Resumo
O compartilhamento não consentido de artigos científicos gera controvérsias óbvias entre os atores que violam direitos autorais e as editoras comerciais, titulares desses direitos. No entanto, o acontecimento também gera implicações no próprio Movimento Open Access, que, tradicionalmente, defende que a retirada das barreiras aos artigos seja feita exclusivamente por vias legais. Nesta comunicação, exploram-se as controvérsias ligadas ao compartilhamento não consentido de obras científicas protegidas por direitos autorais. O objetivo deste texto é demonstrar a existência desse debate público, indicando as disputas por espaço e as narrativas correspondentes. Debate-se, assim, a possível crise gerada no Movimento Open Access em função de o recente avanço das iniciativas ilegais promover acesso a quase toda a literatura científica existente.
Palavras-chave
Acesso aberto paralelo; Black open access; Compartilhamento de arquivos; Pirataria; Shadow library
Abstract
Unconsented sharing of scientific papers generates notable controversies between agents that violate copyrights and publishers, the copyright holders. However, this phenomenon also generates tensions even with the Open Access Movement, that traditionally advocates that the barriers to open access be overturned exclusively by legal mechanisms. In this paper, the controversies related to the unconsented sharing of scientific studies protected by copyrights are explored. The aim of this discussion is to demonstrate the existence of this public debate, showing the several quarrels for space and the related narratives. The crisis generated in the Open Access Movement by the recent development of illegal initiatives that managed to promote free access to almost all scientific literature is here considered.
Keywords
Parallel open access; Black open access; Shadow library; Piracy; File sharing
Introdução
Este trabalho comunica os resultados da etapa exploratória de uma cartografia de controvérsias em andamento. Trata-se de um método empírico, de natureza descritiva, que propõe registrar, com olhares analíticos, a complexidade de acontecimentos sociotécnicos. Conforme a Teoria Ator-Rede explicita (Latour, 2016Latour, B. Cogitamus: seis cartas sobre as humanidades científicas. São Paulo: Editora 34, 2016.), uma controvérsia é um movimento de translação/tradução decorrente de um desvio operado em um curso de ação. Para fins práticos, define-se controvérsia como as situações em que atores discordam, ficando impossibilitados tanto de operarem acordos quanto de se ignorarem mutuamente (Venturini, 2010Venturini, T. Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, v.19, n.3, p.258-273, 2010. Doi: http://dx.doi.org/10.1177/0963662509102694
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).
Não se delimitam de antemão os contornos de um grupo em uma controvérsia, uma vez que, na perspectiva ator-rede, o social é o resultado das associações, não um dado prévio. Isso acontece porque controvérsias decorrem de movimentos operados por atores heterogêneos, também chamados “actantes”. Nessa perspectiva, um site de pirataria pode ser entendido como um ator, que promove desvios nos cursos de ação de outros atores (e.g., bibliotecas, editoras comerciais, universidades, cientistas etc.). Esse desvio pressupõe uma composição ou associação para a sequência da ação. Caso essas associações entre atores heterogêneos sejam mapeadas, obtem-se uma rede de atores (“ator-rede”) que compõem o acontecimento. Portanto, o acontecimento que ora se estuda, a saber, a pirataria ou compartilhamento de artigos científicos, é entendido nessa concepção processual do social.
O processo de mapeamento organiza os atores conforme o seu papel no acontecimento e pode gerar clusters (sub-grupos). Os atores geralmente se manifestam de modo amplo em uma controvérsia (visto desejarem defender seus interesses) e indicam, por si próprios, os caminhos; desse modo, associam-se a determinado grupo e rejeitam outros, cabendo ao analista segui-los, com o objetivo de avaliar aquilo que sustentam. O método permite registrar qualquer tipo de informação pública que um ator manifesta, defende ou indica. O acontecimento social é complexo por natureza, e o método da cartografia de controvérsias tem como principal função a sua descrição, visando compreender os movimentos, as forças operantes e os caminhos possíveis. Devido à sua natureza eminentemente descritiva, o método pode ser entendido como herdeiro da etnografia, embora esteja aberto a possibilidades metodológicas mais amplas e tenha sido influenciado também pela historiografia em seu viés investigativo.
