Open-access Chico Projeto Reforma urbana e protesto social (Salvador, 1928-1930)

Chico Projeto Urban reform and social protest (Salvador, 1928-1930)

Resumo

O artigo analisa as origens do Quebra-Bondes, protesto popular de grandes proporções, ocorrido em Salvador nos dias 4 e 5 de outubro de 1930, contra a Linha Circular, subsidiária da General Electric. O protesto resultou de uma combinação de problemas urbanos de natureza estrutural e conjuntural, potencializados pela Grande Depressão. Havia um descontentamento crônico contra a Circular causado por problemas estruturais em áreas em que a empresa se fazia atuante. Esse quadro seria intensificado pelos impactos de um programa de reformas urbanas conduzido entre 1928 e 1930 pelo governo da Bahia e a prefeitura de Salvador em parceria com a Circular. O programa prometeu solucionar os problemas urbanos, mas, em certos aspectos, intensificou-os, o que recrudesceu a insatisfação popular, que explodiria no Quebra-Bondes. O presente texto, empregando sobretudo jornais e documentos empresariais, situará a causa do protesto nos impactos sociais gerados por tal programa na capital baiana no citado biênio.

Palavras-chave Bahia; Revolução de 1930; Quebra-Bondes

Abstract

This article inquiries the origins of Quebra-Bondes, a popular protest in Salvador on October 4th and 5th, against Linha Circular, a company belonging to General Electric. The protest resulted of a combination of urban problems of conjectural and structural nature, potentialized by the Great Depression. In the Bahian capital, there was a chronic discontent against Circular, because of structural problems in areas where the company acted. This situation was intensified by the impacts of a program of urban reforms conducted between 1928 and 1930 by the governments of Bahia and Salvador in alliance with the Circular. This program promised to fix urban problems, but, in certain aspects, it intensified them, deepening the popular dissatisfaction, which would explode in Quebra-Bondes. This text, employing newspaper and business documents, attributes the protest cause in the social impacts generated by the mentioned program at Salvador in 1928-1930.

Keywords Bahia; Revolução de 1930; Quebra-Bondes

Entre 1928 e 1930, o governo da Bahia e a prefeitura de Salvador empreenderam importantes obras e reformas. Concentrado na capital, o programa incluía ajardinamento, saneamento (água, esgoto e asseio público), arruamento (abertura e calçamento de ruas), abastecimento (feiras e mercados), assistência pública (hospitais e asilos), iluminação e transporte público (bondes e ascensores), assim como telefonia. 1 O empreendimento coroou as mudanças políticas e financeiras introduzidas no estado pelos governos de Góis Calmon (1924-1928) e de Vital Soares (1928-1930), pertencentes ao Partido Republicano da Bahia (PRB). O situacionismo prometia estabilidade e prosperidade, superando as administrações de J. J. Seabra (1912-1916; 1920-1924) e Antônio Moniz (1912-1916), acusadas de facciosismo político e de descalabro financeiro (Brito, 2019 , p.143). Essas obras e reformas foram realizadas em parceria com a Linha Circular, subsidiária da General Electric, então em expansão no mercado nacional de serviços públicos. De modo articulado a esse programa, a Circular consolidou na urbe o monopólio sobre energia, telefonia e transporte, constituído de bondes e ascensores públicos instalados entre as cidades alta e baixa.

Porém, entre o anoitecer de 4 e a madrugada de 5 de outubro de 1930, início da Revolução de 1930, um protesto contra a companhia causou-lhe prejuízos estimados entre 1 e 2 milhões de dólares. Populares atacaram oitenta trâmueis, galpões, oficinas e estações carris, elétricas e telefônicas, o plano inclinado do Pilar e os elevadores Lacerda e Taboão. Foi depredada a redação do jornal A Tarde , do deputado situacionista Simões Filho, conhecido aliado da Circular. Os manifestantes perseguiram o pessoal estadunidense da companhia, chegando a atirar pedras na residência do cônsul dos Estados Unidos, que era o país sede da General Electric. O prefeito precisou esconder-se dos manifestantes, retirando-se posteriormente para o Rio, onde renunciou (Sampaio, 1992 , p. 43-44; Santos, 2001 , p. 161-162; Tavares, 2008 , p. 383).

O protesto resultou de uma combinação de problemas urbanos de natureza estrutural e conjuntural, potencializados pela Grande Depressão. Havia um descontentamento crônico contra a subsidiária da General Electric, causado por problemas estruturais em áreas em que a empresa se fazia atuante. Graças a encargos contratuais, a Circular assumia responsabilidades indiretas ou parciais na moradia, saneamento e abastecimento; e diretas ou completas no transporte, energia e comunicação. Esse quadro seria intensificado pelos impactos do programa de obras e reformas dos governos estadual e municipal e da Circular, o qual prometeu solucionar os problemas urbanos, mas, em certos aspectos, intensificou-os, o que recrudesceu a insatisfação. O presente texto situará a causa do Quebra-Bondes nos impactos sociais que tal programa engendrou na capital baiana entre 1928 e 1930.

Preparando o terreno

Em dezembro de 1926, quando a General Electric comprou a Circular, Vital Soares, candidato situacionista ao governo estadual, anunciou que realizaria uma série de obras e reformas no estado, o que gerou esperança de melhora no cotidiano urbano de Salvador. 2 Na cidade, eram comuns as queixas contra a crise habitacional; a má qualidade e o alto preço dos alimentos; as restrições e as irregularidades no calçamento das ruas, na distribuição de água e coleta de esgoto e no recolhimento, transporte e destinação do lixo. 3 O transporte público, campeão das reclamações, era marcado por superlotação, atraso, acidente e discriminação, sendo as ligações telefônicas perturbadas por erros, demoras e quedas. Salvador era eletrificada por algumas termoelétricas e por uma hidroelétrica localizada em Bananeiras, município de São Félix. Entretanto, a energia produzida por tais usinas era insuficiente para as necessidades da capital, sendo distribuída por postes, cabos e transformadores em estado precário, o que era causa de síncopes e desastres elétricos, sobretudo durante as estiagens e temporais (Negro; Brito, 2020 , p. 585-587; Rebouças; Oberlander; Farias, 2022 , p. 240).

No primeiro semestre de 1928, o então governador Vital Soares (1928-1930) detalhou o programa reformador diante da Assembleia Legislativa. Os municípios interioranos seriam contemplados com o incremento do crédito agrícola, recebendo recursos adicionais para iluminação, saneamento e transporte hídrico e ferroviário. Em Salvador, o programa concentrar-se-ia na distribuição de água e coleta de esgoto, encargo que o Município passou ao Estado em 1925. 4 Vital Soares esclareceu que o programa dependeria da obtenção de um empréstimo no estrangeiro. 5

Tal programa seria executado em Salvador por Francisco Souza, engenheiro nomeado pelo governador para comandar a prefeitura. Em abril, ele solicitou dos conselheiros municipais a autorização para pedir ao governo estadual que contraísse um empréstimo de 50 mil contos de réis para expandir e restaurar a rede de saneamento. Os recursos correspondiam a um terço de um empréstimo maior, para o qual o governador, no mesmo mês, solicitou autorização da Câmara dos Deputados e Senado Estadual. Fora do mencionado terço, o montante para a cidade incluía 20 mil contos de réis a serem empregados em “obras de utilidade e melhoramentos urbanos”, que não foram explicitadas. Os conselheiros, em pouco tempo, autorizaram o prefeito e o governador a proceder às operações solicitadas. 6

O papel da Circular nas obras e reformas urbanas transparece em dois projetos chancelados em meados do ano pela Assembleia Legislativa. O primeiro autorizou o governo estadual a negociar com a companhia a reforma do regulamento de 1906 sobre a exploração hidroelétrica dos rios e cachoeiras da Bahia. Era o primeiro passo para a construção de uma grande usina em Bananeiras, em substituição à existente na mesma localidade, considerada antiga e muito pequena. O empreendimento prometia aumentar a produção energética e, portanto, suprir a demanda da capital. O segundo projeto repetia o procedimento para o contrato de telefone de 1924, o que abriria caminho para a introdução dos aparelhos automáticos. Estes dispensariam a intermediação das telefonistas, em parte responsabilizadas pelas demoras, erros e quedas nas ligações. 7

