sobre as políticas de turismo. A terceira categoria diz respeito à capacidade de realização de interesses, identificados por meio da definição e representação de demandas prioritárias e as articulações políticas. Por fim, a última categoria a ser explorada nesta seção é a resistência, que tem como elemento constituinte as oposições, os conflitos e os constrangimentos diante de atitudes de outros órgãos.
Antes de analisar as alterações da Lei Geral do Turismo, é importante esclarecer sobre o processo legislativo, que consiste no conjunto de atos realizados pelos órgãos legislativos que visam à criação de uma nova lei ou de alteração de uma lei já existente (BRASIL, 2023aBrasil. (2023a). Senado Federal. Como são feitas as leis. Recuperado de Recuperado de https://www12.senado.leg.br/jovemsenador/home/arquivos/como-sao-feitas-as-leis em 26 mar. 2023.
https://www12.senado.leg.br/jovemsenador...
). A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece, em seu art. 61, que proposição legislativa pode ser realizada pelos deputados, senadores, Presidente da República, Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores, Procurador-Geral da República e cidadãos (BRASIL, 2023bBrasil. (2023b). Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Recuperado de Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm em 26 mar. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
). Assim, a proposição de um projeto de lei compõe a primeira fase do processo legislativo. Em seguida, o projeto de lei tramitará pelas Comissões Temáticas, encarregadas de examinar o conteúdo da lei, por exemplo a Comissão do Turismo e Desporto, da Câmara dos Deputados. Então, o projeto irá para as comissões de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) que analisam, respectivamente, a adequação ao orçamento federal e à Constituição. Caso o projeto seja aprovado por todas as comissões temáticas, ele irá a Plenário. Após aprovado, o projeto é remetido para a outra casa legislativa. Ao final, o projeto de lei segue para a Presidência da República ou sancionar (com ou sem vetos) ou vetar (BRASIL, 2023cBrasil. (2023c). Câmara dos Deputados. Entenda O Processo Legislativo. Recuperado de Recuperado de https://www.camara.leg.br/entenda-o-processo-legislativo/ em 26 mar. 2023.
https://www.camara.leg.br/entenda-o-proc...
). A Lei Geral do Turismo, por se tratar de um uma lei federal, seguiu esse ritual e sua alteração também requer a observância desse rito.
Também é importante pontuar que foi a partir da Lei Geral do Turismo que se instituiu a organização do turismo no Brasil a partir do Sistema Nacional de Turismo (SNT). O SNT consiste na articulação entre o Ministério do Turismo, a Embratur, o Conselho Nacional de Turismo (CNT) e o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo (BRASIL, 2008Brasil. (2008). Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, define as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico. Brasília, DF. Recuperado de Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11771.htm em 22 nov. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
). A Lei Geral postula que o SNT tem como objetivos a promoção do desenvolvimento do turismo sustentável e a coordenação e integração do setor público com os empresários. Cabe destacar que o CNT, como parte do Sistema Nacional de Turismo, é composto por mais de 60 membros, dos quais aproximadamente: 53% são representantes relacionados aos empresários; 31% são representantes do setor público; 8% são representantes relacionados aos bancos; e 8% são representantes vinculados aos trabalhadores e instituições de ensino (BRASIL, 2023Brasil. (2023). Ministério do Turismo. Conselho Nacional de Turismo. Recuperado de Recuperado de https://www.gov.br/turismo/pt-br/composicao/conselho-nacional-de-turismo/Anexo_1412697_Conselheiros_CNT_3003202.pdf em 26 mar. 2023.
https://www.gov.br/turismo/pt-br/composi...
).
Esse contexto sinaliza as justificativas para as alterações da Lei Geral estarem relacionadas ao favorecimento dos negócios em turismo e do viés de mercado. A modernização da atividade turística, com a finalidade de torná-la compatível com o setor, a ampliação de investimentos, o aumento da competitividade, a melhoria no ambiente de negócios, a diminuição do encargo tributário de prestadores de serviços e a desburocratização de procedimentos são algumas razões expressas nas minutas anexas aos projetos de lei que buscam alterar a norma.
A análise das minutas, atas de reuniões e de notas de comunicação permitiu identificar que existem três principais grupos de agentes envolvidos com as alterações na Lei Geral do Turismo: poder público, organizações que compõem o Conselho Nacional de Turismo (CNT) e grupos privados externos ao CNT que são direta ou indiretamente influenciados pelas modificações na Lei. Foram identificados, como parte dos grupos externos, os artistas e os envolvidos com plataformas de reserva online de hospedagem.