Em suma, cartografar uma controvérsia significa investigar os atores que fazem parte desse acontecimento, seguindo seus posicionamentos públicos e suas ações. A “cartografia”, desse modo, consiste no registro descritivo do percurso investigativo. Os “atores”, por sua vez, incluem agentes humanos (como pessoas que se manifestam por si mesmas) e não humanos (e.g. instituições e tecnologia que atuam enquanto entidades). O trabalho cartográfico de uma controvérsia consiste em identificar quais atores são relevantes para a compreensão do acontecimento.
Na fase inicial de uma cartografia, chamada de exploração, busca-se determinar a estrutura da controvérsia selecionada, ou seja, verificar se ela está ou não em andamento, se é quente ou fria, se existem atores-chave etc. (Venturini, 2010Venturini, T. Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, v.19, n.3, p.258-273, 2010. Doi: http://dx.doi.org/10.1177/0963662509102694
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). A exploração ocorreu inicialmente entre abril e dezembro de 2018, utilizando-se motores de busca (incluindo clustering), sites agregadores de notícias e análise preliminar da literatura científica e de perfis em redes sociais. O registro se deu por meio de notas de pesquisa em papel e recursos digitais, como arquivos de texto e links. O objetivo dessa fase é demonstrar a existência do embate público, indicando as disputas por espaço e visando o registro das manifestações a respeito do tema.
A controvérsia explorada nesta pesquisa ocorre entre dois grupos que, embora defendam um mesmo fim (acesso aberto aos artigos científicos), discordam profundamente a respeito dos meios para atingi-lo (vias legais versus vias ilegais). A controvérsia se intensificou e se tornou relevante após o site Sci-Hub ganhar notoriedade mundial por promover, por vias ilegais, o acesso a quase toda a literatura científica. Antes do Sci-Hub ganhar relevância, já existiam iniciativas para a promoção do acesso aberto pirata, mas nenhuma delas obtivera sucesso similar.
Os termos “compartilhamento” e “pirataria” são utilizados para descrever a mesma ação de dispor de obra protegida por direitos autorais sem a autorização prévia e expressa dos titulares. Como se sabe, os direitos autorais, como todo direito, não são absolutos, e, em vista de garantias constitucionais dadas à coletividade, têm algumas limitações. Os que descrevem o processo como “compartilhamento” geralmente entendem que constitui prerrogativa do cidadão usufruir da obra compartilhada, independentemente de autorização. Quem prefere “pirataria”, por sua vez, costuma entender que a ação em questão constitui procedimento ilegal, criminoso e condenável. No entanto, algumas comunidades de compartilhamento assumem sua ilegalidade, e chegam, inclusive, a se autodenominar “piratas”. Além disso, outro complicador semântico consiste no fato de que o termo “pirataria” engloba outras atividades ilegais, como a cópia com o intuito de lucro ou a falsificação. Sempre que este trabalho se referir ao acontecimento por meio do termo “pirataria”, entenda-se o caso exclusivo dos compartilhamentos sem intenção de lucro.
Até o surgimento do Sci-Hub, o acesso aberto era promovido em grande escala, com relativo sucesso, apenas pelos movimentos do acesso aberto legal. Embora heterogêneo em sua atuação, os movimentos legais geralmente se definem através dos chamados “Três B”, que são três declarações importantes que traçaram estratégias gerais para promover a abertura: a Declaração de Budapeste (2002)Budapest Open Access Initiative. Budapest: BOAI, 2002. Available from: http://www.soros.org/openaccess/read.shtml. Cited: Oct. 30, 2019.
http://www.soros.org/openaccess/read.sht...
, a Declaração de Berlim (2003)Berlin Declaration on Open Access to Knowledge in the Sciences and Humanities. Berlin: Open Access, 2003. Available from: https://openaccess.mpg.de/67605/berlin_declaration_engl.pdf. Acesso em: 30 out., 2019.
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e a Declaração de Bethesda (2003)Bethesda Statement on Open Access Publishing. Richmond, IN: Earlham, 2003. Available from: http://www.earlham.edu/~peters/fos/bethesda.htm. Cited: Oct. 30, 2019.
http://www.earlham.edu/~peters/fos/bethe...
. No entanto, antes de as diretrizes do movimento serem estabelecidas no hemisfério norte, o acesso aberto já era promovido em outras regiões, incluindo a América Latina. Os movimentos do acesso aberto se agrupam nessa controvérsia na medida que defendem o acesso legal, sem prejuízo para as diferenças existentes nos múltiplos projetos.
