VALORES PESSOAIS, ESTILO DE VIDA E COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO COM TURISTAS EM JERICOACOARA, CEARÁ, BRASIL

PERSONAL VALUES, LIFESTYLE AND SUSTAINABLE BEHAVIOR: A STUDY WITH TOURISTS IN JERICOACOARA, CEARÁ, BRAZIL

VALORES PERSONALES, ESTILO DE VIDA Y COMPORTAMIENTO SOSTENIBLE: UN ESTUDIO CON TURISTAS EN JERICOACOARA, CEARÁ, BRASIL

Resumo:

No âmbito da sustentabilidade, os valores pessoais e o estilo de vida parecem ser fatores relevantes para prever os comportamentos individuais. Analisar o comportamento sustentável do turista é um indicador importante para compreender a dinâmica indivíduo-sociedade-ambiente e seus impactos de curto, médio e longo prazos. Ademais, essas informações são relevantes para que as partes interessadas e os formuladores de políticas públicas gerenciem de maneira sustentável as paisagens naturais, bem como, os produtos e serviços envolvidos nessa atividade. Nesse contexto, este estudo analisa o papel dos valores pessoais e do estilo de vida na formação do comportamento sustentável do turista. Para tanto, realizou-se uma survey com 118 turistas em Jericoacoara, Ceará, Brasil. Para analisar os dados, foram utilizadas técnicas de análise descritiva, análise fatorial confirmatória e modelagem de equações estruturais. Os resultados mostram que atitude favorável a uma experiência mais sustentável no turismo é influenciada pelo valor pessoal de universalismo e pelo estilo de vida ecológico. Ainda, verificou-se a consistência da Teoria da Ação Racional para predizer o comportamento sustentável do turista, uma vez que o comportamento de pagamento da taxa de turismo sustentável foi influenciado pela intenção comportamental que, por sua vez, foi influenciada pela atitude e pela norma subjetiva. De forma geral, o estudo possibilita uma melhor compreensão sobre o comportamento do turista em relação ao pagamento da Taxa de Turismo Sustentável, bem como sobre os elementos associados a esse comportamento, auxiliando os gestores públicos na formulação de políticas fiscais eficazes e mais transparentes.

Palavras-chave:
comportamento sustentável; valores pessoais; estilo de vida; Jericoacoara; Teoria da Ação Racional

Abstract:

In the context of sustainability, personal values and lifestyle seem to be relevant factors to predict individual behaviors. Analyzing the tourists’ sustainable behavior is an important indicator to understand the individual-society-environment dynamics and its short, medium, and long-term impacts. Furthermore, this information is relevant for stakeholders and public policy makers to sustainably manage natural landscapes, as well as the products and services involved in this activity. In this context, this study analyzes the role of personal values and lifestyle in forming the tourist's sustainable behavior. Therefore, a survey was carried out with 118 tourists in Jericoacoara, Ceará, Brazil. To analyze the data, descriptive analysis, confirmatory factor analysis and structural equation modeling were used. The results show that a favorable attitude towards a more sustainable experience in tourism is influenced by the personal value of universalism and by the ecological lifestyle. Furthermore, the consistency of the Theory of Rational Action was verified to predict the tourist's sustainable behavior, since the behavior regarding the payment of the sustainable tourism tax was influenced by the behavioral intention, which, in turn, was influenced by the attitude and the subjective norm. In general, the study provides a better understanding of tourist behavior in relation to the payment of the Sustainable Tourism Tax, as well as the elements associated with this behavior, helping public managers in the formulation of effective and more transparent fiscal policies.

Key-words:
sustainable behavior; personal values; lifestyle; Jericoacoara; Theory of Reasoned Action

Resumen:

En el contexto de la sustentabilidad, los valores personales y el estilo de vida parecen ser factores relevantes en la predicción de comportamientos individuales. Analizar el comportamiento sostenible de los turistas es un indicador importante para comprender la dinámica individuo-sociedad-ambiente y sus impactos a corto, mediano y largo plazo. Además, esta información es relevante para los actores y hacedores de políticas públicas para la gestión sostenible de los paisajes naturales, así como de los productos y servicios involucrados en esta actividad. En este contexto, este estudio analiza el papel de los valores personales y el estilo de vida en la configuración del comportamiento turístico sostenible. Por lo tanto, se realizó una encuesta con 118 turistas en Jericoacoara, Ceará, Brasil. Para el análisis de los datos se utilizaron técnicas de análisis descriptivo, análisis factorial confirmatorio y modelado de ecuaciones estructurales. Los resultados muestran que una actitud favorable hacia una experiencia más sostenible en el turismo está influenciada por el valor personal del universalismo y el estilo de vida ecológico. Asimismo, se comprobó la consistencia de la Teoría de la Acción Racional para predecir el comportamiento sustentable del turista, ya que el comportamiento de pago del impuesto de turismo sustentable estuvo influenciado por la intención conductual, la cual, a su vez, estuvo influenciada por la actitud y la norma subjetivo En general, el estudio proporciona una mejor comprensión del comportamiento de los turistas en relación con el pago del Impuesto de Turismo Sostenible, así como de los elementos asociados a este comportamiento, ayudando a los gestores públicos en la formulación de políticas fiscales eficaces y más transparentes.

Palabras Clave:
comportamiento sostenible; valores personales; estilo de vida; Jericoacoara; Teoría de la Acción Racional

INTRODUÇÃO

Os valores pessoais, além de indicarem os comportamentos dos indivíduos, são considerados também seus antecedentes (Ahmada, Kim, Anwer & Zhuang, 2020; Bardi & Schwartz, 2003; Allen, Hung & Wilson, 2002). Para uma melhor compreensão dos efeitos dos valores pessoais no comportamento dos indivíduos, é relevante integrar a Teoria dos Valores (Schwartz, 1992, 1994) a modelos comportamentais bem desenvolvidos e testados para prever e entender o comportamento do consumidor (Ahmada et. al., 2020). Para Rokeach (1973), os valores representam princípios abstratos, arraigados no indivíduo que orientam seu comportamento.

Para Schwartz e Bardi (2001), os valores podem ser considerados objetivos que direcionam as ações dos indivíduos e o que consideram importante em suas vidas. Nessa perspectiva, toda cultura possui crenças, valores e práticas únicas que motivam diversos comportamentos de consumo (Sharma & Jha, 2017). Assim, compreende-se que os valores pessoais podem predizer as atitudes e os comportamentos do indivíduo.