Do poder público, há envolvidos do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Do Poder Legislativo, foram identificados os políticos autores dos Projetos de Lei: o Deputado Federal Geraldo Resende (PMDB-MS), o Deputado Federal Victório Galli (PSC-MT), o Deputado Federal Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), que já não estavam em exercício em 2019 e são autores dos primeiros projetos que modificam a Lei Geral do Turismo (BRASIL, 2011aBrasil. (2011a). Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 641, de 2 de março de 2011. Autor: Geraldo Resende. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2 mar. 2011. Recuperado de Recuperado de https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=493874 em 20 nov. 2021.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
; 2012aBrasil. (2012a). Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.984, de 30 de maio de 2012. Autor: Jorge Tadeu Mudalen. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 30 mai. 2012. Recuperado de Recuperado de https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=546517 em 20 nov. 2021.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
; 2015aBrasil. (2015a). Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.314, de 28 de abril de 2015. Autor: Victório Galli. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 28 abr. 2015. Recuperado de Recuperado de https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1216000 em 20 nov. 2021.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
). Também foram citados os Deputados Federais Carlos Eduardo Cadoca (PCdoB-PE), autor do Projeto de Lei n. 2.724/2015 (BRASIL, 2015bBrasil. (2015b). Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.724, de 20 de agosto de 2015. Autor: Carlos Eduardo Cadoca. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 20 ago. 2015. Recuperado de Recuperado de https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1672576 em 20 nov. 2021.
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), e Paulo Azi (DEM-BA), relator desse projeto.
Além desses, o Deputado Federal Laércio Oliveira (PP-SE) e o Deputado Federal que não estavam em exercício em 2019, Otávio Leite (PSDB-RJ), demonstraram interagir com os empresários da área do turismo mantendo relações com a Confederação Nacional do Comércio (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, 2016aConfederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC. (2016a). CNC e Fecomércio - SP formam grupo para discutir a Lei Geral do Turismo. Recuperado de Recuperado de http://cnc.org.br/editorias/turismo/noticias/cnc-e-fecomercio-sp-formam-grupo-para-discutir-lei-geral-do-turismo em 11 jul. 2019.
http://cnc.org.br/editorias/turismo/noti...
, 2016bConfederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC. (2016b). Proposta de alteração da Lei Geral do Turismo é concluída em reunião do Cetur/CNC. Recuperado de Recuperado de http://cnc.org.br/editorias/turismo/noticias/proposta-de-alteracao-da-lei-geral-do-turismo-e-concluida-em-reuniao-do-cetur/cnc em 11 jul. 2019.
http://cnc.org.br/editorias/turismo/noti...
). O Deputado Federal Herculano Passos (MDB-SP) e o Deputado Federal Raimundo Matos (PSDB-CE) também interagiram, defendendo a regulamentação dos cassinos no Brasil e o fim da cobrança de direitos autorais sobre a execução de músicas em quartos de hotéis (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, 2016aAssociação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2016a). Herculano Passos defende legalização dos cassinos em congresso internacional. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/herculano-passos-defende-legalizacao-dos-cassinos-em-congresso-internacional/ em 10 jul. 2019.
http://abih.com.br/herculano-passos-defe...
, 2016bAssociação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2016b). Herculano Passos é eleito presidente da Comissão de Turismo da Câmara dos Deputados. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/herculano-passos-e-eleito-presidente-da-comissao-de-turismo-da-camara-dos-deputados/ em 10 jul. 2019.
http://abih.com.br/herculano-passos-e-el...
).
Do Poder Executivo, o principal envolvido é o Ministério do Turismo (MTur), que é autor de uma das propostas de modificação da Lei Geral e é integrante do CNT (BRASIL, 2017aBrasil. (2017a). Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 7.413, de 12 de abril de 2017a. Autor: Poder Executivo. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 12 abr. 2017. Recuperado de Recuperado de https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?id Proposicao=2129436 em 21 nov. 2021.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
).
