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Raça e terra: implicações do racismo fundiário na segregação urbana em Fortaleza-CE

Race and land: implications of land-based racism on urban segregation in Fortaleza-CE

Resumo

Entre as variadas facetas das disparidades raciais no Brasil merecem destaque aquelas que há muito tempo marcam a forma como a população negra é distribuída e inserida nos espaços urbanos, cuja origem vem de um longo processo histórico de segregação racial que remonta ao período da escravidão. A precariedade existente nos territórios de favela comparado a localidades nobres da cidade revela a disparidade não apenas de classe mas também de cor. Entendendo racismo fundiário como uma rede articulada de ações, promovidas por instituições formadas por brancos, que dificultam o acesso à terra pela população negra e indígena, esta pesquisa visa investigar suas consequências na distribuição de terras e na segregação urbana de Fortaleza-CE. Esse fenômeno, mais frequentemente relatado em outras cidades, encontra similaridades e particularidades na história do Ceará e de Fortaleza. Os resultados revelam as repercussões territoriais de séculos de racismo fundiário na cidade, demonstrando a concentração da população autodeclarada negra e indígena nos bairros periféricos e de menor renda, especialmente em assentamentos informais precários.

Palavras-chave:
Raça; Racismo fundiário; Segregação urbana; Favela

Abstract

Among the various faces of racial disparities in Brazil, it is worth highlighting those that have long marked the way the black population is distributed and inserted into urban spaces deserve attention, the origins of which come from a long historical process of racial segregation dating back to the period of slavery. The precariousness of favela territories compared to upscale areas of the city reveals disparities not only of class but also of color. Understanding land racism as an articulated network of actions, promoted by institutions formed by whites, which hinder access to land by the black and indigenous populations, this research aims to investigate its consequences on land distribution and urban segregation in Fortaleza, Ceará. This phenomenon, more frequently reported in other cities, finds similarities and particularities in the history of Ceará and Fortaleza. The results reveal the territorial repercussions of centuries of land racism in the city, demonstrating the concentration of self-declared black and indigenous populations in peripheral and lower-income neighborhoods, especially in precarious informal settlements.

Keywords:
Race; Land-based racism; Urban segregation; Favela

Introdução

A estrutura social do Brasil revela profundas disparidades enraizadas em um longo processo histórico de exclusão social que remonta ao período da escravidão, que perdurou por quase quatro séculos e ainda persiste atualmente. Segundo Antônia Garcia (2006), oGarcia, A. S. (2006). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. racismo no Brasil ocorre “sem racistas”, pois o imaginário do brasileiro sobre um povo “civilizado” está relacionado ao mito da democracia racial, onde a mestiçagem supostamente dissolve as tensões e desigualdades entre as raças. Para Florestan Fernandes (2008), oFernandes, F. (2008). Heteronomia racial na sociedade de classes. In F. Fernandes (Ed.), A integração do negro na sociedade de classes (Vol. 1, pp. 299-401). São Paulo: Editora Globo. mito surge da necessidade de prevenir tensões raciais hipotéticas, que leva a sociedade brasileira a se omitir da garantia de uma via de integração para os negros, relegando-os a uma condição sub-humana de existência invisível perante a lei.

No que diz respeito à literatura brasileira tradicional sobre segregação, o conceito é interpretado exclusivamente a partir do ponto de vista socioeconômico, reiterando esse mito (Oliveira, 2023bOliveira, R. J. (2023b). Segregação racial no Brasil: questões contemporâneas em políticas públicas. Revista Rural & Urbano, 8(1), 1-27. https://doi.org/10.51359/2525-6092.2023.253421.
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). Esses estudos, em geral, partem de duas nomenclaturas principais: segregação socioespacial e/ou segregação urbana. A primeira é utilizada sobretudo para destacar o espaço como expressão da estrutura social (e.g. Castells, 2000Castells, M. (2000). A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra.), mas Villaça (2001)Villaça, F. (2001). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP, Lincoln Institute., defende também o efeito do espaço sobre o social, visto que seria por meio do controle do espaço urbano que a classe dominante controla as demais. A segunda, por sua vez, é muitas vezes utilizada como sinônimo, mas de modo a evidenciar a separação física na cidade. Neste trabalho, optamos pelo termo segregação urbana para falar do fenômeno espacial, buscando afastar a definição tradicional focada apenas na classe social, e pelo termo segregação racial para falar explicitamente da dimensão racial dessa separação física e simbólica.

Maria Nilza da Silva (2006)Silva, M. N. (2006). Nem para todos é a cidade: segregação urbana e racial em São Paulo. Brasília: Fundação Cultural Palmares. observa que, embora o Brasil não possua uma legislação explicitamente segregacionista, como os Estados Unidos e a África do Sul, há a crença equivocada de que a discriminação racial no país não está associada à segregação socioespacial. Essa percepção se reflete no discurso acadêmico sobre questões étnico-raciais e cidades, conforme alertado por Raquel Rolnik (1989)Rolnik, R. (1989). Territórios negros nas cidades brasileiras (etnicidade e cidade em São Paulo e no Rio de Janeiro). Estudos Afro-Asiáticos, 17, 1-17. Recuperado em 22 de dezembro de 2023, de https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf
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, que evitou explorar o tema ao ter como referência o processo americano de “guetificação”, sugerindo que, sem a existência de guetos americanos, não haveria segregação. É sob essa justificativa, muitas vezes, que é tradicionalmente ignorada pela academia a dimensão racial da segregação, “como se as classes sociais pudessem elucidar todas as possibilidades de existência do urbano” (Campos, 2012, pCampos, A. O. (2012). Questões étnico-raciais no contexto da segregação socioespacial na produção do espaço urbano brasileiro: algumas considerações teórico-metodológicas. In R. E. Santos (Org.), Questões urbanas e racismo pp. 68-103). Petrópolis, RJ: DP et Alii; Brasília, DF: ABPN.. 98). No entanto, é uma característica marcante das capitais brasileiras a forma como a população negra é distribuída e inserida nos espaços urbanos, sendo “[n]o modelo racial brasileiro estruturante as assimetrias sociorraciais e espaciais” (Garcia, 2006, pGarcia, A. S. (2006). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.. 6). Conforme Andrelino Campos (2006)Campos, A. O. (2006). O planejamento urbano e a “invisibilidade” dos afrodescendentes: discriminação étnico-racial, intervenção estatal e segregação sócio-espacial na cidade do Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., pode não haver separação explícita, como no caso norte-americano, mas é justamente nas condições de saúde pública, risco ambiental e no risco à segurança pública que a segregação fica evidente.

Diante desse contexto, a pesquisa toma como ponto de partida a ideia de racismo fundiário, a qual ainda não tem um conceito estabelecido, mas que Tatiana Gomes (2019, pGomes, T. E. D. (2019). Racismo fundiário: a elevadíssima concentração de terras no Brasil tem cor. Comissão Pastoral da Terra. Recuperado em 15 de agosto de 2021, de https://cptba.org.br/racismo-fundiario-a-elevadissima-concentracao-de-terras-no-brasil-tem-cor/
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. 3) busca definir enquanto:

[...] complexa rede que articula ações violentas dos(as) brancos(as) contra os corpos, as culturas, os territórios e bens ambientais de negros(as) e índios(as), as formas jurídicas limitadoras e ceifadoras dessas cosmovisões, os estrangulamentos orçamentários e políticas estatais vocacionadas a fortalecer seus empreendimentos predatórios, a pilhagem secular de corpos, minérios, saberes etc. e projetos de mundo.

