OBITUARY

Angelo Pires do Prado (01.II.1942 25.VIII.2013)

Nelson Papavero

Museu de Zoologia, Universidade de São Paulo. Avenida Nazaré, 481, 04263-000 São Paulo, SP, Brazil

http://dx.doi.org/10.1590/S1984-46702013000500012

Angelo Pires do Prado nasceu em São Lourenço do Sul, RS (às margens da Laguna dos Patos) no dia 1º de fevereiro de 1942, filho de Antônio Pires do Prado, originário de Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais, e de Lúcia Florence Pires do Prado, gaúcha. Antônio Pires era militar, sendo frequentemente designado para servir em vários locais do Brasil. Foi no Rio Grande do Sul que conheceu Dna. Lúcia. O casal teve quatro filhos o mais velho, que também foi chamado Angelo, morreu prematuramente; vieram depois Edison (que se formaria em agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e Áureo, sendo o nosso Angelo, o caçula (Edison e Áureo eram oito e quatro anos mais velhos que ele, respectivamente). Em 1944 a família mudou-se para o Rio de Janeiro.

Após fazer seus estudos básicos na então capital federal o primário no Colégio São João e o ginásio no Colégio Cristo Rei, Angelo passou para a Escola Agrotécnica Ildefonso Simões Lopes, a qual frequentou de 1958 a 1960. Ali, seu interesse pela entomologia foi despertado.

Ingressou então na Escola Nacional de Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) em 1961, graduando-se em 1964. Foi bolsista de Iniciação Científica do Instituto de Economia Rural do Ministério da Agricultura (1962) e do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq, 1963-1964). Em 1962 publicou artigo sobre um nemertino parasito do cão e, em 1963, sobre a ocorrência de um ácaro em Gallus gallus domesticus.

Durante seus anos como estudante foi convidado pelo Prof. Dr. Hugo Souza Lopes, docente da UFRRJ, a estagiar no Instituto Oswaldo Cruz, especializando-se no estudo dos Diptera, principalmente Acalyptratae, dos quais veio a tornar-se o mais exímio especialista do Brasil. Ingressou no Instituto como "Aplicante", ali permanecendo nos anos de 1965 e 1966 (em 1965 obteve bolsa de Aperfeiçoamento do Conselho Nacional de Pesquisas). Datam desse período seus primeiros e primorosos trabalhos sobre Diptera (Ropalomeridae, 1963, 1965, 1967; Richardiidae, 1965; Tethinidae, 1966), nos quais já demonstrava sua extraordinária habilidade e competência.

Durante esse período, em 1965, fora designado presidente da Comissão Organizadora da Unicamp o Prof. Dr. Zeferino Vaz que conduziu a construção do campus da universidade, que hoje leva seu nome. Zeferino trouxe diversos cientistas de outras universidades, o que ajudou a Unicamp a se tornar um das mais produtivas e respeitadas instituições de pesquisa da América Latina. Em 1966 o Prof. Vaz criava a disciplina de Parasitologia junto à Faculdade de Ciências Médicas de Campinas.

Angelo foi contratado em 1967, como Instrutor, passando em maio desse mesmo ano a Professor Colaborador. Foi este o início de sua carreira docente. Em 1968, a Parasitologia foi o primeiro Departamento da Unicamp a transferir-se para o atual Campus da Universidade, na atual Cidade Universitária, em Barão Geraldo. Angelo foi um dos pioneiros no novo campus.

Em 1968, Angelo casou-se com Marisa Benedita de Alvarenga Silva, de cuja união nasceu Angelo Alvarenga Prado, o primeiro filho, falecido em 2003.

Em 1969 Angelo defendeu na Unicamp sua tese de doutorado, tendo como orientador o Prof. Dr. Hugo de Souza Lopes. Esse trabalho ("Syringogastridae, uma nova família de dípteros Acalyptratae, com a descrição de seis espécies novas do gênero Syringogaster Cresson", publicado nesse mesmo ano em Studia Entomologica (12: 1-32)) representa um marco na história da Sistemática Filogenética na América Latina. Willi Hennig havia publicado em 1965 (Annual Review of Entomology 10: 97-116) um resumo de sua teoria e, em 1966, era lançada a versão em inglês de seu clássico livro Phylogenetic Systematics. Lars Brundin, também em 1966, foi o primeiro a publicar uma grande revisão (de um grupo de Chironomidae) utilizando os princípios hennigianos. Angelo, com sua aguda inteligência, foi sem dúvida o primeiro no Brasil a entender e aplicar a teoria de Hennig, erigindo a nova família Syringogastridae.