Os diretores da Circular participaram intensamente das negociações preliminares do projeto de obras e reformas. No ano anterior, o Conselho Municipal autorizara a prefeitura a negociar com a companhia a alteração dos contratos regendo a exploração dos ascensores públicos e dos bondes da cidade alta. O objetivo das negociações, retomadas por Francisco Souza, era aumentar a comodidade, segurança e rapidez nos transportes da parte superior da capital, os quais, dois anos antes, tinham passado ao monopólio da Circular. Na cidade baixa, os bondes, assim como as termoelétricas, eram explorados pelo próprio Município, por intermédio da Seção Especial de Gás e Eletricidade (SEGE), desde a encampação da antiga Bahia Tramway Light and Power, em 1914 (Rebouças; Oberlander; Farias, 2022 , p. 220). Note-se que não só o transporte carril, mas a eletricidade era explorada em zonas diferentes pela SEGE e a subsidiária da General Electric. No entanto, a presença da empresa particular não se restringiria à preparação e execução das obras, pois abrangia a negociação do empréstimo externo. É o que se percebe, entre outros, na atuação de Paul Mackee, diretor da General Electric, como intermediário das negociações junto aos credores estadunidenses. 8

De Francisco Souza a Chico Projeto

O primeiro ano da administração municipal de Francisco Souza caracterizou-se por franca melhora nas finanças públicas, o que arrancou elogios dos jornais. Graças, em parte, a alterações tributárias, a arrecadação de 1929, a primeira executada pelo prefeito, superou, em mais de um quarto, a de 1928. Na lei orçamentária de 1929, Francisco Souza destinara 2.500 contos para obras públicas, montante muito superior aos 800 contos registrados no orçamento de 1928. Entretanto, os gastos reais alcançaram 4.749 contos, pois a arrecadação realizada superou a orçada. O calçamento representou a principal realização da prefeitura, pois, segundo Francisco Sousa, o paralelepípedo cumpria papel central na mobilidade e asseio ao permitir o tráfego automotor, que era o “sangue arterial” do “organismo urbano”, facilitando, em acréscimo, a limpeza das ruas. O prefeito era um entusiasta do transporte a combustão, o que terá importantes desdobramentos. 9

A situação das ruas era assunto palpitante em Salvador por não existirem calçamentos em áreas menos centralizadas, mas conhecidas e populosas, como Tororó, Sete Portas, Brotas e Rio Vermelho. Era uma situação dramática, sobretudo durante os temporais, que podiam impedir até o trânsito pedestre. Na Liberdade, por exemplo, o lamaçal era um obstáculo para as crianças irem à única escola do populoso arrabalde. Segundo o regulamento do transporte carril, a Circular era obrigada a calçar o leito dos trilhos, o que, se cumprido, amenizaria a situação. 10 O calçamento parcial, ademais, reduzia os custos da prefeitura com a pavimentação da rua inteira, razão pela qual o Município era pressionado pelos moradores para completar a obra. Entretanto, a companhia não respeitava o regulamento, assentando os trilhos diretamente sobre o solo, o que era objeto de críticas devido à demanda dos subúrbios pelo melhoramento. 11 Esse era um problema não apenas para o transporte de pedestres, carroças e autos, mas dos próprios trâmueis, cujas segurança e celeridade dependiam dos paralelepípedos impostos pelo regulamento.

Entre os empreendimentos de Francisco Souza, também merece destaque o asseio público. O lixo era coletado nas casas e destinado a fornos incineradores por carroças contratadas pela prefeitura. Segundo as críticas dos jornais, os pagamentos aos carroceiros eram irregulares, estando as carroças e os fornos em péssimo estado. O resultado era que os dejetos eram espalhados pelas ruas e descartados em depósitos clandestinos, formando, ademais, monturos em torno dos fornos, que eram instalados no Garcia, Dendezeiros e, sobretudo, Fonte Nova, áreas suburbanas de moradia popular. 12 O prefeito decidiu, então, reorganizar o serviço, que passaria a ser realizado diretamente pelo Município, para isso encomendando fornos e caminhões especiais nos Estados Unidos após ter aumentado as taxas do serviço, cujas rendas, em consequência, subiram 60%. Os caminhões chegariam em setembro de 1929 e os fornos em abril de 1930. 13

Entretanto, a administração municipal sofreu desgaste paulatino, que alcançou ápice nos dias anteriores ao Quebra-Bondes. Era o caso da proposta de demolição da centenária catedral da Sé, situada em distrito homônimo, no centro histórico. O assunto cindia a sociedade em geral, incluindo a Igreja, a imprensa, os políticos e os intelectuais. O distrito da Sé era uma área de mendicância e de moradia popular, o que ajudou a legitimar a proposta demolidora. 14 Em palestra com a imprensa, um engenheiro, considerando que a demolição pretendia remodelar o distrito, opinou que o empreendimento exigiria a derrubada de dois quarteirões. Trata-se de um indício de que a demolição da igreja era uma ameaça para os trabalhadores e moradores de rua existentes na zona. Essa ameaça ficou clara quando o projeto demolidor acabou abandonado sem explicações oficiais. Parte da imprensa criticou duramente o prefeito e o governador, apresentando a região como uma área de mendicância, exigindo imediata extinção. 15 Retórica semelhante reapareceria na decisão de Francisco Souza de eliminar os quiosques da cidade, descritos nos jornais como “grotescas armações”, ajuntamentos de “gente vagabunda e suspeita”. Diferente da proposta de demolição da Sé, a remoção desses pontos de sociabilidade popular seria concretizada, apesar de certa resistência. 16

Dois outros projetos de teor semelhante foram apresentados pelo prefeito no Conselho Municipal. O primeiro, surgido em 1928, impunha, a partir de janeiro de 1930, a substituição das pequenas carroças em circulação na cidade por carroções de boleias, puxados por dois ou mais animais. Seus idealizadores alegaram que o calçamento era prejudicado pelo aro das carroças e a estética urbana pela indumentária dos carroceiros. O segundo projeto, apresentado no ano seguinte, atingia inúmeros profissionais, como empregados em casas particulares, hospedagens, restaurantes; quituteiros, queimadeiros, açougueiros; marítimos; choferes e engraxates. Todos eram obrigados a usar carteira de identidade e a pagar matrícula de 5 mil réis anuais, ficando sujeitos a multas e exclusões se contraíssem doenças contagiosas e desrespeitassem um regulamento a ser elaborado por Francisco Souza. Carregadores, estivadores, gazeteiros, mercadores ambulantes e outros trabalhadores de rua teriam, ainda, de usar calçado, farda e placa com a matrícula. 17

Os projetos eram uma ameaça à renda e à cultura laboral de parte da classe trabalhadora, como os carroceiros, já prejudicados pela introdução de caminhões no asseio público. Quase trezentos carroceiros, em setembro de 1928, solicitaram a prorrogação da primeira lei, alertando para os prejuízos que ela criaria, não só para eles como para a população geral, em boa parte dependente de carretos. Eles alertaram que a acidentalidade e a estreiteza das ruas de Salvador eram um sério empecilho para a circulação de carroções e caminhões. Outra circunstância, não mencionada pelos carroceiros, era que a Circular e a SEGE não disponibilizavam número suficiente de bondes para transporte de cargas, o que era razão para recriminações. No mesmo mês, no entanto, um grupo de conselheiros, preocupados com os impactos econômicos da medida, passou outra lei, prorrogando em um ano a proibição no perímetro urbano, exceto nas ruas centrais e calçadas, onde ela se iniciaria em 1930. Depois de janeiro de 1931, nem carroças, nem carroções, poderiam circular no perímetro urbano. 18

O projeto das matrículas igualmente receberia críticas, o que obrigou seu autor a prestar esclarecimentos no Conselho Municipal, em junho de 1929. Ele assegurou que a medida garantiria que a “classe operária” (no caso, os carregadores) fosse identificada como homens de “trabalho honesto”, em contraposição a outros ocupantes do espaço público, o que sugere o intuito de aumentar o controle social. A União dos Operários Estivadores protestou contra a lei, explicando que seus associados não se submetiam à jurisdição municipal, já sendo obrigados a carregar placas, embora não fardas, pela Capitania dos Portos e a Alfândega Federal. 19