As organizações participantes do CNT, cujas manifestações sobre as alterações na Lei Geral do Turismo foram registradas em atas do conselho, foram: a Confederação Nacional do Comércio, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, o Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil, a Associação Brasileira de Resorts, a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação, a Federação Nacional dos Guias de Turismo, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, a Associação Brasileira de Agências de Viagens, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade e a Associação Brasileira dos Bacharéis e Profissionais de Turismo (Conselho Nacional de Turismo, 2011bConselho Nacional de Turismo - CNT. (2011b). Ata da 33ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 30 de junho de 2011, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ; 2012Conselho Nacional de Turismo - CNT. (2012). Ata da 36ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 21 de agosto de 2012, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ; 2013bConselho Nacional de Turismo - CNT. (2013b). Ata da 42ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 3 de dezembro de 2013, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ; 2014bConselho Nacional de Turismo - CNT. (2014b). Ata da 44ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 27 de setembro de 2014, na cidade de São Paulo/SP. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ; 2015Conselho Nacional de Turismo - CNT. (2015). Ata da 46ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 6 de outubro de 2015, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ; 2016Conselho Nacional de Turismo - CNT. (2016). Ata da 47ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 2 de maio de 2016, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ; 2017Conselho Nacional de Turismo - CNT. (2017). Ata da 49ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 15 de setembro de 2017, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ).
Compõem os grupos privados externos ao CNT a categoria dos artistas (BRASIL, 2019Brasil. (2019). Senado Federal. Davi recebe artistas que pedem mudanças no PL do turismo. 2019. Recuperado de Recuperado de https://www12.senado.leg.br/institucional/presidencia/noticia/davi-alcolumbre/davi-recebe-artistas-que-pedem-mudancas-no-pl-do-turismo em 21 nov. 2021.
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b) e os envolvidos com plataformas de reserva online de hospedagem para aluguel por temporada ou turismo, sendo o Airbnb o principal deles (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, 2018aAssociação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2018a). ABIH Nacional se posiciona contrária à parceria firmada entre a Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte de SC com o Airbnb. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/abih-nacional-se-posiciona-contraria-parceria-firmada-entre-secretaria-de-estado-de-turismo-cultura-e-esporte-de-santa-catarina-sol-com-o-airbnb/ em 10 jul. 2019.
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; 2018bAssociação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2018b). Posicionamento ABIH Nacional - Acordo firmado entre a plataforma digital de comercialização de hospedagem Airbnb e o município de Porto Seguro. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/posicionamento-abih-nacional-acordo-firmado-entre-plataforma-digital-de-comercializacao-de-hospedagem-airbnb-e-o-municipio-de-porto-seguro-ba/ em 10 jul. 2019.
http://abih.com.br/posicionamento-abih-n...
). Os artistas estão diretamente envolvidos com as alterações na Lei Geral e pedem a permanência de cobrança de taxas para execução de obras musicais no interior das unidades habitacionais em meios de hospedagem. Já as plataformas de reserva online estão indiretamente envolvidas, em função da mobilização de organizações hoteleiras em prol da cobrança de tributos sobre hospedagens ofertadas pela plataforma Airbnb.
A interação entre esses envolvidos acontece de forma individualizada, por meio de reuniões com deputados federais e com burocratas do Ministério do Turismo. A Confederação Nacional do Comércio, em especial, traz em suas notas de comunicação sua proximidade com deputados federais. A organização também dispõe de um Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade, que atuou nas discussões e na formulação de proposições de alterações da Lei Geral do Turismo:
O Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade (Cetur) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) concluiu uma proposta de anteprojeto para alteração da Lei nº 11.771/2008, conhecida como Lei Geral do Turismo (LGT), em 22 de novembro, em Brasília (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, 2016bConfederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC. (2016b). Proposta de alteração da Lei Geral do Turismo é concluída em reunião do Cetur/CNC. Recuperado de Recuperado de http://cnc.org.br/editorias/turismo/noticias/proposta-de-alteracao-da-lei-geral-do-turismo-e-concluida-em-reuniao-do-cetur/cnc em 11 jul. 2019.
http://cnc.org.br/editorias/turismo/noti... ).
Isso sinaliza uma atividade interna da Confederação Nacional do Comércio para formular alterações na Lei Geral do Turismo. Além dessa organização, o Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil, a Associação Brasileira de Resorts, a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação e a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis também discutiram sobre as alterações na norma em questão (Conselho Nacional de Turismo, 2011aConselho Nacional de Turismo - CNT. (2011a). Ata da 32ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 7 de abril de 2011, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de https://www.gov.br/turismo/pt-br/composicao/conselho-nacional-de-turisAcesso%20em:%2012%20jul.%202019%20de%20%3Cmo/atas-de-reuniao-do-cnt-1/ata-da-32a-reuniao-do-cnt.pdf em 12 jul. 2019.).