Nos anos seguintes Angelo passou a publicar trabalhos sobre a sistemática de Diptera de modo esporádico em 1975 publicou um belo trabalho sobre Odiniidae (Stephen Gaimari dedicou-lhe, em 2007, um novo gênero dessa família, Pradomyia, em reconhecimento da excelência de sua revisão desse grupo). Nesse mesmo ano, elaborou vários catálogos de famílias de Acalyptratae para a série Catalogue of the Diptera of the Americas South of the United States.

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Por essa época, eu adquiri a coleção e a bibliografia de Phoridae do Frei Thomaz Borgmeier para o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Esse material foi trazido de Petrópolis para o Museu por José Henrique Guimarães, Renato Lion Araujo e Angelo Pires do Prado. Este último viria a publicar dois trabalhos sobre Phoridae em 1975 e 1976.

Em 1977, graças a auxílio da FAPESP, Angelo organizou a coleção de Acalyptratae do Museu de Zoologia da USP.

Em 1978, publicou, com a colaboração de José Henrique Guimarães e Arício Xavier Linhares, um histórico trabalho sobre a introdução de espécies de Chrysomyia (Calliphoridae) no Brasil. Foi o início de uma grande série de trabalhos sobre esse gênero, feitos tanto por esses autores, como por vários outros de outras instituições, até os presentes dias.

Em 1979, graças a dois auxílios do CNPq, foi formada uma comissão composta pelo Pe. Jesus Santiago Moure, Angelo Pires do Prado e eu, para fazer um levantamento da situação da Zoologia em nosso país. Foram visitadas as principais instituições do Brasil, obtidos os currículos dos zoólogos e inventariadas as diversas coleções. Infelizmente toda essa base de dados não foi aproveitada pelo CNPq. Eu apelidei nosso grupo de "Celestial Comissão", pois contava com um Jesus, um Anjo e um Papa...

Em 1982 casou-se, em segundas núpcias, com Yara Valença da Rocha Prado, sua ex-aluna na faculdade de Biologia e, posteriormente, formada em Direito. Tiveram dois filhos, Laura Rocha Prado (bióloga formada pela Unicamp) e Renato Rocha Prado (produtor rural).

Em 1983, no primeiro volume da Revista Brasileira de Zoologia, Guimarães, Papavero & Prado publicaram um trabalho sobre as miíases da região neotropical.

Nos anos subsequentes, Angelo dedicou-se cada vez mais a assuntos de Parasitologia, com ênfase em entomologia de parasitos e vetores e sanidade vegetal, além de resistência a inseticidas, atuando principalmente nos seguintes temas: Musca domestica, dípteros sinantrópicos, desenvolvimento e ecologia de moscas domésticas, de frutas e varejeiras, ácaros domésticos (de poeira), ácaros fitófagos, ácaros associados às aves sinantrópicas e silvestres (nidícolas, plumícolas, calamícolas e da pele). Colaborou com vários catálogos de Acalyptratae para a série Fauna da Amazônia Brasileira, editada pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e com vários artigos para a série Neotropical Diptera.

Ao longo de sua vida profissional, Angelo publicou 117 artigos científicos e um livro. Orientou 35 dissertações de Mestrado, terminadas (1979-2011). Em andamento, do mesmo período, há duas. As de Doutorado foram 17 terminadas e há sete ainda em andamento (1976-2011). Participou de 139 bancas examinadoras (mestrado e doutorado).

Mesmo contrariado pelo fato de ter que se aposentar compulsoriamente, permaneceu ativo na Unicamp na qualidade de professor associado, apesar da terrível doença que o vitimou. Era leal, sensato, objetivo, ético, generoso; abria frentes de pesquisa para que outros continuassem, sem nada exigir em troca.

AGRADECIMENTOS

A Yara Valença da Rocha Prado e Laura Rocha Prado, por sua gentileza em fornecer importantes dados e ao Dr. Sionei R. Bonatto, pelo convite para redigir este obituário.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Nov 2013
• Data do Fascículo
  Out 2013