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O POTENCIAL DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA (TBC) NO ASSENTAMENTO 72 EM LADÁRIO, NO MATO GROSSO DO SUL

THE POTENTIAL OF COMMUNITY BASED TOURISM (CBT) IN ASSENTAMENTO 72 IN LADÁRIO IN MATO GROSSO DO SUL

EL POTENCIAL DEL TURISMO DE BASE COMUNITARIA (TBC) EN EL ASSENTAMENTO 72 DE LADÁRIO EN MATO GROSSO DO SUL

Resumo:

O Turismo de Base Comunitária (TBC) surge como uma alternativa ao turismo de massa no sentido de propor a gestão do turismo pela própria comunidade. Contudo, os estudos apontam para potenciais de TBC, sem se debruçar sobre os aspectos da gestão interna das comunidades. O objetivo do trabalho é analisar o potencial para implementação do TBC no Assentamento 72, em Ladário, MS. A pesquisa é qualitativa, utilizou-se a história oral como método de entrevistas, e os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo e com auxílio do software IRAMUTEQ. Os resultados identificam questões de gestão interna do assentamento, existem práticas de associativismo e decisões autônomas, além de parcerias com a Embrapa Pantanal e com a UFMS. Assim, notou-se que existe potencial para desenvolver TBC no assentamento pesquisado. Apesar de não ocorrer prática de turismo, existem conversas sobre planejamento e execução de uma festa com produtos locais e há a possibilidade de oferecer passeios no assentamento para os turistas conhecerem essa realidade. As discussões sobre as iniciativas de TBC precisam avançar no sentido de não apenas expor potencialidades ligadas a passeios, mas em compreender a organização e as múltiplas relações das comunidades receptoras.

Palavras-chave:
TBC; Gestão Local; Organização Coletiva; Assentamento Rural

Abstract:

Community Based Tourism (CBT) emerges as an alternative to mass tourism in the sense of proposing tourism management by the community itself. However, studies point to potential CBT without focusing on aspects of internal management of communities. The objective of this work is to analyze the potential for implementing CBT in Assentamento 72, in Ladário, MS. The research is qualitative, oral history was used as the interview method, and the data were analyzed based on content analysis and with the aid of the IRAMUTEQ software. The results identify internal management issues in the settlement, there are practices of associativism and autonomous decisions, in addition to partnerships with Embrapa Pantanal and UFMS. Thus, it was noted that there is potential to develop CBT in the surveyed settlement. Although there is no practice of tourism, there are conversations about planning and executing a party with local products and there is the possibility of offering tours in the settlement for tourists to get to know this reality. Discussions on TBC initiatives need to advance in the sense of not only exposing potentialities related to tours, but also understanding the organization and the multiple relationships of the host communities.

Key-words:
CBT; Local Management; Collective Organization; Rural Settlement

Resumen:

El Turismo de Base Comunitaria (TBC) surge como una alternativa al turismo de masas en el sentido de proponer una gestión turística por parte de la propia comunidad. Sin embargo, los estudios apuntan a posibles TBC sin centrarse en aspectos de gestión interna de las comunidades. El objetivo de este trabajo es analizar el potencial de implementación de TBC en el Assentamento 72, en Ladário, MS. La investigación es cualitativa, se utilizó la historia oral como método de entrevista y los datos fueron analizados con base en el análisis de contenido y con la ayuda del software IRAMUTEQ. Los resultados identifican problemas de gestión interna en el asentamiento, existen prácticas de asociativismo y decisiones autónomas, además de alianzas con Embrapa Pantanal y UFMS. Así, se observó que existe potencial para desarrollar TBC en el asentamiento investigado. Si bien no existe práctica de turismo, sí se habla de planificar y ejecutar una fiesta con productos locales y existe la posibilidad de ofrecer recorridos en el asentamiento para que los turistas conozcan esta realidad. Las discusiones sobre las iniciativas de TBC deben avanzar en el sentido no sólo de exponer las potencialidades relacionadas con los tours, sino también de comprender la organización y las múltiples relaciones de las comunidades anfitrionas.

Palabras Clave:
TBC; Administración Local; Organización Colectiva; Asentamiento Rural

INTRODUÇÃO

O Turismo de Base Comunitária (TBC) vem se destacando em debates acadêmicos. Os primórdios dessa atividade datam da década de 1980 na América Latina, onde constituiu-se o Turismo Rural Comunitário (TCR), tendo incentivos e fomento do Banco Internacional de Desenvolvimento (BID) (Maldonado, 2009Maldonado, C. (2009). O turismo rural comunitário na América Latina: gênesis, características e políticas. In: Bartholo , R., Sansolo , D. G., & Bursztyn, I. (Org.). Turismo de base comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras . (p. 25-44) Rio de Janeiro: Letra e Imagem .). No Brasil, a discussão se amplifica a partir de 1990, com destaque para Marta de Azevedo Irving que refletiu questões e apresentou definições do TBC como protagonismo local, planejamento da população, base endógena, impactos diretos para a população, entre outras questões que amarram as iniciativas de turismo com a comunidade local (Irving, 2009Irving, M. A. (2009). Reinventando a reflexão sobre turismo de base comunitária - inovar é possível? In: Bartholo , R., Sansolo , D. G., & Bursztyn, I. (Org.). Turismo de base comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. (p. 25-44) Rio de Janeiro: Letra e Imagem.).

Na América Latina, diversas comunidades rurais aderem às atividades turísticas em seus territórios (Aldecua, 2011Aldecua, M. J. F. (2011). Turismo comunitário e turismo de base comunitária: estamos falando da mesma coisa? The Sustainable Periplo, 20, 31-74., Arias-Hidalgo & Méndez-Estrada, 2016Arias-Hidalgo, D. & Méndez-Estrada, V. H. (2016). Diferenças na habitação, alojamentos turísticos, idioma, parentesco e percepção do turismo em comunidades Bribri com diferentes níveis de isolamento geográfico (Talamanca, Costa Rica). Cadernos de pesquisa UNED, 7(2), 119-129., Flores, Lima, & Christoffoli, 2016Flores, Y., Lima, F. B. C., & Christoffoli, A. R. (2016). Turismo rural comunitário: estratégias de gestão e consolidação familiar no Estado de Santa Catarina (Brasil). Estudos e perspectivas em turismo, 25(4), 576-596., García, 2020García, D. A. (2020) Una ruta proyectada entre mieles y devenires : reproducción ampliada y ambientes para la vida en una experiencia turística cooperativa. (Dissertação de Mestrado). Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Buenos Aires, Argentina., Kieffer, 2021Kieffer, M. (2021). El turismo de las comunidades rurales en México: un turismo alternativo enmarcado en la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, 14(26), 62-82.). Essas comunidades, que territorializam seus espaços pautando-se em relações de aproximação entre os atores e com a natureza, passaram a se organizar em forma de associações e cooperativas, e se vincularam com o turismo.

García (2020García, D. A. (2020) Una ruta proyectada entre mieles y devenires : reproducción ampliada y ambientes para la vida en una experiencia turística cooperativa. (Dissertação de Mestrado). Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Buenos Aires, Argentina.) aponta que, na Argentina, a gestão é realizada de diversas formas nas várias regiões do país, mas que se utilizam de cooperativas a partir das unidades familiares. Na Costa Rica, as atividades são desenvolvidas por famílias camponesas e organizações comunitárias (Arias-Hidalgo & Méndez-Estrada, 2016Arias-Hidalgo, D. & Méndez-Estrada, V. H. (2016). Diferenças na habitação, alojamentos turísticos, idioma, parentesco e percepção do turismo em comunidades Bribri com diferentes níveis de isolamento geográfico (Talamanca, Costa Rica). Cadernos de pesquisa UNED, 7(2), 119-129.). Aldecua (2011Aldecua, M. J. F. (2011). Turismo comunitário e turismo de base comunitária: estamos falando da mesma coisa? The Sustainable Periplo, 20, 31-74.) aponta que, no Equador, surgem a partir de associações em comunidades indígenas. No Brasil, é comum encontrar atividades turísticas em espaços rurais, a partir de associações e cooperativas, sejam de camponeses (Flores, Lima, & Christoffoli, 2016Flores, Y., Lima, F. B. C., & Christoffoli, A. R. (2016). Turismo rural comunitário: estratégias de gestão e consolidação familiar no Estado de Santa Catarina (Brasil). Estudos e perspectivas em turismo, 25(4), 576-596.), de ribeirinhos (Ronconi, Menezes & Bittencourt, 2019Ronconi, L. F. A., Menezes, E. C. O., & Bittencourt, B. L. (2019). Desenvolvimento Territorial Sustentável Iniciativa de Economia Social e Solidária no Contexto do Turismo. Desenvolvimento em Questão , 17(49)., Mariosa, Morais, Brito, Falsarella, Sugahara & Benedicto, 2022Mariosa, D. F., Morais, L. P., Brito, B. R., Falsarella, O. M., Sugahara, C. R., & Benedicto, S. C. (2022); A contribuição da economia social e solidária para a autonomia das populações indígenas situadas numa área de reserva de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Otra Economía , 15(27). ) ou de quilombolas (Eça, 2021Eça, T. S. S. (2021). Economia Solidária na Bahia: Uma experiência: Banco Solidário Quilombola do Iguape. In Silva, A. L. V (Org.). Estudos em Ciências Humanas e Sociais, 5 (pp. 48-58). Belo Horizonte, MG: Poisson.).