As notas de comunicação da Associação Brasileira de Agências de Viagens e da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis destacam diálogos com o Poder Executivo e com Deputados Federais (Associação Brasileira de Agências de Viagens, 2017bAssociação Brasileira de Agências de Viagens - ABAV. (2017b). Mais turismo para todos. Recuperado de Recuperado de http://www.abav.com.br/artigos/mais-turismo-para-todos em 10 jul. 2019.
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; Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, 2017bAssociação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2017b). Esclarecimentos ABIH. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/esclarecimentos-associacao-brasileira-da-industria-de-hoteis-abih-nacional/ em 10 jul. 2019.
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; 2016aAssociação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2016a). Herculano Passos defende legalização dos cassinos em congresso internacional. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/herculano-passos-defende-legalizacao-dos-cassinos-em-congresso-internacional/ em 10 jul. 2019.
http://abih.com.br/herculano-passos-defe...
), no sentido do acolhimento de demandas individuais das organizações que dizem respeito às modificações na Lei Geral do Turismo. Nota-se, portanto, a existência de interações relevantes que podem influenciar a organização e a coesão dos grupos envolvidos.
As organizações também interagiram durante reuniões do CNT. Nas atas de reuniões, vê-se que a interação entre os conselheiros tem grande peso no que tange às proposições para as modificações na Lei Geral. O CNT demonstrou ser um espaço relevante para discussão das proposições de alterações na Lei Geral, uma vez, que nas reuniões, é possível propor mudanças na legislação do turismo que atendam às demandas das organizações. Atas de reuniões evidenciaram que as mudanças na norma são necessárias para modernizá-la e adequá-la ao viés de mercado (Conselho Nacional de Turismo, 2013aConselho Nacional de Turismo - CNT. (2013a). Ata da 41ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 30 de outubro de 2013, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ; 2014aConselho Nacional de Turismo - CNT. (2014a). Ata da 43ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 9 de junho de 2014, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ). Assim, o Ministério do Turismo (MTur) esclareceu que sua estratégia para revisão da norma jurídica é identificar demandas do próprio órgão e, em seguida, priorizar propostas dos integrantes do CNT (Conselho Nacional de Turismo, 2013aConselho Nacional de Turismo - CNT. (2013a). Ata da 41ª reunião do Conselho Nacional de Turismo , realizada no dia 30 de outubro de 2013, na cidade de Brasília/DF. Recuperado de http://www.turismo.gov.br/institucional/conselho-nacional-de-turismo/documentos-relacionados-as-reunioes.html em 12 jul. 2019. ).
Além disso, as organizações que são membros do CNT podem se manifestar no momento da reunião para questionar ações do Poder Executivo. Assim, as motivações são observadas por meio das reclamações diretas que podem ser feitas ao MTur, das demandas apoiadas pelo Poder Executivo e por demais organizações membros do CNT, bem como do contato com convidados das reuniões do Conselho, como deputados federais.
Ligada à motivação para permanência no CNT está a percepção da influência dos envolvidos com as alterações na Lei Geral do Turismo sobre as políticas públicas de turismo. A referida norma contempla a ação do setor público e do setor empresarial para regular o exercício das atividades turísticas no Brasil. Ela também estabelece a política nacional de turismo e funciona como fio condutor das demais políticas públicas de turismo. Em função da relevância da norma para o setor de turismo, o acesso a estruturas que permitam a interação para que os envolvidos ouçam e atendam demandas das organizações parece ser uma forte motivação que estimula uma participação ativa das organizações.
A definição e representação de interesses dos envolvidos com as alterações da Lei Geral foram divulgadas em notas de comunicação e em suas falas nas reuniões do CNT. Tais demandas estão sintetizadas no Quadro 2.
Como se observa no Quadro 2, os meios de hospedagem eram os que mais almejavam alterações na Lei Geral do Turismo. Dentre elas, está a tributação das plataformas de reservas online e o fim da cobrança de taxas nos quartos de hotéis. Essa categoria também é alvo de modificações propostas por deputados federais, que buscam incluir artigo que estabelece multa aos meios de hospedagem em situações de descumprimento das diárias de hotéis.
