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ECOCÍDIO: UMA AMEAÇA AO TECIDO BIOLÓGICO E À SEGURANÇA ECOLÓGICA

Resumo

Ao longo do tempo, o ecocídio foi entendido principalmente por meio da praxiologia do comando. Este artigo demonstrará que as ações que visam prevenir o ecocídio são dificultadas pelo referencial existente na construção de padrões ambientais. A fim de reforçar a segurança ecológica, a natureza ilusória e de curto prazo dos projetos ambientais deve ser neutralizada. O ecocídio é uma ameaça que exige tanto soluções ao nível da legislação nacional quanto uma estratégia global voltada para o futuro. A discussão mostrará que o ecocídio é um fenômeno virulento e prejudicial que atualmente vai além do crime ecológico classicamente compreendido. Prevenir o ecocídio é uma necessidade urgente de natureza civilizacional. O componente intergeracional será destacado nas considerações, o que deve incentivar a atualização e a implementação de uma estratégia que vise garantir a segurança ecológica de maneira contínua. O método formal-dogmático e comparativo de interpretação de atos jurídicos de Direito Internacional com documentos jurídicos no campo da proteção ambiental tem sido aplicado para justificar a hipótese. A pesquisa científica é acompanhada por uma análise da relação entre a natureza e o mundo humano.

Palavras-chave:
ecocídio; segurança ecológica; proteção ambiental; biodiversidade; Direito Ambiental

Abstract

Over time, ecocide was considered mainly through the praxiology of command. This paper will demonstrate that actions aiming to prevent ecocide are hindered by the existing reference point in the construction of environmental standards. In order to build ecological safety, the illusory and short-term nature of environmental projects should be neutralised. Ecocide is a threat that requires solutions both at the level of national law and a forward-oriented global strategy. The discussion will show that ecocide is a virulent and pejorative phenomenon that currently goes beyond classically understood ecocrime. Preventing ecocide is an urgent necessity of a civilisational nature. The intergeneration component will be highlighted in considerations, which should encourage the updating and implementation of a strategy with a view to ensuring ecological safety on a continuous basis. The formal-dogmatic and comparative method in interpretation legal acts of international law with legal documents in the field of environmental protection has been applied in order to justify the hypothesis. Scientific research are accompanied by an analyze the relationship between the nature and human world.

Keywords:
ecocide; ecological safety; environmental protection; biodiversity; environmental law

Resumen

A lo largo del tiempo, el ecocidio se ha considerado principalmente a través de la praxeología del mando. En esta discusión se demostrará que la acción para prevenir el ecocidio obstaculiza el punto de referencia existente en la construcción de normas ambientales. Para construir la seguridad medioambiental, hay que neutralizar la ilusión y el cortoplacismo en las actividades medioambientales. El ecocidio es una amenaza que requiere soluciones tanto a nivel de la legislación nacional como de una estrategia global con visión de futuro. En las deliberaciones se demostrará que el ecocidio es un fenómeno virulento y peyorativo que ahora va más allá del eco-delito clásicamente entendido. La prevención del ecocidio es una necesidad civilizatoria urgente. En las deliberaciones se destacará el componente intergeneracional, que debe impulsar la actualización y la realización de estrategias con vistas a garantizar la seguridad ecológica de forma continua. Para fundamentar las hipótesis de investigación planteadas, las consideraciones utilizan un método formal-dogmático y un método comparativo de los actos de derecho internacional con los documentos jurídicos en el ámbito de la protección del medio ambiente. La investigación se complementa con un análisis de la relación entre la naturaleza y el mundo humano.

Palabras clave:
ecocidio; seguridad ecológica; protección ambiental; biodiversidad; Derecho Ambiental

Introdução

O ambiente natural cria um espaço para a existência dos seres vivos. No início do século 21, a biodiversidade de plantas e animais começou a desaparecer em uma escala sem precedentes e o grau de poluição do ambiente natural passou a exceder os padrões aceitáveis. Anteriormente, o ecocídio ocorria sobretudo a nível local. O progresso tecnológico e a expansão econômica e industrial contribuíram para o aumento sistemático das ameaças ao meio ambiente. Tais circunstâncias intensificaram a atividade legislativa no foro internacional. No entanto, o fenômeno do ecocídio não foi neutralizado. Do ponto de vista da avaliação do modus operandi, o ecocídio constitui atualmente uma ameaça global amorfa para o ambiente social e natural. Este artigo apresentará argumentos que indicam a necessidade de reformulação do modelo existente de proteção ambiental e da maneira de entender a segurança ecológica em termos de prevenção e combate mais eficazes ao ecocídio.