Todavia, um ponto de interferência para o sucesso das iniciativas esbarra em questões de gestão e organização. Ocorre que, por mais que os casos narrem potenciais em relação à produção artesanal (Maia & Gomes, 2020Maia, A. H. & Gomes, J. L. (2020). Turismo e memórias: práticas e saberes no Assentamento Serra Verde, Barra do Garça - MT. Guaju, 6(1), 3-28.), paisagens naturais e aspectos geográficos específicos (Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2).), além de concluírem que o TBC é uma atividade de empoderamento da comunidade que preza pela autonomia dos moradores (Amaral, Sampaio, Messias, & Jesus, 2017Amaral, A. F., Sampaio, A. C. M., Messias, N. C., & Jesus, V. S. G. (2017). Turismo de Base Comunitária: possibilidades de empoderamento da Comunidade Serra Negra, Almas (TO). Revista Brasileira de Ecoturismo, 10(1), 142-156., Oliveira, Diogenes, & Almeida, 2021Oliveira, A. A. N., Diógenes, C. M., & Almeida, D. M. F. (2021). Lazer e protagonismo social: uma experiência de turismo comunitário no nordeste brasileiro. Cadernos de Geografia, 43, 67-80.), poucos estudos se aprofundam nas questões de gestão e organização da comunidade.

Essa questão é discutida por Moraes, Irving, Pedro, & Oliveira (2020Moraes, E. A., Irving, M. A., Pedro, R. M. L. R., & Oliveira, E. (2020). Turismo de base comunitária à luz da teoria ator-rede: novos caminhos investigativos no contexto brasileiro. Revista Crítica de Ciências Sociais, 122, 145-168.) e por Zanetoni, Mariani, Araújo, & Santos (2022Zanetoni, J. P. F., Mariani, M. A. P., Araújo, G. C., & Santos, G. M. (2022). Turismo de Base Comunitária (TBC) como fonte de renda para Assentamentos da Agricultura Familiar. Economia e Região, 10(3), 113-131. ), quando apontam que o TBC tem definições teóricas fortes, mas deve avançar em considerar a gestão das comunidades. Faxina & Freitas (2021Faxina, F. & Freitas, L. B. A. (2021), Análise de implantação do turismo de base comunitária em Terra Caída, Sergipe, Brasil. Revista Turismo Visão e Ação, 23(1).) também apontam a necessidade de considerar as questões internas da comunidade sobre organização e gestão, para que isso não esbarre no momento do planejamento turístico. Nesse sentido, faz-se necessário que as pesquisas se debrucem sobre os aspectos da gestão interna das comunidades.

Considerando a importância do protagonismo local no TBC (Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2)., Oliveira, Diogenes, & Almeida, 2021Oliveira, A. A. N., Diógenes, C. M., & Almeida, D. M. F. (2021). Lazer e protagonismo social: uma experiência de turismo comunitário no nordeste brasileiro. Cadernos de Geografia, 43, 67-80.), ainda, o aspecto da construção histórica das relações dos atores internos em comunidades, essa pesquisa utiliza da história oral para coleta de dados sobre a gestão interna e possíveis relações com o turismo no Assentamento 72, localizado na cidade de Ladário, MS. O assentamento foi criado em 1999 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), onde antes era a Fazenda Primavera e conta com área de 2.341,2996ha divididos em 85 unidades rurais familiares, sendo 18,5ha a média de tamanho de cada unidade (Costa, Zarate, & Macedo, 2012Costa, E. A., Zarate, S. S. & Macedo, H. A. (2012). Princípio do desenvolvimento territorial no assentamento rural 72, em Ladário-MS, Brasil. In Saquet, M. A., Dansero, E. & Candiotto, L. Z. P. (Orgs). Geografia da e para a cooperação ao desenvolvimento territorial: experiências brasileiras e italianas (pp. 125-145). São Paulo, SP: Outras Expressões. ).

Mediante ao que foi apresentado, o objetivo geral do trabalho é analisar o potencial para implementação do Turismo de Base Comunitária (TBC) no Assentamento 72, em Ladário, MS. Especificamente, pretende-se: 1) Caracterizar a construção histórica das relações entre os atores locais e o assentamento; 2) Entender as questões de gestão local da comunidade e; 3) Avaliar as potencialidades do TBC no assentamento.

TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA (TBC)

O turismo é uma atividade com potencial para melhoria na qualidade de vida ao dar visibilidade para uma comunidade, gerar empregos, melhorar a relação com o meio ambiente, etc. Porém, o desenvolvimento do turismo brasileiro aconteceu de uma forma tão acelerada que tal processo causou problemas graves como geração de resíduos e ausência de saneamento, além disso, também suscitou questões socioculturais que necessitam de maior compreensão nos locais onde a atividade se instalou (Bazzanella, 2013Bazzanella, A. (2013). O encantamento como campo simbólico: uma abordagem estética das narrativas sobre a experiência do fantástico. (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Paraty, 2013.).

Tornou-se comum encontrar destinos turísticos que atravessaram grandes processos de transformação na identidade do território onde a atividade foi introduzida. Existe uma clara apropriação dos territórios, esse aproveitamento do conhecimento se manifesta em usufruir dos saberes locais, visto em moradores que conhecem seu território de vida, e lucrar com isso sem que esses mesmos atores se beneficiem diretamente. Tal aspecto é destacado por Freire (1967Freire, P. (1967). Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro RJ: Paz e Terra.) ao ressaltar que o desenvolvimento turístico em alguns locais tende a distanciar os indivíduos da capacidade de decidir e de questionar esses modelos, que são construídos de forma exógena e acabam por contribuir com a perda da identidade local.

Na contramão dessas práticas, o TBC surge como uma alternativa ao modelo de turismo predatório e excludente, e que geram grande insatisfação da comunidade, de modo geral (Barros & Rodrigues, 2019Barros, A. L. R. & Rodrigues, C. G. O. (2019). Educação diferenciada e turismo de base comunitária nos territórios caiçaras de Paraty (RJ). Ambiente e Sociedade, 22.). No TBC, a comunidade assume a gestão do turismo, resultando em uma clara valorização de seu patrimônio social, cultural e ambiental, é considerado a importância do turismo como forma de enriquecimento, mas ao criar um laço entre o turismo e o desenvolvimento comunitário, dão mais valor para a própria região (Sebele, 2010Sebele, L. S. (2010). Community-based tourism ventures, benefits and challenges: Khama Rhino Sanctuary Trust, Central District, Botswana. Tourism Management, 31, 136-146.).

Zanetoni et al. (2022Zanetoni, J. P. F., Mariani, M. A. P., Araújo, G. C., & Santos, G. M. (2022). Turismo de Base Comunitária (TBC) como fonte de renda para Assentamentos da Agricultura Familiar. Economia e Região, 10(3), 113-131. ) buscou encontrar um padrão em iniciativas de TBC em comunidades rurais, especificamente em assentamentos rurais. Os autores trabalham com três dimensões teóricas do TBC: (1) Gestão Comunitária, que é sobre a comunidade local ter destaque na gestão da atividade turística, desde o planejamento, até a implementação e desenvolvimento; (2) Valorização do Patrimônio, que diz respeito a tratar o patrimônio histórico/cultural e ambiental não apenas como um item no escopo turístico, mas pensar na atividade como uma forma de valorização com mínima interferência; (3) Roteiro Turístico, que versa sobre o Roteiro Turístico considerar as rotinas da comunidade e os produtos locais, protagonizando a comunidade.

Dentro dessas amplas dimensões destacadas pelos autores, na Gestão Comunitária o protagonismo das comunidades é o principal tema nos estudos (Cabanilla, 2015Cabanilla, E. (2015). Impactos culturales del turismo comunitario en Ecuador sobre el rol del chamán y los ritos mágico-religiosos. Estudios y Perspectivas en Turismo, 24, p. 356-373., Xavier, Oliveira, Leite, & Rodrigues, 2017Xavier, P. W. L., Oliveira, P. D. M., Leite, J. K. S., & Rodrigues, G. G. (2017). Turismo de base comunitária: possibilidades para o monumento natural grota do angico e o projeto de assentamento Jacaré-Curituba, Sergipe, Brasil. REDE - Revista Eletrônica do PRODEMA, 11(1), 104-116. , Barros & Rodrigues, 2019Barros, A. L. R. & Rodrigues, C. G. O. (2019). Educação diferenciada e turismo de base comunitária nos territórios caiçaras de Paraty (RJ). Ambiente e Sociedade, 22., Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2)., Oliveira, Diogenes, & Almeida, 2021Almeida, M. G. (2021). Agroextrativistas e as controvérsias nas políticas sociais e ambientais no assentamento de Maracá, no estado do Amapá. Revista NERA, 24(58), 100-124.). O planejamento e a governança local são indicados como formas de superar os desafios provenientes da falta de fomento financeiro, das relações desiguais de poder, além de contribuírem para a organização da atividade junto aos atores locais, a profissionalização, melhorar o posicionamento da comunidade no turismo, mas principalmente manter a autonomia da comunidade, sem precisar sucumbir ao mercado capitalista (Egrejas, Bursztyn, & Bartholo, 2013Egrejas, M., Bursztyn, I. & Bartholo, R. (2013). La valoración del diálogo en la construcción e implementación de rutas turísticas: proyectos Palacios de Rio y Central de Turismo Comunitario de la Amazonia - Brasil. Estudios y Perspectivas en Turismo , 22(6), 1160-1181., Villavicencio, Zamora, & Pardo, 2016Villavicencio, B. P., Zamora, J. G., & Pardo, G. L. (2016). El Turismo Comunitario en la Sierra Norte de Oaxaca: Perspectiva desde las instituciones y la gobernanza en territorios indígenas. El Periplo Sustentable, 30, 6-37.).