Novas necessidades e comportamentos também se refletem no âmbito do turismo, onde os consumidores procuram um estilo de vida mais equilibrado e sustentável (Lehto & Lehto, 2019). Esse novo segmento de mercado é conhecido como “Estilos de Vida de Saúde e de Sustentabilidade” [Lifestyle of Health and Sustainability - LOHAS]. Esses consumidores dão especial atenção à sua saúde física e mental e valorizam todos os comportamentos que promovem e apoiam o desenvolvimento sustentável do meio ambiente e da sociedade (Osti & Goffi, 2021). Os consumidores que consideram o efeito do seu comportamento no meio ambiente estão dispostos a comprar bens que foram produzidos com materiais e técnicas com menor impacto negativo no meio ambiente e a tomar decisões alinhadas à proteção dos recursos naturais (Shabani et al., 2013; Shahsavar, Kubeš & Baran, 2020).

Portanto, a presente pesquisa tem como objetivo analisar o papel dos valores pessoais e do estilo de vida na formação do comportamento sustentável do turista. Para tanto, realizou-se uma survey com 118 turistas brasileiros, a fim de verificar suas percepções sobre os constructos aqui investigados. O estudo foi realizado na Vila de Jericoacoara, que possui a Taxa de Turismo Sustentável do Destino, instituída a partir do Tributo da Lei Complementar Nº 107/2015, e tem como fato gerador o impacto ambiental do uso efetivo ou potencial dos seus visitantes (Secretaria de Turismo de Jericoacoara, 2022).

Utilizou-se a Teoria da Ação Racional (Fishbein & Ajzen, 1975) para investigar a formação do comportamento do consumidor. De acordo com a TAR, o comportamento é formado pela intenção comportamental, que deriva da atitude e da norma subjetiva. A intenção comportamental considerada neste estudo está relacionada à intenção do turista de arcar com uma experiência mais sustentável. No que se refere ao comportamento, considerando que o pagamento da taxa de turismo sustentável é obrigatório (Lei Complementar Nº 107/2015), utilizou-se a aceitação do turista em pagar a taxa como medida de comportamento.

O consumo voltado para a sustentabilidade e os impactos ambientais adquiriram maior visibilidade na sociedade contemporânea, contribuindo com uma maior conscientização dos indivíduos em relação à problemática ambiental (Silva, Marques & Romero, 2020; Silva et al., 2023). Além disso, as pesquisas relacionadas à sustentabilidade estão ganhando uma maior visibilidade e relevância global (De Magistris & Gracia, 2016).

Analisar o papel dos valores pessoais e do estilo de vida na formação do comportamento sustentável do turista pode ser um indicador importante para determinar como cada indivíduo valoriza o ambiente em que está inserido, além da identificação da visão de longo prazo em relação às questões sustentáveis, possibilitando compreender o nível de importância dado às questões ambientais, uma vez que o foco geral na sustentabilidade entre os setores fez do consumo consciente uma tendência mundial (Hamari et al., 2015; Vitell, 2015; Lappeman, 2019).

Diversos autores (Beharrell & Crockett, 1992; De Pelsmacker et al., 2005) argumentam que as influências psicológicas, como valores pessoais, são mais úteis para distinguir e identificar consumidores socialmente conscientes e que o comportamento de compra é influenciado por certos valores pessoais subjacentes que orientam as decisões dos consumidores.

A relevância desta pesquisa emerge também a partir da investigação do esforço que os consumidores estão dispostos a fazer para causar menores impactos ambientais. Ademais, embora demostrem preocupações ambientais, é pouco provável que evitem formas que minimizem os impactos no ambiente em um contexto de viagem (Barr & Prillwitz, 2012). Todas essas informações são relevantes para que as partes interessadas e os formuladores de políticas públicas gerenciem de maneira sustentável as paisagens naturais, bem como, os produtos e serviços envolvidos nessa atividade (Bigerna; Micheli & Polinori, 2019).

Assim, esta pesquisa justifica-se à medida em que busca proporcionar evidências empíricas sobre as relações propostas, além de buscar contribuições acadêmicas e práticas que ainda não foram exploradas por estudos anteriores. Este estudo visa também contribuir para o fluxo de pesquisas sobre valores pessoais e estilo de vida na formação do comportamento sustentável do turista. Nesse sentido, os achados desta pesquisa podem contribuir para o delineamento de estratégias de turismo, auxiliando formuladores de políticas e gestores de destinos turísticos a enfrentar desafios relacionados à sustentabilidade, competitividade e financiamento das atividades turísticas, determinando a adequação de estabelecer impostos específicos relacionados à atividade turística.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E HIPÓTESES

Valores Pessoais e Estilo de Vida

No contexto do turismo, os valores pessoais são apenas um dos diversos fatores que influenciam o comportamento humano. Ainda que os valores sejam formados no início da vida e tenham forte poder explicativo sobre as escolhas comportamentais, apenas estes não são suficientes para manter o seu poder preditivo (Schwartz, 1994). Além disso, no contexto turístico, se os valores forem utilizados sozinhos para explicar as intenções, o modelo analítico pode enfrentar inconsistências operacionais e de definição (Ye et al, 2017).

Os valores são crenças sobre o que os indivíduos consideram justo e correto, direcionando suas escolhas de comportamento e consumo (Weeden, 2011), e são considerados uma construção motivacional individual, representando objetivos amplos aplicados a contextos e tempo (Rokeach, 1973; Schwartz & Bilsky, 1987; Schwartz, 1997; Bardi & Schwartz, 2003). Ao longo dos anos, diversos autores se propuseram a buscar definições acerca dos valores, com o objetivo de compreender melhor o constructo.

Para Torres, Schwartz e Nascimento (2016), o estudo dos valores não é recente e muitas pesquisas, desenvolvidas por teóricos, sociólogos e antropólogos (Quadro 1).

Quadro 1
Evolução do Constructo Valores

É válido destacar que apesar do interesse dos estudiosos em contribuir com o entendimento do constructo, a sua definição apresenta uma pluralidade de abordagens, ainda que os autores concordem que os valores orientem e direcionem o comportamento do indivíduo (Torres, Schwartz & Nascimento, 2016; Sousa & Fontenelle, 2019).