1 Segurança ecológica

A segurança é um dos maiores desejos dos seres humanos e, ao mesmo tempo, um dos objetivos dos Estados ao estruturar estratégias de segurança nacional. O termo “segurança” é definido como um estado no qual não há ameaça física à existência e às diversas manifestações da vida e da atividade humana. O estado de segurança física é o oposto de ansiedade, angústia e medo (SZUNIEWICZ, 2016SZUNIEWICZ, M. Ochrona bezpieczeństwa państwa jako przesłanka ograniczenia praw i wolności jednostki w świetle Europejskiej Konwencji Praw Człowieka. Warsaw: Wydawnictwo C.H. Beck, 2016.). Portanto, para a complementaridade das ações protetivas, é necessário levar em conta e neutralizar as ameaças à segurança também na dimensão psicológica. Em muitas partes do mundo, as pessoas são forçadas a deixar ou fugir de seus locais de residência anteriores por causa da degradação ambiental (THE BROOKINGS INSTITUTIONS et al, 2015THE BROOKINGS INSTITUTIONS et al. Guidance on protecting people from disasters and environmental change through planned relocation. Washington, DC: The Brookings Institution, 2015.; ver: UNHR, 2021UNHR – UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Office of the High Commissioner. Frequently asked questions on human rights and climate change. New York: UNHR, 2021.). A atividade criminosa contra a natureza altera as estruturas biológicas e provoca mudanças no delicado e sutil tecido da natureza. A privação intencional dos meios de subsistência das pessoas resultante da devastação do ambiente natural pode tornar-se uma das violações mais graves e multidimensionais dos direitos humanos em um futuro próximo.

A crescente degradação ambiental faz da segurança ecológica um dos principais componentes das estratégias de segurança pública. O termo “segurança ecológica” geralmente se refere a ações tomadas para minimizar ou eliminar “riscos à saúde e à vida humana decorrentes do ambiente natural” (MICHAJŁOW apud POKRUSZYŃSKI, 2017POKRUSZYŃSKI, W. Bezpieczeństwo: teoria i praktyka. Kraków: Wyższa Szkoła Bezpieczeństwa, 2017.). Com relação ao ecocídio, esta é uma definição restrita, pois o fenômeno analisado tem uma gênese derivada da atividade antrópica. É importante notar que existem processos naturais que podem causar esgotamento dos recursos naturais, por exemplo, terremotos com tsunamis, tornados e secas. Ao contrário das ações humanas, esses atos não são realizados deliberada e intencionalmente. Por outro lado, o ecocídio é uma atividade humana evidentemente ilegal que causa danos extensos e graves ao meio ambiente. Os danos à natureza também podem ser causados por improbidade, por exemplo, por meio do excesso dos poderes daqueles que supervisionam a proteção ambiental, da realização de obras de construção sem permissão ou avaliação do impacto do investimento no meio ambiente, e da falta de medidas preventivas mediante o conhecimento de uma ameaça de falha de instalações industriais que possa contaminar o meio ambiente.

O desenvolvimento industrial e a aceleração da urbanização resultam na aquisição de áreas cada vez maiores para investimentos em cultivo e construção. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, entre 2012 e 2050, serão necessários mais 100 milhões de hectares de terra para a produção agrícola (FAO, 2020bFAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. International Year of Plant Health 2020. Protecting Plants, Protecting Life. Rome: FAO, 2020b.). A demanda por terras agrícolas está associada à crescente interferência no ambiente natural. Muitos recursos naturais não são renováveis. A atividade antrópica faz que cada vez mais espécies da flora e da fauna estejam em estado de ameaça imediata de extinção, o que não deve demorar, uma vez que o desenvolvimento da economia e a expansão da indústria “muitas vezes exibem características canibais: devoram o meio ambiente” (UNMÜßIG, SACHS, FATHEUER, 2012UNMÜßIG, B.; SACHS, W.; FATHEUER, T. Critique of the green economy: toward social and environmental equity. Berlin: Heinrich Böll Foundation, 2012.). Os crimes ecocidas criam um perigo de danos graves à natureza e representam um risco real de perturbação do equilíbrio biológico dos ecossistemas.