Outro aspecto de destaque é o diálogo entre atores como um meio para encontrar o melhor caminho na gestão do turismo (Tolkach & King, 2015Tolkach, D. & King, B. (2015). Strengthening Community-Based Tourism in a new resource-based island nation: Why and how? Tourism Management , 48, 386-398., Xavier et al., 2017Xavier, P. W. L., Oliveira, P. D. M., Leite, J. K. S., & Rodrigues, G. G. (2017). Turismo de base comunitária: possibilidades para o monumento natural grota do angico e o projeto de assentamento Jacaré-Curituba, Sergipe, Brasil. REDE - Revista Eletrônica do PRODEMA, 11(1), 104-116. , Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2)., Moraes et al., 2020Moraes, E. A., Irving, M. A., Pedro, R. M. L. R., & Oliveira, E. (2020). Turismo de base comunitária à luz da teoria ator-rede: novos caminhos investigativos no contexto brasileiro. Revista Crítica de Ciências Sociais, 122, 145-168.). Ainda, discute-se a equidade de trabalho e distribuição justa de renda (Villavicencio, Zamora, & Pardo, 2016Villavicencio, B. P., Zamora, J. G., & Pardo, G. L. (2016). El Turismo Comunitario en la Sierra Norte de Oaxaca: Perspectiva desde las instituciones y la gobernanza en territorios indígenas. El Periplo Sustentable, 30, 6-37.). Sobre a Valorização do Patrimônio, os trabalhos têm destacado questões de relação com o meio ambiente, saberes e cultura local além de alinhar o turismo com produção orgânica (Burgos & Mertens, 2015Burgos, A. & Mertens, F. (2015). Os desafios do turismo no contexto da sustentabilidade: as contribuições do turismo de base comunitária. Pasos, 13(1), 57-71., 2016, Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2)., Moraes et al., 2020). No que diz respeito ao Roteiro Turístico, a integração de atividades, a valorização das rotinas da comunidade e dos produtos locais se mostraram pontos que agregam valor à experiência turística (Gómez, Falcão, Castillo, Correia, & Oliveira, 2015Gómez, C. R. P., Falcão, M. C., Castillo, L. A. G., Correia, S. N., & Oliveira, V. M. (2015). Turismo de base comunitária como inovação social: congruência entre os constructos. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 13(5)., Amaral et al., 2017Amaral, A. F., Sampaio, A. C. M., Messias, N. C., & Jesus, V. S. G. (2017). Turismo de Base Comunitária: possibilidades de empoderamento da Comunidade Serra Negra, Almas (TO). Revista Brasileira de Ecoturismo, 10(1), 142-156., Mano, Mayer, & Fratucci, 2017Mano, A. D., Mayer, V. F., & Fratucci, A. C. (2017). Turismo de base comunitária na favela Santa Marta (RJ): oportunidades sociais, econômicas e culturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 11(3), 413-435., Xavier et al., 2017, Maia & Gomes, 2020Maia, A. H. & Gomes, J. L. (2020). Turismo e memórias: práticas e saberes no Assentamento Serra Verde, Barra do Garça - MT. Guaju, 6(1), 3-28., Oliveira, Diógenes, & Almeida, 2021Almeida, M. G. (2021). Agroextrativistas e as controvérsias nas políticas sociais e ambientais no assentamento de Maracá, no estado do Amapá. Revista NERA, 24(58), 100-124.).

Existe uma relação entre o lazer experienciado no turismo e as práticas sociais tradicionais da comunidade. Diferente do turismo de massa, que tende a fragmentar o território, o TBC integra e aproxima visitantes e visitados, as experiências oriundas dessa aproximação, que consiste em vivenciar as rotinas e gastronomia locais, geram o lazer que é o objetivo do turismo (Oliveira, Diógenes, & Almeida, 2021Oliveira, A. A. N., Diógenes, C. M., & Almeida, D. M. F. (2021). Lazer e protagonismo social: uma experiência de turismo comunitário no nordeste brasileiro. Cadernos de Geografia, 43, 67-80.). Além disso, é de se considerar a importância da história, religião, ecologia, gastronomia e lazer locais e como esses fatores contribuem para o desenvolvimento do TBC (Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2).).

Logo, o que se espera é que o TBC colabore com o desenvolvimento da comunidade, aspecto confirmado por Aref, Gill e Aref (2010Aref, F., Gill, S. S. & Aref, F. (2010). Tourism Development in Local Communities: as a Community Development Approach. Journal of American Science, 6(2), 155-161.), para quem o turismo é visto como uma ferramenta-chave para o desenvolvimento comunitário. No que diz respeito aos assentamentos rurais, a prática se mostra de particular interesse, visto a capacidade do TBC de se vincular com outras atividades, e a relação com os princípios da autogestão e do cooperativismo, que acompanham a vida de comunidades rurais. O TBC é estruturado como um arranjo socioprodutivo dos elementos endógenos, atuando a partir da organização local (Oliveira, Diógenes, & Almeida, 2021).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa é exploratória, descritiva e analítica, com uma abordagem qualitativa, possibilitando a inserção do pesquisador de forma mais aprofundada no objeto de pesquisa. A coleta dos dados passou por duas etapas que se complementam: a primeira é a pautada na busca dos atores sociais que seriam os sujeitos da pesquisa, já a segunda é a aplicação de entrevistas utilizando técnicas da história oral. Dados secundários (pesquisa bibliográfica) foram utilizados para identificação desses atores (primeira etapa) (Kukiel, Costa, & Mariani, 2016Kukiel, E. D. G., Costa, E. A., & Mariani, M. A. P. (2016). O turismo de base local e o desenvolvimento territorial do Assentamento 72 em Ladário (MS). Revista Brasileira de Ecoturismo , 9(1), 133-151., Pinto, Costa, Frainer, Oliveira, & Souza, 2017Pinto, J. S., Costa, E. A., Frainer, D. M., Oliveira, A. K. M., & Souza, C. C. (2017). Eficiência social, econômica e ambiental nos assentamentos rurais do Pantanal Sul. Ra e Ga - O Espaço Geográfico em Análise, 40, 8-22., Cunha, Costa, Cuyate, Silva, & Feiden, 2018Cunha, E. S., Costa, E. A., Cuyate, R., Silva, B. L. P., & Feiden, A. (2018). Da resistência à transição agroecológica no assentamento 72, Ladário/MS: uma história de luta. Cadernos de Agroecologia, 13(2)., Feiden, Juliano, & Costa, 2020Feiden, A. , Juliano, R. S., & Costa, E. A. (2020). Estudo preliminar da criação de aves domésticas diferentes de galinhas pelas mulheres do Grupo Bem-Estar no Assentamento 72 em Ladário MS. Cadernos de Agroecologia , 15, 1-12., Costa, 2021Costa, E. A. (2021). Expressões territoriais da agroecologia. Magazín Ruralidades y Territorialidades, 7, 51-55., Feiden, Comastri, Araujo, & Costa, 2022Feiden, A., Comastri, J. A. Filho, Araujo, M. T., & Costa, E. A. (2022). Avaliação participativa de cultivares crioulas e melhoradas de feijão no Assentamento 72 em Ladário, MS. Cadernos de Agroecologia , 17, 1-10.). Os resultados da primeira etapa são retratados no Quadro 1.

Quadro 1
Resultados da Primeira Etapa

O levantamento de bibliografia relacionada ao Assentamento 72 permitiu a identificação dos atores descritos no Quadro 1, e sua relevância para a comunidade é descrita de forma sucinta, mas vale destacar que serão mais abordadas nos resultados. Sempre que os nomes do Professor da UFMS e do Especialista da Embrapa forem citados nas falas, serão substituídos por “Professor” e “Especialista”, respectivamente.

A segunda etapa da coleta de dados buscou identificar como são a organização e as dinâmicas entre esses atores, bem como entre eles e a comunidade (o assentamento) como um todo, além de potenciais para desenvolver atividades turísticas. Nesse sentido, utilizou-se os preceitos levantados na seção teórica para construir um roteiro de pesquisa a ser aplicado junto aos sujeitos entrevistados (vistos no Quadro 1). O roteiro da pesquisa de campo - que ocorreu em maio de 2022 - foi aplicado seguindo os preceitos da História Oral. A história oral é uma técnica de coleta de dados que se caracteriza por realizar entrevistas com atores sociais que são capazes de testemunhar e relatar acontecimentos, relações, organizações, entre outros itens que permitem compreender a construção do território (Silva & Silva, 2020Silva, D. A. & Silva, R. O. (2020). Trabalho e economia solidária na formação identitária do Assentamento Florestan Fernandes. Diversitas Journal, 5(2), 1398-1410.).