Weeden (2011) discute que os valores são usualmente utilizados nos estudos com consumidores, uma vez que dão suporte às escolhas morais dos indivíduos, como também são relevantes em um contexto ético. Jansson, Nordlund, e Westin (2017) destacam a importância dos valores pessoais para o consumo ético e verde. Os valores direcionam os indivíduos em suas escolhas de comportamento e consumo, ou seja, compreender os valores pessoais significa entender o comportamento humano (Sagiv, Roccas, Cieciuch & Schwartz, 2017).

De acordo com Porto e Tamayo (2007), a tipologia universal de valores baseada na literatura sobre as necessidades básicas dos indivíduos foi proposta por Schwartz (1992), após revisão da estrutura inicialmente proposta por Schwartz e Bilsky (1987, 1990). Schwartz (1992, 1994) ainda argumenta que, especificamente na forma de objetivos conscientes, os valores representam respostas a três requisitos universais: necessidades dos indivíduos como organismos biológicos; necessidade de interação social coordenada, e necessidade para o bom funcionamento e sobrevivência dos grupos. A partir desses três requisitos universais, Schwartz (1992) elencou dez valores amplos de acordo com a motivação subjacente a cada um deles.

Porto e Tamayo (2007) apontam que o modelo teórico proposto também apresenta uma estrutura dinâmica, assim, os indivíduos estarão propensos a apresentar prioridade elevada para tipos motivacionais mutuamente compatíveis e prioridade baixa para tipos motivacionais conflitivos. Schwartz (1994), considerando a existência dos dez tipos de valores humanos distintos, os agrupou em quatro tipos motivacionais mais amplos: autopromoção, autotranscendência, abertura à mudança, e conservação. Ainda, como argumentam Porto e Tamayo (2007), os tipos motivacionais disponibilizados mais amplos representam as relações de compatibilidade e conflito dentro de cada agrupamento, formando duas dimensões bipolares: autopromoção versus autotranscendência, e abertura à mudança versus conservação.

A estrutura de valores pessoais de Schwartz (1992, 1994) contribui significativamente para as pesquisas no contexto do consumidor, relacionando com atitudes e comportamentos sustentáveis em diversas situações. Ademais, buscam compreender a motivação e a responsabilidade dos indivíduos na tomada de decisão (Weeden, 2011; Ahmad et al, 2020). Keh e Sun (2008) argumentam que este é o modelo mais amplamente aceito nas pesquisas acadêmicas. Os valores pessoais reforçam as escolhas morais dos indivíduos e são pertinentes em um contexto social e ético e, consequentemente, muito adequados para estudar o comportamento de turistas responsáveis (Ahmad et al, 2020).

Para Ahmad et al. (2020), os valores pessoais de Schwartz servem como a melhor base teórica para os estudos voltados para o comportamento responsável, e adequados para examinar as intenções dos turistas ao visitar destinos mais sustentáveis. Para os autores, as atitudes e comportamentos ecologicamente corretos estão positivamente relacionados com os tipos de valores de autotranscendência e negativamente relacionados com os tipos de valores de autopromoção.

Neste estudo, optou-se por utilizar a teoria dos valores pessoais proposta por Schwartz (1992, 1994), uma vez que a estrutura emprega medidas de dimensões de valor que têm uniformidade transcultural. Nesta pesquisa, utiliza-se o conjunto de valores de autotranscendência que é formado por dois tipos motivacionais: benevolência e universalismo. A benevolência possui como objetivo motivacional o cuidado e o fortalecimento do bem-estar de indivíduos de convívio próximo, em que os valores de lealdade, honestidade, responsabilidade e companheirismo estão presentes (Schwartz, 1992). O tipo motivacional universalismo decorre da necessidade de sobrevivência de todos os seres vivos, implicando na compreensão, na apreciação, na tolerância e na proteção visando o bem-estar de todos os seres humanos e da natureza, uma vez que prevalecem os valores voltados para a igualdade, justiça social, proteção ao meio ambiente, paz e sabedoria (Schwartz, 1992). Com base nessas abordagens, foram delineadas as seguintes hipóteses da pesquisa:

H1a: A benevolência influencia positivamente a atitude favorável a uma experiência mais sustentável no turismo.

H1b: O universalismo influencia positivamente a atitude favorável a uma experiência mais sustentável no turismo.

Assim, novas necessidades e comportamentos refletem um estilo de vida mais equilibrado e sustentável (Lehto & Lehto, 2019). Os estilos de vida sustentáveis são percebidos como uma alternativa aos atuais estilos de vida centrados no consumo e definidos como “um conjunto de hábitos e padrões de comportamento inseridos em uma sociedade e facilitados por instituições, normas e infraestruturas que moldam a escolha individual, a fim de minimizar o uso de recursos naturais e a geração de resíduos, ao mesmo tempo em que apoia a justiça e a prosperidade para todos” (UNEP, 2016).

No âmbito do turismo sustentável, os consumidores procuram um estilo de vida mais equilibrado (Lehto & Lehto, 2019) e buscam experiências mais autênticas e gratificantes que beneficiem corpo, mente e alma. Conhecido como o segmento de mercado LOHAS (Lifestyle of Health and Sustainability), neste novo segmento de mercado os consumidores dão especial atenção à sua saúde física e mental e valorizam todos os comportamentos que promovem e apoiam o desenvolvimento sustentável do meio ambiente e da sociedade (Osti & Goffi, 2021).

Segundo Osti & Goffi (2021), os consumidores LOHAS investem na compra de alimentos orgânicos e naturais, produzidos localmente, ecocertificados ou produtos de comércio justo; ainda, apoiam o uso de recursos renováveis, transportes ecologicamente corretos, programas de reciclagem, bem como eletrodomésticos energeticamente eficientes. Não só o bem-estar físico e mental está envolvido na noção LOHAS, mas também viver mais verde e criar condições para desfrutar de um estilo de vida mais sustentável e saudável. O LOHAS foi considerado um estilo de vida importante nos mercados consumidores com forte ênfase na consciência ambiental (Pícha & Navrátil, 2019).