No entanto, atribuir a gênese do crime ecológico na industrialização não oferece uma imagem completa do fenômeno. Devem também ser consideradas as transformações em curso na estrutura e no funcionamento da comunidade internacional. Há cada vez mais entidades que se caracterizam por uma capacidade crescente de influenciar o processo legislativo no campo da proteção ambiental, por exemplo, conglomerados de biotecnologia, empresas de energia e lobbies econômicos. Entre os desafios emergentes, vale a pena pontuar as ligações cada vez mais estreitas entre os produtores de alimentos à base de plantas e a questão alimentar. Como resultado, a globalização do agronegócio cria uma rede de conexões, aumentando o risco de falsificação de produtos, reduzindo sua qualidade ou ocultando o conteúdo de conservantes químicos. S. Prakasa escreve sobre corporações internacionais que, ignorando princípios ecológicos, participam de atividades que causam degradação ambiental sob o pretexto de melhorar “o clima de investimento” (PRAKASA, 2021PRAKASA, S. Ecocide crimes & Omnibus Law: review of International Law and its implications on Indonesia Law. Dinamika Hak Asasi Manusia, v. 12, n. 2, p. 14-20, 2021.). A liberalização dos investimentos leva ao desenvolvimento do comércio transnacional e ao estabelecimento de subsidiárias de empresas de combustível e energia fora dos países onde estão localizadas suas sedes. Os investimentos são direcionados para a obtenção de áreas ricas em recursos naturais. Esses esforços causam a degradação da fitosfera e a dizimação de espécies da flora e da fauna. Por exemplo, no Equador, como resultado da pressão antrópica sobre o meio ambiente e da extração de petróleo, ocorreu uma catástrofe ecológica apelidada de “Chernobyl Amazônica” (mais: DONZIGER, 2004DONZIGER, S. R. Rainforest Chernobyl: litigating indigenous rights and the environment in Latin America. Human Rights Brief, v. 11, n. 2, p. 1-4, 2004.). Depósitos de petróleo haviam sido descobertos no Parque Nacional Yasuni, uma das áreas de maior biodiversidade do mundo (KIMERLING, 1990KIMERLING, J. Disregarding Environmental Law: petroleum development in protected natural areas and indigenous homelands in the Ecuadorian Amazon. Hastings International and Comparative Law Review, v. 14, n. 4, p. 849-903, 1990.; MYERS, 1988MYERS, N. Threatened biotas: “hot spots” in tropical forests. The Environmentalist, v. 8, n. 3, p. 187-208, 1988.; PASTOR, DONATI, WELLS, 2008PASTOR, G. H.; DONATI, G.; WELLS, T. Yasuní Green Gold: the amazon fight to keep oil underground. Oxford: New Internationalist, 2008. p. 16.; WARNARS, 2010WARNARS, L. The Yasuni-ITT Initiative: a new model to implement human rights and biological diversity conventions and frameworks? Policy Matters – Journal IUCN’s Commission on Environmental, Economic and Social Policy, v. 17, p. 55-77, 2010.). A vasta destruição da flora impactou simultaneamente o funcionamento da sociedade.

O aumento do ecocídio também é causado pela dominação de fatores econômicos e desigualdades sociais. A devastação do ambiente natural provoca alterações climáticas, déficit de terras aráveis e, consequentemente, escassez de alimentos. Fenômenos como secas, desertificação, anomalias climáticas e o efeito estufa promovem transformações negativas no funcionamento da natureza e das sociedades. Cerca de 800 milhões de pessoas passam fome crônica e 2 bilhões sofrem de deficiência de micronutrientes (FAO, 2017FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. The future of food and agriculture: trends and challenges. Rome: FAO, 2017.). Como resultado, a pobreza, a desnutrição, a exclusão social e a discriminação são exacerbadas. A decomposição da ordem internacional torna a segurança cada vez mais fluida e complexa. Por essa razão, a segurança deve ser entendida a partir de uma perspectiva mais ampla, levando em consideração o ambiente da vida humana. Assim, a formulação e aplicação de normas de segurança ambiental exigem também um ambiente legislativo adequado.

2 Obrigações intergeracionais

Outro elemento importante da definição de segurança ecológica é a natureza intergeracional das medidas de proteção. Essa alegação é fundamentada no primeiro princípio da Declaração de Estocolmo: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras” (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO, 1972DECLARATION on the Human Environment, adopted by the United Nations Conference on the Human Environment, signed in Stockholm on 16 June 1972.). A tese sobre o componente intergeracional da estratégia de segurança pública é justificada pelo significado da Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em um Contexto Transfronteiriço, na qual o papel de “desenvolver políticas antecipatórias” é enfatizado (CONVENÇÃO DE ESPOO, 1991CONVENTION on Environmental Impact Assessment in a Transboundary Context, adopted in Espoo on 25 February 1991, article 1, item viii.). Um meio ambiente limpo é um patrimônio comum e uma obrigação de várias partes interessadas. Essa obrigação não se limita, portanto, aos Estados como sujeitos básicos do Direito Internacional, mas engloba a sociedade como um todo.

A normatização de valores com um componente ecológico é facilitada pelas normas do “quase-Direito”. Na resolução sobre a proteção do ambiente natural em áreas afetadas por conflitos militares, adotada em 2016 pela Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, foi destacado o papel da proteção ambiental contínua (UNEP, 2016UNEP – UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. 2/15. Protection of the Environment in Areas affected by Armed Conflict – UNEP/EA.2/Res.15. New York: UNEP, 2016.). A resolução apoia a tese da intergeracionalidade dos compromissos na área de garantia da segurança ecológica. O documento pode gerar com o tempo regulamentos juridicamente vinculativos.