Ainda que amplas categorias laborais fossem impactadas por essas medidas, as gazetas que consultei noticiaram resistência apenas da parte dos carroceiros e dos estivadores, sendo listada, entre as entidades de classe, somente a União dos Operários Estivadores. Embora ao menos parte dessas categorias dispusesse de associações antigas e atuantes, as organizações operárias de Salvador, depois da conjuntura grevista de 1919-20, tinham adentrado um período de refluxo. Seriam exceções precisamente os trabalhadores do porto, que organizaram paralisações em 1924 e 1928, atacando o superintendente da concessionária do porto em 1930 (Brito, 2023 , p. 169; Santos, 2001 , p. 108-113). 20 Porém, o apoio concedido por alguns conselheiros aos condutores de carroças sugere que se agenciou, contra as citadas leis, a estratégia de articulação com os políticos tradicionais, muito empregada por outras associações (como o Centro Operário). 21 Finalmente, é possível que a atual pesquisa, por se concentrar na imprensa e documentos empresariais, não tenha captado outras articulações dos trabalhadores.

Essas medidas do poder público transpareciam a associação entre classes populares e “classes perigosas”, que permeara as políticas urbanas nas décadas anteriores (Chalhoub, 1990 , p. 10). Destruir a igreja abriria o caminho para expulsar do centro para os subúrbios os mendigos e residentes do distrito da Sé, uns e outros encarados como uma ameaça à saúde pública, o que igualmente se percebia na referência a doenças contagiosas. Os trabalhadores e, em particular, os negros, eram entendidos como um perigo à ordem legal (dizia-se que o projeto de matrículas inibiria crimes, como roubos de mercadoria por parte de carroceiros e carregadores). 22 Mesmo uma ansiedade moral emergiu durante os debates sobre as carroças no Conselho Municipal, quando se denunciou a exibição do torso nu dos carroceiros em espaços públicos e mesmo residências particulares. 23 Tratava-se de uma maneira excludente e discriminatória de abordar as questões urbanas, em que eram ignoradas as duras condições de trabalho e moradia impostas aos trabalhadores como origem das mazelas sociais (Chalhoub, 1990 , p. 15; p. 22).

O programa de obras e reformas reproduziu essa lógica discriminatória e excludente ao estimular o transporte automotor. Salvador, seguindo uma tendência nacional, assistia a um crescimento no registro de autos, caminhões e ônibus, cujo número quase triplicou entre 1924 e 1928. Esse crescimento seria apoiado pelos calçamentos de Francisco Souza, concentrados nas áreas centrais e planas, onde a circulação desses carros era plausível, em detrimento das zonas suburbanas e acidentadas. Entre 1928 e 1929, a prefeitura realizou 128.306 metros quadrados de “calçamentos” em zonas urbanas e apenas 9.759 metros quadrados de “emparedamentos” nos “bairros da pobreza”. 24 Substituídos pelos caminhões no asseio público, os carroceiros, ao pedirem a prorrogação da lei proibindo a circulação das carroças, reconheceram que não conseguiriam resistir ao domínio do transporte automotor, deixando claro saber que se pretendia substituí-los pelos caminhões. O despreparo das autoridades públicas, choferes, passageiros e pedestres em lidar com essa modalidade de transporte gerou uma desordenada disputa pelo espaço público. Choques, atropelos e emborcamentos tornaram-se ameaça corriqueira para as categorias em geral empregadas nas ruas, como mercadores e carregadores. Essa situação acabou gerando, ao menos em 1927 e 1928, uma permanente tensão entre motoristas e estivadores, a qual se traduziu em conflitos desencadeados por atropelos na zona portuária. 25

A popularidade de Francisco Souza seria comprometida pelas dificuldades de Vital Soares em conseguir o empréstimo externo, embora o prefeito não participasse das negociações. Havia, segundo a imprensa, uma série de projetos que a prefeitura tinha passado no Conselho Municipal, sem conseguir executá-los pela demora das negociações com os prestamistas. Os recursos seriam destinados à expansão e restauração do sistema de águas e esgotos e outros melhoramentos não explicitados. Sempre que eram cobradas a respeito dos problemas urbanos em geral, as autoridades municipais diziam que a solução dependia da chegada dos recursos externos. Diante da situação, a impaciente população apelidou o prefeito de Chico Projeto, exprimindo a impaciência diante do não cumprimento das promessas dessa autoridade. 26

O cenário acabaria exacerbado pela circunstância de o programa de obras e reformas ter contribuído para aumentar a carestia, problema crônico em Salvador, fazendo-se presente outras partes do país. Os aumentos tributários impostos pelo prefeito para reorganizar o asseio público atingiram prédios de no mínimo 50 mil réis. Para se ter uma ideia do impacto social dessa medida, o anúncio de um aluguel de 75 mil réis, em janeiro de 1928, gerou uma romaria tão grande de interessados que perturbou o cotidiano do senhorio anunciante. Entre 50 e 200 mil réis, a proporção média do tributo por aluguel era de 13%; de 400 mil réis a 1 conto, de 7%, sinal de que o tributo recaiu desproporcionalmente sobre os menos abastados. Eram cobranças repassadas pelos proprietários aos inquilinos, aumentando o custo da moradia. 27

O programa de obras e reformas afetou os preços praticados nos entrepostos comerciais, como feiras e armazéns. O governo estadual criara uma sobretaxa de 10% sobre os impostos estaduais para auxiliar o pagamento do empréstimo, executando-a antes mesmo deste ser obtido. Alegando que o transporte seria melhorado pelos recursos externos, estabeleceu, em acréscimo, um tributo sobre circulação de mercadorias, o que aumentou os preços dos produtos agrícolas produzidos no interior e consumidos na capital. O próprio anúncio do programa reformador gerou encarecimento, o que se percebia em meados de 1928, quando, segundo uma gazeta, registraram-se aumentos no feijão e arroz (50%), açúcar e batata (34%), carne de sertão (23%), toucinho (14%), entre outros. Dizia-se que os comerciantes subiam os preços de maneira desproporcional, justificando-se pelos aumentos nos tributos. 28 Essa situação pioraria a partir das mudanças que a Circular, autorizada pelos poderes públicos, introduziria no transporte, energia e telefonia.

Contrato de transporte

Tais alterações começaram a se configurar a partir de agosto de 1928, quando Francisco Souza, após meses negociando com a subsidiária da General Electric, apresentou no Conselho Municipal a proposta de melhorias nos ascensores e nos bondes da cidade alta. Os ascensores seriam restaurados, ganhando o elevador Lacerda duas cabines e o plano inclinado do Pilar um abrigo para os passageiros. Seriam introduzidos 10 trâmueis e 7 reboques, o que prometia aumentar os horários diários para bairros como Nazaré, Graça, Lapinha, e Rio Vermelho. Em contrapartida, os preços dos ascensores e de bondes passariam de 100 para 200 réis, o que seria liberado à proporção que as obras fossem inauguradas. No caso dos trâmueis, as passagens eram cobradas por “seção”, isto é, por trecho de ramal. Quando existissem duas seções contíguas de 100 réis, elas seriam unificadas numa seção de 200 réis, mas as seções isoladas de 100 réis passariam a custar 200 réis cada. 29

Os empresários, em contrapartida, solicitaram a eliminação de certas cláusulas do contrato anterior. Era o caso da obrigação de calçar o leito dos trilhos, suprida em troca de dez parcelas anuais de 80 contos, a serem pagas pela empresa ao Município. O encargo de preparar o solo para a instalação dos carris passaria da companhia para a municipalidade, o que seria aplicado na retomada da construção do ramal da Liberdade, paralisada pelo jogo de empurra entre empresários e autoridades públicas em torno de quem cabia o citado encargo. Obrigada pelo contrato anterior a expandir a rede carril aos arrabaldes à proporção que estes cresciam, a companhia receberia autorização para explorar ônibus nessas zonas. No contrato em execução, o material fixo e rodante concedido à Circular pertencia ao Município, que os receberia sem ônus ao término da concessão, em 1965. No novo contrato, a empresa tornar-se-ia proprietária dessa estrutura material em troca do pagamento de 3.440 contos entre 1939 e 1965. 30