Os indivíduos estão imersos em uma era de consumo contínuo, dominada por um mercado de produtos descartáveis que contribuem com problemas ambientais que se intensificaram globalmente (Figueroa-García, García-Machado & Pérez-Bustamante Yábar, 2018). O desafio é favorecer cenários de desenvolvimento sustentável desejáveis, como mudar o estilo de vida do consumidor, reduzir o consumo exagerado e avaliar a conveniência da acumulação (Caeiro, Ramos & Huisingh, 2012).

Considerando que consumidores com um estilo de vida mais sustentável se preocupam consigo mesmos, com o meio ambiente e com o planeta (Osti & Goffi, 2021; Pícha & Navrátil, 2019), este estudo utiliza o estilo de vida ecológico, juntamente com os valores pessoais, a fim de tentar explicar a atitude favorável dos consumidores por uma experiência mais sustentável no turismo. Assim, delineia-se como hipótese da pesquisa:

H2: O estilo de vida influencia positivamente a atitude favorável a uma experiência mais sustentável no turismo.

Teoria da Ação Racional

Compreender o comportamento humano é uma atividade complexa, pois envolve diversos atores que interferem na tomada de decisão do consumidor, incluindo as suas singularidades, sua história social e cultural (Olshavsky & Granbois, 1979). Nesse sentido, muitos modelos emergiram a fim de predizer e explicar o comportamento.

Farias et al (2019) argumentam que a Teoria da Ação Racional [TAR], ou Theory of Reasoned Action [TRA], foi desenvolvida inicialmente na década de 60 por Martin Fishbein (1963, 1967) e posteriormente expandida com a colaboração de Icek Ajzen (Ajzen & Fishbein, 1970; Fishbein & Ajzen, 1975; Ajzen, 1985, 1991, 2005). A TAR aponta que as ações dos indivíduos estão sob seu controle volitivo completo, uma vez que tais ações são determinadas pela intenção do indivíduo em desempenhar um comportamento e que essa intenção, por conseguinte, é função de sua atitude frente ao comportamento e às normas subjetivas (Fishbein & Ajzen, 1975).

A TAR considera que os indivíduos são racionais e possuem crenças e conhecimentos reunidos de forma sistemática, como experiências pessoais, educação formal, mídia e interação com família e amigos. Nesse modelo teórico, a intenção comportamental é moldada pela atitude e pelas normas subjetivas em relação ao comportamento (Madden; Ellen & Ajzen, 1992; Fishbein & Ajzen, 2011; Ulker-Demirel; Ciftci, 2020). Ainda de acordo com Policarpo e Aguiar (2021), a TAR, delineada para explicar uma extensa variedade de comportamento humano (Ajzen & Fishbein, 2005), tem sido utilizada de forma consistente para prever e explicar o comportamento, incluindo o comportamento do consumidor (Hartmann & Apaolaza-Ibañez, 2012).

De acordo com essa abordagem teórica, o comportamento de uma pessoa é formado pela intenção de executar esse comportamento, que deriva da atitude e da norma subjetiva. Portanto, considera-se que as atitudes em relação ao comportamento apontam as chances de um determinado comportamento ocorrer, enquanto as normas subjetivas representam a tendência de alguém perceber que as pessoas ao seu redor esperam um comportamento específico e sua motivação pessoal para se adaptar a esse comportamento. Para esta pesquisa, será utilizada a TAR.

Nesse estudo, a intenção comportamental é avaliada pela intenção do turista em pagar por uma experiência mais sustentável, enquanto o comportamento real é avaliado pela aceitação do pagamento da Taxa de Turismo Sustentável. Tendo como base o que foi discutido sobre valores pessoais, estilo de vida e teoria da ação racional, e considerando que a intenção de um comportamento sustentável pode ser explicada pelos elementos da TAR, propõe-se que:

H3: A atitude influencia positivamente a intenção comportamental por uma experiência mais sustentável no turismo.

H4: A norma subjetiva influencia positivamente a intenção comportamental por uma experiência mais sustentável no turismo.

H5: A intenção comportamental por uma experiência mais sustentável no turismo influencia positivamente o comportamento em relação ao pagamento da taxa.

Com base nas hipóteses propostas foi possível elaborar um framework deste estudo. A Figura 1 apresenta o framework elaborado com base nas hipóteses.

Figura 1
Framework da pesquisa.

Com base na Figura 1, observa-se que a atitude favorável em relação à experiência mais sustentável no turismo é influenciada pelos valores pessoais de benevolência (H1a) e universalismo (H1b), bem como sofre influência do estilo de vida (H2). O modelo mostra, ainda, que a intenção do turista de pagar por uma experiência mais sustentável é influenciada pelos constructos atitude (H3) e norma subjetiva (H4), ao passo que influencia o comportamento de aceitação do pagamento da Taxa de Turismo Sustentável (H5), conforme versa a TAR.

METODOLOGIA

A pesquisa em questão, desenvolvida por meio de uma survey, é empírica e descritiva. Em decorrência do seu paradigma positivista, o estudo é de natureza essencialmente quantitativa, pois são utilizados procedimentos estatísticos para alcançar os objetivos propostos (Gray, 2012; Collis & Hussey, 2005). A seguir, detalham-se os procedimentos metodológicos aplicados nesta pesquisa.

Lócus da pesquisa

Jericoacoara, conhecida popularmente por Jeri e pertencente ao município de Jijoca de Jericoacoara, está localizada no extremo norte do Ceará, distante 300 km da capital Fortaleza. Jeri possui clima ensolarado o ano todo e uma de suas particularidades é que as ruas são cobertas de areia e as praias possuem grande extensão (Brasil, 2010). Portanto, é considerado um destino, literalmente, pé na areia, que encanta os turistas pela simplicidade autêntica da vila, e que também oferece muita diversão e aventura (Brasil 2010). Em Jeri, é possível encontrar calmaria, mas também baladas e esportes, como windsurf e kitesurf. Desde 2002, Jericoacoara é uma área protegida através da criação do Parque Nacional de Jericoacoara, com uma área de 8.850 hectares, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Brasil, 2020).