3 Gênese e evolução do ecocídio

O fenômeno do ecocídio tem sido um elemento da estratégia militar há séculos. A tática de terra arrasada, que já havia sido implementada pelos egípcios (MATIĆ, 2017MATIĆ, U. Scorched Earth: violence and landscape in New Kingdom Egyptian representations of war. Istraživanja Journal of Historical Researches, p. 20-28, 2017.), pode servir de exemplo. Essa tática envolvia a instigação ou aprofundamento de crises agrícolas locais e a destruição de alimentos e de abrigos para os habitantes locais. O exército egípcio destruiu árvores frutíferas e plantações. Pessoas e animais perderiam a fonte de alimento e suas rotas de fuga. A tática de terra arrasada também tinha uma dimensão simbólica, pois despojava as pessoas de atributos culturais e dos significados da identidade social. Os invasores deixaram uma marca permanente de destruição na paisagem social e no ambiente natural. Ao longo do tempo, essa tática evoluiu, causando danos cada vez mais severos ao meio ambiente. As atividades estenderam-se à destruição de infraestruturas e dispositivos de importância estratégica para o inimigo. Táticas de terra arrasada foram proibidas pelas Convenções de Genebra, que atualmente constituem parte do Direito Internacional Humanitário. Com o tempo, as estruturas militares foram ampliadas e o arsenal de armas modernizado. Com a mudança na percepção do campo de batalha, a estratégia das operações militares também mudou.

Como consequência, a degradação do ambiente natural, em vez de “ter no máximo um caráter colateral”, passou a ser “excessiva em relação ao benefício militar obtido” (ŻELIGOWSKI, 2014ŻELIGOWSKI, M. Zakazane i dozwolone metody prowadzenia działań zbrojnych w świetle międzynarodowego prawa humanitarnego konfliktów zbrojnych. In: FALKOWSKI, Z.; MARCINKO, M. (ed.). Międzynarodowe prawo humanitarne konfliktów zbrojnych. Warsaw: Wojskowe Centrum Edukacji Obywatelskiej, 2014.). A Guerra do Vietnã é considerada a data simbólica do surgimento das armas ecológicas. Durante a operação de codinome “Ranch Hand”, foram descartados aproximadamente 19 milhões de galões de herbicidas (MARTIN, 2012MARTIN, M. F. Vietnamese victims of agent orange and U.S. – Vietnam relations, congressional research service, aug. 29, 2012.; cf. STELLMAN, 2018STELLMAN, J. M.; STELLMAN, S. D. Agent Orange during the Vietnam War: the lingering issue of its civilian and military health impact. American Journal of Public Health, v. 108, n. 6, p. 726-728, 2018.). Agentes fitotóxicos e desfolhantes fortes causaram profundas transformações na estrutura biológica e contribuíram para a destruição da fitosfera. Segundo pesquisas, o teor de dioxinas no solo e nos aquíferos pode persistir por mais de 100 anos (CUSATO, 2018CUSATO, E. From ecocide to voluntary remediation projects: legal responses to 'environmental warfare' in Vietnam and the spectre of colonialism. Melbourne Journal of International Law, v. 19, n. 2, p. 6-8, 2018.). Os acontecimentos no Vietnã intensificaram o trabalho legislativo para proibir o uso de desfolhantes para fins militares. No entanto, a normatização do ecocídio não foi realizada no Direito Internacional até agora.

No discurso público, o termo “ecocídio” foi usado pela primeira vez por A. Galston em 1970, durante uma conferência sobre guerra e responsabilidade nacional (CUSATO, 2018CUSATO, E. From ecocide to voluntary remediation projects: legal responses to 'environmental warfare' in Vietnam and the spectre of colonialism. Melbourne Journal of International Law, v. 19, n. 2, p. 6-8, 2018.). Galston argumentou que essas atividades eram ilegais e extensas, voltadas para a natureza (GAUGER et al., 2012GAUGER, A. et al. The ecocide project ‘ecocide is the missing 5th Crime Against Peace’. London: University of London, 2012.). Diante do exposto, pode-se concluir que o ecocídio também deve ser entendido levando em conta os processos que determinam o funcionamento dos ecossistemas. Com o tempo, o ecocídio começou a assumir formas cada vez mais traiçoeiras e destrutivas.