O acesso aberto ilegal e amplo retirou o monopólio dos que defendiam o acesso legal e inaugurou a controvérsia por exigir mudanças de estratégia e debates sobre ética, legalidade e nomenclaturas, até mesmo questionando a relevância das iniciativas legais diante do avanço maciço do acesso pirata.
Este trabalho não se propõe a fazer uma defesa ou uma denúncia das práticas de pirataria de artigos científicos, mas sim relatar o avanço dessas práticas no ecossistema da editoração científica. Convém, ainda, mencionar que as demais controvérsias ligadas aos temas da editoração científica e do acesso aberto não serão discutidas neste trabalho.
Fluxos legais e ilegais da informação científica
Em 1666, Daniel Elzevier, membro de uma notável família de livreiros e editores holandeses, começou a realizar contrafações (i.e. reproduções não autorizadas) de revistas científicas. Apenas um ano antes, a revista Journal des Sçavans (“Revista dos Cientistas”) surgia com suas publicações na França, dando início à tradição de comunicação científica formal. As edições paralelas que Daniel Elzevier produziu, a partir de interesses comerciais próprios, iniciaram também uma outra tradição: a da pirataria de artigos científicos. Os negócios da histórica família Elzevier apenas inspiraram a moderna editora científica homônima, não havendo uma conexão entre os comércios (Fredriksson, 2001Fredriksson, E.H. The dutch publishing scene: Elsevier and North-Holland. In: Fredriksson, E.H. (Ed.) A century of science publishing: A collection of essays. Amsterdam: IOS Press, 2001.).
O Direito Autoral ainda não existia no período em que os Elzevier produziram suas edições piratas; havia, porém, regulação. Nesse período, imperava na França a doutrina do “privilégio do editor”, que era uma concessão (geralmente o monopólio) da edição de determinada obra. Essa concessão era dada pelo poder real aos editores (Mattia, 1979Mattia, F.M. Do privilégio do editor ao aparecimento da propriedade literária e artística em fins do século XVIII. Revista de Informação Legislativa, v.16, n.63, p.161-182, 1979.). O historiador Jean-Pierre Vittu (Vittu 2002aVittu, J. P. La formation d’une institution scientifique: Le Journal des Savants de 1665 à 1714 (1). Journal des Savants, n.1, p.179-203, 2002a. Doi: http://dx.doi.org/10.3406/jds.2002.1653
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, 2002bVittu, J. P. La formation d’une institution scientifique: Le Journal des Savants de 1665 à 1714 (2). Journal des Savants, n.2, p.349-377, 2002b. Doi: http://dx.doi.org/10.3406/jds.2002.1659
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), encontrou exemplares holandeses da revista em bibliotecas municipais de Fréjus e de Toulouse, o que mostra que o privilégio real poderia impedir a contrafação realizada na França, mas não impedia que exemplares contrafeitos no exterior fossem distribuídos internamente. Dois fatores contribuíam para isso: (1) a circulação da revista original era considerada difícil e limitada e, ao mesmo tempo, (2) o desejo e a expectativa de acesso dos leitores cresciam cada vez mais. Como destaca o autor, o Journal des sçavans era publicado em Paris, falsificado em Amsterdã e distribuído para o mundo inteiro por meio da rede comercial dos livreiros holandeses. Somente em Paris as edições oficiais, protegidas pelo privilégio real, eram dominantes; isso coloca em dúvida o sucesso e o alcance que o Journal des Sçavans teria sem a atividade de contrafação:
Paradoxalmente, o Journal des Savants deveu seu sucesso a essas piratarias editoriais: a extensão da rede comercial dos livreiros holandeses lhes permitiu de uma só vez tanto responder diretamente a um comando longínquo, quanto aprovisionar os mercados alemães, capazes de redistribuir suas edições por toda a Europa Central. A chegada do Journal à Universidade de Uppsala, a partir de 1667, ilustra a primeira forma dessa circulação; sua presença em Breslau, no mesmo ano, resulta da segunda. Sem os ateliês holandeses, teria o Journal des Savants entrado na Biblioteca da Academia das Ciências de São Petersburgo desde a origem desta, e teria ele sido adquirido pelos jesuítas para sua Biblioteca do Pei-T’ang e seu Colégio de Pequim, cidade onde sem dúvida a Biblioteca Nacional da China os conserva?