Uma entrevista de história oral possui três formas distintas: a) História oral de vida; b) História oral temática e; c) Tradição oral (Meihy & Holanda, 2015Meihy, J. C. S. B. & Holanda, F. (2015). História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. 4 reimp. São Paulo: Contexto.). Neste trabalho, foi utilizada a história oral temática, que é desenvolvida a partir de uma discussão focada em um objeto/tema, mas deixando espaço para que outros surjam. A história oral permite uma exploração mais profunda de todo o contexto interno como bem apontado nos trabalhos de Arbarotti (2018Arbarotti, A. (2018). Disputas e hierarquias no acesso à água em assentamentos de reforma agrária (Tese de Doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018.), Arbarotti e Martins (2019Arbarotti, A. E. & Martins, R. C. (2018). Mudanças climáticas nos assentamentos rurais: uma etnografia sobre a experiência do futuro. Retratos de Assentamentos, 22(1), 116-138.), Silva e Silva (2020Silva, D. A. & Silva, R. O. (2020). Trabalho e economia solidária na formação identitária do Assentamento Florestan Fernandes. Diversitas Journal, 5(2), 1398-1410.), Moreira (2020Moreira, F. G. (2020). As relações produtivas nos assentamentos rurais do município de Nova Andradina/MS. Revista NERA , 23(55), 165-190., 2020aMoreira, F. G. (2020a). Territorialidade e relações de poder nos assentamentos rurais do município de Nova Andradina/MS. Desenvolvimento em Questão, 18(50).) e Paula (2020Paula, L. A. C. (2020). A bela flor do/no campo: por uma geografia de gênero e (r)existência em assentamentos rurais do interior de São Paulo (Tese de Doutorado). Unesp, Presidente Prudente.), que utilizaram o método em assentamentos rurais.

Dessa forma, utilizando os preceitos da história oral temática (o tema central era a gestão no Assentamento 72), o roteiro de entrevista considerou três grandes dimensões - discutidas na teoria -, com tópicos a serem observados dentro delas: I) Gestão Comunitária - buscando identificar aspectos sobre o (a) Diálogo entre os Atores, (b) Planejamento Participativo, (c) Equidade de Trabalho e (d) Distribuição Justa de Renda; II) Valorização Patrimonial - buscando identificar aspectos sobre o (e) Meio Ambiente, (f) História/Cultura e (g) Produção Sustentável e; III) Roteiro Turístico - buscando identificar aspectos sobre a (h) Integração de Atividades, (i) Rotinas da Comunidade e (j) Produtos Locais. Nesse sentido, o roteiro tinha questões que o norteiam e tópicos a serem observados, mas as entrevistas não se restringiram a perguntas estruturadas.

A análise dos dados foi feita por meio da análise de conteúdo. Bardin (2015Bardin, L. (2015). Análise de Conteúdo. 1. ed. Edições 70.) define três etapas no processo de análise de conteúdo: I) pré-análise, II) exploração do material e III) análises. Na etapa de pré-análise, foi elaborado o corpus textual, baseando-se nas técnicas da história oral, segundo Tourtier-Bonazzi (2006Tourtier-Bonazzi, C. (2006). Arquivos: propostas metodológicas. In Ferreira, M. M. & Amado, J. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.), que frisa que a transcrição das entrevistas de história oral deve seguir os seguintes critérios: (1) a transcrição deve ser feita pelo próprio entrevistador, o quanto antes; (2) as passagens pouco audíveis devem ser colocadas entre colchetes; (3) as dúvidas, os silêncios, assinaladas por reticências; (4) as pessoas citadas, designadas por iniciais (se necessário); (5) as palavras em negrito serão as de forte entonação; (6) anotações como risos devem ser grifadas; (7) subtítulos para facilitar a leitura e; (8) os erros flagrantes deverão ser corrigidos: datas, nomes próprios, etc.

Trata-se, portanto, de uma etapa exaustiva. A média de tempo de cada entrevista realizada foi de 65 minutos, a transcrição totalizou uma média de seis páginas de texto em Documento Word. A etapa de Exploração do Material utilizou o software IRAMUTEQ, que possibilita a quantificação de variáveis qualitativas, ou seja, são utilizados cálculos estatísticos para quantificar as múltiplas relações lexicais de corpus textuais, com base na similaridade de palavras enunciadas por um emissor (Salvador, Gomes, Rodrigues, Chianove, Alves, Bezerril & Santos, 2018Salvador, P. T. C. O., Gomes, A. T. L., Rodrigues, C. C. F. M., Chiavone, F. B. T., Alves, K. Y. A., Bezerril, M. S., & Santos, V. E. P. (2018). Uso do software IRAMUTEQ nas pesquisas brasileiras na área da saúde: A Scoping Review. Revista Brasileira em Promoção de Saúde,31(supl.), 1-9.). Por fim, as Análises foram feitas por meio de interpretações e inferências dos autores.

RESULTADOS

Essa seção expõe e discute os resultados da pesquisa a partir dos objetivos propostos. Primeiro é feito um breve levantamento histórico do Assentamento 72 a partir das falas e vivências dos atores entrevistados. Na sequência, é feito um aprofundamento nas questões de organização do assentamento. Por fim, apontamos alguns potenciais para desenvolvimento de TBC.

O Retrato Histórico do Assentamento 72

Utilizando a técnica da história oral, notou-se que o Assentamento 72 foi criado pelo INCRA no final da década de 1990. Os camponeses conquistaram seu território, mas mantiveram uma extrema desconfiança por parte de órgãos públicos do município, que cobravam os assentados por produção nos lotes. Isso os conduziu a alguns investimentos sem terem suporte:

“Precisava de gado para o lote, venderam umas vacas velhas, sem aptidão nenhuma para leite e ninguém aqui sabia de nada, não tínhamos conselho de ninguém. Compraram essas vacas, veio uma época de seca e morrem todas as vacas, aí ficou a dívida. Está endividada até hoje. E como faz, aí?” (Líder do Grupo Bem-Estar).

Essa fala ajuda a descrever um período de extrema dificuldade que os camponeses do assentamento enfrentaram. A começar pela desconfiança que os assentados sofrem e que são fortemente marcadas pelas tentativas de impedir as conquistas das terras - seja por grandes proprietários ou mesmo pelo Estado -, que os movimentos que lutam por Reforma Agrária enfrentam (Bizerra & Fernandes, 2021Bizerra, F. L. & Fernandes, B. M. (2021). A paralisação da reforma agrária em Mato Grosso do Sul. Campo-Território, 16, 227-247. ). No caso do Assentamento 72, Cunha et al. (2018Cunha, E. S., Costa, E. A., Cuyate, R., Silva, B. L. P., & Feiden, A. (2018). Da resistência à transição agroecológica no assentamento 72, Ladário/MS: uma história de luta. Cadernos de Agroecologia, 13(2).) relataram a desconfiança e a total falta de apoio do poder público, nas entrevistas, termos como “escanteados” e até “explorados” eram utilizados quando se referiam às ações da prefeitura para com os camponeses.

Além disso, outro problema enfrentado pelos camponeses no assentamento é com a falta de água. Diversos trabalhos apontam essa realidade (Zarate, Santos, & Costa, 2010Zarate, S. S., Santos, D. S., & Costa, E. A. (2010). Limites e possibilidades do desenvolvimento rural sustentável no assentamento rural 72, em Ladário-MS. In Anais do XX Encontro Nacional de Geografia Agrária, Francisco Beltrão, PR., Costa, Zarate, & Macedo, 2012, Pinto et al., 2017Pinto, J. S., Costa, E. A., Frainer, D. M., Oliveira, A. K. M., & Souza, C. C. (2017). Eficiência social, econômica e ambiental nos assentamentos rurais do Pantanal Sul. Ra e Ga - O Espaço Geográfico em Análise, 40, 8-22., Cunha et al., 2018Cunha, E. S., Costa, E. A., Cuyate, R., Silva, B. L. P., & Feiden, A. (2018). Da resistência à transição agroecológica no assentamento 72, Ladário/MS: uma história de luta. Cadernos de Agroecologia, 13(2).) e relatam que a relação conturbada com a prefeitura é um agravante nesse cenário. Nas falas, é possível identificar que o problema com a água vem desde o princípio do assentamento e não foi solucionado até o dia de hoje:

“A relação com o INCRA era até boa no começo, mas depois foi mudando. Mandaram furar poços aqui para gente, mas mentiram para gente, porque falaram que era poço artesiano, mas não era… nenhum deles era. Vamos pegando conhecimento e descobrimos que não era. Aí eles abandonaram a gente aqui. Demorou uns três anos para furarem os poços [...]. Furaram cinco poços aqui, mas hoje em dia só dois que funcionam, três secaram porque não tinha água boa” (Presidente da Associação de Moradores).

“[...] até hoje o maior problema do Assentamento 72 é a água. O clima é um semiárido superúmido, com três meses com excesso de chuva e podendo chegar a nove meses sem chuva alguma, e não tem água superficial, então eles dependem de água de poços artesianos que é chamada de ‘água dura’, rica em cálcio e magnésio” (Especialista da Embrapa).

“Temos problema com água, problema com energia [...]. Nós não queremos caridade do prefeito, não, só queremos água, que mande água para gente. Tem um projeto de mandar água do rio para cá, mas nunca sai do lugar. Entra prefeito e está no papel, sai prefeito e está no papel… Nem que fique mais caro a conta de água, mas pelo menos a gente sabe que acordaremos cedo e teria água na torneira” (Presidente da Associação de Moradores).