A dimensão da ameaça a esse respeito é evidenciada pela prática de destruição em massa de áreas naturais durante a Guerra do Golfo na década de 1990. A destruição intencional do ambiente natural foi um elemento planejado das táticas de guerra. A atividade militar estendeu-se por mais de 7500 km2 e destruiu 5458,7 km2 de terra, além de elementos animados e inanimados do mundo natural (PTACH, MITRASZEWSKA, 2005PTACH, W.; MITRASZEWSKA, A. Wpływ wojny w Zatoce Perskiej na lądowe środowisko naturalne. Przegląd Naukowy. Inżynieria i Kształtowanie Środowiska, v. 14/2, n. 32, p. 181-189, 2005.). Ao todo, 700 poços de petróleo foram explodidos e parte dos vazamentos de petróleo foi incendiada (PTACH, MITRASZEWSKA, 2005PTACH, W.; MITRASZEWSKA, A. Wpływ wojny w Zatoce Perskiej na lądowe środowisko naturalne. Przegląd Naukowy. Inżynieria i Kształtowanie Środowiska, v. 14/2, n. 32, p. 181-189, 2005.). Portanto, a natureza pode ser considerada uma das principais “vítimas” do conflito no Golfo Pérsico, já que a reabilitação das áreas naturais danificadas e a eliminação dos efeitos da catástrofe ecológica ainda levarão muitos anos.

O conflito armado que agora está abalando o mundo é o ataque ilegal e bandido da Rússia à Ucrânia. Em março de 2022, a Diretoria Principal de Inteligência do Ministério da Defesa da Ucrânia anunciou que as tropas russas planejavam destruir áreas naturais e executar a extração em massa de florestas. As árvores devem ser cortadas independentemente da idade e dos valores biológicos. As ações para as quais as tropas russas estão se preparando foram descritas como “ecocídio” (STARR, 2022STARR, M. Ukraine accuses Russia of planning to cut down and sell its Forests in 'Ecocide'. The Jerusalem Post, 16 mar. 2022.Disponível em: https://www.jpost.com/international/article-701426. Acesso em: 19 mar. 2021.
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). A escala da ameaça às pessoas e ao meio ambiente aumenta pelo fato de, durante a invasão à Ucrânia, as tropas russas usarem armas proibidas pela lei internacional, incluindo munições de fragmentação e bombas de fósforo, que destroem todos os tecidos vivos da natureza a seu alcance.

A Convenção de Espoo aponta as causas físicas dos danos ambientais ao definir o termo “impactos transfronteiriços” (CONVENÇÃO DE ESPOO, 1991CONVENTION on Environmental Impact Assessment in a Transboundary Context, adopted in Espoo on 25 February 1991, article 1, item viii.). No entanto, deve-se enfatizar que a devastação de áreas naturais também pode ser provocada pelo impacto de fatores intangíveis, como produtos químicos tóxicos que contém agentes cancerígenos. A penetração de substâncias químicas nocivas representa uma ameaça particular para os elementos frágeis e vulneráveis do ecossistema. Nesse contexto, levanta-se a questão da eficácia e da coerência das normas ambientais internacionais até os dias atuais.

Ao longo do tempo, foram elaborados tratados internacionais que proíbem ações contra o meio ambiente. No entanto, estes diziam respeito apenas a um elemento específico da natureza, ao contexto situacional (por exemplo, durante conflitos armados) ou à proibição do uso de uma tática ou tipo de arma específico. Por exemplo, a Convenção sobre a Proibição do Uso Militar ou Hostil de Técnicas de Modificação Ambiental não proíbe o uso de técnicas de modificação ambiental para fins pacíficos se estas estiverem de acordo com os princípios e regras reconhecidos do Direito Internacional [art. III(1)] (ENMOD, 1977CONVENTION on the Prohibition of Military or any other Hostile use of Environmental Modification Techniques (ENMOD), opened for signature on 18 May 1977 in Geneva.). No entanto, não foi especificado quais objetivos da modificação da natureza podem ser considerados pacíficos, nem definido o limite de atividades potencialmente permitidas. Essas técnicas de modificação ambiental podem ser classificadas como armas geofísicas. No entanto, deve-se observar que, no caso de ecocídio, os danos podem ser causados não apenas a elementos animados da natureza, mas também a elementos inanimados. À luz do acordo analisado, cada Estado Parte é obrigado, de acordo com seus próprios princípios constitucionais, a combater as violações da Convenção (art. IV). No entanto, essa redação pode resultar na falta de critérios e práticas uniformes de acordo com as legislações nacionais.