(Vittu, 2002aVittu, J. P. La formation d’une institution scientifique: Le Journal des Savants de 1665 à 1714 (1). Journal des Savants, n.1, p.179-203, 2002a. Doi: http://dx.doi.org/10.3406/jds.2002.1653
https://doi.org/10.3406/jds.2002.1653... , p.203, tradução nossa)2 2 No original: “Paradoxalement, le Journal des Savants dut son succès à ces pirateries éditoriales: l’extension du réseau commercial des libraires hollandais leur permit tout à la fois de répondre directement à une commande lointaine, et d’approvisionner les foires allemandes capables de redistribuer leurs éditions dans toute l’Europe centrale. L’arrivée du Journal à l’université d’Uppsala, dès 1667, illustre la première forme de cette circulation; et sa présence à Breslau, la même année, résulte de la seconde. Sans les ateliers hollandais, le Journal des Savants serait-il entré dans la bibliothèque de l’Académie des sciences de Saint-Pétersbourg dès l’origine de celle-ci, et aurait-il été acquis par les Jésuites pour leur bibliothèque du Pei-T’ang et leur collège de Pékin, ville où la bibliothèque nationale de Chine les conserve sans doute encore?”. .
O caso demonstra que a contrafação, como maneira de fornecer acesso paralelo aos textos científicos, desenvolveu-se de maneira conjunta com a própria instituição da comunicação científica formal. As tecnologias que favoreceram o desenvolvimento de uma geraram uma resposta igual no desenvolvimento da outra, construindo um padrão que iria se repetir posteriormente.
Com o desenvolvimento moderno da Comunicação Científica formal, sobretudo em razão do estabelecimento das editoras comerciais, alguns padrões se estabeleceram (Björk, 2017bBjörk, B.C. Scholarly journal publishing in transition from restricted to open access. Electronic Markets, v.27, n.2, p.101-109, 2017b. http://dx.doi.org/10.1007/s12525-017-0249-2
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). Cientistas tradicionalmente publicam seus trabalhos sem receber qualquer espécie de lucro decorrente da exploração comercial de suas obras. O pagamento esperado é o reconhecimento decorrente da publicação em uma revista “Classe A” e do número de citações recebidas (Jamali et al., 2016Jamali, H. et al. Scholarly reputation in the digital age and the role of emerging platforms and mechanisms, Research Evaluation, v.25, n.1, p.37-49, 2016. Doi: http://dx.doi.org/10.1093/reseval/rvv032
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). O reconhecimento pelo impacto gerado por uma publicação torna-se central para o estabelecimento das reputações e criação de hierarquias científicas dentro das comunidades (Petersen et al., 2014Petersen, A.M. et al. Reputation and impact in academic careers. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v.111, n.43, p.15316-15321, 2014. Doi: http://dx.doi.org/10.1073/pnas.1323111111
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).
Não obstante, o que deveria ser apenas um sistema de comunicação entre cientistas tornou-se um negócio muito lucrativo, que é baseado na exploração da reputação, não apenas na editoração dos textos científicos. Quem controla a editoração científica passa a estabelecer as regras de um “mercado de reputações”. Considera-se que publicar artigos é uma das atividades mais importantes para se obter reputação, perdendo apenas para a prática da pesquisa em si (Jamali et al., 2016Jamali, H. et al. Scholarly reputation in the digital age and the role of emerging platforms and mechanisms, Research Evaluation, v.25, n.1, p.37-49, 2016. Doi: http://dx.doi.org/10.1093/reseval/rvv032
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).
A Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste convocou as instituições científicas a assumir a responsabilidade sobre a editoração científica com a finalidade de promover a abertura. Primeiramente, era necessário criar ferramentas de repositórios para o autoarquivamento e para a autopublicação, incluindo preprints, constituindo o que seria designado como Open Access Green; além disso, era preciso criar um modelo de periódicos de acesso aberto, conhecido como Open Access Golden (Björk, 2017bBjörk, B.C. Scholarly journal publishing in transition from restricted to open access. Electronic Markets, v.27, n.2, p.101-109, 2017b. http://dx.doi.org/10.1007/s12525-017-0249-2
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). Esperava-se que os pesquisadores preferissem publicar nesses periódicos abertos, visto serem mais alinhados com a ética científica e com o processo de revisão por pares.