Esse contexto de desconfiança para com qualquer agente externo dificultava as relações, até mesmo, entre os próprios camponeses. Isso levou a união entre os assentados diminuir, a associação enfraqueceu e as condições de vida foram piorando. Porém, ocorreu uma aproximação de um pesquisador do Campus de Corumbá da UFMS, essa aproximação se deu por intermédio de um morador local da época (Cunha et al., 2018Cunha, E. S., Costa, E. A., Cuyate, R., Silva, B. L. P., & Feiden, A. (2018). Da resistência à transição agroecológica no assentamento 72, Ladário/MS: uma história de luta. Cadernos de Agroecologia, 13(2).) e se concretizou em um projeto chamado “Alternativas para o desenvolvimento territorial rural do Assentamento 72, em Ladário - MS, na região do Pantanal”. Na entrevista com o professor, a realidade encontrada foi descrita da seguinte forma:

“Era uma situação de muita pobreza, renda em torno de 300 reais por pessoa e viviam de bolsa, porque de produção não tinha condição já que eles não tinham água e eles não tinham condições de lutar por água. Existiam algumas experiências fracassadas como as vacas que eles foram orientados a comprar, deram dinheiro, mas não disseram que eles tinham que fazer forragem para aguentar na época da seca. Quando chegou na seca morreram todas e eles ficaram apenas com a dívida disso tudo, eles estavam muito frustrados [...]” (Professor da UFMS).

A narrativa do início do projeto aponta para desconfiança:

“O pessoal não queria, marcamos reuniões três vezes lá e ninguém foi. Como eu tenho certa experiência vivendo no campo, eu falava com eles mais abertamente. A partir daí, apareceram dezesseis pessoas em março. Reunimos o pessoal e expliquei do que se tratava e, então, começamos os trabalhos lá. [...] convencer eles que éramos sérios não foi fácil. A experiência começou assim” (Professor da UFMS).

Marcaram uma reunião, muitos desconfiaram, porque essas promessas sempre vinham, mas nunca eram postas em prática. E a UFMS chega falando que iam ajudar com hortas, a furar um poço…” (Presidente da Associação de Moradores).

“Quando a UFMS chegou com a proposta essa desconfiança já existia, mas eles, de fato, nos acompanharam, seguiram junto até hoje. O Professor faz parte da história do assentamento, mas no começo existia muita desconfiança” (Líder do Grupo Bem-Estar).

Mesmo com uma recepção desconfiada e temerosa, uma vez iniciadas as atividades do projeto, é posto em prática o que se tornou uma das atividades mais importantes do assentamento: a agroecologia. Trata-se de uma forma de produção vinculada às territorialidades camponesas, ou seja, sem utilização de agrotóxicos, respeitando os processos naturais, trabalho feito no seio familiar e aderindo à comercialização direta (Rosset & Altieri, 2018Rosset, P. & Altieri, M. (2018). Agroecologia: ciência e política. La Paz: SOCLA.). No assentamento “a agroecologia entrou como uma alternativa, já que eles não tinham nenhuma produção considerável [...] Fomos com a agroecologia para evitar gastos grandes e para valorizar o trabalho” (Professor da UFMS), inicialmente, os camponeses não tinham conhecimento da prática, o que gerou um receio entre os participantes, como visto na fala: "Quando começamos a plantar de forma agroecológica ficávamos pensando se íamos conseguir, tínhamos medo de não dar conta de diversificar" (Líder do Grupo Bem-Estar).

O projeto inaugurou o Grupo Bem-Estar, que é uma associação entre os camponeses produtores agroecológicos. O sucesso da parceria iniciada em 2010 é evidenciado em vários trabalhos (Feiden, Juliano, & Costa, 2020Feiden, A. , Juliano, R. S., & Costa, E. A. (2020). Estudo preliminar da criação de aves domésticas diferentes de galinhas pelas mulheres do Grupo Bem-Estar no Assentamento 72 em Ladário MS. Cadernos de Agroecologia , 15, 1-12., Costa, 2021, Feiden et al., 2022). Todo o processo que envolveu a articulação entre os camponeses e os atores envolvidos no projeto gerou novas dinâmicas e territorialidades no assentamento. A agroecologia como a principal forma de produção, que gerou resultados expressivos como a inauguração do Grupo Bem-Estar e fomentou dinâmicas de associativismo pautados nos valores do trabalho camponês e a crescente melhoria na condição de vida dos moradores.

A Organização Camponesa no Assentamento 72

Sobre a organização camponesa, destacam-se os nomes Grupo Bem-Estar e Sacolão Agroecológico. O grupo é uma associação de moradores informal, constituída de produtores agroecológicos e vinculado às ações do projeto junto à UFMS e à Embrapa Pantanal (Feiden et al., 2016). O grupo é “uma associação que tem o papel de ser deles mesmo, formada de dentro [...] tem um regulamento provisório, uma diretoria que se reúne, discute e toma as decisões entre eles. É algo mais próximo, mais funcional” (Professor da UFMS). Essa aproximação entre os moradores é fundamental para concretizar iniciativas de TBC que englobam toda a comunidade (Burgos & Mertens, 2016Burgos, A. & Mertens, F. (2016). As redes de colaboração no turismo de base comunitária: implicações para a gestão participativa. Tourism & Management Studies, 12(2).; Kieffer, 2021Kieffer, M. (2021). El turismo de las comunidades rurales en México: un turismo alternativo enmarcado en la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, 14(26), 62-82.).

O Grupo Bem-Estar foi criado em 2015, alguns anos após o início das atividades do projeto, e até aquele momento os camponeses não possuíam uma associação coletiva que funcionava na prática, tendo em vista que a associação formal do assentamento não era organizada nesse sentido. A organização do grupo é feita de forma autônoma e participativa:

“É por rodízio. Cada quatro anos de mandato é mudado. São três: um líder, um vice-líder e um suplente. Acabando o nosso mandato, entre os sete atuais, escolhemos três. Atualmente estamos no segundo ciclo de mandato. Fazemos reuniões semanais, em lotes diferentes, cada uma em um lote” (Líder do grupo Bem-Estar).

“Conversamos sobre as produções, fizemos relatos sobre o Sacolão, o andamento, a quantidade vendida. Conversamos sobre cuidados com a produção [...]. Não é necessariamente os líderes do Grupo que assumem [a liderança], todos do grupo são participativos, a comunicação flui. No começo tinha muita intriga, por conta de pessoas plantando e vendendo e outros não, tinha esse tipo de intriga [...] Atualmente isso foi se resolvendo, até que hoje em dia somos mais colaborativos” (Líder do Grupo Bem-Estar).

“O nosso grupo está de pé esse tempo todo, porque ainda pensamos no coletivo. Quando montamos o pedido, buscamos uma equidade, tentando dividir de forma igual para todos… Um dos membros só tem rúcula, mas todos os outros também têm, então vendemos a rúcula daquele que só tem esse produto pra vender, já que os outros podem vender outros produtos. Pensamos no coletivo” (Líder do Grupo Bem-Estar).

“Nosso grupo ainda dá visibilidade para o assentamento. Somos bem estruturados, temos transparência, distribuição justa de renda. Tem diferença de ideias e rixas, mas, no fim, se entende. Democracia é isso, é debate e compreensão” (Líder do Grupo Bem-Estar).

Todas as falas supracitadas são da Líder do Grupo Bem-Estar. Se referem a forma como o grupo é organizado; existem três posições de liderança formalizada no grupo (líder, vice-líder e suplente), contudo, pela segunda fala, é perceptível que todos do grupo participam ativamente, e as decisões são tomadas em conjunto. Além disso, corroborando com outros trabalhos, nota-se o quanto os camponeses compreendem o papel da participação coletiva (Burgos & Mertens, 2015Burgos, A. & Mertens, F. (2015). Os desafios do turismo no contexto da sustentabilidade: as contribuições do turismo de base comunitária. Pasos, 13(1), 57-71.). A ênfase dada na fala na palavra “coletivo”, ao se referir a como o comportamento do grupo afeta a todos os integrantes (é focado no coletivo), e na expressão “democracia é isso”, ao compreender que as decisões tomadas são feitas por meio do debate e pensando no bem comum, nota-se que o grupo assume territorialidades políticas parecidas com o que Saquet (2014Saquet, M. A. (2014). Agricultura camponesa e práticas (agro)ecológicas. Abordagem territorial histórico-crítica, relacional e pluridimensional. Mercator, 13(2), 125-143. ) apontou sobre o campesinato.

O trabalho em união ao Especialista da Embrapa e o Professor da UFMS desenvolveu com o grupo capacitações (em associativismo, gestão participativa, entre outras) e as tecnologias agroecológicas (formas de manejo da terra, técnicas de controle e combate a pragas), manifestando novas dinâmicas de aproximação entre os camponeses. É dentro do grupo que nasce o que, atualmente, se configura como a única atividade coletiva de comercialização no assentamento, uma que se tornou modelo e chamou atenção por conta de sua configuração, trata-se do Sacolão Agroecológico:

“No grupo fazemos o Sacolão, [...] já acontece há uns quatro anos. Foi feita uma reunião e percebemos que tínhamos bastante produtos e variedades, então foi feita essa proposta que está dando certo. O funcionamento do Sacolão é bem simples, primeiro entre o grupo nós compartilhamos o que temos disponível que pode ser colhido, é feita uma lista, depois compartilhamos a lista no WhatsApp para os clientes e eles vão escolhendo, aí montamos as sacolas por pedido” (Líder do Grupo Bem-Estar).