O acordo afetaria o comércio de carne e, portanto, o abastecimento alimentar, pois os concessionários propuseram pagar 1.000 contos em troca da eliminação do compromisso, aceito pela Circular em contrato de 1906, de construir um abatedouro municipal, em substituição ao existente no Retiro. Programada para concluir em 1908, a obra, duas décadas depois, sequer começara, o que impunha prejuízos à saúde e à economia populares. Construído em terreno pantanoso quando a população era muito menor, o abatedouro do Retiro, em péssimas condições sanitárias, não dispunha de mobiliário, telefone, energia ou água encanada. Carnes condenadas pela fiscalização eram contrabandeadas para determinados açougues; estabelecimentos clandestinos abatiam gado nos subúrbios. No matadouro municipal, os fornecedores de gado eram obrigados a manter os animais em currais pequenos e estragados, o que comprometia a gordura do produto. Para os grandes marchantes, porém, a situação era interessante, pois consistia numa desculpa para abater o gado em estabelecimentos sertanejos, distantes da fiscalização tributária e higiênica de Salvador. Consequentemente, tais comerciantes opunham-se à construção de um estabelecimento modelo, conforme o contrato de 1906. Durante as manifestações públicas contra a qualidade e preço da carne, eles eram acusados de espalhar desinformação sobre o mercado de gado nos sertões, sendo a Circular criticada por descumprir a antiga obrigação de construir o matadouro municipal. O pagamento dos 1.000 contos pela subsidiária da General Electric, autorizado pela reforma contratual, gerou a esperança de que a situação do comércio da carne seria melhorada a partir do emprego da indenização na construção de um estabelecimento modelo. 31

Esse acordo seria chancelado rapidamente, mas a tramitação não foi tranquila. Cantídio Teixeira, conselheiro municipal, em discurso aos colegas e aos ocupantes das galerias, denunciou o contumaz desrespeito da Circular a acordos anteriores, apontando o risco de a empresa assumir a mesma postura em relação ao novo acordo. Segundo o orador, foi o que ocorrera com a construção do matadouro do Retiro, cujo eterno adiamento gerara prejuízo fiscal ao Município. Era comum, segundo ele, a companhia assumir compromissos em troca de concessões, para, ao entrar no gozo das concessões, solicitar a substituição dos compromissos por obrigações menos onerosas, como a reforma do largo de Santo Antônio, trocada pelo calçamento do largo do Barbalho. Noutras ocasiões, exigia mais concessões para cumprir compromissos que tinha assumido em contratos anteriores em troca de concessões que tinha recebido e passado a gozar. Era o que ocorria quando a empresa pedia que o Município preparasse o solo da Liberdade para a instalação dos trilhos, pois, em contrato de 1925, tinha aceitado empreender toda a obra em troca de um aumento tarifário no centro histórico. Cantídio Teixeira apresentou duras críticas à entrega à companhia do material fixo e rodante pertencente ao Município por apenas 3.440 contos, embora relatórios publicados pela própria companhia reconhecessem que os equipamentos representassem 34.585 contos. 32

O debate sobre a reforma contratual ganharia repercussão na imprensa e no Conselho Municipal, sendo retomado noutra sessão, assistida das galerias por jornalistas e populares. Registrou-se um tenso debate entre Alfredo Tuvo, líder da casa, e o conselheiro municipal Cantídio Teixeira, pois o primeiro apoiou o projeto submetido por Francisco Souza. O contrato seria assinado ainda em agosto, pouco depois da chancela do Conselho Municipal. 33 O prefeito tornou o acordo uma maneira de reunir recursos financeiros para o Município, como sugere a comparação entre um rascunho interno produzido em maio pela Circular e o projeto apresentado em agosto no Conselho Municipal. Em indenizações ao Município, o primeiro documento, representando a proposta inicial dos concessionários, registrara 1.360 contos, e o segundo, produzido após interferência de Francisco Souza, 5.240 contos.

Durante as negociações, reduziu-se o número de trâmueis a serem introduzidos e foram excluídas abertura e duplicação de ramais, entre outras medidas que os próprios concessionários tinham julgado importantes para melhorar o tráfego carril. Em contraste com o rascunho, o documento final não discriminara a destinação das indenizações pagas, exceto as dez parcelas de 80 contos, a serem empregados em calçamentos. Consequentemente, o prefeito recebia o poder de decisão sobre onde utilizar os recursos. Francisco Souza, em declarações aos jornais, reconheceu que ao menos a entrega do material fixo e rodante à Circular obedecera ao critério de conseguir dinheiro para o Município. 34 Essa era outra contribuição da empresa para o financiamento das obras e reformas, paralela à indicação de Paul Mackee como intermediário junto aos banqueiros estadunidenses.

O projeto final exprimiu uma política detrimentosa às classes populares, sobretudo as residentes nos arrabaldes. Ele drenou recursos públicos e particulares do transporte carril e público para o transporte automotor e particular, dada a centralidade dos paralelepípedos nas obras municipais. Primeiro, permitiu que, em troca de uma indenização ao Município, a obrigação de calçar os leitos dos ramais fosse eliminada. Depois, Francisco Souza concentrou os paralelepípedos em áreas centralizadas e planas em detrimento das suburbanas e acidentadas, beneficiando a circulação de automóveis em detrimento dos bondes e, de certa maneira, dos pedestres. Porém, não existia uma política de estímulo aos ônibus, isto é, à modalidade coletiva do transporte sobre quatro rodas. O prefeito, ademais, permitira que a empresa explorasse ônibus nos subúrbios, embora concentrasse os calçamentos em áreas centrais.

Jornais, no geral, aplaudiram o acordo entre o Município e a Circular, mas uma série de artigos críticos saiu no oposicionista Diário da Bahia . O periódico denunciou a pouca transparência na tramitação do projeto, sugerindo que sua aceitação dependera de negociatas conduzidas pela Circular na imprensa, na prefeitura e no Conselho Municipal. O acordo teria sido uma imposição do governador da Bahia para agradar à companhia e conseguir o empréstimo nos Estados Unidos. O diário alertou para o impacto econômico do aumento das passagens, sobretudo para as populações suburbanas como as de Liberdade e Amaralina, onde o encarecimento seria maior, já que as tarifas eram cobradas por trecho. 35

A execução do aumento tarifário teve início em março de 1929, quando a companhia entregou os bondes prometidos. Porém, segundo denúncias da imprensa, o tráfego carril retomara a costumeira desorganização após uma melhora inicial. O número de bondes introduzidos, apenas 10, era muito pequeno diante das necessidades da capital, o que se percebia, entre outros, na continuação das denúncias sobre superlotação. Tais censuras apareceram no situacionista A Tarde e no oposicionista Diário da Bahia , sendo o primeiro um apoiador e o segundo um crítico da Circular. 36 O próprio contrato parecia reconhecer que os carros eram insuficientes ao trazer uma cláusula permitindo à empresa diminuir o número de paradas e, consequentemente, acelerar os bondes. 37 Denunciou-se que a medida pretendia disfarçar o número insuficiente de bondes, deixando a impressão de que a reforma contratual melhorara o tráfego. Entretanto, a decisão mostrou-se desastrosa devido à péssima situação do material fixo e rodante, em particular os carris e os freios. O número de descarrilamentos e atropelos aumentou intensamente nas semanas seguintes, em especial no Rio Vermelho, o que gerou uma série de críticas na imprensa. 38