A precariedade existente nos territórios de favela, comparada às localidades nobres da cidade, revela disparidades não apenas de classe, mas também de cor. Qual a cor de quem tem acesso à cidade? Qual a cor de quem vive na precariedade? A mudança desse raciocínio é relativamente recente, datando apenas dos últimos 30 anos (Oliveira et al., 2023Oliveira, R. J., Oliveira, R. M.S., & Vargas, J. H. C. (2023). Estado da Arte nos estudos e pesquisas sobre Cidades, Urbanização e Relações Étnico-Raciais, e Enunciados sobre o Dossiê Cidades Negras no Brasil e nas Américas. Latitude, 17(1), 5-29. https://doi.org/10.28998/lte.2023.n.1.15795.
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). Muitas das pesquisas que relatam a história da população negra no Brasil, especialmente do ponto de vista territorial e urbano, voltam-se para o Rio de Janeiro (Campos, 2006Campos, A. O. (2006). O planejamento urbano e a “invisibilidade” dos afrodescendentes: discriminação étnico-racial, intervenção estatal e segregação sócio-espacial na cidade do Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; Garcia, 2006Garcia, A. S. (2006). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.), para São Paulo (Carril, 2003Carril, L. (2003). Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.; Silva, 2006Silva, M. N. (2006). Nem para todos é a cidade: segregação urbana e racial em São Paulo. Brasília: Fundação Cultural Palmares.; Oliveira, 2008Oliveira, R. J. (2008). Segregação Urbana e Racial na Cidade de São Paulo: as periferias de Brasilândia, Cidade Tiradentes e Jardim Ângela (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.), ou ainda para Salvador (Garcia, 2006Garcia, A. S. (2006). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Vale ressaltar que a Bahia é o estado com maior população autodeclarada preta no Brasil (22,4%) e uma população negra (pretos e pardos) de quase 80%, segundo informações recentes do Censo de 2022 publicadas pelo IBGE. Silva (2012)Silva, M. N. (2012). População negra: segregação e invisibilidade em Londrina. In R. E. Santos (Org.), Questões urbanas e racismo. Petrópolis, RJ: DP et Alii; Brasília: ABPN. e Panta (2018)Panta, M. A. S. (2018). Relações raciais e segregação urbana: trajetórias negras na cidade (Tese de doutorado). Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília., por sua vez, abordam a segregação e a invisibilidade da população negra em Londrina, no Paraná, resultante de uma forte política de branqueamento.

No Ceará, embora símbolo de liberdade e pioneirismo sobre a abolição da escravidão, o apagamento da população negra na história do estado foi uma estratégia tão efetiva que até os dias atuais existem questionamentos sobre a presença dessa população. Assim, este artigo busca contribuir para suprir essa lacuna no Ceará, o qual conta com 71,5% de pessoas autodeclaradas negras (IBGE, 2022Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2022). Censo 2022: pela primeira vez, desde 1991, a maior parte da população do Brasil se declara parda. Agência IBGE de Notícias. Recuperado em 22 de dezembro de 2023, de https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38719-censo-2022-pela-primeira-vez-desde-1991-a-maior-parte-da-populacao-do-brasil-se-declara-parda
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), mas onde ainda existem poucos estudos relacionando raça e segregação urbana.

A presente pesquisa visa, então, investigar o conceito de racismo fundiário como fator de influência na distribuição de terras e na segregação urbana de Fortaleza-CE (Figura 1) a partir da dimensão racial. Baseia-se na falta de assistência legal oferecida pelo poder público para garantir o acesso de terra à população negra após a abolição da escravatura, e como isso se reflete na ocupação territorial da cidade. Para tanto, foi inicialmente realizado levantamento bibliográfico para elaboração de uma fundamentação teórica, a partir de livros, artigos científicos, dissertações e teses, cujo foco é resgatar o histórico, relevância socioeconômica e racial na distribuição de terras, assim como avaliar os conceitos de raça, racismo e racismo fundiário. O tema foi aprofundado, investigando mais especificamente o contexto de Fortaleza, historicamente, a partir de pesquisa bibliográfica e documental, e atualmente a partir da coleta de dados secundários e produção cartográfica no software de geoprocessamento QGIS.

Figura 1
- Localização de Fortaleza no Ceará e no Nordeste. Delimitação dos bairros de Fortaleza, com destaque para o Centro. Fonte: Elaboração própria com base em dados de Instituto de Planejamento de Fortaleza (2020)Instituto de Planejamento de Fortaleza. (2020). Fortaleza em mapas. Fortaleza: Instituto de Planejamento de Fortaleza. Recuperado em 22 de dezembro de 2023, de https://mapas.fortaleza.ce.gov.br/
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Raça e terra

A noção de raça surge primeiramente como uma ideia de classificação, para animais e plantas, mas posteriormente, com a mudança de pensamento do mundo moderno, tem seu sentido relacionado à diferenciação entre homens. Segundo Silvio Almeida (2019)Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen., raça tem seu significado atribuído a duas condições que se complementam:

1. como característica biológica, em que a identidade racial será atribuída por algum traço físico, como a cor da pele, por exemplo;

2. como característica étnico-cultural, em que a identidade será associada à origem geográfica, à religião, à língua ou outros costumes, “a uma certa forma de existir” (Almeida, 2019, pAlmeida, S. (2019). Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.. 22).

Para Quijano (2005, pQuijano, A. (2005). Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Ed.), A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas (pp. 117-142). Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales.. 118), “raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade [...], no modo básico de classificação universal da população”. O uso moderno de raça é observado apenas a partir do processo colonial, com o domínio das Américas. Segundo Rafaela Albergaria (2021, pAlbergaria, R. (2021). Mobilidade dos corpos racializados entre liberdade e interdição. In D. Santini, R. Albergaria, & P. D. Santarém (Eds.), Mobilidade Antirracista (pp. 38-55). São Paulo: Autonomia Literária.. 41), “ao mesmo tempo que define os corpos atravessados pela interdição e violência, o europeu se define como portador da marca de liberdade, codificada em seu corpo branco”.

A visão eurocêntrica sobre o “homem primitivo” é responsável pela associação da população negra e indígena com animais, levando-os ao processo de desumanização compulsória, que permanece como fundamento ideológico para a repressão mesmo após a abolição, até os dias atuais. Raça, assim, possui um significado atrelado ao contexto político e social em que é utilizado, porém, historicamente, sempre está referida a situações de poder e conflito (Campos, 2006Campos, A. O. (2006). O planejamento urbano e a “invisibilidade” dos afrodescendentes: discriminação étnico-racial, intervenção estatal e segregação sócio-espacial na cidade do Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; Almeida, 2019Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.). De acordo com Hasenbalg (2005, pHasenbalg, C. (2005). Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ.. 124), “a raça, como traço fenotípico historicamente elaborado, é um dos critérios mais relevantes que regulam os mecanismos de recrutamento para ocupar posições na estrutura de classes e no sistema de estratificação social”.

Entende-se, assim, que o racismo é um modo sistêmico de discriminação cujo fundamento é a raça, podendo ser praticado de forma consciente ou não, resultando em desvantagens ou privilégios de acordo com o grupo racial pertencente. A prática do racismo se manifesta em diversas escalas, sendo a mais abrangente o racismo estrutural, que atua em todas as formas sociais, políticas, econômicas e espaciais, gerando uma hierarquia sociorracial (Almeida, 2019Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.). No Brasil, o “racismo à brasileira”, disfarçado de democracia racial, impõe maiores desafios à sua interpretação e combate. Trata-se do “paradoxo do racismo sem racistas” (Garcia, 2006, pGarcia, A. S. (2006). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.. 2).