O Parque Nacional de Jericoacoara (PNJ) foi o terceiro parque nacional mais visitado do Brasil (Brasil, 2020) antes da ocorrência da pandemia de Covid-19 (Martins, Fontana, Silveira & Vidal, 2022). Atualmente, o acesso está mais simplificado, apesar de ainda haver um trecho de 28 km que cruza o Parque Nacional de Jericoacoara, com várias opções de serviço de transporte (Brasil, 2010). Em 2019, as Unidades de Conservação Federais registraram 15,3 milhões de visitas, um aumento de 24% em relação a 2018 (12,4 milhões). Já em 2020, mesmo com o fechamento das unidades por seis meses, as Unidades de Conservação receberam 9,3 milhões de visitantes, com um crescimento contínuo de visitação até dezembro (Brasil, 2022).

A oferta de atividades turísticas é ampla e a destinação proporciona diversas opções de ecoturismo, atividades de aventura e turismo cultural para agradar aos mais exigentes e diversificados perfis de turista (Brasil, 2010). De acordo com os dados da Secretaria de Turismo do Ceará, o município de Jericoacoara atingiu a categoria A no Mapa do Turismo pelo crescimento do fluxo de turistas e do número de meios de hospedagem e empregos (Secretaria do Turismo do Estado do Ceará, 2018).

De acordo com a Lei Complementar No. 107/2015, foi instituída a Taxa de Turismo Sustentável em Jericoacoara, que tem como fato gerador o impacto ambiental do uso efetivo ou potencial dos seus visitantes. A taxa, no valor de R$30,00/visitante, permite que o turista permaneça na vila por até 7 dias. De acordo com o Decreto No. 044/2017, são isentos da Taxa de Turismo Sustentável portadores de deficiência, crianças de até 12 anos de idade, idosos acima de 60 anos, residentes do Município de Jijoca de Jericoacoara e trabalhadores da vila.

Instrumento de Coleta de dados

As escalas utilizadas nesta pesquisa, de acordo com os constructos teóricos evidenciados para elaborar o questionário utilizado como instrumento de coleta de dado, abrangem 4 dimensões: itens referentes às informações sobre o perfil dos participantes; escala de valores pessoais; escala de estilo de vida e escala de comportamento planejado.

Os valores de benevolência e universalismo foram mensurados por meio de uma escala elaborada de acordo com os estudos de Schwartz (1992, 1994), Schwartz et al. (2012) e Torres, Schwartz e Nascimento (2016). O estilo de vida foi mensurado pela escala de Ecological Lifestyle, de Píchaa e Navrátil (2019). Os constructos atitude, norma subjetiva, intenção comportamental (experiência sustentável no turismo) e comportamento (pagamento da taxa de turismo sustentável) foram elaborados com base nos estudos de Han et al. (2010), Jurado-Rivas e Sánchez-Rivero (2019) e Yarimoglu e Gunay (2019). Utilizou-se escala do tipo Likert de 5 pontos em todos os itens do instrumento de coleta.

Coleta de dados

Os dados foram coletados on-line, no mês de abril de 2022, por meio da divulgação do questionário nas redes sociais dos pesquisadores. De acordo com Murphy (2015), a coleta de dados em mídias sociais apresenta vantagens, como o anonimato, a coleta de informações sem filtros e a possibilidade de análise de grupos específicos. Além disso, Malhotra (2011) destaca a conveniência do entrevistado em completar a pesquisa pela internet como uma das vantagens do levantamento on-line. Malhotra (2014) aponta, ainda, outras vantagens para o uso de mídias sociais na condução de pesquisas científicas, tais como: redução do custo da pesquisa; encorajam o comprometimento e geram um feedback confiável por parte do consumidor; cobertura ampla de respondentes; acessibilidade; alta velocidade, e eliminação do viés do entrevistador.

População e amostra

A amostra deste estudo é composta por 118 respondentes, com um nível de confiança de 95% e a margem de erro de 9%, considerando como população da pesquisa o total de 1.669.277 visitantes em Jericoacoara, em 2021, segundo dados do Ministério do Turismo (Brasil, 2022).

Procedimentos Estatísticos

Inicialmente, realizou-se estatística descritiva para identificar o perfil da amostra. Em seguida, foi realizada uma Análise Fatorial Confirmatória [AFC], a fim de validar as escalas utilizadas para mensurar os constructos da pesquisa. Junto à AFC, realizou-se o teste de validade convergente, em que foram observados os valores de Alfa de Cronbach [α], confiabilidade composta [composite reliability - CR] e variância média extraída [average variance extracted - AVE]. Posteriormente, realizou-se o teste de validade discriminante, a fim de verificar a viabilidade da inserção de todos os constructos no modelo proposto. Finalmente, verificou-se os valores de ajuste do modelo. A fim de testar as hipóteses da pesquisa, utilizou-se o método de Modelagem de Equações Estruturais [Structural Equation Modeling - SEM]. No que se refere aos parâmetros das análises estatísticas, foram considerados autores como Hair Jr. et al. (2019) e Fávero e Belfiore (2015). Foram utilizados os softwares Statistical Package for Social Sciences [SPSS] e AMOS, versão 22.0.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O perfil dos respondentes é apresentado para os 118 casos válidos que compuseram a amostra. A maioria dos respondentes é do sexo masculino (77,12%). Duas faixas etárias destacaram-se 25 e 34 anos (50,85%) e 35 a 44 anos (33,90%). Com pós-graduação são 46,61% dos respondentes, e 33,90% têm ensino superior. Quanto à renda, 42,37% recebem até R$3.000,00 e 33,05% acima de R$5.000,00.

Para verificar a validade das escalas utilizadas nesta pesquisa, conduziu-se uma AFC - Análise Fatorial Exploratória. Foram analisadas as escalas de valores de benevolência e universalismo, estilo de vida (ecological lifestyle), atitude, norma subjetiva, intenção comportamental (experiência sustentável no turismo) e comportamento (pagamento da taxa de turismo sustentável). Na Tabela 1 são apresentados os resultados da AFC, bem como valores do Alfa de Cronbach [α], CR e AVE que serviram para verificar a validade convergente dos constructos.

Tabela 1:
Análise Fatorial Confirmatória.