Contrato de energia

Em maio, pouco depois de a reforma contratual entrar em execução, a Circular, titular do monopólio sobre a telefonia, estendeu-o para o transporte público e a eletricidade ao incorporar os empreendimentos administrados pela SEGE, isto é, os trâmueis e as termoelétricas da cidade baixa (Saes, 2010 , p. 421-425). O governo da Bahia exerceu papel central na operação, pois entabulou negociações com os credores de um empréstimo contraído em 1914 pelo Município para encampar os mencionados empreendimentos, então explorados pela Bahia Tramway Light and Power. Fraudulentamente duplicado, o empréstimo comprometera seriamente as finanças do Município e, por extensão, a capacidade deste de realizar a manutenção no transporte e eletricidade da cidade baixa (Cunha, 2011 , p. 77). Vital Soares conseguiu dos credores que o débito se reduzisse de mais de 230 mil para 20 mil contos, o mesmo montante que, diante da Assembleia Legislativa, prometera retirar do empréstimo externo e passar ao Município. O governador não explicara aos parlamentares em que seria aplicado esse montante, podendo tratar-se da alienação do material administrado pela SEGE. Sem conseguir o empréstimo, ele acabou passando à prefeitura apenas 12 mil contos, sendo os 8 mil restantes pagos pela Circular. Era mais um atestado da importância da General Electric no financiamento das obras e reformas em curso na cidade. 39

Essa operação abriu caminho para a imediata assinatura de um contrato de transporte e outro de energia, ambos abrangendo a cidade inteira e consagrando o princípio de que os equipamentos adquiridos pertenciam à Circular e não ao Estado ou ao Município. O primeiro incorporou e substituiu o contrato anterior (até então restrito à cidade alta), acrescentando cláusulas específicas para a cidade baixa, onde as passagens seriam duplicadas, como na zona superior. No prazo de sete meses, a empresa introduziria 10 trâmueis e 3 reboques nessa linha, cujos trilhos, bondes e cabos, então em péssimo estado, seriam restaurados. 40 O contrato de eletricidade impôs à Circular a substituição imediata das lâmpadas queimadas ou fracas, uma das principais causas da iluminação pública ruim, sobretudo nos arrabaldes. Em um mês, a empresa apresentaria projetos para a reforma e ampliação da rede distribuidora de Salvador, iniciando os trabalhos um mês após a autorização do Município. Oficialmente, o preço da energia seria o mesmo praticado pela Circular, que já a fornecia a particulares e ao poder público antes de se tornar a concessionária do serviço na cidade inteira. Entretanto, na prática, o custo da energia elétrica aumentou. 41 Em contraste com o acordo de 1928, os aumentos previstos nos contratos de 1929 entrariam em vigor imediatamente, antes da inauguração das melhorias acertadas.

O contrato do transporte ensejou certa melhora na cidade baixa, mas gerou descontentamentos. O preço para ir do início ao término do ramal passou de 300 para 600, não 400 réis, como sugerira o contrato, pois a empresa, manipulando a cláusula que permitia alterar a localização dos pontos de embarque e desembarque, criou uma seção extra no final da linha. Notou-se, ademais, que os preços tinham aumentado antes mesmo da introdução dos bondes prometidos. Os moradores protestaram junto à imprensa e ao Conselho Municipal, mas sem resultados. Percebe-se que a alteração das paradas não possibilitava apenas disfarçar a exiguidade da frota, mas potencializar os ganhos oriundos da alteração tarifária. Depois que a Circular acelerou o tráfego carril da zona, esta tornou-se tão perigosa quanto o Rio Vermelho em relação aos atropelos e descarrilamentos. Foram introduzidos novos carros na cidade baixa no segundo semestre de 1929, mas seria noticiado, em maio do ano seguinte, que a companhia transferira dez deles para a cidade alta, onde recolheria doze para manutenção nas oficinas. 42

O contrato de energia ocasionou uma insatisfação maior, como ficou claro a partir de julho de 1929, após um desastre no Rio Vermelho. Na manhã de 12, um dos frequentes descarrilamentos do arrabalde ocasionou a ruptura de um cabo elétrico que eletrificou a rua encharcada pelo temporal. O curto-circuito matou um calceteiro e feriu um carregador de carne e dois empregados da Circular, transmitindo-se para o interior das casas, de onde expulsou para as ruas os moradores aos gritos e em trajes domésticos. O acidente expôs os problemas no tráfego e na rede transmissora, causando grande repercussão na cidade. Francisco Souza pressionou a empresa, lembrando-a de que em julho expiraria o prazo para a apresentação do projeto de restauração da rede transmissora. Mesmo o jornal de Simões Filho, simpático à companhia, alertou-a de que a recorrência desses acidentes acabaria gerando contra ela um ambiente de “repúdio e antipatia”. Os diretores da Circular, logo depois do acidente, realizaram uma excursão com autoridades públicas e jornalistas para Bananeiras, onde mostraram os trabalhos de construção da nova hidroelétrica, argumentando, assim, que a empresa cumpria suas obrigações. 43

Paralelamente, crescia o descontentamento contra as disposições existentes no próprio contrato, independente do cumprimento dos prazos. Em agosto, a Sociedade Beneficente Defensora dos Pobres, criada cinco anos antes na Liberdade, apresentou no Conselho Municipal um ofício com questionamentos sobre o controle elétrico. Dirigida por alguns engenheiros, a entendida contaria com cerca de 2 mil associados, tendo se aproximado de Francisco Souza ao encarregar-se da gestão de um dos pequenos mercados que a prefeitura espalhara por certos arrabaldes da capital baiana. Porém, assumia uma postura crítica em relação à atuação da Circular, pressionando-a pela abertura do protelado ramal da Liberdade. Foi, praticamente, a entidade social cuja militância contra as reformas urbanas recebeu melhor cobertura da imprensa. 44

Os signatários do ofício da entidade, apoiados por Diário da Bahia e Diário de Notícias , denunciaram o aumento na conta de energia elétrica apesar da iluminação pública e particular continuar péssima, sobretudo nos subúrbios. O contrato estabelecia multas sobre atrasos; aluguel dos contadores; taxa de consumo mínimo e de ligação, inspeção e aferição dos contadores. Embora não aumentasse o preço anteriormente cobrado pela Circular, permitiu que metade deste se compusesse em dólar, isto é, oscilasse de acordo com o câmbio, o que aumentaria custos, sobretudo a partir do cenário crítico iniciado em setembro com a crise do café e recrudescido em outubro pela Grande Depressão. Era comum a população estabelecer um controle estrito do consumo energético para pagar apenas a taxa mínima, que, no contrato de maio, passara de 7.000 para 14.600 réis. Essa situação, detalhadamente criticada pela Sociedade Beneficente Defensora dos Pobres, era agravada pela perda de controle dos soteropolitanos sobre a conta, dado que não conseguiam impedir a depreciação do mil-réis face ao dólar. Alfredo Tuvo e Cantídio Teixeira, que tinham discordado sobre o contrato do transporte público, apresentaram um parecer conjunto em que defenderam a aplicação do câmbio e outras cláusulas, mas reconheceram o número crescente de reclamações contrárias aos métodos de cobrança da energia elétrica. Decidiram, então, encaminhar ao prefeito o ofício da Sociedade Beneficente dos Pobres, pedindo esclarecimentos sobre os protestos apresentados ao Conselho Municipal. 45

O final do ano foi marcado por uma estiagem que causou uma séria crise energética, abalando a aliança entre a subsidiária da General Electric e as autoridades locais. 46 Francisco Souza seria, então, alertado pela fiscalização municipal que a Circular não tinha condições de cumprir as obrigações contratuais. O prefeito multou a empresa, obrigando-a a comprar energia elétrica de duas companhias locais para repassá-la aos consumidores sem cobrar a taxa mínima. Tal situação explicitou o erro em que consistira entregar, pelo contrato de energia elétrica, concessões à companhia antes da inauguração da hidroelétrica de Bananeiras. Parte dessas concessões era o encarecimento da energia, considerada, ademais, exorbitante para uma população espremida, de um lado, pela carestia, e, de outro, pelo desemprego e baixos salários.