Entendendo que as instituições podem ser compreendidas como somatórios de normas que condicionam o comportamento dos indivíduos na sociedade, podemos entender o racismo institucional como resultante do estabelecimento de padrões baseados na raça, conscientemente ou não, que mantém a hegemonia do grupo racial que está no poder. Essa predominância nas instituições públicas de homens brancos depende da estabilidade social e econômica imposta por eles aos grupos de conflito. Assim, a inexistência de espaços de ascensão para negros é direta ou indiretamente compulsória por parte de quem controla o poder, normalizando situações de desigualdades em educação, saúde e moradia. A partir das instituições, as políticas governamentais e os recursos do Orçamento Público são direcionados aos interesses do homem branco, em detrimento de outros, incluindo as que dizem respeito ao acesso à terra. O racismo institucional no Brasil, assim como os outros “racismo[s] à brasileira”, é informal, encontra-se nas entrelinhas (Garcia, 2006Garcia, A. S. (2006). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; Almeida, 2019Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.; Gomes, 2019Gomes, T. E. D. (2019). Racismo fundiário: a elevadíssima concentração de terras no Brasil tem cor. Comissão Pastoral da Terra. Recuperado em 15 de agosto de 2021, de https://cptba.org.br/racismo-fundiario-a-elevadissima-concentracao-de-terras-no-brasil-tem-cor/
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; Oliveira, 2023aOliveira, R. J. (2023a). Cidades Negras no Brasil: a Bahia de todos os santos, orixás, inkices e caboclos. Latitude, 17(1), 136-160. http://doi.org/10.28998/lte.2023.n.1.15068.
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).

Mesmo após conquistas normativas com a Constituição Federal de 1988, como direito originário das etnias indígenas sobre seus territórios e a função social da propriedade, ainda não houve mudanças significativas na malha fundiária brasileira, de modo que a terra ainda está concentrada na mão de brancos. Para compreender melhor as origens dessa concentração de terras, é relevante compreender a história da estrutura fundiária brasileira e sua relação com a escravidão, no qual será abordado mais especificamente o conceito de racismo fundiário.

As origens do racismo fundiário e da segregação racial

A estrutura fundiária no Brasil se inicia pela exploração do território através das Capitanias Hereditárias, onde os capitães recebem a obrigação de promover ocupação, povoamento e desenvolvimento econômico da terra. Esse território continuava sendo da Coroa, lhes sendo concedido apenas o direito de governo (Ribeiro, 2020Ribeiro, A. L. R. C. (2020). Racismo estrutural e aquisição da propriedade. São Paulo: Editora Contracorrente.). A escala menor desse processo se deu pela Lei das Sesmarias, onde frações da terra eram distribuídas para quem possuísse meios para o cultivo, ou seja, quem pudesse produzir nela. Nesse momento, a terra não era tratada enquanto mercadoria a ser comprada/vendida, como confirma Ribeiro (2020)Ribeiro, A. L. R. C. (2020). Racismo estrutural e aquisição da propriedade. São Paulo: Editora Contracorrente..

O processo de colonização por meio de sesmarias incentivou inclusive a exploração agrária por meio de grandes propriedades, já que nesse período a monocultura do açúcar era incompatível com propriedades pequenas. Apesar de haver uma preocupação sobre as terras improdutivas, que seriam devolvidas após cinco anos para a Coroa, isso não foi suficiente para que não se formassem latifúndios improdutivos, sendo uma das principais razões a agricultura por meio de trabalho escravo que esgotava rapidamente o solo (Ribeiro, 2020Ribeiro, A. L. R. C. (2020). Racismo estrutural e aquisição da propriedade. São Paulo: Editora Contracorrente.). Em 1822, o sistema sesmarial se encerra e a próxima legislação que regula o acesso à terra só ocorre em 1850. Porém, durante esse hiato, Lima (1935)Lima, R. C. (1935). Terras devolutas: história, doutrina, legislação. Porto Alegre: Livraria do Globo. afirma que a posse por ocupação era uma alternativa aos que não conseguiram sesmaria.

Segundo Ribeiro (2020)Ribeiro, A. L. R. C. (2020). Racismo estrutural e aquisição da propriedade. São Paulo: Editora Contracorrente., esse tipo de apropriação da terra, diferente das sesmarias, estava relacionado a atividades de subsistência e produção agrícola com trabalho escravo, para abastecimento dos engenhos. Nesse momento, ainda não existia a titulação do direito de propriedade nem valor mercantil sobre a terra. A possibilidade, com o fim da escravidão, de que homens livres, mesmo pobres e sem restrições raciais, sociais e jurídicas, se tornassem facilmente proprietários de terras, representava uma grande ameaça à elite brasileira (Martins, 1979Martins, J. S. (1979). O cativeiro da terra. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas.; Garcia, 2006Garcia, A. S. (2006). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.).

A conformação do uso de terra rural e urbana do país se desenha a partir de dois fatos jurídicos em 1850: a Lei Eusébio de Queiroz oficializa o fim do tráfico de escravos, e a Lei de Terras transfere o caráter de mercadoria atribuído ao escravo africano para a terra (Garcia, 2006Garcia, A. S. (2006). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, Cidade d’Oxum e Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Martins (1979, pMartins, J. S. (1979). O cativeiro da terra. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas.. 125) observa que, a partir disso, abre-se então “[...] um longo período de conflitos fundiários até hoje não encerrado, pois as outras formas de aquisição da terra tornaram-se automaticamente ilegais e sujeitas a contestação judicial, salvo nos casos expressamente contemplados nas leis”.

Embora a legislação não proibisse expressamente o acesso dos negros à terra, o governo brasileiro se omite evitando leis que mencionam raça tanto para integração quanto para a segregação (Telles, 1992Telles, E. E. (1992). Residential segregation by skin color in Brazil. American Sociological Review, 57(2), 186-197. http://doi.org/10.2307/2096204.
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; Fernandes, 2008Fernandes, F. (2008). Heteronomia racial na sociedade de classes. In F. Fernandes (Ed.), A integração do negro na sociedade de classes (Vol. 1, pp. 299-401). São Paulo: Editora Globo.). Assim, a discriminação ocorre no silêncio da arquitetura jurídica, que atribui o direito de propriedade privada apenas àqueles que podiam pagar ou tinham meios de fraudá-la/grilá-la, e fez com que os brancos acumulassem terras a partir do genocídio e escravidão dos povos originários e africanos, mesmo após a abolição (Gomes, 2019Gomes, T. E. D. (2019). Racismo fundiário: a elevadíssima concentração de terras no Brasil tem cor. Comissão Pastoral da Terra. Recuperado em 15 de agosto de 2021, de https://cptba.org.br/racismo-fundiario-a-elevadissima-concentracao-de-terras-no-brasil-tem-cor/
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).

Após o fim da escravidão, a legislação não garante condições de cidadania e direitos sobre o acesso à terra para a população negra, e esse processo “cimentou e levantou” as paredes das cidades brasileiras (Oliveira et al., 2023, pOliveira, R. J., Oliveira, R. M.S., & Vargas, J. H. C. (2023). Estado da Arte nos estudos e pesquisas sobre Cidades, Urbanização e Relações Étnico-Raciais, e Enunciados sobre o Dossiê Cidades Negras no Brasil e nas Américas. Latitude, 17(1), 5-29. https://doi.org/10.28998/lte.2023.n.1.15795.
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. 15). Observa-se a recusa em fornecer condições, serviços e direitos essenciais e legítimos para a existência e dignidade humana.