“A entrega é feita diretamente para o cliente e não é feita venda de sacolão nas feiras. Vendemos em torno de 20 sacolões por semana. Os preços dos produtos são tabelados, mas o preço final varia, pois cada um monta seu sacolão da sua forma. O contato é feito diretamente com o cliente. Isso facilita a comunicação, receber as reclamações. [...] os produtos variam de acordo com a produção, mas temos hortaliças de modo geral, ovos, queijo. Uma integrante do grupo faz pão e doces. Hortaliças são os produtos mais vendidos. É feita a colheita semanalmente para venda no Sacolão e nos organizamos para termos o suficiente para a próxima semana” (Líder do Grupo Bem-Estar).

“O sacolão é a única atividade em conjunto dos membros do grupo. A renda é distribuída de forma mais igualitária, tentamos vender os produtos de todos em igual proporção. A não ser que apenas um tenha mais produtos que outros, ou quem vende um item que só essa pessoa vende. A venda é controlada por duas pessoas, e tentamos diversificar, ao máximo, a venda para não acontecer de um vender mais que o outro” (Líder do Grupo Bem-Estar).

“Depois de fazer o Sacolão e vender tudo, temos a transparência, anotamos e falamos tudo que foi vendido, a quantidade, quem vendeu... às vezes, um ou outro tem uma margem um pouco superior, porque a pessoa consegue produzir um certo alimento que outro não consegue, como alguns produtos de longo prazo, que o produtor pode conseguir colher. Isso é bacana, porque estimula a diversidade, o que mantém nosso grupo fornecendo mercadoria é diversidade e controle” (Líder do Grupo Bem-Estar).

É interessante notar que as falas apontam para a proximidade com o cliente, a comercialização direta é uma marca da produção agroecológica vista em diversos assentamentos (Paulino, Moreira, & Almeida, 2018Paulino, E. T., Moreira, R. M. P., & Almeida, R. A. (2018). Produção agroecológica para construção de autonomias no campo e na cidade: uma experiência em Três Lagoas-MS e Londrina-PR. Cadernos de Agroecologia , 13(2).), além disso, essa proximidade com o cliente também potencializa vivências turísticas (Canabilla, 2015; Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2).). As duas últimas dizem respeito ao controle da atividade, que é autogerida pelos camponeses do Grupo Bem-Estar, a líder do grupo aponta que a gestão do Sacolão Agroecológico, assim como todas as questões do grupo, presa pelo coletivo, aderindo à equidade na distribuição de renda, na transparência total das informações, entre outras questões que apenas fortalecem as relações entre os camponeses. As práticas agroecológicas impulsionaram questões de associativismo no campo por meio da aproximação dos produtores (Coca, Vinha, & Cleps, 2021Coca, E. L. F., Vinha, J. F. S. C., & Cleps , J. Jr. (2021). Movimento socioterritoriais, agroecologia e soberania alimentar em Minas Gerais: lutas, resistências e desafios do campesinato. Campo-Território : Revista de Geografia Agrária, 16(42), 117-144.), e a partir disso, produtos e vivências turísticas podem se desenvolver (Mano, Mayer, & Fratucci, 2017Mano, A. D., Mayer, V. F., & Fratucci, A. C. (2017). Turismo de base comunitária na favela Santa Marta (RJ): oportunidades sociais, econômicas e culturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 11(3), 413-435.; Campo & Silva, 2020).

O Sacolão Agroecológico é a principal atividade de comercialização do Grupo Bem-Estar, é uma atividade conjunta que preza pela distribuição justa de renda e aproximação do camponês com o cliente. A prática também é um exemplo de autogestão dos camponeses, que organizam a produção de forma autônoma (esta é de forma individual, mas dentro de parâmetros compartilhados entre o grupo) e a comercialização de forma democrática, além de distribuírem a renda de forma justa, buscando equidade. Silva, Silva, Oliveira, Castro, Silva & Souza (2020Silva, F. M., Silva, M. J., Oliveira, J. M. S., Castro, E. B. O., Silva, M. L., & Souza, R. V. C. (2020). Práticas agroecológicas como atrativos para o turismo de base comunitária na zona da mata sul de Pernambuco. Cadernos de Agroecologia , 15(2).) apontam como a agroecologia e suas formas de organização podem aproximar os produtores entre si e dos clientes, fomentando práticas de turismo. A Figura 1 evidencia outras características sobre a organização do assentamento.

A Figura 1 é uma Classificação Hierárquica Descendente (CHD). No lado direito da CHD, as classes 1, 4, 5 e 6 se relacionam entre si tratando-se, principalmente, da forma como os camponeses se organizam e os diálogos envolvidos nesse contexto, sendo possível notar que as classes 1 e 6 estão associadas às dinâmicas do Grupo Bem-Estar, a agroecologia, as parcerias com o Professor da UFMS e o Especialista da Embrapa. Palavras como “projeto”, “agroecologia”, “curso” e “capacitação” reforçam o histórico de diálogo e parceria entre esses atores. Não existem, contudo, capacitações relacionadas a turismo, o que pode vir a agregar muito ao desenvolvimento da atividade no assentamento (Amaral et al., 2017Amaral, A. F., Sampaio, A. C. M., Messias, N. C., & Jesus, V. S. G. (2017). Turismo de Base Comunitária: possibilidades de empoderamento da Comunidade Serra Negra, Almas (TO). Revista Brasileira de Ecoturismo, 10(1), 142-156.).

Figura 1
Classificação Hierárquica Descendente (CHD)

Nas classes 4 e 5, pode-se notar uma outra característica relacionada à organização entre os camponeses do assentamento, envolvendo a Associação de Moradores do Assentamento 72, que ficou definida como “política”. Os termos “presidente”, “verba”, “prefeito”, “assumir” e “manutenção” fazem transparecer esse caráter político/burocrático da associação. A associação surgiu como uma formalidade imposta pelo órgão que regulamenta o assentamento (INCRA) e não organicamente. Esse tipo de imposição tende a aumentar a quantidade de conflitos, que se acumulam ao invés de se resolverem, e não fomenta o desenvolvimento na comunidade (Almeida, 2021Almeida, M. G. (2021). Agroextrativistas e as controvérsias nas políticas sociais e ambientais no assentamento de Maracá, no estado do Amapá. Revista NERA, 24(58), 100-124.).

“O que aconteceu no Assentamento 72 foi a reunião de pessoas de outros estados e diferentes movimentos, pessoas de diversas origens. Juntaram essas pessoas, montaram uma assembleia e foram embora, essas pessoas não tinham noção, não sabiam o motivo da existência da associação. Jogaram muita coisa complexa, como administração do sistema de água, e as pessoas não estavam capacitadas para fazer isso. [...] Essas coisas desgastam as associações, eles não sabem o porquê elas existem” (Especialista da Embrapa).

Ocorre que, ao reunir um grupo de pessoas que não eram capacitados para lidar com questões administrativas (algumas, de fato, muito complexas), na prática, a associação se configurou apenas como uma formalidade, mas que com o tempo gerou diversos conflitos entre os camponeses. No Assentamento 72, o resultado disso foi um acúmulo de questões mal resolvidas marcadas por falta de cooperativismo, de solidariedade e de honestidade, como visto na fala:

“Quando nós entramos aqui nós corremos atrás de abrir uma associação para poder vir ajudar, correr atrás de recurso… e até vinha, mas tinha muitas pessoas que não eram honestas. Assumiram a associação e, às vezes, faziam cobranças que nem era de ser feita da gente, cobravam preço além do que o que o grupo pagava para a associação. Pagamos uma taxa para ser associado, quem não paga não tem direito de reclamar ou falar nada. Para associar sempre tínhamos que pagar uma taxa” (Presidente da Associação de Moradores).

Amaral et al. (2017Amaral, A. F., Sampaio, A. C. M., Messias, N. C., & Jesus, V. S. G. (2017). Turismo de Base Comunitária: possibilidades de empoderamento da Comunidade Serra Negra, Almas (TO). Revista Brasileira de Ecoturismo, 10(1), 142-156.) apontam para o papel fundamental da participação das associações de moradores em atividades turísticas. As autoras destacam o diálogo entre diversos atores, inclusive as associações de moradores, e o papel estratégico de cada uma, que unificam a comunidade. O diálogo entre diferentes atores dentro da comunidade é fundamental para a gestão do TBC (Egrejas, Bursztyn, & Bartholo, 2013Egrejas, M., Bursztyn, I. & Bartholo, R. (2013). La valoración del diálogo en la construcción e implementación de rutas turísticas: proyectos Palacios de Rio y Central de Turismo Comunitario de la Amazonia - Brasil. Estudios y Perspectivas en Turismo , 22(6), 1160-1181.; Burgos & Mertens, 2015Burgos, A. & Mertens, F. (2015). Os desafios do turismo no contexto da sustentabilidade: as contribuições do turismo de base comunitária. Pasos, 13(1), 57-71.; 2016; Moraes et al., 2020Moraes, E. A., Irving, M. A., Pedro, R. M. L. R., & Oliveira, E. (2020). Turismo de base comunitária à luz da teoria ator-rede: novos caminhos investigativos no contexto brasileiro. Revista Crítica de Ciências Sociais, 122, 145-168.). Tal relação não ocorre no Assentamento 72. Esse afastamento fica evidente na Figura 2.