Durante a crise energética, o contrato do transporte público reemergiu em cena, colocando Francisco Souza e a subsidiária da General Electric no centro de uma polêmica. Soube-se que o prefeito empregara em calçamento a indenização de 1.000 contos que a Circular pagara ao Município pela eliminação da cláusula do matadouro do Retiro, o que gerou uma cizânia em torno do acerto e do direito da decisão de Francisco Souza. Por ocasião da assinatura do acordo, em agosto de 1928, acreditara-se que a prefeitura destinaria o dinheiro à construção do abatedouro modelo, o que chegou a ser noticiado na imprensa. Entretanto, a cláusula não impunha destinação aos recursos que, assim, puderam ser utilizados segundo critério de Francisco Souza. Em outubro, diante das críticas, o jornal A Tarde saiu em defesa do prefeito, elogiando os calçamentos espalhados pela cidade. Entretanto, no mês seguinte, o mandatário explicou que o dinheiro fora incorporado à receita geral do Município, o que reacendeu a polêmica, dado que Francisco Souza não explicitou em que os recursos foram aplicados. Ele acrescentou que os gastos com o calçamento tinham somado 5 mil e 800 contos, quantia muito superior à indenização. 47

1930

O programa de obras e reformas continuou a agitar os meses que precederam ao Quebra-Bondes, expondo o próprio governo estadual ao descontentamento popular no início de 1930. Vital Soares anunciou que a tarifa d’água saltaria de 12 para 18 mil réis a partir de maio, decisão assentada na autorização para o empréstimo externo, concedida dois anos antes pela Assembleia Legislativa. Segundo a autorização, o aumento, cujo propósito era auxiliar a quitação do empréstimo, teria lugar seis meses após o início das obras do saneamento, o que o governo alegou cumprir, apesar da não obtenção do empréstimo, pois, com recursos próprios, importara tubulações, estando prestes a inaugurar tanques na Conceição e no Bonfim. Percebe-se que, como no contrato da energia elétrica, o público era instado a pagar pelas obras antes mesmo da inauguração. Segundo os jornais, mesmo que a reforma projetada garantisse água abundante e bem tratada, a tarifa de 18 mil réis era muito superior à cobrada nos demais estados. Diferente dos aumentos no transporte a na energia, o do abastecimento fora decretado quando já eram conhecidos os impactos da Grande Depressão, em particular o desemprego, causado pelas falências no comércio e na indústria, e os cortes na assistência social, originados da queda nas rendas públicas. Surgiria, posteriormente, a notícia de que o governo estadual pretendia entregar o abastecimento urbano, com a tarifa aumentada, à Circular. 48

Esse aumento repercutiu mal entre os trabalhadores, que passaram a ser mobilizados pela Aliança Liberal. Foram organizados comícios de protesto em abril nos largos do Pelourinho e São Francisco, com apoio da imprensa dissidente e participação de associações operárias. Embora as estimulasse à ação, destacando a agitação do “proletariado”, a imprensa dissidente não explicitou quais seriam essas associações. Teria sido criada uma sociedade de resistência que, no início de maio, contaria com associados em número de 500. Num dos encontros, que contou com a participação do operário Isidoro Bispo dos Santos, o rábula Cosme de Farias anunciou que a resistência contra o aumento consistiria no boicote ao pagamento dos 18 mil réis. Cosme de Farias era conhecido pela assistência dispensada aos pobres e pela participação no movimento operário e contra a carestia. Portanto, a reação contra o aumento reuniu a Aliança Liberal, a imprensa oposicionista, lideranças populares e associações operárias. Entretanto, a agitação perdeu fôlego nos meses seguintes, sem alcançar a anulação do aumento. 49

Paralelamente, os jornais continuaram a registrar reclamações contra o transporte público. Em maio de 1930, passageiros destruíram um bonde superlotado na Liberdade, após uma discussão com os empregados da Circular em torno da administração do tráfego. No triênio anterior, ocorreram quatro protestos semelhantes na rua J. J. Seabra, Brotas e Baixa de Quintas, os quais geraram pronta e dura reação policial. 50 Era o quebra-bondes, uma ação direta, realizada por populares que, no noticiário, não dispunham de nome, rosto ou representantes. Quebra-bondes, assim como quebra-lampiões, fecha-fechas, saques e apedrejamento de lojas, eram manifestações corriqueiras na Primeira República, repúdios às condições de existência na cidade, particularmente à carestia (Santos, 2001 , p. 149). Os usuários dos serviços públicos podiam recorrer a outras formas de manifestação, incluindo as reclamações nos jornais ou mesmo junto à empresa ou às autoridades públicas, embora nenhuma alcançasse a repercussão dos quebra-bondes, que, por suas dimensões, distinguiam-se do Quebra-Bondes de 1930.

Em meados desse ano, prosseguiam os acidentes cotidianos e as filas diante dos elevadores e planos inclinados. Pedindo carro direto para a cidade baixa, um periódico explicou que o transporte carril melhorara, mas permaneciam “falhas sensíveis”. Mesmo com a inauguração dos ramais suburbanos do Cabula e Federação, no ano anterior, bairros como a Cidade de Palha e Pau Miúdo continuavam esquecidos por não disporem de bondes. Na Federação, eram comuns atrasos e superlotação, pois a linha dispunha de apenas dois bondes. 51

O dissabor popular contra o preço e a qualidade da eletricidade tornou-se assunto dominante em meados do ano. Eram inúmeras as denúncias contra os aparelhos contadores, suspeitos de estarem registrando o consumo energético de maneira imprecisa, em prejuízo dos consumidores. Pode ser que a situação fosse causada pela oscilação cambial gerada pela Grande Depressão, dado que a conta de luz era parcialmente composta por dólar, mecanismo não necessariamente compreendido pelo grande público. Francisco Souza, no ano anterior, anunciara a criação de um laboratório para analisar os contadores, mas não dotou o estabelecimento fiscalizador da aparelhagem necessária. Em julho, depois de publicar uma matéria sobre o assunto, um jornal recebeu muitas cartas de leitores elogiando-a, o que patenteou como o assunto era objeto de atenção popular. 52

Os problemas na eletricidade não se restringiam aos contadores, pois incluíam a rede transmissora, cuja restauração e aplicação fora determinada pelo contrato assinado no ano anterior. Entre abril e maio, a subsidiária da General Electric começou, finalmente, as obras, gerando reclamações pela maneira como procedia. Os cabos então empregados não tinham encapamento, sendo instalados pela Circular muito próximos às fachadas prediais, o que era reputado um grande perigo, especialmente para as crianças residentes em sobrados. Logo a rede passou a ser apelidada de “Linha da Morte” nas alarmantes denúncias sobre a situação. Procurada pelos moradores do Tororó, onde a situação era crítica, a fiscalização municipal pressionou a Circular, que ignorou os alertas, prosseguindo os trabalhos, para grande irritação da imprensa e do público. 53

Telefone

O desgosto popular ganharia fôlego em agosto, quando os comerciantes retalhistas lançaram uma campanha contra o aumento da tarifa telefônica, marcado para outubro, quando ocorreria a inauguração dos aparelhos automáticos, conforme o contrato de 1928. A Associação dos Varejistas convocou a população em geral, associações, irmandades e políticos para uma assembleia em agosto. Na reunião, que contou com a participação da Associação Comercial, foram encaminhados telegramas aos dirigentes situacionistas, em especial o candidato ao governo estadual (Pedro Lago), o líder da bancada baiana no Parlamento (Simões Filho) e o ministro das Relações Exteriores (Otávio Mangabeira), solicitando interferência no caso. Por sugestão do senador estadual Wenceslau Guimarães, formou-se uma comissão para tratar do assunto junto à Circular e às autoridades estaduais e municipais. 54

Os argumentos contrários ao encarecimento tarifário foram apresentados em ofícios dirigidos pela comissão à imprensa, aos poderes públicos e à Circular. Os retalhistas explicaram ao governador que os telefones eram úteis para o comércio e as profissões, não podendo tornar-se objeto de luxo, ou seja, de preço exorbitante. O novo contrato impunha multas e um aumento de 200%, elevando a taxa domiciliar a 720 e a comercial a 960 mil réis anuais, uma grande diferença para Maceió, onde, após a introdução dos aparelhos automáticos, as taxas subiram para 50% das que seriam cobradas em Salvador. Para os comerciantes, os preços eram injustificáveis em período normal, muito menos em conjuntura de crise. Eles repudiaram, ainda, a composição parcial da tarifa em dólar, imposição igualmente presente no contrato de energia. O aumento nos preços seria geral, mas os aparelhos telefônicos foram introduzidos apenas nas regiões centrais, o que foi igualmente criticado na imprensa. 55

Os aparelhos telefônicos eram de uso restrito, entretanto, a campanha logrou repercussão. Os retalhistas não eram a população anônima, cujas reclamações contra o transporte e a energia, no geral, eram publicadas em pequenas notas de segundas, terceiras ou quartas páginas das gazetas. Sua entidade de classe não era uma associação desconhecida, sediada num subúrbio distante e abandonado, como a Sociedade Protetora Defensora dos Pobres. Graças a sua capacidade de articulação, os comerciantes, logrando certo apoio dos grandes exportadores da Associação Comercial, interpelaram a elite política de modo direto.