Benevolência	Est. Pad.	α	CR	AVE
BEN1. Para essa pessoa é importante ser uma amiga confiável e fiel.	0,721***	0,854	0,862	0,678
BEN2. Para essa pessoa é muito importante ajudar as pessoas que lhe são queridas.	0,930***
BEN3. Para essa pessoa é importante cuidar dos indivíduos das quais ela se sente próxima.	0,806***
Universalismo
UNI1. Para essa pessoa é importante que todos no mundo tenham oportunidades iguais na vida.	[excluído]	0,775	0,798	0,571
UNI2. Para essa pessoa é importante que todos sejam tratados com justiça, mesmo aqueles que ela não conhece.	0,650***
UNI3. Para essa pessoa é importante tomar conta da natureza.	0,818***
UNI4. Para essa pessoa é importante participar de atividades que defendam a natureza.	0,788***
UNI5. Para essa pessoa é importante ouvir e compreender aqueles que são diferentes dela.	[excluído]
Ecological Lifestyle
LS1. Eu tenho preferência por fontes de energia renováveis.	0,762***	0,777	0,778	0,539
LS2. Eu prefiro produtos ecologicamente corretos.	0,719***
LS3. Eu faço uso de produtos facilmente recicláveis.	0,721***
Atitude
AT1. Ao viajar, é importante para mim proteger o meio ambiente.	0,848***	0,900	0,906	0,707
AT2. Ao viajar, é importante para mim ser socialmente responsável.	0,830***
AT3. Ao viajar, é importante vivenciar práticas ecológicas.	0,850***
AT4. Ao viajar, é importante para mim desfrutar de produtos ecológicos e comodidades saudáveis.	0,836***
Norma Subjetiva
NS1. Minha família (ou parentes) acha que eu deveria ter uma experiência sustentável ao viajar.	0,912***	0,944	0,945	0,850
NS2. Meus amigos pensam que eu deveria ter uma experiência sustentável ao viajar.	0,946***
NS3. Meus colegas (ou colegas de trabalho) acham que eu deveria ter uma experiência sustentável ao viajar.	0,908***
Intenção Comportamental (Experiência Sustentável no Turismo)
INT1. Estou disposto a pagar mais por uma experiência de turismo sustentável.	0,745***	0,836	0,855	0,667
INT2. É aceitável pagar mais por uma experiência de turismo sustentável.	0,707***
INT3. Estou disposto a gastar mais para ter uma experiência de turismo sustentável	0,973***
Comportamento (Pagamento da Taxa de Turismo Sustentável)
COM1. Eu não me importaria de pagar a taxa de turismo sustentável em Jericoacora.	0,936***	0,948	0,949	0,861
COM2. Pagar a taxa de turismo sustentável em Jericoacoara não seria um problema para mim.	0,906***
COM3. Ao visitar Jericoacoara, eu estaria disposto a pagar a taxa de turismo sustentável.	0,942***

• Nota. n = 118. *** valor-p < 0,01.
• Fonte: Dados da pesquisa.

Observa-se na Tabela 1 que dois itens da escala de universalismo foram excluídos por apresentarem cargas fatoriais inferiores a 0,5. Ao serem excluídos, realizou-se uma nova rodada de AFC, em que se verificou que todas as cargas fatoriais forma superiores a 0,5. Em seguida, foram analisados os valores de Alfa de Cronbach [α], CR e AVE, que foram superiores a 0,7 em todos os constructos, indicando consistência interna dos dados. Os valores de AVE, por sua vez, foram superiores a 0,5 para todos os constructos. Esses resultados indicam validade convergente das escalas utilizadas (Hair Jr. et al., 2009).

Após análise da validade convergente, verificou-se a validade discriminante dos construtos, conforme Tabela 2.

Tabela 2:
Validade discriminante

Constructo	1	2	3	4	5	6	7
1. Benevolência	0,823
2. Universalismo	0,679***	0,755
3. Ecological Lifestyle	0,033	0,348***	0,734
4. Atitude	0,430***	0,751***	0,403***	0,841
5. Norma Subjetiva	0,150	0,221**	0,529***	0,329***	0,922
6. Intenção Comportamental	0,034	0,265***	0,452***	0,327***	0,406***	0,817
7. Comportamento	0,219**	0,289***	0,343***	0,317***	0,240***	0,593***	0,928

• Nota. n = 118. O triângulo inferior da matriz representa os coeficientes de correlação entre os constructos. Os valores diagonais (valores em negrito) representam a raiz quadrada do AVE de cada constructo. *** valor-p < 0,01. ** valor-p < 0,05.
• Fonte: Dados da pesquisa.

Com base os resultados evidenciados na Tabela 2, verifica-se que os valores da diagonal em negrito (raiz quadrada da AVE) foram superiores às correlações estimadas em suas respectivas linhas e colunas, confirmando a validade discriminante dos constructos. Após verificada a validade discriminante, foram analisadas as medidas de ajuste. Os resultados mostraram que os construtos apresentaram medidas de ajuste adequadas (χ2 = 345, valor-p < 0,01; χ2/df = 1,84; TLI = 0,90; CFI = 0,92; e RMSEA = 0,08). Em resumo, os resultados da AFC demonstram a confiabilidade dos construtos, bem como sua validade convergente e validade discriminante. Após a CFA, utilizou-se o método SEM para testar as hipóteses da pesquisa. Os resultados das hipóteses são mostrados na Tabela 3.

Tabela 3:
Relações entre os constructos.

Hipótese	Relação entre os Constructos	Coef. Pad.		Valor-p	Resultado da Hipótese
H1a	Benevolência ( Atitude	0,070		0,384	Não Significante
H1b	Universalismo ( Atitude	0,679	***	< 0,001	Suportada
H2	Ecological Lifestyle ( Atitude	0,237	***	0,009	Suportada
H3	Atitude ( Intenção Comportamental	0,232	**	0,016	Suportada
H4	Norma Subjetiva ( Intenção Comportamental	0,344	***	< 0,001	Suportada
H5	Intenção Comportamental ( Comportamento	0,586	***	< 0,001	Suportada

• Nota. n = 118. *** valor-p < 0,01. ** valor-p < 0,05. Fonte: Dados da pesquisa.

Em relação à primeira hipótese da pesquisa (H1a e H1b), verificou-se que, enquanto o valor de benevolência não apresentou influência sobre a atitude (valor-p = 0,384), o valor de universalismo influenciou positivamente a atitude favorável em relação a uma experiência mais sustentável no turismo (valor-p < 0,001). Para Torres, Schwartz e Nascimento (2016), os valores de de autotranscendência (benevolência e universalismo) referem-se, explicitamente, às pessoas com as quais o respondente tem proximidade e identificação, e ao compromisso de tratamento justo, aceitação e harmonia com todas as pessoas e com a natureza. O ponto central para reconhecer a estrutura das relações de valor é a dedução de que as ações realizadas na busca de cada tipo de valor têm efeitos psicológicos, práticos e sociais que podem ser conflitantes ou harmônicos com a busca de outros tipos de valor (Schwartz, 1992, 1994).