Figura 2
Análise Fatorial por Correspondência (AFC)

Trata-se de uma Análise Fatorial por Correspondência (AFC). A AFC mostra o quanto as classes 4 e 5 (quadrante superior direito) se posicionam isoladamente. Isso aponta que o IRAMUTEQ identificou o distanciamento da associação em decorrência de conflitos históricos. Isso se nota ao observar que as classes 2 e 3 (quadrante superior e inferior esquerdo), que falam sobre a comercialização dos produtos agroecológicos, estão bastante afastadas das classes 4 e 5.

Já as classes 1 e 6 (predominantes na parte inferior da Figura), que destacam os aspectos da agroecologia, e as parcerias com instituições, que culminaram na criação do Grupo Bem-Estar, estão próximas das classes 2 e 3, isso se dá considerando que as ações do grupo é que levaram à elaboração do Sacolão Agroecológico e à comercialização dos produtos agroecológicos nas feiras, isso tudo em parceria com a UFMS e a Embrapa Pantanal.

Considerando o exposto, não foi identificado uma rixa ou atrito entre a Associação de Moradores e o Grupo Bem-Estar. O que existe é uma aparente inutilização da associação formal em virtude do afastamento entre os moradores - as causas para tanto podem ser a imposição feita pelo INCRA no início da trajetória do assentamento (Almeida, 2021Almeida, M. G. (2021). Agroextrativistas e as controvérsias nas políticas sociais e ambientais no assentamento de Maracá, no estado do Amapá. Revista NERA, 24(58), 100-124.), os atritos e divergências com o poder público (Lima, Irving, & Oliveira, 2022Lima, M. A. G., Irving, M. A., & Oliveira, E. (2022). Decodificando Narrativas de Políticas Públicas de Turismo no Brasil: uma leitura crítica sobre o turismo de base comunitária (TBC). RBTUR - Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 16.), ou mesmo as questões de falta de transparência na gestão. Ocorre que a reformulação da associação pode servir de base para aumentar o diálogo entre os moradores, visto que o Grupo Bem-Estar possui pré-requisito para ingressar (ser produtor agroecológico). Aumentando o diálogo e as práticas de gestão coletiva, somada com o potencial aumento na produção local, a gestão do TBC seria impulsionada (Moraes et al., 2020Moraes, E. A., Irving, M. A., Pedro, R. M. L. R., & Oliveira, E. (2020). Turismo de base comunitária à luz da teoria ator-rede: novos caminhos investigativos no contexto brasileiro. Revista Crítica de Ciências Sociais, 122, 145-168.; Kieffer, 2021Kieffer, M. (2021). El turismo de las comunidades rurales en México: un turismo alternativo enmarcado en la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, 14(26), 62-82.).

O Potencial de Implementação do TBC no Assentamento 72

No Assentamento 72, foi identificado que a agroecologia se posta não somente como produção sustentável, mas como uma forma de valorizar o meio ambiente e a história dos camponeses. As hortas agroecológicas dos camponeses do Grupo Bem-Estar criam potenciais para passeios agroecológicos. Algumas iniciativas de TBC relacionam a agroecologia com passeios e contato com o turista (Xavier et al., 2017Xavier, P. W. L., Oliveira, P. D. M., Leite, J. K. S., & Rodrigues, G. G. (2017). Turismo de base comunitária: possibilidades para o monumento natural grota do angico e o projeto de assentamento Jacaré-Curituba, Sergipe, Brasil. REDE - Revista Eletrônica do PRODEMA, 11(1), 104-116. , Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2)., Tonini & Dolci, 2020Tonini, H. & Dolci, T. S. (2020). Turismo rural e novos mercados para produtos alimentares agroecológicos: estudo de caso da Rota Via Orgânica. Rosa dos Ventos, 12(3).).

Uma outra possibilidade de atividades ligadas a passeios são as estradas dentro do assentamento, que proporcionam paisagens com muitas espécies da vegetação local, o que reduz o calor, além de servir de contato com a natureza do assentamento e a fauna e flora pantaneira, além de contato com a história do assentamento. Ademais, proporciona aproximação com as rotinas da comunidade. Esses aspectos foram identificados nas pesquisas de Campos e Silva (2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2).) e de Oliveira, Diógenes e Almeida (2021Oliveira, A. A. N., Diógenes, C. M., & Almeida, D. M. F. (2021). Lazer e protagonismo social: uma experiência de turismo comunitário no nordeste brasileiro. Cadernos de Geografia, 43, 67-80.). As Figuras 3 e 4, a seguir, são fotografias de locais que possibilitam passeios.

Figura 3
Horta Agroecológica

Figura 4
Estrada do assentamento

A possibilidade de atividades nesses locais é real: “Tem um túnel verde na estrada, usam muito esse caminho, então há possibilidades de passeios. Poderia acoplar isso com passeios de barco. Mas são coisas que são potenciais [...]” (Especialista da Embrapa). Porém, isso ainda é inviável, visto que não se pode ignorar o problema com as estradas de acesso ao assentamento:

“A entrada aqui é muito complicada, a estrada do assentamento é boa, não tem muito buraco, mas para chegar até a estrada do assentamento é muito difícil. Nunca tentaram assaltar o lugar. Parte da economia de Ladário vem da mineração, eles utilizam aquela via, arrecada dinheiro, mas não volta para população que tem uma rua muito ruim. Atrapalha a gente, mancha tudo de terra… é difícil de entrar” (Líder do Grupo Bem-Estar).

A condição das estradas de acesso ao assentamento foi observada durante a condução das entrevistas, já a fala da líder do grupo enfatiza a conturbada relação com o poder público da cidade onde o assentamento se localiza. Outra questão que pode dificultar a implementação de qualquer Roteiro Turístico no assentamento, e está relacionada com o meio ambiente, é a falta de água potável. Problemas nesse sentido são comuns em assentamentos rurais (Silva, Silva, Sousa, & Tavares, 2019Silva, E. L., Silva, K. A., Sousa, F. R. L., & Tavares, F. B. R. (2019). A escassez hídrica na zona rural: o consumo de água sob a perspectiva dos agricultores de um assentamento no município de Pombal-PB. Research, Society and Development, 8(6)., Simonato, Figueiredo, Dornfeld, Esquerdo, & Bergamasco, 2019Simonato, D. C., Figueiredo, R. A., Dornfeld, C. B., Esquerdo, V. F. S., & Bergamasco, S. M. P. P. (2019). Saneamento rural e percepção ambiental em um assentamento rural - São Paulo - Brasil. Revista Retratos de Assentamentos , 22(2).).

Em termos de potencialidades turísticas, vale destacar a autenticidade camponesa, que é muito atraente para o turista que busca esse tipo de comunidade para fazer turismo. Köhler (2021Köhler, A. F. (2021). Autenticidade: revisão de literatura e estado atual de sua discussão e aplicação no campo de turismo. Revista Iberoamericana de Turismo-RITUR, 11(1), 60-48.) destaca que os estudos atuais de turismo têm apontado que a autenticidade está se tornando um item cada vez mais desejável.

Já ocorreu um evento no Assentamento 72 onde “conseguimos fazer uma festa lá [...] trouxeram cavalos e deixavam as crianças nos cavalos, trouxeram uns itens do assentamento para mostrar para crianças, montaram uns brinquedos rústicos” (Especialista da Embrapa). Atualmente, existem conversas sobre a realização de uma festa dentro do assentamento, utilizando os produtos dos camponeses, além de um almoço, também organizado pelos camponeses e protagonizado por sua culinária local:

“Não existem festas no assentamento, mas existem ideias, de utilizar os alimentos produzidos por nós para fazer uma festa tradicional. [...] para gente seria bom, quando conversamos no grupo achamos que seria bom” (Líder do grupo Bem-Estar).

“[...] nós pensamos em fazer uma festa do assentamento. Em uma conversa com a secretaria de turismo, eles têm vontade de desenvolver turismo rural em Ladário, então ficaram interessados. Identificamos que o principal produto aqui é a abóbora, então dá para pensar uma festa nesse sentido, com produtos típicos e oriundos da abóbora” (Professor da UFMS).

“Tem um grande potencial, sim. [...] temos que fazer o consumidor conhecer as propriedades. Está sendo planejado para agosto um almoço no assentamento com produtos somente deles, convidando os clientes das feiras e do Sacolão Agroecológico. Fazendo comidas típicas, pães, queijos e doces. Precisa de muita organização” (Especialista da Embrapa).