R. A. Falk apontou diretamente para o crime de ecocídio ao propor a adoção da Convenção Internacional para o Crime de Ecocídio com o Protocolo sobre Guerra Ambiental (FALK, 1973FALK, R. A. Environmental warfare and ecocide facts, appraisal and proposals. La Revue Belge de Droit International, n. 1, p. 18, 1973.). Na Convenção, o ecocídio foi estabelecido como um crime intencional que pode ser cometido tanto em tempos de paz quanto durante a guerra (art. I). A minuta do Protocolo enfatiza a disposição de se abster do uso de armas que possam causar o enfraquecimento ou a destruição de processos ecológicos. No entanto, tais documentos não surtiram efeito. Haja vista que a devastação do meio ambiente no início do século 21 ocorreu em uma escala sem precedentes, a criminalização internacional de atos ilícitos ecocidas deve ser discutida.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) considera casos de indivíduos que cometeram ou incitaram as violações mais flagrantes dos direitos humanos. No discurso público, pode-se encontrar o uso de termos como “ecocrime” ou crime ecológico (LAY et al., 2015LAY, B. et al. Timely and necessary: ecocide law as urgent and emerging. The Journal Jurisprudence, p. 433-438, 2015.). Atualmente, a escala e a intensidade do ecocídio vão além da estrutura do crime contra o ambiente natural classicamente entendido. Até o momento, crimes ecológicos transfronteiriços são considerados principalmente em relação ao comércio ilegal de espécies selvagens de plantas e animais, à caça e extração ilegal de madeira e ao transporte ilegal de resíduos perigosos (LAY et al., 2015LAY, B. et al. Timely and necessary: ecocide law as urgent and emerging. The Journal Jurisprudence, p. 433-438, 2015.). Ao analisar o ecocídio, deve-se enfatizar que se trata de um fenômeno extremamente insidioso e amorfo que pode perturbar não apenas os processos que ocorrem na natureza, mas também os fundamentos da existência humana. P. Higgins era a favor do reconhecimento do ecocídio como o quinto crime contra a paz (HIGGINS, 2010HIGGINS, P. Eradicating ecocide: laws and governance to prevent the destruction of our planet. London: Shepheard-Walwyn, 2010.). A inclusão do ecocídio em um catálogo de crimes processados internacionalmente exigiria o desenvolvimento de critérios objetivos para definir um limite que permitisse classificar atos específicos como um crime de ecocídio.

Em 1985, foi publicado o Relatório B. Whitaker, que recomendava a ampliação da definição de “genocídio” para incluir “genocídio cultural” e “ecocídio” (WHITAKER, 1985REVIEW of Further Developments in Fields with which the Sub-Commission has been Concerned. Revised and Updated on the Question of the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide prepared by Mr B. Whitaker, United Nations Economic and Social Council, Commission on Human Rights, Sub-Commission on Prevention of Discrimination and Protection of Minorities, Thirty-eighth Session, E/CN.4/Sub.2/1985/6, 2 July 1985, § 33.). O termo “ecocídio” foi utilizado para descrever as mudanças destrutivas causadas pelo homem no ambiente natural. No entanto, a emenda não foi introduzida ao Estatuto do TPI. Como resultado, no Estatuto de Roma (ROMA, 1998ROME STATUTE of the International Criminal Cour (ICC), adopted in Rome on 17 July 1998 and it entered into force on 1 July 2002.), encontram-se disposições que se referem apenas indiretamente à questão discutida. Porém, esforços adicionais para regulamentar essa questão não devem ser abandonados. A título de ilustração, vale lembrar que, já durante a guerra no Vietnã, o ecocídio atingiu tal escala que as ações ilegais com o “Agente Laranja”, que causaram a extinção em massa e extensa da vegetação, foram chamadas de “Auschwitz para valores ambientais” (CUSATO, 2018CUSATO, E. From ecocide to voluntary remediation projects: legal responses to 'environmental warfare' in Vietnam and the spectre of colonialism. Melbourne Journal of International Law, v. 19, n. 2, p. 6-8, 2018.). Essa forte coloração terminológica foi criada como resultado da combinação com a definição de genocídio. Todos os dias, o ecocídio está se espalhando amplamente para outras áreas naturais. Diante do aprofundamento da devastação e da poluição do meio ambiente, as Nações Unidas soam o alarme de que a humanidade caminha para uma “grande catástrofe planetária” (MALONEY, 2018MALONEY, M. Rights of nature: information for Australian communities. Brisbane: Australian Earth Laws Alliance, 2018.). Portanto, reformular o paradigma da relação entre o homem e a natureza não é uma exigência do momento, mas uma necessidade. Para realizar uma mudança fundamental, é necessário reconhecer a dependência humana na natureza, tomando medidas para garantir “o mais alto nível de segurança e saúde ecológica” (MALONEY, 2018MALONEY, M. Rights of nature: information for Australian communities. Brisbane: Australian Earth Laws Alliance, 2018.).

A inclusão do ecocídio no catálogo de infrações processadas pela legislação nacional foi recentemente defendida na França (KUCHARCZYK, 2020KUCHARCZYK, M. Francja: Konwent obywatelski ws. klimatu chce uznania ekobójstwa za przestępstwo. Wspieram, 22 jun. 2020. Disponível em: https://www.euractiv.pl/section/energia-i-srodowisko/news/francja-ekobojstwo-ekologia-klimat-zmiany-klimatyczne-la-convention-citoyenne-pour-le-climat-ecocide. Acesso em: 19 jan. 2021.
https://www.euractiv.pl/section/energia-...
). A proposta de criminalizar o ecocídio foi formulada levando em conta o envenenamento e a destruição do ambiente natural em um grau que impede a existência de seres humanos e outros organismos vivos. No início do século 21, a devastação ambiental ocorreu em escala global. Entretanto, atos ilegais a esse respeito ainda não constituem crimes separados de maneira autônoma, processados com base no Estatuto do TPI.