Essa campanha permitiu que se rearticulasse o dissabor contra o cotidiano urbano, em geral, e, em particular, o programa reformador e demais contratos da Circular. Cosme de Farias, que organizara a resistência ao decreto que aumentara a tarifa d’água, pediu ao presidente da Associação dos Varejistas que abordasse o assunto em suas reuniões. Na mesma ocasião, a Sociedade Protetora Defensora dos Pobres endereçou ao Senado um ofício denunciando a situação dos arrabaldes, como a Liberdade, onde o conforto era uma “nulidade” e a higiene um “acinte”. Ela alertou para os aumentos do aluguel, pão, café, carne, itens falsificados pelos comerciantes retalhistas. De um lado, eram estes a solicitarem o telefone, de outro, a pobreza a pedir pão e água. O texto concluiu com um alerta sombrio, ao apontar o risco de “as lágrimas” dos “desamparados” transformarem-se numa “coisa horrorosa, reacionária, negra, ameaçadora [...], que siga as pegadas daqueles causadores de tantas e inenarráveis misérias”. 56 Era uma premonição do Quebra-Bondes, cujos realizadores perseguiriam os personagens diretamente ligados ao programa reformador, isto é, Francisco Souza, Simões Filho e a Circular. Na ocasião, a terceira pessoa mais associada às obras e reformas, Vital Soares, depois de renunciar ao governo estadual, encontrava-se em temporada na Europa. Ele fora reconhecido, pelo Congresso Nacional, vice-presidente eleito ao lado de Júlio Prestes no âmbito da sucessão presidencial de Washington Luís (1926-1930), o que abriu disputas na Bahia em torno da sucessão do governo estadual.

Na cidade, em meados de setembro, antecipar a ocorrência de uma explosão como o Quebra-Bondes não dependia de atributos excepcionais, dado que a insatisfação contra o programa reformador intensificara-se nos meses precedentes, em parte pelos impactos locais da Grande Depressão. Dada a composição sociorracial da população soteropolitana, os trabalhadores negros, frequentemente tomados como uma “classe perigosa”, necessariamente exerceriam papel central num protesto dessa natureza. O aborrecimento geral “politizara-se” ao se articular com a crise política de 1929-30 na esfera federal e estadual, desencadeada pelas crises sucessórias na Presidência da República e no governo da Bahia. Durante a campanha presidencial, entre setembro de 1929 e março de 1930, o núcleo soteropolitano da Aliança Liberal denunciou, em comícios e na imprensa, os problemas urbanos e, de modo especial, os contratos da Circular. O assunto seria retomado nos meses seguintes, quando a imprensa aliancista denunciou a participação, nesse programa, de figuras como Simões Filho e Francisco Souza, que nutriam ambições em relação à sucessão estadual. O descontentamento popular com as mudanças no transporte carril e, sobretudo, na energia e telefone, alimentariam intensos debates no Conselho Municipal e na Assembleia Legislativa, sendo por estes realimentados. 57

Considerações finais

O Quebra-Bondes, apesar de sua proporção e coincidência com a Revolução de 1930, recebeu pouca atenção da historiografia, permanecendo desconhecido em aspectos elementares. Os historiadores atribuíram-no a aumentos tributários impostos pela Circular, discordando, entretanto, sobre a data e o setor em que o encarecimento aconteceu (Sampaio, 1992 , p. 43-44; Santos, 2001 , p. 161-162; Tavares, 2008 , p. 383). O presente texto mostrou que os aumentos tiveram início em 1929 e atingiram transporte, energia e telefonia, o que confirma a análise do primeiro trabalho dedicado especificamente ao Quebra-Bondes (Negro; Brito, 2020 , p. 584).

O atual trabalho contribuiu para o debate ao esclarecer que o encarecimento ocorreu noutras áreas, sendo uma das consequências de um processo amplo de mudanças desencadeadas pelos governos locais em associação com a Circular, que, na ocasião, consolidou um monopólio. Esse programa é desconhecido dos estudiosos e das memórias sobre o Quebra-Bondes. Francisco Souza e Vital Soares, autorizados pelo Conselho Municipal e a Assembleia Legislativa, estabeleceram aumentos tributários e tarifários em setores como o asseio público, a distribuição de água e a coleta de esgoto, assim como a circulação de mercadorias, o que afetou os aluguéis e o abastecimento alimentar, intensificando a carestia. O programa, ademais, caracterizou-se por frustrações, como o abandono da construção do abatedouro do Retiro. Certos empreendimentos, a exemplo da remoção dos quiosques, da demolição da catedral da Sé e da imposição de matrículas a certos trabalhadores, exprimiram a lógica excludente segundo a qual estes constituíam uma “classe perigosa”. Outro tema sensível era o das concessões de natureza legal e material à Circular em troca de melhorias consideradas desproporcionais, independentemente de serem ou não entregues. Este artigo, em comparação aos estudos existentes sobre o Quebra-Bondes, proporcionou uma explicação detalhada, precisa e dinâmica sobre as origens da insatisfação popular que explodiria em outubro de 1930.

Situar as origens do Quebra-Bondes nos impactos sociais das reformas urbanas e da crise política é crucial para os manifestantes dos dias 4 e 5 não serem tomados, de um lado, como “desordeiros” e “ladrões”, e, de outro, como um conjunto indiferenciado e abstrato, “o povo”. É comum a mobilização dessas imagens em registros contemporâneos, memórias e na historiografia tradicional sobre protestos de multidões anônimas, como notou George Rudé sobre a Revolução Francesa (Rudé, 1959 , p. 1). Exprimindo simpatia ou antipatia pelos amotinados, essas abordagens comprometem a análise das razões pelas quais as ruas são ocupadas pela multidão, bem como a composição social desta. O mesmo ocorre com o Quebra-Bondes, embora a historiografia tradicional, nesse caso, seja menos propensa a reproduzir os preconceitos dos registros contemporâneos. Desdobrando o estudo de Antonio Luigi Negro e Jonas Brito, o presente texto indicou que, nesse motim, a população comum mostrou sua capacidade de expressar o repúdio à discriminação e à exploração sociais intensificadas pelas reformas urbanas do biênio 1928-1930.

Durante o Quebra-Bondes e nos dias seguintes, os contemporâneos, incluindo a força pública, temeram a possibilidade de uma associação entre o protesto e a revolução dos tenentes e da Aliança Liberal, deslanchada nos dias 3 e 4 em Porto Alegre, Belo Horizonte e Paraíba. 58 O protesto consistiu no meio pelo qual a população trabalhadora e negra atribuiu, às mudanças políticas nacionalmente em curso, um sentido enraizado nas questões urbanas de Salvador, o que possibilita retomar o antigo debate sobre a participação das classes sociais na Revolução de 1930, lançado por Bóris Fausto ( 2009 , p. 7) e Edgard De Decca ( 1988 , p. 26). Tradicionalmente, a historiografia enfatiza participação popular nula ou marginal nos episódios políticos de outubro de 1930 (Pansardi, 2002 , p. 197). Entretanto, manifestações como as do dia 4 e 5 ocorreram em outras cidades, como Paraíba, Recife, Santos e Rio de Janeiro, representando uma emergência popular concomitante à ação armada contra o regime constituído. 59 Elas não eram acidentes da jornada revolucionária, mas uma maneira de a população impor sua presença na crise sucessória, o que pode ser captado pelo estudo das tensões sociais existentes em cada cidade em que ocorreram esses protestos. Nos anos imediatamente seguintes ao Quebra-Bondes, particularmente no Governo Provisório (1930-1924), Salvador seria assombrada pela memória do motim popular dos dias 4 e 5, sendo a política revolucionária agitada pelos problemas urbanos e, em especial, a situação dos contratos da Circular (Sant’Ana, 2010 , p. 88). Consequentemente, a principal contribuição do atual artigo reside em lançar as bases para a compreensão do liame entre o Quebra-Bondes e a revolução de 30, estimulando a retomada do debate sobre a participação popular no processo político que culminou na derrubada do primeiro regime republicano do Brasil.