A última fala também remete a outro potencial, que é a comercialização nas feiras livres, o que também aproxima o consumidor do camponês. Feiras livres também resguardam contato com os locais, com a cultura e o ambiente regional, o que também pode alavancar o movimento turístico (Cruz & Fontana, 2018Cruz, R. M. M. & Fontana, R. F. (2018). Feira Do Peixe Vivo: Feiras Rurais enquanto Alternativa para a Agricultura Familiar e o Desenvolvimento Rural Sustentável. Applied Tourism, 3(3), 37-53.). Além disso, a aproximação do produtor com o consumidor é um caminho para potencializar o seu contato com a história e rotinas locais (Mano, Mayer, & Fratucci, 2017Mano, A. D., Mayer, V. F., & Fratucci, A. C. (2017). Turismo de base comunitária na favela Santa Marta (RJ): oportunidades sociais, econômicas e culturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 11(3), 413-435.; Maia & Gomes, 2020Maia, A. H. & Gomes, J. L. (2020). Turismo e memórias: práticas e saberes no Assentamento Serra Verde, Barra do Garça - MT. Guaju, 6(1), 3-28.; Carvalho & Costa, 2021Carvalho, G. C. & Costa, M. E. L. (2021). Identidade e representações sociais de jovens em assentamentos rurais da Zona da Mata de Alagoas. Interfaces Científicas - Humanas e Sociais, 9(2), 201-214.).

Por fim, o Quadro 2 resume as dinâmicas práticas encontradas no assentamento. A partir do exposto e considerando a realidade identificada na comunidade, pode-se fazer apontamentos para implementação de turismo gerido pela comunidade. Vale ressaltar que qualquer implementação deve prezar pelo diálogo e decisão conjunta, sendo essa a principal característica do TBC: participação da comunidade (Cabanilla, 2015Cabanilla, E. (2015). Impactos culturales del turismo comunitario en Ecuador sobre el rol del chamán y los ritos mágico-religiosos. Estudios y Perspectivas en Turismo, 24, p. 356-373., Xavier et al., 2017Xavier, P. W. L., Oliveira, P. D. M., Leite, J. K. S., & Rodrigues, G. G. (2017). Turismo de base comunitária: possibilidades para o monumento natural grota do angico e o projeto de assentamento Jacaré-Curituba, Sergipe, Brasil. REDE - Revista Eletrônica do PRODEMA, 11(1), 104-116. , Barros & Rodrigues, 2019Barros, A. L. R. & Rodrigues, C. G. O. (2019). Educação diferenciada e turismo de base comunitária nos territórios caiçaras de Paraty (RJ). Ambiente e Sociedade, 22., Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2)., Oliveira, Diogenes, & Almeida, 2021Oliveira, A. A. N., Diógenes, C. M., & Almeida, D. M. F. (2021). Lazer e protagonismo social: uma experiência de turismo comunitário no nordeste brasileiro. Cadernos de Geografia, 43, 67-80.).

Os camponeses do Grupo Bem-Estar trabalham questões de associativismo, coletividade e democracia nas decisões, eles receberam diversas capacitações - oriundas do projeto da UFMS - sobre gestão e produção agroecológica. Os relatos são positivos em relação à participação dos membros e aplicação do conteúdo abordado, o que abre espaço para capacitações relacionadas à TBC (Xavier et al., 2017Xavier, P. W. L., Oliveira, P. D. M., Leite, J. K. S., & Rodrigues, G. G. (2017). Turismo de base comunitária: possibilidades para o monumento natural grota do angico e o projeto de assentamento Jacaré-Curituba, Sergipe, Brasil. REDE - Revista Eletrônica do PRODEMA, 11(1), 104-116. ), fomentando discussões sobre implementar atividades turísticas geridas pela comunidade. Tal apontamento se baseia nas conversas já existentes no Grupo Bem-Estar, sobre iniciarem atividades turísticas.

Quadro 2
As dinâmicas práticas do Turismo de Base Comunitária no Assentamento 72

As relações com atores externos à comunidade são positivas com a UFMS e a Embrapa Pantanal, contudo, as relações com a prefeitura local são problemáticas, o que dificulta um alinhamento de estratégias e participação de órgãos públicos nas atividades do assentamento. Outro problema de diálogo está na Associação de Moradores do Assentamento 72, que poderia agregar na função de intermediário entre os camponeses e os atores externos, além dos camponeses entre si, permitindo participação mais ampla dos moradores do assentamento (Burgos & Mertens, 2015Burgos, A. & Mertens, F. (2015). Os desafios do turismo no contexto da sustentabilidade: as contribuições do turismo de base comunitária. Pasos, 13(1), 57-71.; 2016; Kieffer, 2021Kieffer, M. (2021). El turismo de las comunidades rurales en México: un turismo alternativo enmarcado en la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, 14(26), 62-82.). A estruturação da Associação de Moradores do Assentamento 72 é crucial para desenvolver um elo que ligue todo o assentamento, não apenas os membros do Grupo Bem-Estar.

A agroecologia e o Sacolão Agroecológico se destacam como principal atrativo no assentamento, proporcionando potenciais de passeios e visitações nas hortas agroecológicas. São possíveis rotas de passeios que levam o turista até as hortas (Mano, Mayer & Fratucci, 2017Mano, A. D., Mayer, V. F., & Fratucci, A. C. (2017). Turismo de base comunitária na favela Santa Marta (RJ): oportunidades sociais, econômicas e culturais. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 11(3), 413-435.; Campos & Silva, 2020Campos, J. S. & Silva, L. G. (2020). Potencialidades turísticas no projeto de assentamentos Serra Dourada no município de Goiás (GO) em 2017. Revista Mirante, 13(2).), que falam sobre sua história, suas dificuldades, seus conhecimentos e seus manejos (Canabilla, 2015; Maia & Gomes, 2020Maia, A. H. & Gomes, J. L. (2020). Turismo e memórias: práticas e saberes no Assentamento Serra Verde, Barra do Garça - MT. Guaju, 6(1), 3-28.). Dessa forma, o turista pode se aproximar daquela realidade camponesa.

Tais passeios podem se alinhar com o Sacolão Agroecológico, propondo aos clientes a experiência de se aproximar e conhecer as hortas, juntamente com sua história e importância para a unidade familiar. Além das rotas internas no assentamento, é possível discutir a inauguração de uma feira na cidade de Ladário, MS, planejada, organizada e gerida pelos camponeses do assentamento. Isso pode levar o público local a ter maior contato com os camponeses, seus produtos e tradições - como apontado por Cruz & Fontana (2018Cruz, R. M. M. & Fontana, R. F. (2018). Feira Do Peixe Vivo: Feiras Rurais enquanto Alternativa para a Agricultura Familiar e o Desenvolvimento Rural Sustentável. Applied Tourism, 3(3), 37-53.) - e, posteriormente, alavancar o desejo de realizarem passeios dentro do assentamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral do trabalho foi analisar o potencial para implementação do turismo de base comunitária (TBC) no Assentamento 72, em Ladário, MS. Buscou-se uma abordagem que compreendesse a organização interna da comunidade, para, posteriormente, discutir o real potencial para implementação de atividades turísticas geridas internamente. Nesse sentido, a história oral se mostrou uma ferramenta metodológica crucial para comprimir o objetivo deste trabalho. Os relatos obtidos desse método apontaram os atores, os contextos que se envolvem e as relações no assentamento, permitindo um amplo entendimento das dinâmicas no território.

Após a conquista da terra, foi imposta a formalização da associação de moradores que acabou por gerar conflitos que não se resolveram, acarretando em um distanciamento entre os camponeses. Com a transição agroecológica, nasceu o Grupo Bem-Estar, a partir das relações dos camponeses com a UFMS e a Embrapa Pantanal. É a partir da agroecologia, e das dinâmicas de gestão do Grupo Bem-Estar, que se organiza o Sacolão Agroecológico, uma prática de comercialização dos produtos oriundos dos produtores membros do grupo. Feiras livres também são formas de comercialização da produção dos camponeses.

Considerando a realidade do assentamento encontrada nessa pesquisa, ainda, as conversas que já existem entre os membros do Grupo Bem-Estar sobre iniciarem atividades turísticas, aponta-se para a possibilidade de capacitações em turismo comunitário, criação de elos com a Prefeitura e outros parceiros estratégicos, estruturação da Associação de Moradores do Assentamento 72 e um trabalho para unir os camponeses do assentamento, são indicações iniciais pensando em desenvolver iniciativas de TBC - isso se a comunidade assim desejar.

Sobre as experiências turísticas, não ocorreu nenhuma prática de turismo no assentamento até o momento, contudo, existem conversas sobre planejamento e execução de uma festa no assentamento, utilizando os produtos locais, ainda, considerando as atividades do Sacolão Agroecológico, pode-se propor passeios nos finais de semana aos clientes, para que conheçam as hortas, as dinâmicas e os manejos, proporcionando maior contato com a realidade local. Por fim, uma forma de estruturar o elo com a Prefeitura, dando visibilidade para os camponeses e para os espaços públicos de Ladário é a elaboração de uma feira organizada pelos assentados, utilizando seus produtos. Isso pode aproximar o cidadão de Ladário dos camponeses e, posteriormente, levá-los a conhecer o assentamento. É importante salientar que este estudo focou uma realidade (potencialidades TBC no Assentamento 72 em Ladário), portanto, os resultados não podem ser generalizados.

Ainda sobre TBC, as discussões sobre iniciativas dessa prática precisam avançar no sentido de não apenas expor potencialidades ligadas a passeios, mas em compreender a organização e as múltiplas relações das comunidades receptoras. O TBC é um turismo que emerge de forma endógena, sendo absolutamente necessário que se compreenda os aspectos da comunidade, antes de apontar caminhos para desenvolver a atividade turística. Nesse sentido, estudos futuros podem focar em compreender as questões de organização e dinâmicas internas das comunidades que recebem atividades turísticas.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2023
  • Aceito
    29 Ago 2023
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