4 Uma mudança de paradigma

Conforme apontado nas considerações anteriores, originalmente, o ecocídio funcionava no sentido de táticas de guerra ou meios não violentos destinados a destruir o potencial do inimigo. O ecocídio é geralmente definido como atividades que causam danos extensos ou a destruição da paisagem natural, a interrupção dos processos que ocorrem em determinada área nos ecossistemas a ponto de ameaçar a biodiversidade de plantas e animais e dificultar ou impossibilitar a vida dos residentes (LAY et al., 2015LAY, B. et al. Timely and necessary: ecocide law as urgent and emerging. The Journal Jurisprudence, p. 433-438, 2015.). Todos os dias, atos ilegais que podem ser classificados como ecocídio são marcados por consequências cada vez mais abrangentes. Deve-se ressaltar que essas ações são tomadas não apenas durante conflitos armados e situações de crise, como alegado até agora, mas também durante períodos de relativa estabilidade. Segundo estimativas, entre 1990 e 2020, 420 milhões de hectares de floresta foram perdidos globalmente como resultado do desmatamento (FAO, 2020aFAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. Global forest resources assessment 2020: key findings. Rome: FAO, 2020a.; 2020cFAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. The state of the World’s forests: forests, biodiversity and people. Rome: FAO, 2020c.). O procedimento de derrubar sucessivas camadas de florestas tropicais, os “pulmões verdes” da Terra, está ganhando força. Estima-se que, a cada minuto, 40,5 hectares (100 acres) de florestas tropicais, que desempenham funções vitais tanto para o funcionamento humano quanto para todo o ecossistema do planeta, são derrubados (consulte: SANERA; SHAW, 1999SANERA, M; SHAW, J. S. The Rain Forest: one hundred acres a minute? In: SANERA, M; SHAW, J. S. Facts, not fear teaching children about the environment. Vancouver: The Fraser Institute, 1999. p. 114-129.). A falta de normatização do ecocídio pode contribuir para a transformação do ambiente humano em um “terreno baldio ecológico” (BROSWIMMER, 2002BROSWIMMER, F. J. Ecocide. A short history of the mass extinction of species. London: Pluto Press, 2002.). O vínculo ontológico entre o homem e a natureza está se desgastando. Outras ameaças incluem o efeito estufa, desastres com navios petroleiros, falhas em usinas nucleares ou a “Grande Porção de Lixo do Pacífico” (NRDC, 2020NRDC – NATURAL RESOURCES DEFENSE COUNCIL. Plastic peril: the widespread and devastating impacts of plastic pollution on our oceans. New York: NRDC, 2020.). Como existe uma rede de interconexões, interações e interdependências no meio ambiente, a degradação do ecossistema aquático também tem um grande impacto sobre as condições de vida na terra.

Ao expandir o argumento sobre a intergeneracionalidade das obrigações, deve-se fazer referência ao Preâmbulo da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, que afirma que “a deterioração ou o desaparecimento de qualquer item do patrimônio cultural ou natural constitui um empobrecimento prejudicial do patrimônio de todas as nações do mundo” (CONVENÇÃO DE PARIS, 1972CONVENTION concerning the Protection of the World Cultural and Natural Heritage, adopted in Paris on 16 November 1972.). As ações para combater e prevenir o ecocídio exigem uma cooperação internacional maior do que a existente até o momento. A estratégia a esse respeito deve, portanto, ser implementada de maneira sistemática e não incidental. A proteção não limitada pelo diferencial de formas é uma garantia de que os fatores bióticos e abióticos serão levados em conta nas medidas de segurança ambiental.

De acordo com M.A. Gray, o ecocídio é um ato cometido intencionalmente que causa: (a) danos ecológicos graves, extensos ou duradouros; (b) consequências internacionais; e (c) desperdício e perda de recursos naturais (GRAY, 1996GRAY, M. A. The international crime of ecocide. California Western International Law Journal, v. 26, n. 2, p. 215-272, 1996.). Deve-se levar em conta que a interrupção dos processos biológicos no ecossistema nem sempre tem efeitos imediatos e visíveis. O processo de degradação pode ocorrer gradualmente. Entretanto, a ausência de risco não deve levar à inação e ao abandono da modernização da estratégia de segurança. As ações tomadas devem ser correlacionadas com programas educacionais. É preocupante que, diante do crescimento e da intensidade da ameaça de ecocídio, exista uma abordagem fragmentada das questões de proteção ambiental, lacunas legislativas, falta de mecanismos eficazes para a troca de informações e falta de sistemas para alertar sobre desastres iminentes.