Tal preferência não se constata na prática, uma vez que os cientistas estão presos a esse “sistema de reputação” que estimula a publicação em revistas já estabelecidas e com acesso fechado. Isso ocorre mesmo entre aqueles que são simpáticos ao Acesso Aberto, mas que, no momento de publicar, optam pragmaticamente por revistas tradicionais de acesso fechado (Nicholas et al., 2017Nicholas, D. et al. Early career researchers and their publishing and authorship practices. Learned Publishing, v.30, n.3, p.205-217, 2017. Doi: http://dx.doi.org/10.1002/leap.1102
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). O desempenho do movimento pelo Acesso Aberto é considerado baixo, especialmente no Hemisfério Norte, tendo em vista os esforços empregados para sua efetivação. Atualmente, estima-se que menos da metade dos artigos com Digital Object Identifier (DOI) publicados por revistas científicas avaliadas pelos pares sejam de acesso aberto (Björk, 2017aBjörk, B.C. Green, gold and black open access. Learned Publishing, v.30, n.2, p.173-175, 2017a. Doi: http://dx.doi.org/10.1002/leap.1096
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; Piwowar et al., 2018Piwowar, H. et al. The state of OA: A large-scale analysis of the prevalence and impact of Open Access articles. PeerJ, v.6, p.e4375, 2018. Doi: http://dx.doi.org/10.7287/peerj.preprints. 3119v1
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). O Brasil, assim como toda a América Latina, é uma exceção nesse cenário, já que possui cultura e infraestruturas voltadas ao acesso aberto, sustentando a maioria dos artigos publicados na região.
Embora o caso da América Latina demonstre ser possível um desenvolvimento amplo do acesso aberto em uma região, no contexto global os serviços comerciais ainda possuem amplo apelo. Desse modo, a dinâmica global do sistema tende a relativizar o sucesso local. Ressalte-se que, por estratégia de visibilidade e, principalmente, pela cultura centrada no fator de impacto, mesmo os pesquisadores da América Latina se veem ligados ao referido sistema de reputação, preferindo, em alguns casos, publicar seus trabalhos fora da região. Embora a San Francisco Declaration on Research Assessment (DORA) tenha recomendações específicas para a superação da dependência a esse sistema de reputação, ela ainda é uma realidade.
Compartilhamento não autorizado e Acesso Aberto
Iniciativas que procuram promover o compartilhamento ilegal de artigos científicos por meio de movimentos organizados cresceram nos últimos anos. Um exemplo importante é o Guerrilla Open Access Manifesto, proposto pelo hacktivista Aaron Swartz em 2008Swartz, A. Guerilla Open Access Manifesto. Eremo: Open Access Moviment, 2008. Available from: https://openaccessmanifesto.wordpress.com/guerilla-open-access-manifesto/. Cited: Aug. 20, 2018.
https://openaccessmanifesto.wordpress.co...
. De acordo com o manifesto, o acesso que instituições científicas e bibliotecas dão para seus membros é um privilégio que exclui todo o restante da sociedade. A proposta de Swartz era conseguir que acadêmicos fizessem download de artigos científicos por meio de seus logins institucionais e os disponibilizassem na Internet, prática que chamou de “acesso aberto de guerrilha”. Poucos anos depois, Swartz foi processado por descarregar grande quantidade de papers da plataforma de periódicos Journal Storage (JSTOR) a partir da rede do Massachusetts Institute of Technology (MIT). O episódio teve desfecho trágico e é considerado simbólico, tanto para os que defendem o acesso ilegal quanto para os que o condenam.
Em 2012, o professor Peter Suber, filósofo e famoso defensor do Acesso Aberto, publicou um importante livro no qual enfrenta algumas questões teóricas e explica quais são as diretrizes gerais do movimento. Nessa ocasião, Suber se perguntou se as vias ilegais poderiam ser caracterizadas como Open Access (OA), imaginando algumas terminologias possíveis. Na época, não existiam grandes projetos de compartilhamento de arquivos focados em artigos científicos – o Sci-Hub havia acabado de nascer, não era grande e nem conhecido –, e o autor preferiu excluir da terminologia “Open Access” qualquer forma de compartilhamento ilegal:
Poderíamos falar sobre AB vigilante, AB infringente, AB pirata ou AB sem consentimento. Tal espécie de AB poderia violar copyrights e privar, contra a sua vontade, os autores de auferir seus royalties. No entanto, nós também podemos falar sobre publicação vigilante, publicação infringente, publicação pirata, ou publicação sem consentimento. Ambos acontecem. Contudo, geralmente reservamos o termo “publicação” para a publicação legítima, e recorremos a adjetivos especiais para descrever as variações ilegítimas do tema. Da mesma forma, reservarei o termo “acesso aberto” para AB legítimo que pressupõe o consentimento do titular dos direitos
(Suber, 2012Suber, P. Open Access. Cambridge: MIT Press, 2012., p.22, tradução nossa)3 3 No original: “We could talk about vigilante OA, infringing OA, piratical OA, or OA without consent. That sort of OA could violate copyrights and deprive royaltyearning authors of royalties against their will. But we could also talk about vigilante publishing, infringing publishing, piratical publishing, or publishing without consent. Both happen. However, we generally reserve the term “publishing” for lawful publishing, and tack on special adjectives to describe unlawful variations on the theme. Likewise, I’ll reserve the term “open access” for lawful OA that carries the consent of the relevant rightsholder”. .