Assim, em “[...] Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, por exemplo, nas primeiras periferias, nas zonas urbanas e centrais, o percurso foi em direção às habitações coletivas, como os cortiços, mucambos, porões e posteriormente as favelas e periferias” (Oliveira, 2023b, pOliveira, R. J. (2023b). Segregação racial no Brasil: questões contemporâneas em políticas públicas. Revista Rural & Urbano, 8(1), 1-27. https://doi.org/10.51359/2525-6092.2023.253421.
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. 4), enquanto a elite se segregava em padrões residenciais individuais nas áreas onde as “leis de uso do solo foram utilizadas para preservar condições urbanísticas e ambientais mais privilegiadas” (Marques & França, 2020, pMarques, E., & França, D. (2020). Segregation by class and race in São Paulo. In S. Musterd (Ed.), Handbook of urban segregation (pp. 36-54). Cheltenham: Edward Elgar Publishing. http://doi.org/10.4337/9781788115605.00010.
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. 38). Mesmo com a resistência da literatura sobre utilizar raça como uma variável de análise de segregação, quando se olham as residências da população branca de classe alta em São Paulo, os autores afirmam que se “não existisse nenhuma das especificidades raciais, e a segregação fosse puramente por classe social, haveria uma grande proximidade entre negros e brancos de cada classe, e não apenas entre os setores mais pobres” (Marques & França, 2020, pMarques, E., & França, D. (2020). Segregation by class and race in São Paulo. In S. Musterd (Ed.), Handbook of urban segregation (pp. 36-54). Cheltenham: Edward Elgar Publishing. http://doi.org/10.4337/9781788115605.00010.
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. 51).

Essa disparidade no acesso a empregos, instituições jurídicas, assistência, serviços diversos e políticas sociais fortaleceu e intensificou as desigualdades subjacentes, resultando na formação desigual das cidades, marcada pelos corpos racializados nos territórios por eles ocupados. Nas cidades, a terra urbana tem valor enquanto localização, isto é, “[...] enquanto meio de acesso a todo o sistema urbano” (Villaça, 2001Villaça, F. (2001). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP, Lincoln Institute.) e, portanto, as áreas bem localizadas serão historicamente negadas à população negra. A segregação racial é vista como natural pela sociedade, aliada à conformação política que impõe aos grupos subalternos a crença de que “as coisas funcionam assim” (Silva, 2006Silva, M. N. (2006). Nem para todos é a cidade: segregação urbana e racial em São Paulo. Brasília: Fundação Cultural Palmares.; Campos, 2006Campos, A. O. (2006). O planejamento urbano e a “invisibilidade” dos afrodescendentes: discriminação étnico-racial, intervenção estatal e segregação sócio-espacial na cidade do Rio de Janeiro (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). A partir da literatura que estuda a segregação da população negra no Brasil, essa “[...]se apresenta na separação física, socioeconômica e étnico-racial nos principais lugares, postos e ocupações, desde o lugar de viver da habitação, escola, lazer e cultura, transporte coletivo, mercado de trabalho e uma rede de capital simbólico” (Oliveira, 2023b, pOliveira, R. J. (2023b). Segregação racial no Brasil: questões contemporâneas em políticas públicas. Revista Rural & Urbano, 8(1), 1-27. https://doi.org/10.51359/2525-6092.2023.253421.
https://doi.org/10.51359/2525-6092.2023....
. 7).

A outra face da mesma moeda é a criminalização dos lugares urbanos e sociais ocupados pelas pessoas negras, de forma a justificar projetos políticos de urbanização, limpeza urbana e modernização. A criminalização se faz desde o surgimento dos quilombos, passando pelos cortiços com o higienismo e finalmente às favelas, cujas “práticas sociais e culturais sempre foram temas de controle, dominação e punição impetrada pela ordem pública” (Oliveira et al., 2023, pOliveira, R. J., Oliveira, R. M.S., & Vargas, J. H. C. (2023). Estado da Arte nos estudos e pesquisas sobre Cidades, Urbanização e Relações Étnico-Raciais, e Enunciados sobre o Dossiê Cidades Negras no Brasil e nas Américas. Latitude, 17(1), 5-29. https://doi.org/10.28998/lte.2023.n.1.15795.
https://doi.org/10.28998/lte.2023.n.1.15...
. 15). As favelas e periferias representam a continuidade dos agrupamentos negros, como parte da resistência negra na reivindicação de terras e na manutenção dos costumes e da organização africana (Matias, 2019Matias, E. F. (2019). Deus Criou o Mundo e Nós Construímos o Conjunto Palmeiras: Quilombismo Urbano de Populações Afrodescendentes em Fortaleza- Ceará (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.). Como afirma Abdias do Nascimento (2002, pNascimento, A. (2002). O Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. Brasília: Fundação Cultural Palmares.. 336), falando da segregação racial no Brasil:

Os racistas de qualquer cor, sob a máscara de apenas reacionários, dirão que os ghettos existem disfarçados em favelas em várias cidades europeias, não sendo um fenômeno tipicamente brasileiro. A tipicidade está em que a maioria absoluta dos favelados brasileiro, cerca de 95%, são de origem africana. Este detalhe caracteriza uma irrefutável segregação racial de fato.

Vargas (2005)Vargas, J. H. C. (2005). Apartheid brasileiro: raça e segregação residencial no Rio de Janeiro. Revista de Antropologia, 48(1), 75-131. https://doi.org/10.1590/S0034-77012005000100003.
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aponta como inovadora a pesquisa de Ney dos Santos Oliveira, o qual discute como as favelas são ocupadas por um número desproporcional de negras/os em relação a seu percentual na população da cidade. Em um de seus estudos, em Niterói, o autor aponta que:

“[...] enquanto Niterói tem 70% de brancos e 30% de negras/os [...], a favela tem 70% de negras/os e 30% de brancos. De modo a refletir a composição racial da cidade, 60% das/dos negras/os da favela teriam de se mudar para algum outro lugar” (Oliveira, 2002 apud Vargas, 2005, pVargas, J. H. C. (2005). Apartheid brasileiro: raça e segregação residencial no Rio de Janeiro. Revista de Antropologia, 48(1), 75-131. https://doi.org/10.1590/S0034-77012005000100003.
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. 99).

Diante desse panorama, racismo fundiário será entendido aqui como uma rede articulada de ações, promovidas por instituições formadas por brancos, que dificultam o acesso à terra pela população negra, indígena e pobre. Para entender como esse tipo de racismo acontece em Fortaleza, é necessário antes realizar um breve histórico de como ocorreu o processo de escravidão e pós-abolição no Ceará.

Escravidão, abolição e pós-abolição no Ceará

A escravidão no Ceará, assim como a ocupação do estado, aconteceu de forma tardia (Sobrinho, 2011Sobrinho, J. H. F. (2011). Catarina, minha nêga, tão querendo te vender: escravidão, tráfico e negócios no Ceará do século XIX (1850-1881). Fortaleza: SECULT/CE.). No período do Brasil Colônia, a mão de obra escravizada era a indígena. Somente em 1777, quando essa prática é proibida por lei, que começam a chegar africanos no estado. A primeira diáspora acontece com a esperança do ouro no Cariri, com uma maioria de angolanos e congoleses. A ocupação do estado aumenta, porém “nos censos da população do Ceará para os anos de 1804, 1808, 1813, a soma dos pardos, mulatos livres, pretos e pardos cativos, pretos livres e cativos é superior à da população branca livre” (Sobrinho, 2011, pSobrinho, J. H. F. (2011). Catarina, minha nêga, tão querendo te vender: escravidão, tráfico e negócios no Ceará do século XIX (1850-1881). Fortaleza: SECULT/CE.. 55).