As agências de turismo, reagindo e formando resistência ao artigo que prevê sua responsabilidade solidária em caso de dano por serviço prestado, buscam a retirada desse artigo em Projeto de Lei que modifica a Lei Geral do Turismo. Já os guias e bacharéis em turismo solicitam sua inclusão como prestadores de serviços turísticos.
As organizadoras de eventos pediam a revisão das categorias que limitam sua atuação. E bares e restaurantes sugeriram adesão à jornada de trabalho intermitente, demanda que já foi incluída na Reforma Trabalhista, por meio da Lei n. 13.467/2017.
As articulações políticas dos envolvidos com as alterações na Lei Geral do Turismo aconteceram de forma aberta, possibilitando debates e a construção coletiva de demandas, no âmbito das reuniões do CNT. Nesse espaço, as organizações têm oportunidade para expor suas demandas a Deputados Federais e outros políticos convidados.
As articulações também aconteceram de forma fechada diretamente entre as organizações e políticos e entre organizações e burocratas do MTur (Associação Brasileira de Agências de Viagens, 2017aAssociação Brasileira de Agências de Viagens - ABAV. (2017a). Pelo fim da bitributação. Recuperado de Recuperado de http://www.abav.com.br/se/artigos/pelo-fim-da-bitributacao em 10 jul. 2019.
http://www.abav.com.br/se/artigos/pelo-f...
; 2017bAssociação Brasileira de Agências de Viagens - ABAV. (2017b). Mais turismo para todos. Recuperado de Recuperado de http://www.abav.com.br/artigos/mais-turismo-para-todos em 10 jul. 2019.
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; Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, 2016aAssociação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2016a). Herculano Passos defende legalização dos cassinos em congresso internacional. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/herculano-passos-defende-legalizacao-dos-cassinos-em-congresso-internacional/ em 10 jul. 2019.
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; 2017aAssociação Brasileira da Indústria de Hotéis - ABIH. (2017a). ABIH Nacional participa da reunião do CNT. Recuperado de Recuperado de http://abih.com.br/abih-nacional-participa-de-reuniao-do-conselho-nacional-do-turismo/ em 10 jul. 2019.
http://abih.com.br/abih-nacional-partici...
; Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, 2016c). Os artistas, que fazem parte de grupos privados externos ao CNT também estabeleceram contato e fizeram reuniões com políticos (Brasil, 2019). O assunto das articulações é divulgado em notas de comunicação e em reportagens. Elas abordam, sobretudo, demandas individuais dos grupos.
Por ser inerente ao exercício do poder, processos de resistência também foram identificados nos documentos analisados. No caso da Associação Brasileira de Agências de Viagens, a busca pelo fim da responsabilidade solidária entre agências de viagem e prestadores diretos de serviços turísticos, em situações que acarretam prejuízos aos consumidores, é um assunto que permanece no Projeto de Lei n. 2.724/2015.
A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, por sua vez, também apresentou conflitos de concepções sobre o conteúdo da Lei Geral, principalmente no que concerne à multa em caso de descumprimento da diária dos hotéis. A mesma organização publicou notas que desaprovam parcerias entre órgãos públicos estaduais e plataformas de reservas online, como a firmada entre a Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina e o Airbnb.
Os conflitos identificados nos documentos demonstram que a arena política do turismo tem comportamentos de resistência quando o assunto diz respeito a temas relevantes para cada organização e sua categoria de forma individual. Com base nisso, é importante refletir sobre os objetivos coletivos em prol do desenvolvimento do turismo e sobre a defesa dos interesses da sociedade como um todo, e não de grupos específicos da sociedade.
Adicionalmente, ao considerar que os principais envolvidos são vinculados a organizações preponderantemente privadas com interesses que ficam, muitas vezes, circunscritos a sua área de atuação, é de se esperar que, caso sejam aprovadas, a maioria das alterações propostas favoreceriam os negócios em turismo e o viés de mercado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Geral do Turismo é o principal marco legal do turismo brasileiro, que atualmente passa por reformulações. Este artigo teve o objetivo de analisar categorias do exercício do poder no âmbito dos processos políticos e legislativos relacionados às proposições de alteração da Lei Geral do Turismo. Para isso, foram analisados os Projetos de Lei que objetivam alterar a referida norma e documentos anexos aos projetos de lei, como minutas e justificativas expressas dos autores dos projetos. Além desses, foram analisadas atas de reuniões do CNT e as notas de comunicação divulgadas por três organizações do turismo: Associação Brasileira de Agências de Viagens, Associação Brasileira da Indústria de Hotéis e Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.