Ele estava alinhado com os principais acadêmicos e intelectuais do movimento pelo acesso aberto, os quais admitiam apenas as vias legais como caminhos possíveis. Para eles, era fundamental que o termo “acesso aberto” não fosse vinculado às práticas ilegais de compartilhamento de arquivos ou pirataria. O referido padrão já havia ocorrido com os ativistas da Free Culture, um movimento relacionado ao Open Access que foi o principal responsável pela criação das licenças Creative Commons nos EUA. O principal nome da Free Culture é Lawrence Lessig, jurista e professor na Universidade de Harvard. Ao comentar o caso de Swartz em seu blog, Lessig afirmou que ambos compartilhavam os mesmos ideais – promover a cultura livre –, mas que o jovem ciberativista havia optado por agir pelas vias erradas. Lessig, todavia, entendeu como exagerado o processo judicial movido contra Swartz.
Quando o Sci-Hub começou a ser divulgado pela grande mídia, a primeira reação dos intelectuais e ativistas do acesso aberto foi deixar claro que pirataria não era acesso aberto. Estavam preocupados que as práticas legais fossem tidas pelo grande público como mera pirataria, caso nenhuma distinção fosse feita. Essa consequência invalidaria os esforços dos últimos anos para se criar uma via legal alternativa.
É esperado que pessoas como Peter Suber e Lawrence Lessig excluam a pirataria como um caminho legítimo. Enquanto o princípio que guia o trabalho desses intelectuais é a busca por uma alternativa para corrigir o sistema, a diretriz que guia o trabalho dos piratas do compartilhamento é simplesmente ignorar o sistema e suas leis. Os hacktivistas da pirataria criam tecnologias de compartilhamento e estruturam comunidades colaborativas que agem mais ou menos fora do alcance do poder regulador do Estado. Quando um domínio é retirado do ar, afetando a tecnologia que sustenta a comunidade, os seus responsáveis rapidamente criam outro domínio e continuam suas práticas. O padrão é parecido com o das “zonas autônomas temporárias”, descritas pelo historiador Hakim Bey (2001)Bey, H. Zona autônoma teporária. São Paulo: Conrad, 2001., para se referir ao modus operandi das antigas comunidades piratas.
Recentemente, Bo-Christer Björk (2017)Björk, B.C. Green, gold and black open access. Learned Publishing, v.30, n.2, p.173-175, 2017a. Doi: http://dx.doi.org/10.1002/leap.1096
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propôs que essas formas de acesso aberto sem consentimento sejam chamadas de black open access (“acesso aberto negro”). Segundo o autor, o termo faz referência às outras duas vias já conhecidas pela literatura (verde e dourada), além de remeter tanto à clássica cor da bandeira pirata quanto ao mercado negro. O movimento atual da literatura especializada é, portanto, o de classificar a via ilegal como um tipo específico de Acesso Aberto, não apenas entendê-la como exclusão. Entretanto, a disputa terminológica para a exclusão ainda existe.
O termo “acesso aberto negro”, contudo, traz consigo alguns problemas inerentes. Em primeiro lugar, faz uma referência, que deve ser evitada, a uma simbologia negativa associada à cor preta. Em segundo lugar, o termo “acesso aberto negro” não é autoexplicativo e pode causar confusões. No mercado informal, um produto pirata é geralmente chamado de “paralelo” e, igualmente, seu local de distribuição é o “mercado paralelo”, i.e., não-oficial. Por esses motivos, o presente trabalho sugere a utilização da denominação “acesso aberto paralelo”, termo associado a um tipo de acesso que infringe os Direitos Autorais e que ocorre através de fluxos não-oficiais.