Agradecimentos

Quero agradecer aos comentários de uma edição anterior desse texto por parte de Antonio Luigi Negro, Alexandre Fortes, Claudio Batalha, Daniel Rebouças e Fernando Teixeira. Obrigado a Matheus Cruz e Luís Henrique Santana Santos pelo auxílio na pesquisa.

Referências

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  • 6
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  • 7
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  • 8
    NÃO HAVERÁ um remédio para isso? Diário da Bahia , Salvador, 21 ago. 1928, p. 2.
  • 9
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  • 10
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  • 11
    SEM TÍTULO. Diário da Bahia , Salvador, 23 ago. 1927, p. 3.
  • 12
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  • 13
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  • 14
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  • 15
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  • 16
    AS MAZELAS da cidade. Diário da Bahia , Salvador, 29 jul. 1928, p. 2. Sobre os quiosques como lugar de sociabilidade popular, consultar Chalhoub ( 2005 ).
  • 17
    SESÃO ordinária. Diário Oficial do Estado da Bahia , Salvador, 20 jun. 1929, p. 8942.
  • 18
    SEM TÍTULO. Diário Oficial do Estado da Bahia , Salvador, 28 dez. 1929, p. 3452.
  • 19
    SESSÃO ordinária. Diário Oficial do Estado da Bahia , Salvador, 7 ago. 1929, p. 4442.
  • 20
    Sobre as greves de 1919-1920: CASTELLUCCI ( 2004 ).
  • 21
    Sobre o Centro Operário: CASTELLUCCI ( 2015 ).
  • 22
    REVOLVENDO OS destroços de uma companhia poderosa. Diário da Bahia , Salvador, 28 set. 1928, p. 3.
  • 23
    ROMPENDO AS barreiras da rotina. Diário da Bahia , Salvador, 6 set. 1928, p. 1.
  • 24
    SOUZA, F. Relatório de 1930 da intendência de Salvador, p. 12.
  • 25
    SEM TÍTULO. Diário de Notícias , Salvador, 27 jan. 1927, p. 2.
  • 26
    O ABANDONO dos nossos jardins. Diário da Bahia , Salvador, 18 out. 1928, p. 3
  • 27
    FOI UM blefe a isenção de impostos às casas da pobreza. Diário de Notícias , Salvador, 14 set. 1928, p. 2.
  • 28
    GUERRA aos exploradores do povo. Diário da Bahia , Salvador, 18 jun. 1928, p. 1.
  • 29
    ME. CAEEB. Cópia da mensagem de Francisco Souza ao Conselho Municipal em 3 de agosto de 1928, p. 1-2. CI.CAEEB.TE.103.22.
  • 30
    Cópia da mensagem de Francisco Souza ao Conselho Municipal em 3 de agosto de 1928, p. 1-2. ME. CAEEB. Cópia da mensagem de Francisco Souza ao Conselho Municipal em 3 de agosto de 1928, p. 1-2. CI.CAEEB.TE.103.22.
  • 31
    O INTENDENTE DEVE COLOCAR ACIMA DE TUDO O INTRESSE DA COMUNIDADE. Diário da Bahia , Salvador, 25 mai. 1928, p. 2.
  • 32
    SESSÃO EXTRAORDINÁRIA. Diário Oficial do Estado da Bahia , Salvador, 18 ago. 1928, p. 3.
  • 33
    SEM TÍTULO Diário de Notícias , Salvador, 25 ago. 1928, p. 1.
  • 34
    SEM TÍTULO. A Tarde , Salvador, 11 ago. 1929, p. 3.
  • 35
    UMA IMPORTANTE questão urbana. Diário da Bahia , Salvador, 9 out. 1928, p. 2.
  • 36
    SEM TÍTULO. A Tarde , Salvador, 13 jul. 1929, p. 3.
  • 37
    BAHIA. Contrato entre o município de Salvador e a Circular para o serviço de viação de 30 de agosto de 1928 , p. 12.
  • 38
    SEM TÍTULO, A Tarde , Salvador, 12 jul. 1929, p. 1.
  • 39
    SEM TÍTULO, A Tarde , Salvador, 18 fev. 1929, p. 2.
  • 40
    BAHIA. Contrato entre o município de Salvador e a Circular para o serviço de viação de 28 de maio de 1929 . Salvador: Imprensa Oficial do Estado, sem data, p. 7, 11.
  • 41
    BAHIA. Contrato entre o município de Salvador e a Companhia Energia Elétrica da Bahia para o serviço de iluminação pública e particular de 28 de maio de 1929 . Salvador: Imprensa Oficial do Estado, s/d, p. 4-6, 16-17.
  • 42
    EXPLODIU A CÓLERA DO POVO. O Jornal , Salvador, 20 mai. 1930, p. 1.
  • 43
    A NOVA barragem de Bananeiras. Diário da Bahia , Salvador, 20 ago. 1929, p. 2.
  • 44
    SEM TÍTULO. Diário de Notícias , Salvador, 3 dez. 1928, p. 3
  • 45
    SEM TÍTULO. Diário Oficial do Estado da Bahia , Salvador, 10 set. 1929, p. 1.
  • 46
    SEM TÍTULO. A Tarde , Salvador, 11 nov. 1929, p. 3.
  • 47
    MISTÉRIOS DA PREFEITURA. Diário da Bahia , Salvador, 16 nov. 1929, p. 1.
  • 48
    BEBIDAS ou “comidas”. O Jornal , Salvador, 26 jun. 1930, p. 1.
  • 49
    O PROTESTO DO POVO CONTRA O AUMENTO DO PREÇO D’ÁGUA. Diário da Bahia , Salvador, 25 abr. 1930, p. 4.
  • 50
    ESTÁ ESGOTANDO A PACIÊNCIA DO POVO. Diário da Bahia , Salvador, 10 nov. 1927, p.3; UM QUEBRA-BONDES nas Sete Portas. A Tarde , Salvador, 26 abr. 1928, p. 3; SESSÃO EXTRAORDINÁRIA. O Democrata , Salvador, 2 mai. 1928, p. 1; DEPOIS DO ENTERRO... Diário da Bahia , 25 set. 1928, p. 3.
  • 51
    ATRAOSS INCONVENIENTES. O Jornal , Salvador, 15 mai. 1930, p. 2.
  • 52
    SEM TÍTULO, A Tarde , Salvador, 24 jul. 1930, p. 2.
  • 53
    MISERÁVEIS E DESUMANOS...! O Jornal , Salvador, 6 mai. 1930, p. 4.
  • 54
    SEM TÍTULO. A Tarde , Salvador, 27 ago. 1930, p. 2
  • 55
    MAIS UMA BANDALEHIRA DO GOVERNO DE VITAL SOARES. O Jornal , Salvador, 30 jun. 1930, p. 5.
  • 56
    SEM TÍTULO. Diário da Assembleia Geral Legislativa do Estado da Bahia , Salvador, 7 set. 1930, p. 2.
  • 57
    SEMANA DOS Simões. O Jornal , Salvador, 24 mai. 1930, p. 5.
  • 58
    Execução de Sentença nº 32, 1952 (Circular). Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Seção Judiciária. Estante 167. Caixa 3. Documento 9; HORTA, T. Pelas autoras, Companhia Linha Circular de Carris da Bahia e Companhia Energia Elétrica da Bahia. ME. CI.CAEEB.TE.398.331; cópia de Acordão (Edgard de Souza Carneiro). ME. CI.CAEEB.TE.398.265.
  • 59
    Sobre Santos: SILVA ( 2003 ).

Editado por

  • Editor responsável:
    Ely Bergo de Carvalho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2023
  • Aceito
    30 Jan 2024
  • Revisado
    22 Jan 2024
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Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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