Em 1850, com a Lei Eusébio de Queiroz, começa-se uma nova troca comercial entre os estados e municípios (Ribeiro, 2020Ribeiro, A. L. R. C. (2020). Racismo estrutural e aquisição da propriedade. São Paulo: Editora Contracorrente.). No contexto de grandes secas, 20 anos depois, o Ceará se torna o segundo maior exportador de pessoas escravizadas para o Sul e Sudeste. Visando não colapsar o sistema escravagista com a migração massiva, em 1880 o Governo de São Paulo decide taxar a entrada de escravos oriundos de outros estados e posteriormente intermunicipais. Porém, tal atitude tem efeito inverso no Ceará, como afirma Conrad (1978Conrad, R. (1978). Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., pp. 211-212): “O valor dos escravos nas províncias exportadoras depressa diminuirá e, então, essas províncias ficarão fortemente em favor da abolição, a fim de se libertarem de uma instituição não lucrativa e de abrirem caminho para a mão de obra livre”.

Como a base econômica do estado nesse momento se dava através do tráfico, não era lucrativo continuar no sistema. Assim, o sentimento abolicionista surge não como um movimento humanitário de liberdade, mas como um movimento econômico. No dia 25 de março de 1884, é decretado legalmente o fim da escravidão no Ceará. Porém, a adesão dos municípios não é completa, com destaque para o caso de Milagres, que, segundo registros, não acata a legislação abolicionista e permanece com pessoas escravizadas até 1890. Apesar da exceção de Milagres, o “empreendimento” foi considerado um sucesso, dando ao estado uma imagem de “terra livre” (Martins, 2012Martins, P. H. S. (2012). Escravidão, abolição e pós-abolição no Ceará: sobre histórias, memórias e narrativas dos últimos escravos e seus descendentes no Sertão cearense (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói.).

O pós-abolição é uma incógnita, visto que são quase nulos os registros sobre o que aconteceu com os negros nesse período. Houve um apagamento tão efetivo sobre para onde foram e como atuaram politicamente na história, ao ponto do questionamento sobre a existência do negro e a importância da escravidão no Ceará até os dias atuais. Fortaleza passa pelo processo de modernização do centro e é envolta por um sentimento de fidalguia. Esse movimento faz com que intelectuais tenham um olhar equivocado sobre a formação do cearense, enaltecendo a presença do invasor europeu e rechaçando a presença do negro. Funes (2007, pFunes, E. (2007). Negros no Ceará. In S. de Sousa (Ed.), Uma nova História do Ceará (4. ed., pp. 103-134). Fortaleza: Edições Demócrito Rocha.. 103) traz uma fala do jornalista Américo Barreira ao Instituto Histórico do Ceará, que, inebriado por essa inspiração, escreveu:

O Ceará, mais feliz, quanto ao seu povoamento que outras antigas províncias, hoje Estados, nem ao menos se deve queixar, como a Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco, da mescla, tão condenada por muitos escritores, de certos elementos etnológicos, como o negro boçal, extremamente ignorante e supinamente fanático, que nos trouxe, com seus costumes e hábitos africanos, o fetichismo dissolvente que por ai campeia na prática de cenas e cerimônias ridículas e indecentes, cujo resultado tem sido e será sempre o afrouxamento do verdadeiro sentimento moral, que só a educação e a instrução popular bem ministradas poderão modificar e corrigir, no correr dos anos.

A partir deste texto, é possível perceber que essa invisibilização ocorre quando existe a passagem de uma coerção física para uma ideológica do trabalhador, ele deixa de ser o escravo para assumir o papel do empregado, agregado, criado, sempre subalterno. Nas cidades isso se torna mais evidente quando os espaços que o negro pode ocupar são as periferias, a solução é “se aquilombar nas favelas”.

O processo de favelização (ou aquilombamento) de Fortaleza

A periferia de Fortaleza é formada por movimentos migratórios que já se iniciam em 1823, quando a cidade recebe o título de vila. As terras úmidas que abrigavam os sertanejos nos períodos de seca são utilizadas na plantação de algodão, fazendo-os buscarem abrigo na capital, onde se tornam “retirantes” (Aldigueri, 2017Aldigueri, C. R. (2017). Metamorfoses da terra na produção da cidade e da favela em Fortaleza (Tese de doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.). Os retirantes eram despejados em área de praia, onde construíam seus casebres, visto que, à época, a orla marítima não era valorizada pela elite. As obras realizadas na capital neste período de consolidação como vila, no início do século XIX, como abertura de vias, Porto e Farol do Mucuripe, foram construídas majoritariamente com mão de obra escravizada (Matias, 2019Matias, E. F. (2019). Deus Criou o Mundo e Nós Construímos o Conjunto Palmeiras: Quilombismo Urbano de Populações Afrodescendentes em Fortaleza- Ceará (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.).

Entre 1877 e 1879, esses movimentos continuam, porém Fortaleza já está passando pelo processo de modernização, e a solução encontrada pelo poder público é contê-los em abarracamentos às margens do centro até o fim da estiagem (Oliveira, 2016Oliveira, R. N. N. (2016). O processo de modernização de Fortaleza. In Anais do XII Semana de História da FECLESC, 2016, Quixadá. Quixadá: FECLESC. Recuperado em 20 de agosto de 2021, de https://uece.br/eventos/semanadehistoriadafeclesc/anais/trabalhos_completos/72-17846-20112013-173837.pdf
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). Em 1888, a Planta da Cidade de Fortaleza (Figura 2) demarca a existência do “Arraial Moura Brasil”, um dos assentamentos informais mais antigos que permanecem resistindo em Fortaleza (Aldigueri, 2017Aldigueri, C. R. (2017). Metamorfoses da terra na produção da cidade e da favela em Fortaleza (Tese de doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Figura 2
- Planta da cidade da Fortaleza, capital da província do Ceará – Adolpho Herbster (1888). Fonte: Modificado a partir de Aldigueri (2017)Aldigueri, C. R. (2017). Metamorfoses da terra na produção da cidade e da favela em Fortaleza (Tese de doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo..

Com a expansão do mercado algodoeiro a malha ferroviária cresce e facilita o acesso à capital, que recebe um maior número de retirantes na grande seca de 1915. Assim, a alternativa dos “currais humanos” volta e são instalados próximos às ferrovias existentes (Figura 3): o Campo do Urubu ficou às margens da Estrada de Ferro de Baturité e o Campo do Matadouro à Estrada de Ferro de Sobral (Rios, 2014Rios, K. S. (2014). Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932. Fortaleza: Imprensa Universitária.). Os sertanejos, com escassos registros de nome, cor ou território de origem, eram tratados como flagelados que trabalhavam na urbanização de Fortaleza em troca de comida, num processo alusivo à escravidão, mesmo com a abolição já em vigor há quase 30 anos. Quando a seca termina, no início dos anos 30, os currais fecham e os sertanejos, agora livres, mas sem ter como voltar ao sertão, se aglomeram próximos aos campos e constroem as favelas. A primeira a ser consolidada é a do Pirambu, que, em 1933, aparece no jornal O Povo como símbolo de bestialidade, levando temor para o restante da cidade sobre os que ali viviam (Aldigueri, 2017Aldigueri, C. R. (2017). Metamorfoses da terra na produção da cidade e da favela em Fortaleza (Tese de doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.).

Figura 3
- Mapa da cidade de Fortaleza no ano de 1932 indicando a localização das concentrações de Matadouro e Urubu. Fonte: Modificado a partir de Rios (2014)Rios, K. S. (2014). Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932. Fortaleza: Imprensa Universitária..