5 Componente ecocêntrico

O atual mecanismo de proteção ambiental está saturado de critérios antropocêntricos. Isto é importante para os direitos humanos e as liberdades, pois serve para reforçar a proteção dos seres humanos. No entanto, com relação ao meio ambiente, o antropocentrismo coloca os aspectos ecológicos em segundo plano. Consequentemente, a proteção da natureza é considerada do ponto de vista da salvaguarda dos direitos do indivíduo. A natureza não desempenha um papel decisivo, mas serve de pano de fundo para a proteção dos direitos humanos. Os critérios antropocêntricos resultam no tratamento da natureza em termos de direitos de propriedade, o que resulta na objetificação do meio ambiente em bases legais (JAKUBOWSKA, 2008JAKUBOWSKA, A. Ochrona środowiska – aspekty prawne zagadnienia. Mazowsze. Studia Regionalne, n. 1, p. 109, 2008.; WIERZBOWSKI, RAKOCZY, 2018WIERZBOWSKI, B.; RAKOCZY, B. Prawo ochrony środowiska: zagadnienia podstawowe. Warsaw: Wolters Kluwer, 2018.; ZAWŁOCKI, 2014ZAWŁOCKI, R. Karnoprawna ochrona środowiska naturalnego. Przegląd Prawa Rolnego, v. 1, n. 14, p. 127-146, 2014.). Uma reformulação desse ponto de referência é necessária para o desenvolvimento da nova ética ambiental. Para aumentar a eficácia do combate e da prevenção do ecocídio, é necessário aprofundar e aprender mais sobre os fenômenos e processos que ocorrem na natureza. O ecocentrismo permite que os regulamentos se concentrem na natureza.

Vale ressaltar que nenhum raciocínio humano está livre de erros, portanto, o ecocentrismo também não deve ser adotado de maneira totalmente acrítica. No entanto, este artigo, ao discutir o ecocentrismo, procura demonstrar que essa visão pode subsidiar ações para garantir os mais altos padrões alcançáveis na conservação da natureza. No ecocentrismo, assume-se que a natureza tem um valor interno e inerente (KORTENKAMP, MOORE, 2001KORTENKAMP, K. V.; MOORE, C. F. Ecocentrism and anthropocentrism: moral reasoning about ecological commons dilemmas. Journal of Environmental Psychology, v. 21, n. 3, p. 261-272, 2001.). A conscientização do valor da natureza resultante da ordem natural deve levar à revisão das estratégias e normas ambientais existentes. O ecocentrismo ajuda a neutralizar a compreensão utilitarista do meio ambiente perpetuada pelo antropocentrismo.

Portanto, mudar o ponto de referência para ecocêntrico pode enfatizar a lógica ecológica em uma perspectiva mais ampla, mostrando que os seres humanos fazem parte de um grande organismo vivo da natureza. É importante ressaltar que o ecocídio cumpre a premissa de um crime que visa não apenas ao ambiente natural, mas também a ordem natural. Nessa abordagem, o ecocentrismo procura perceber que o homem, embora distinto de todas as criaturas, deve ser o guardião da natureza, e não seu conquistador.

Conclusões

Até recentemente, no discurso público, o ecocídio era entendido principalmente no sentido de tática militar. À luz das considerações deste artigo, não há dúvida de que o ecocídio é atualmente uma das maiores ameaças transfronteiriças à conservação da natureza. A prevenção e o combate ao ecocídio são dificultados pela multiplicação de atores que, em vez de usar a linguagem do Direito Ambiental, “falam em números” e equilibram os lucros e as perdas. Atualmente, as ações das corporações transnacionais e das empresas de combustível e energia são praticamente impunes. Daí a necessidade de verificar o catálogo de entidades que podem ser responsáveis à luz do Direito Internacional.

No ecocídio, a natureza é uma vítima “silenciosa”. A lacuna na forma da falta de uma definição normativa e regulamentação do ecocídio no foro internacional contribui para a criação de um vazio legal que enfraquece a proteção do meio ambiente e a possibilidade de impacto das normas legais nessa área. Assim como o ecocídio, que priva os ecossistemas de sua vitalidade, a falta de atividade legislativa aprofunda a erosão da segurança ecológica. O raciocínio é apresentado na exposição de motivos, que mostra que, para tornar a proteção eficaz, a lógica ecológica deve ser considerada fundamental, o que pode impedir a compreensão do meio ambiente apenas pelo prisma da utilidade utilitária para os seres humanos.

O ecocentrismo provavelmente não resolverá todas as situações de crise nem neutralizará as ameaças à natureza, mas pode, de um ponto de vista mais amplo, chamar a atenção para as inter-relações e as dependências dos seres humanos em relação às forças da natureza. Isso abre caminho para uma mudança gradual nas normas existentes de Direito Ambiental e na jurisdição internacional, mostrando que o ecocídio é dirigido não apenas ao ambiente da vida humana, mas a toda a vida no Planeta Terra.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2022
  • Aceito
    02 Maio 2023
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