Os valores de autotranscendência têm se mostrado importantes preditores de atitudes e comportamentos pró-ambientais em muitos contextos (Dietz, Fitzgerald & Shwom, 2005; Tarditi et al 2020; Ahmad et al., 2020). Thøgersen e Olander (2002) e Ma e Lee (2012) atribuem uma maior importância ao valor universalismo, uma vez que foi o valor que apresentou uma maior influência sobre o comportamento favorável ao meio ambiente, o que está alinhado aos achados desta pesquisa.

No que se refere à segunda hipótese da pesquisa (H2), verificou-se que o estilo de vida (ecological lifestyle) influenciou positivamente a atitude (valor-p = 0,009). Além do bem-estar físico e mental, o atual consumidor busca viver e encontrar condições para aproveitar um estilo de vida mais sustentável. Para Zakaria et al (2019), a atitude de consumo sustentável ajuda a explicar a relação entre percepção de estilo de vida sustentável e prática de consumo sustentável. Para Oliveira, Silva e Romero (2021), a atitude relacionada ao consumo sustentável está alinhada ao conjunto de crenças, efeitos, interesses e intenções do comportamento de um indivíduo em relação a questões ou atividades ambientais.

O movimento por um consumo mais sustentável emerge na sociedade, culminando em uma visão mais ampla em termos de consciência de consumo (Araújo, Medeiros & Romero, 2019). Dessa forma, o mercado e muitos consumidores compreendem que as práticas atuais impactam nos problemas relacionados ao meio ambiente (Laroche, Bergeron & Barbaroforleo, 2002; Sesini, Castiglioni & Lozza, 2020). Sesini, Castiglioni e Lozza (2020) sugerem que, embora a maioria dos estudos atuais enfoque, quase exclusivamente, no impacto ambiental da sustentabilidade, a perspectiva social também está se consolidando recentemente, trazendo para o centro das discussões perfis de consumidores e práticas de consumo que consideram a sustentabilidade em sua amplitude e em diversos setores-chave, como turismo, comércio e vestuário.

Além disso, alguns autores argumentam os LOHAS, aqueles que optam por um Estilo de Vida de Saúde e Sustentabilidade (Pícha & Navrátil, 2019), estão relacionados a comportamentos continuados, altruístas e frugais, mantendo harmonia com a sociedade, economia e meio ambiente, refletindo-se em uma série de fatores ambientais (Corral-Verdugo et al., 2010; Lubowiecki-Vikuk, Däbrowska & Machnik, 2021). Discute-se que as práticas oriundas do estilo de vida sustentável abrangem uma ampla gama de atividades, incluindo conservação de energia e água, reciclagem de resíduos, consumo “verde” e comportamentos pró-ambientais em viagens e turismo (Barr & Gilg, 2006; Barr et al. 2011; de Oliveira & Souza, 2020).

Na terceira hipótese da pesquisa (H3), verificou-se que a atitude influenciou positivamente a intenção comportamental por uma experiência mais sustentável no turismo (valor-p = 0,016). Alinhado a isto, diversos estudos apontam que atitude de consumo sustentável influencia o comportamento sustentável (Ajzen, 2005; Barr, 2007; Omran, Mahmood, Abdul Aziz, & Robinson, 2009, Zakaria et al 2019). Estudo recente (Oliveira, Silva & Romero, 2021), desenvolvido com turistas em Jericoacoara, demonstrou que atitudes favoráveis ao meio ambiente são capazes de prever comportamentos pró-ambientais de turistas, seja seu comportamento habitual, ou em viagens. Esse achado reforça a ideia de que as intenções e comportamentos sustentáveis do turista passam pela atitude favorável a uma experiência mais sustentável no turismo, o que está alinhado com a TAR (Fishbein & Ajzen, 1975).

Sheth (2020) pontua que todo o consumo está relacionado ao local e ao tempo, e que os individuos desenvolvem hábitos ao longo do tempo sobre o que consumir, quando e onde. O autor argumenta que, embora o consumo seja habitual, o contexto também é importante. Sheth (2020) assinala quatro contextos principais que impactam os hábitos de consumo: o primeiro, é a mudança no contexto social por eventos de vida como casamento, ter filhos e mudar de uma cidade para outra, o contexto social inclui também o local de trabalho, comunidade, vizinhos e amigos; o segundo contexto é a tecnologia que avança e quebra os velhos hábitos; o terceiro contexto são as regras e regulamentações principalmente relacionadas a espaços públicos e compartilhados, bem como ao consumo de produtos não saudáveis e o contexto menos previsível são os desastres naturais, como terremotos, furacões e pandemias globais, incluindo a atual pandemia da Covid-19.

Em um contexto de sustentabilidade, é relevante destacar que os consumidores mesmo tendo consciência do impacto ambiental dos produtos e serviços que utilizam, são menos conscientes do impacto social e ambiental dos processos de fabricação e distribuição por trás dos produtos/serviços que consomem (Calderon-Monge et al., 2020). Nesse sentido, a fim de adotar uma visão mais ampla e abrangente, consumidores e empresas devem preocupar-se com a coletividade, além dos próprios interesses. Dessa forma, é relevante compreender os comportamentos no âmbito do turismo, para se criar ferramentas, atividades e instrumentos de estímulo às práticas sustentáveis, proporcionando, assim, uma mudança de cenário das responsabilidades socioambientais do setor (Lamonato & Lazzaretti, 2016).

Na quarta hipótese (H4), verificou-se que a norma subjetiva influenciou positivamente a intenção comportamental por uma experiência mais sustentável no turismo (valor-p < 0,001). Como apontam Farias, Barbosa, Silva e Sousa Júnior (2019), as crenças normativas e a motivação, resultam na formação da norma subjetiva. Assim, os autores ressaltam que as atitudes e a norma subjetiva influenciam a intenção comportamental que é o precedente direto do comportamento em si.