O debate sobre a legalidade e a ilegalidade do acesso às obras científicas não coincide necessariamente com o debate sobre o ético e o antiético. Afinal de contas, a restrição do acesso ao conhecimento científico, por conta de direitos autorais que ignoram a sua função social, poderia ser considerada antiética, embora legal. Similarmente, o acesso paralelo não é automaticamente enquadrado como antiético em todas as circunstâncias, embora possa ser claramente ilegal.
O acesso não consentido (i.e., acesso aberto paralelo) pode ser descrito como toda forma de uso ou disponibilização de artigos científicos que ocorra sem a autorização dos titulares, geralmente por meio de tecnologias digitais, caracterizando violação dos direitos autorais. O acesso aberto paralelo promove o acesso livre e irrestrito aos textos científicos, mesmo quando estejam publicados em revistas comerciais de acesso fechado, sob domínio privado. A prática se fundamenta em dois aspectos culturais: (1) cultura colaborativa de compartilhamento inerente às práticas científicas, baseadas no interesse pessoal dos cientistas em compartilhar com seus pares os frutos de seu trabalho. Essa colaboração, inicialmente, ocorria por meio de trocas interpessoais (geralmente via correio ou e-mail) e, mais recentemente, vem se dando através dos sites de redes sociais na Internet; (2) cultura hacker pela liberdade da informação, a qual geralmente se dá por meio de tecnologias criadas com a finalidade específica de compartilhar arquivos de maneira ilegal. Essas tecnologias, quando utilizadas em prol do acesso aos artigos científicos, otimizam as práticas de compartilhamento que já faziam parte da cultura das comunidades científicas.
Intermediários
Os fluxos que fomentam o Acesso Aberto Paralelo ocorrem principalmente por meio dos seguintes intermediários:
Sites de redes sociais e preprints
Com o estabelecimento dos sites de redes sociais e o crescente número de artigos digitais, mais fáceis de compartilhar, o acesso aberto paralelo ganhou novas ferramentas e forças. Nessas plataformas, a comunicação científica formal e a comunicação científica informal se misturam, ocorrendo simultaneamente com conversas interpessoais entre cientistas e com a divulgação de seus trabalhos. Existem três formas de compartilhamento de artigos por meio de redes sociais:
1) Fóruns da Internet: cientistas participam de fóruns virtuais e grupos online, cujo foco geralmente é o debate sobre temas atuais de seus campos de atuação. Nesses espaços virtuais, é comum que cientistas e estudantes façam solicitações de textos específicos para colegas de outras universidades ou outros países. Esse tipo de compartilhamento é comum em grupos do Facebook. No Twitter, por exemplo, fóruns se dão por meio de hashtags, que são indexadores de assuntos; a hashtag #ICanHazPDF é geralmente utilizada por cientistas para solicitar artigos científicos desde 2011.
2) Sites de redes sociais acadêmicas: pesquisadores criam perfis para divulgar o seu trabalho e acompanhar o trabalho dos colegas em sites de redes sociais acadêmicas. Geralmente, pode-se seguir outros pesquisadores ou tags por assunto, colecionando seguidores e formando uma rede de contatos interessados. Presume-se que os seguidores de um cientista, nesse tipo de site, sejam outros cientistas da mesma área, interessados em seu trabalho e dispostos a ler seus textos. Os exemplos mais comuns são o ResearchGate e o Academia.edu, que declaram ter milhões de usuários em todo o mundo. Sites como esses são utilizados como uma espécie de portfólio online, no qual cientistas reúnem, sob seus perfis, os trabalhos já publicados, divulgam seus atuais projetos de pesquisa e fazem contatos com outros pesquisadores.
3) Sites destinados ao preprint: Um preprint não constitui acesso aberto paralelo, mas sim “acesso aberto verde”; portanto, não se caracteriza como uma violação aos Direitos Autorais. Como bem define o Committee on Publication Ethics, um preprint “[...] é um manuscrito acadêmico publicado pelo(s) autor(es) em uma plataforma de acesso aberto, geralmente antes ou em paralelo com o processo de revisão por pares” (Committee on Publication Ethics, 2018Committee on Publication Ethics. COPE discussion documents: Preprints. Hampshire: COPE, 2018. Available from: https://www.publicationethics.org/files/u7140/COPE_Preprints_Mar18.pdf. Cited: Sept. 20, 2019.
https://www.publicationethics.org/files/...