Em 1963, no Plano Hélio Modesto, um plano à época considerado “progressista”, há pela primeira vez o termo “favela” em documentos oficiais, evidenciando o estigma e a desumanização:

Trata-se de pessoas dotadas de poucas aptidões, criadas geralmente na lavoura, numa lavoura de tipo rotineiro que exige pouco conhecimento técnico e, por isso mesmo, têm dificuldades de melhorar a vida, pois lhes faltam as novas aptidões e especialidades que são exigidas pela estrutura urbana, a começar pela mais importante de todas, a alfabetização. [...] daí criarem para a cidade graves problemas sociais de mendicância, prostituição, infância abandonada, delinquência e “favelização” (Fortaleza, 1963Fortaleza. Câmara Municipal. (1963, 20 de março). Lei n. 2128, de 20 de março de 1963. Aprova o Plano Diretor da Cidade de Fortaleza e dá outras providências. Fortaleza: Diário Oficial do Município de Fortaleza. ano IX, n. 2741, 23 mar. 1963. Recuperado em 18 de junho de 2023, de https://sapl.fortaleza.ce.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/1963/10809/le21281963.pdf
https://sapl.fortaleza.ce.leg.br/media/s...
).

Até esse momento, a orla ainda não era considerada nobre pela elite, então ainda foi possível para a população pobre ocupá-la sem disputas, dando origem a outras comunidades como a da Praia Mansa, atual Praia de Iracema, e Barra do Ceará. Porém, a partir de 1970, a faixa de praia passa a ser frequentada pelas classes mais abastadas e surge o interesse do mercado imobiliário (Matias, 2019Matias, E. F. (2019). Deus Criou o Mundo e Nós Construímos o Conjunto Palmeiras: Quilombismo Urbano de Populações Afrodescendentes em Fortaleza- Ceará (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.). A capital passa novamente por um processo migratório, os pescadores e trabalhadores do porto são retirados à força da Praia Mansa, alguns são locados em conjuntos habitacionais e outros vão ocupar terras mais afastadas do centro de forma “ilegal”.

Em 1971, no contexto da ditadura militar, é realizado um levantamento intitulado “zonas e vilas marginais de Fortaleza” (Figura 4), no qual foram identificados 73 assentamentos (Aldigueri, 2017Aldigueri, C. R. (2017). Metamorfoses da terra na produção da cidade e da favela em Fortaleza (Tese de doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.). É o primeiro mapeamento oficial com demarcação mais precisa dos limites dos assentamentos e, não à toa, serviria de base para o Programa Integrado de Desfavelamento, em 1973 (Figura 5). Nesse processo, moradores das comunidades Poço da Draga, Serviluz, Praia do Futuro, Alto da Balança, Morro das Placas, Lagamar e Aldeota, são levados para a região do Jangurussu, na região sul da cidade, área sem nenhuma condição de sobrevivência e já desvalorizada por ser sede do aterro sanitário, cujas atividades foram iniciadas em 1970 (Matias, 2019Matias, E. F. (2019). Deus Criou o Mundo e Nós Construímos o Conjunto Palmeiras: Quilombismo Urbano de Populações Afrodescendentes em Fortaleza- Ceará (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.).

Figura 4
- Estudo das Zonas Marginais de Fortaleza (Sudene, 1971), sobreposto pela delimitação do atual bairro Centro. Fonte: Modificado a partir de Pereira (2018)Pereira, R. C. F. (2018). A favela como paisagem cultural da cidade: o caso do Conjunto São Vicente de Paulo (Comunidade das Quadras) em Fortaleza (Trabalho de Conclusão de Curso). Centro Universitário Sete de Setembro, Fortaleza..
Figura 5
- Mapas do Programa Integrado de Desfavelamento, sobrepostos pela delimitação do atual bairro Centro. À esquerda, as favelas propostas à erradicação. À direita os “Nucleamentos Habitacionais de Desfavelados. Fonte: Modificado a partir de Aldigueri (2017)Aldigueri, C. R. (2017). Metamorfoses da terra na produção da cidade e da favela em Fortaleza (Tese de doutorado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo..

A importância desse movimento para o processo de expansão das “favelas” na cidade fica nítido quando nos levantamentos oficiais existe um salto de 13 assentamentos em 1963, para 234 assentamentos em 1985 e 355 em 1991. Com o aumento da população na cidade e o descaso das políticas urbanas, esse número só cresceu e, de acordo com o Plano Local de Habitação de Interesse Social de 2013 (PLHIS-FOR), existem 622 favelas no território de Fortaleza. Entre 1971 e 2013, muitos assentamentos nas regiões centrais “desapareceram”, diante dos contínuos processos de expulsão empreendidos na cidade, ao mesmo tempo que outros, mesmo que demarcados para erradicação em 1973, resistiram a esses processos (Figuras 4, 5 e 6). Esses assentamentos, apesar de estarem em áreas centrais, também são segregados ao terem direitos básicos negados e pelas contínuas pressões por remoção (Almeida, 2015Almeida, A. (2015). Segregação urbana na contemporaneidade: o caso da Comunidade Poço da Draga na cidade de Fortaleza (Dissertação de mestrado). Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.).

Figura 6
- Mapa de Fortaleza com a delimitação dos assentamentos precários levantados pelo Fortaleza (2013)Fortaleza. Prefeitura Municipal. (2013). Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHIS-FOR). Produto V: proposta final. Fortaleza: Prefeitura Municipal, Fundação de Desenvolvimento Habitacional. sobre o limite dos bairros da cidade (com destaque para comunidades citadas no texto). Fonte: Elaboração própria com base em dados do Fortaleza (2013)Fortaleza. Prefeitura Municipal. (2013). Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHIS-FOR). Produto V: proposta final. Fortaleza: Prefeitura Municipal, Fundação de Desenvolvimento Habitacional. e Instituto de Planejamento de Fortaleza (2020).

Assim, a luta pela permanência marca a história das áreas de favela em áreas bem localizadas em Fortaleza, como é o caso do Campo do América, do Poço da Draga e das comunidades do Mucuripe, sendo o primeiro cercado pela população de maior renda da cidade no Meireles (Figura 7), o segundo, no bairro Centro, atravessado por subsequentes projetos de “requalificação” da Praia de Iracema (Almeida, 2015Almeida, A. (2015). Segregação urbana na contemporaneidade: o caso da Comunidade Poço da Draga na cidade de Fortaleza (Dissertação de mestrado). Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.), e as últimas pelos inúmeros projetos de “requalificação” da Beira-Mar (Cavalcante, 2017Cavalcante, E. O. (2017). Os meandros do habitar na metrópole: expansão urbana e controle territorial da produção do litoral de Fortaleza (Tese de doutorado). Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.). Destacam-se ainda as comunidades que, embora não estejam nos bairros mais centrais e/ou de maior renda, estão no caminho dos eixos de expansão da cidade, como o Pirambu e o Lagamar. Lagamar e Pirambu são referências de mobilização popular, com destaque para a Marcha do Pirambu ainda na década de 1960, e a Marcha do Lagamar pelo direito de ser ZEIS no final dos anos 2000 (Limeira & Amorin, 2024Limeira, L. V. S., & Amorin, W. V. (2024). Conflitos Fundiários Urbanos e Direito à Cidade: o caso das remoções do VLT de Fortaleza e seus impactos na ZEIS do Lagamar. Revista da Casa da Geografia de Sobral, 26(1), 84-102. http://doi.org/10.35701/rcgs.v26.956.
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). A resistência dessas e de outras comunidades deu-se sobretudo por meio de organização comunitária, não apenas interna, mas também em rede. Nessa atuação coletiva, destacam-se “práticas autônomas, a partir de estratégias próprias, ações de incidência e enfrentamento desenvolvidos localmente” (Santos, 2024, pSantos, M. M. (2024). Diálogos sobre formas alternativas de planejamento: as contribuições práticas no Lagamar, em Fortaleza/CE (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo e Design, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. [não publicada].. 91).