De maneira geral, os achados da pesquisa corroboram a TAR (Fishbein & Ajzen, 1975), evidenciando que, para compreender o comportamento de um indivíduo, é preciso pontuar os determinantes das intenções comportamentais: atitudes, que dizem respeito ao aspecto pessoal, e normas subjetivas, que se referem à influência social (Moutinho & Roazzi, 2010).

No que tange à quinta hipótese (H5), verificou-se que a intenção comportamental por uma experiência mais sustentável no turismo influencia positivamente o comportamento em relação ao pagamento da taxa (valor-p < 0,001). Destaca-se que existe uma preocupação crescente entre os turistas em relação aos desafios ambientais, sociais e culturais causados ​​pela atividade turística (Pulido-Fernández & López-Sánchez, 2016).

Os resultados desta pesquisa estão de acordo com os achados de Pulido-Fernández e López-Sánchez, 2016, que buscaram analisar impostos e/ou taxas públicas que os turistas parecem estar mais dispostos a pagar para melhorar a sustentabilidade e a experiência de um destino turístico consolidado. Os autores verificaram que a grande maioria dos turistas que visitam a região da Andaluzia estão dispostos a pagar um valor adicional para melhorar a sua experiência turística e aumentar a sustentabilidade do destino. Desse modo, observa-se que indivíduos que buscam uma experiência mais sustentável no turismo estão dispostos a pagar taxas de turismo, desde que sejam aplicadas na preservação e conservação do destino.

Ressalta-se que as taxas de preservação ambiental estão ganhando relevância para a aquisição de recursos para investimento no contexto ambiental. Entretanto, é importante que sejam respeitados os requisitos para sua instituição, bem como planejamento e transparência na aplicação dos recursos por parte do poder público (Cardoso Neto & Weise, 2021). Ainda, alguns estudos (Dolnicar, 2004; Wurzinger & Johansson, 2006) apontam que no contexto do turismo os consumidores geralmente apresentam atitudes positivas em relação ao meio ambiente. Desse modo, os achados desta pesquisa reforçam a ideia de que o comportamento de pagamento de uma taxa de turismo sustentável é influenciado diretamente pela intenção do turista de ter uma experiência mais sustentável, isto é, os indivíduos que buscam uma experiência mais sustentável no turismo estão mais dispostos a contribuir por meio do pagamento da taxa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se que a pesquisa contribui para ampliar a discussão acadêmica acerca do assunto em questão, assim como para motivar pesquisadores a analisar as relações entre atitude e comportamento sustentável em diferentes contextos. Os resultados também poderão auxiliar na formulação de políticas públicas focadas na educação de turistas para a sustentabilidade, o que pode gerar benefícios sociais permanentes por meio da preservação e conservação do destino turístico, garantindo que outros indivíduos e outras gerações possam também desfrutar da experiência turística. Analisar a relação dos valores pessoais e do estilo de vida na formação do comportamento sustentável do turista pode ser um indicador importante para determinar como cada indivíduo valoriza o ambiente em que está inserido, além da identificação da visão de longo prazo em relação às questões de sustentabilidade, possibilitando compreender o nível de importância dado a essas questões.

Os achados da pesquisa contribuem para o campo da gestão do turismo, uma vez que se verificou que indivíduos mais preocupados com as questões ambientais e sociais tendem a desenvolver uma atitude mais favorável ao turismo sustentável. Desse modo, os gestores que buscam garantir uma atividade turística mais sustentável e com menor impacto ambiental podem segmentar seu público com base no estilo de vida ecológico e em valores pessoais de universalismo. Assim, as campanhas de marketing podem ser direcionadas a indivíduos preocupados com a igualdade, justiça social, proteção ao meio ambiente, tolerância e que visam o bem-estar de todos os seres vivos, uma vez que esses indivíduos estão mais propensos a uma experiência mais sustentável. Ademais, o estudo leva a uma melhor compreensão sobre o comportamento do turista em relação ao pagamento da Taxa de Turismo Sustentável, bem como sobre os elementos associados a esse comportamento, auxiliando os gestores públicos na formulação de políticas fiscais eficazes e mais transparentes.

Além disso, observou-se que os indivíduos mais orientados a uma experiência mais sustentável tendem a ser menos resistentes ao pagamento da Taxa de Turismo Sustentável em Jericoacoara, reforçando a ideia de que a segmentação do turismo com base em valores pessoais e no estilo de vida pode ser um caminho para a construção de uma atividade turística mais sustentável e com maior alinhamento entre o que o turista busca e o que a destinação espera do turista, garantindo assim que as futuras gerações possam também desfrutar dessa experiência turística. Da mesma forma, o poder público pode investir em campanhas de conscientização e educação ambiental, a fim de que os turistas possam compreender melhor sobre a finalidade da taxa e possam se engajar de forma mais positiva na preservação e conservação do destino turístico. Por fim, o posicionamento e a consolidação de Jericoacoara como um destino turístico sustentável apresenta potencial de atrair turistas mais conscientes e alinhados com as questões ambientais e sociais, o que resulta também em indivíduos mais propensos a contribuir financeiramente para a preservação e manutenção de um destino sustentável.

Como limitações deste estudo, menciona-se que os resultados não podem ser generalizados ao contexto macro do turismo, uma vez que a destinação investigada conta com uma série de peculiaridades, como é o caso da Taxa de Turismo Sustentável. Contudo, os achados aqui encontrados deixam lições relevantes para outras destinações que pretendem implementar políticas ambientais semelhantes às adotadas em Jericoacoara. Um outro fator limitante da pesquisa, está relacionado ao tamanho da amostra frente ao amplo número de turistas que frequentam a vila anualmente. Entretanto, considerando que o turismo local está em processo de retomada pós-pandemia, os resultados contribuem para o delineamento de novas estratégias nesse contexto. Para pesquisas futuras, sugere-se a realização de estudos sobre as percepções dos diversos atores do turismo sobre as práticas de sustentabilidade em Jericoacoara e sobre a implementação e aplicação da taxa para o desenvolvimento sustentável da destinação turística.

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Editor de Seção: Guilherme O. M. S. Flores

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Ago 2024
• Data do Fascículo
  Jan-Dec 2024

Histórico

• Recebido
  15 Set 2022
• Aceito
  10 Jan 2024