O estudo revelou a pluralidade de sujeitos envolvidos com as modificações da Lei Geral. O poder público tem destaque dentre os envolvidos, com autores de projetos de lei e com presença de parlamentares, tanto em reuniões fechadas e individualizadas, quanto em reuniões abertas, no âmbito do CNT, sobre as alterações na Lei Geral do Turismo.
O CNT demonstra ser um espaço estratégico, no qual é possível discutir e propor questões para serem incluídas como alterações na legislação do turismo. Portanto, as organizações que compõem o Conselho são motivadas a participar, para que seus interesses sejam atendidos.
Quanto aos interesses identificados, os meios de hospedagem são os que mais almejam alterações na Lei Geral do Turismo. Mas além deles, também apresentam demandas as agências de turismo, os guias e bacharéis em turismo, as organizadoras de eventos e os bares e restaurantes.
A capacidade dos sujeitos realizarem tais interesses está vinculada às articulações políticas. De forma geral, foi observada a predominância do interesse das grandes organizações privadas do setor produtivo nas alterações da Lei Geral, em contraposição aos interesses de outros grupos, como é o caso das comunidades tradicionais. Estas comunidades não estão representadas no CNT e, portanto, têm menos possibilidade de fazer com que suas demandas sejam contempladas na referida lei e nas políticas públicas de turismo, de forma geral. Cabe ressaltar que, embora o CNT não seja o único meio para que os interesses dos sujeitos envolvidos com o turismo sejam atendidos, ele demonstrou ser um importante espaço de discussão e de decisões sobre as alterações na Lei e, portanto, das políticas de turismo.
A resistência quanto às alterações na Lei Geral do Turismo indica que os conflitos existentes são esparsos e ocorrem com baixa incidência. Apesar de interesses de algumas organizações não estarem contemplados nos projetos de lei, manifestações contrárias são esporadicamente observadas ou são expressas em formas de solicitação de apoio das demais organizações.
As justificativas para alterações na Lei Geral têm o foco no favorecimento dos negócios em turismo. Entretanto, é possível perceber a falta da mobilização dos grupos em prol de um objetivo comum, pois muitos interesses são tratados de forma individual e dizem respeito aos ensejos de uma categoria ou organização específica. Esse ponto faz com que os objetivos de desenvolver o turismo brasileiro fiquem dispersos e sejam pouco sustentáveis.
A investigação sobre as relações de poder que permeiam as alterações na Lei Geral do Turismo no Brasil permite compreender que a categoria que tem maior capacidade de materializar seus interesses é a dos empresários. Em parte, isso se dá porque eles têm acesso às principais estruturas da sociedade, seja em reuniões do CNT, seja em reuniões fechadas com parlamentares e membros do Ministério do Turismo. Os interesses dos empresários de turismo são os que mais são levados em conta para alterar a Lei Geral do Turismo e para influenciar a formulação de políticas públicas de turismo.
O presente estudo evidencia a relevância em identificar os principais envolvidos e seus interesses em uma norma estruturante de um setor produtivo e de uma área do conhecimento. Ademais, contribui para as disciplinas de Legislação do Turismo, na medida em que aborda o processo de alteração de leis e sua aplicação. Por fim, a investigação destaca que o turismo é uma área em constante disputa, com agentes e organizações que exercem seu poder e isso acarreta consequências para o turismo e suas políticas públicas.
Pesquisas futuras podem avançar ao aplicar as categorias do exercício de poder aqui utilizadas para investigar outras interações no nível subnacional. Demais pesquisas podem usar diferentes abordagens teóricas para a compreensão da formulação e alteração da Lei Geral do Turismo no Brasil. Por fim, o estudo não esgota a discussão sobre as relações de poder nas leis e nas políticas de turismo, mas espera-se ter indicado um caminho de pesquisa ainda pouco explorado no turismo.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Set 2023 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2023
Histórico
-
Recebido
06 Jun 2022 -
Aceito
03 Abr 2023