Figura 7
- Distribuição da renda média, segundo o Censo de 2010, agregada por bairro de Fortaleza (com destaque para os bairros citados no texto). Fonte: Elaboração própria com base em dados de IBGE (2010)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010. Censo 2010. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 20 de agosto de 2021, de https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
https://censo2010.ibge.gov.br/resultados...
e Instituto de Planejamento de Fortaleza (2020)Instituto de Planejamento de Fortaleza. (2020). Fortaleza em mapas. Fortaleza: Instituto de Planejamento de Fortaleza. Recuperado em 22 de dezembro de 2023, de https://mapas.fortaleza.ce.gov.br/
https://mapas.fortaleza.ce.gov.br/...
.

Cabe ressaltar ainda que o Fortaleza (2013)Fortaleza. Prefeitura Municipal. (2013). Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHIS-FOR). Produto V: proposta final. Fortaleza: Prefeitura Municipal, Fundação de Desenvolvimento Habitacional. produziu um diagnóstico extenso e cuja relevância na direção da visibilidade dos assentamentos não pode ser negada, porém os dados trazidos pelo PLHIS-FOR são muito generalistas, e nele existe pouco espaço para as especificidades que se fazem presentes nesses assentamentos, já que os levantamentos são puramente quantitativos. Aspectos qualitativos como a história dos locais, ou mesmo características da população, como cor, gênero, idade, não são citados dentro do documento.

Entre 2019 e 2020, foram elaborados os Planos Integrados de Regularização Fundiária (PIRF) para dez Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) consideradas prioritárias. As ZEIS prioritárias compreendem algumas das comunidades mais antigas da cidade já supracitadas, como o Poço da Draga, o Lagamar, o Pirambu e o Mucuripe, as quais foram essenciais na pressão popular para encaminhamento do lento processo de regulamentação das ZEIS. Esses planos representam um importante avanço nesse processo, inclusive trazendo dados sobre essas comunidades bem mais detalhados que o PLHIS-FOR, com uma importante espacialização das problemáticas. Entretanto, dentre os quatro planos supracitados, apesar de conterem diagnósticos socioeconômicos, apenas o do Poço da Draga dimensiona a população negra.

No tópico a seguir, a partir da sobreposição de informações georreferenciadas, será investigado como as consequências do racismo fundiário delineado na história da formação da cidade de Fortaleza se refletem territorialmente na atualidade.

A segregação urbana e racial em Fortaleza

Analisando a distribuição desigual de renda na cidade de Fortaleza (Figura 7), verifica-se uma concentração de renda na porção nordeste da cidade, onde se encontram os bairros mais valorizados, como Aldeota e Meireles (a leste do Centro). Para a categorizar o mapa, foi considerado o salário mínimo (S.M.) de 2010, ou seja, R$ 510,00. Nesses bairros há uma concentração de renda e de imóveis de alto padrão, e, consequentemente, de empregos e de repetidos investimentos de melhorias urbanas por parte do poder público. Por outro lado, as periferias noroeste, sudoeste e sul da cidade concentram a população de menor renda, que tem que atravessar a cidade para trabalhar. Essas regiões periféricas concentram ainda regiões de fragilidade ambiental e a maior parte das moradias precárias da cidade (Figura 6), onde se sobrepõem diversas vulnerabilidades (Costa Lima et al., 2019Costa Lima, M. Q., Freitas, C. F. S., & Cardoso, D. R. R. (2019). Modelagem da informação para a regulação urbanística dos assentamentos precários em Fortaleza. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 11, e20180199. http://doi.org/10.1590/2175-3369.011.e20180199.
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).

Em seguida, investigamos a distribuição percentual da população autodeclarada branca em comparação ao percentual da população autodeclarada negra (preta ou parda) e indígena (Figura 8). Os mapas demonstram que a concentração de renda e de oportunidades coincide com a concentração de pessoas brancas, enquanto a população negra é maioria nos bairros periféricos, sobretudo na parte oeste da cidade. Conforme o Censo IBGE, Fortaleza possuía, em 2010, 1.514.103 pessoas autodeclaradas negras, o que corresponde a 61,8% da população da época. No Meireles, bairro com maior renda média, esse percentual cai para 33,1%. O bairro de menor renda média, segundo o Censo, é o Conjunto Palmeiras, no qual o percentual de pessoas negras soma 71,8%. Trabalhando com os números absolutos, isso significa que, para equiparar o bairro Meireles com o percentual de pessoas negras da cidade, seria necessário que todas as pessoas negras do Conjunto Palmeiras (27.800 pessoas) migrassem para o Meireles. São dados, portanto, semelhantes aos encontrados por Ney dos Santos Oliveira (apud Vargas, 2005Vargas, J. H. C. (2005). Apartheid brasileiro: raça e segregação residencial no Rio de Janeiro. Revista de Antropologia, 48(1), 75-131. https://doi.org/10.1590/S0034-77012005000100003.
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).

Figura 8
- Distribuição percentual da população branca (à esquerda) e da população negra e indígena (à direita) por setor censitário, segundo o Censo de 2010, sobreposta à delimitação de bairros em Fortaleza. Fonte: Elaboração própria com base em dados de IBGE (2010)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010. Censo 2010. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 20 de agosto de 2021, de https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
https://censo2010.ibge.gov.br/resultados...
e Instituto de Planejamento de Fortaleza (2020)Instituto de Planejamento de Fortaleza. (2020). Fortaleza em mapas. Fortaleza: Instituto de Planejamento de Fortaleza. Recuperado em 22 de dezembro de 2023, de https://mapas.fortaleza.ce.gov.br/
https://mapas.fortaleza.ce.gov.br/...
.

Levando em conta os limites dos assentamentos precários e das ZEIS, apontamos ainda o percentual da população negra e indígena das comunidades abordadas no tópico anterior que historicamente resistem aos processos de remoção em Fortaleza: o Poço da Draga em torno de 85% (UFC, 2019aUniversidade Federal do Ceará. (2019a). Diagnóstico socioeconômico, físico-ambiental, urbanístico e fundiário: ZEIS Poço da Draga. Fortaleza: IPLANFOR. Recuperado em 20 de dezembro de 2023, de https://acervo.fortaleza.ce.gov.br/download-file/documentById?id=62b3e828-75b0-4d94-ac9a-2be92d14a1f9
https://acervo.fortaleza.ce.gov.br/downl...
), o Pirambu, o Lagamar e o Mucuripe (parte do bairro que está dentro da ZEIS) aproximadamente 70% e o Campo do América possui em torno de 64% (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010. Censo 2010. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 20 de agosto de 2021, de https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
https://censo2010.ibge.gov.br/resultados...
). Destacam-se também, na periferia sudoeste de Fortaleza, as comunidades da ZEIS Bom Jardim, que possuem quase 75% da população autodeclarada negra (UFC, 2019bUniversidade Federal do Ceará (2019b). Diagnóstico socioeconômico, físico-ambiental, urbanístico e fundiário: ZEIS Bom Jardim. Fortaleza: IPLANFOR. Recuperado em 20 de dezembro de 2023, de https://acervo.fortaleza.ce.gov.br/download-file/documentById?id=9e9e76ca-e434-4765-a89b-bc40a8c12664
https://acervo.fortaleza.ce.gov.br/downl...
).

A partir dos dados disponíveis, sobrepusemos um mapa de calor (mapa de Kernel) obtido a partir da quantidade de pessoas autodeclaradas negras e indígenas por setor censitário (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010. Censo 2010. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 20 de agosto de 2021, de https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
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) com os assentamentos precários demarcados pelo Fortaleza (2013)Fortaleza. Prefeitura Municipal. (2013). Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHIS-FOR). Produto V: proposta final. Fortaleza: Prefeitura Municipal, Fundação de Desenvolvimento Habitacional.. A justaposição das manchas avermelhadas e a delimitação dos assentamentos (Figura 9) chama atenção, reforçando a dinâmica apontada no histórico de Fortaleza em que retirantes negros foram colocados em campos de concentração para trabalho forçado, os quais, diante da ausência de políticas públicas após a dissolução dos “currais”, ocuparam áreas que viriam a ser o que hoje entendemos como favelas ou assentamentos precários. Uma das maiores concentrações visualizadas no mapa (Figura 9), na região noroeste da cidade, corresponde ao Lagamar e ao Pirambu, sendo este último o primeiro assentamento consolidado com o fechamento dos “currais”, mais especificamente do Campo do Urubu (Figura 3). Conforme estudo anterior (Ribeiro, 2022Ribeiro, M. C. R. (2022). Racismo fundiário e o lugar físico da subalternidade: um plano urbanístico no pirambu sob a ótica racial (Trabalho de Conclusão de Curso). Centro Universitário Christus, Fortaleza.), verifica-se que a segregação racial existe mesmo internamente aos assentamentos. No caso do bairro Pirambu, os menores lotes (abaixo de 50 m2) encontram-se nos setores censitários com maior concentração de população autodeclarada negra.

Figura 9
- Mapa de calor da distribuição da população negra e indígena em Fortaleza, segundo o Censo de 2010, sobreposta à delimitação de assentamentos precários (PLHIS-FOR) em Fortaleza (com destaque para comunidades citadas no texto). Fonte: Elaboração própria com base em dados de IBGE (2010)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010. Censo 2010. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 20 de agosto de 2021, de https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
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e Fortaleza (2013)Fortaleza. Prefeitura Municipal. (2013). Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHIS-FOR). Produto V: proposta final. Fortaleza: Prefeitura Municipal, Fundação de Desenvolvimento Habitacional..

A Figura 10 demonstra ainda que a concentração evidenciada na Figura 9 não é apenas reflexo de uma maior densidade populacional geral nos assentamentos precários. É possível perceber inclusive que a concentração de pessoas brancas em muitos pontos escapa aos limites dos assentamentos e se concentra sobretudo no Meireles e no Cocó, respectivamente os bairros com a maior e a terceira maior renda da cidade, em conformidade com o que já foi apontado nas Figuras 7 e 8, enquanto o Campo do América apresenta a maior concentração da população negra do bairro (Figura 9).

Figura 10
- Mapa de calor da distribuição da população branca em Fortaleza, segundo o Censo de 2010, sobreposta à delimitação de assentamentos precários (PLHIS-FOR) em Fortaleza. Fonte: Elaboração própria com base em dados de IBGE (2010)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010. Censo 2010. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 20 de agosto de 2021, de https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
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e Fortaleza (2013)Fortaleza. Prefeitura Municipal. (2013). Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHIS-FOR). Produto V: proposta final. Fortaleza: Prefeitura Municipal, Fundação de Desenvolvimento Habitacional..

Considerações finais

Ainda que a legislação brasileira tenha se omitido perante as questões raciais no pós-abolição, tanto em relação à segregação quanto à inserção dos ex-escravizados na sociedade, observamos que a precariedade assola seus descendentes desde as questões de renda até as territoriais. Esse fenômeno, enquanto sintoma do racismo institucional e fundiário, já bastante relatado em São Paulo e no Rio de Janeiro, encontra similaridades e particularidades na história de Fortaleza.

Ao analisar a formação de Fortaleza e sua atual conformação espacial, observamos que mesmo não havendo leis que proíbam expressamente o acesso à terra para a população racializada, é evidente a segregação racial no espaço. A segregação pode ser encarada do ponto de vista subjetivo, quando a primeira definição de favela em um plano diretor descreve o território a partir da população que o ocupa, usando termos próximos ao que a produção intelectual cearense no pós-abolição utiliza ao descrever de forma sub-humanizada os negros. Já do ponto de vista espacial, dados quantitativos fornecem evidências de que a concentração de renda e infraestrutura se localiza nos bairros mais elitistas, que por sua vez são majoritariamente brancos, enquanto os assentamentos precários concentram a população negra e indígena e estão nos bairros periféricos e de menor renda, à exceção dos poucos assentamentos que ainda lutam por permanência nas áreas centrais.

Em Fortaleza, apesar do avanço na produção de dados sobre favelas e, de uma maneira mais ampla, sobre assentamentos precários, após a Constituição de 1988, tanto a literatura sobre o tema quanto os planos de urbanização destinados a territórios periféricos da cidade, como o Fortaleza (2013)Fortaleza. Prefeitura Municipal. (2013). Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHIS-FOR). Produto V: proposta final. Fortaleza: Prefeitura Municipal, Fundação de Desenvolvimento Habitacional. e os PIRF (Fortaleza, 2020Fortaleza. (2020). Planos Integrados de Regularização Fundiária. Recuperado em 19 de março de 2024, de https://zonasespeciais.fortaleza.ce.gov.br/
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), não abordam a questão raça. No caso dos PIRF, enquanto as caracterizações socioeconômicas das ZEIS Bom Jardim e Poço da Draga coletam dados sobre autopertencimento étnico-racial, as ZEIS Mucuripe e Lagamar não incluem raça nos dados a serem levantados, e a ZEIS Pirambu emprega dados do IBGE.

Ressalta-se que a pesquisa conta com dados do Censo IBGE de 2010, defasados em 13 anos e onde o contexto ainda era o residual dos processos de desconstrução da identidade africana. Ademais, as informações coletadas para o estudo aqui apresentado trazem uma realidade anterior à pandemia de Covid-19, por basear-se no Censo IBGE, datado de 2010, visto que as informações do Censo 2022 ainda não foram divulgadas no nível de desagregação que este estudo demanda. De 2020 para os dias atuais, porém, a tendência é que a situação tenha piorado. De acordo com a pesquisa conduzida por Souza (2022)Souza, P. H. G. F. (2022). A pandemia de COVID-19 e a desigualdade racial de renda. In S. P. Silva, C. H. Corseuil, & J. S. Costa (Eds.), Impactos da pandemia de COVID-19 no mercado de trabalho e na distribuição de renda no Brasil (pp. 473-481). Brasília: IPEA., em âmbito nacional, no ano de 2020 ocorreu uma redução de 19% na remuneração total das pessoas brancas, enquanto as pessoas negras sofreram uma queda ainda mais significativa, de 23%. As últimas foram particularmente afetadas por demissões e pela diminuição drástica de oportunidades de emprego, além do predomínio do trabalho informal. Além disso, com o acesso a conteúdos relacionados à construção da identidade negra e indígena sendo amplamente difundidos na última década, a previsão do aumento da autodeclaração de pessoas negras no Censo IBGE de 2022 se confirmou nos resultados agregados. Quando os resultados desagregados do Censo 2022 forem publicados será possível ter uma visão atualizada da distribuição racial em Fortaleza, possibilitando ainda uma comparação com os mapas desenvolvidos nesta pesquisa.

Esta pesquisa busca, portanto, contribuir para a análise e discussão da conformação do espaço urbano de Fortaleza a partir da situação das pessoas racializadas. O estudo chama ainda atenção para a importância do pertencimento étnico-racial como um dado a ser produzido de forma imprescindível no âmbito da política urbana, visando a uma análise aprofundada e ações direcionadas.

Declaração de disponibilidade de dados

O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.SZ3NUR

  • Como citar: Ribeiro, M. C. R., & Costa Lima, M. Q. (2024). Raça e terra: implicações do racismo fundiário na segregação urbana em Fortaleza-CE. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v.16, e20230250. https://doi.org/10.1590/2175-3369.016.e20230250

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2023
  • Aceito
    23 Abr 2024
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