, p.2, tradução nossa)4
4
No original: “A preprint is a scholarly manuscript posted by the author(s) in an openly accessible platform, usually before or in parallel with the peer review process”.
. Publicar preprints é uma prática considerada legal e tem sido estimulada por iniciativas de instituições de várias regiões. No entanto, as plataformas criadas para a via verde também podem ser utilizadas de modo ilegal, quando cientistas resolvem divulgar, através das plataformas de preprint, artigos já publicados em revistas comerciais sem o consentimento dos titulares.
Geralmente, os sites de redes sociais e de preprints não realizam qualquer revisão por pares para realização da disponibilização que, conforme os próprios serviços, não constitui publicação. Os artigos continuam “inéditos” para a maior parte das revistas, embora algumas políticas editorais não sigam esse entendimento geral. A Social Science Research Network (SSRN), por exemplo, diz apenas checar se o texto enviado faz parte do “discurso acadêmico mundial”, isto é, se o texto está em um formato condizente com o de um artigo científico, não avaliando, contudo, o mérito. O Academia.edu e o ResearchGate não fazem qualquer tipo de avaliação prévia, nem mesmo do formato. Esses sites geralmente se isentam e colocam a responsabilidade sobre o conteúdo nos próprios usuários. Existem canais específicos para solicitar remoção de conteúdo protegido por direitos autorais, e a responsabilidade é subjetiva nesse tipo de caso.
Algumas revistas comerciais permitem que os autores realizem compartilhamentos por meio de sites de autoarquivamento. Todavia, estima-se que 51% dos artigos provenientes de serviços comerciais fechados compartilhados no ResearchGate, por exemplo, desrespeitam políticas editoriais e direitos autorais (Jamali, 2017Jamali, H.R. Copyright compliance and infringement in ResearchGate full-text journal articles. Scientometrics, v.112, n.1, p.241-254, 2017. Doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11192-017-2291-4
https://doi.org/10.1007/s11192-017-2291-...
). Recentemente, o ResearchGate, processado por grandes editoras por infração de direitos autorais, preferiu firmar um acordo que facilita a notificação e a remoção sempre que o conteúdo dessas editoras for indevidamente postado.
Como as políticas editoriais ligadas aos direitos autorais e aos contratos variam de editora para editora, ou mesmo de revista para revista, muitas vezes é difícil para o usuário verificar se o compartilhamento é legal ou não. Para facilitar essa ação, editoras científicas criaram em conjunto um serviço chamado “How can I share it?”, que utiliza o DOI do artigo para consultar informações da SHERPA/RoMEO acerca do status legal da obra.
Alguns sites de redes sociais, como o Academia.edu, baseiam-se num modelo de negócio conhecido como freemium: seus serviços são gratuitos para o usuário até certo ponto, pois, a partir do referido momento, as funcionalidades passam a depender de uma assinatura premium. Geralmente, esses serviços oferecem, nas versões pagas, métricas mais detalhadas sobre leituras e citações. Essa característica levanta críticas por parte de membros da comunidade do acesso aberto.
Quando um cientista publica um artigo em uma revista comercial, ocorre a transferência da titularidade de seus direitos autorais (com exceção dos direitos morais) para a editora comercial responsável pela revista. O autor perde todos os direitos de propriedade sobre sua obra, que passa a pertencer integralmente à editora, constituindo violação aos direitos autorais qualquer tipo de disponibilização em canais paralelos, mesmo se feita pelo próprio autor. A amplitude dessa transferência de titularidade pode variar de contrato para contrato, porém, os acadêmicos, com vistas a uma publicação em revista científica, aceitam contratos de cessão de Direitos Autorais, mesmo quando discordam de suas cláusulas (Dodds, 2018Dodds, F. The changing copyright landscape in academic publishing. Learned Publishing, v.31, n.3, p.270-275, 2018. Doi: http://dx.doi.org/10.1002/leap.1157
https://doi.org/10.1002/leap.1157...
), o que poderia explicar o motivo de realizarem a divulgação de seus textos mediante canais paralelos, como sites de redes sociais.
Quando a publicação ocorre em revista não comercial e de acesso aberto, o contrato de transferência de direitos autorais é diferente, e, geralmente, utilizam-se licenças copyleft, como o Creative Commons. Essas licenças garantem a atribuição de autoria, mas permitem amplo compartilhamento; por esse motivo, fala-se em “acesso aberto legal”.
No Brasil, o Marco Civil da Internet (Lei n°12.965/2014Brasil. Presidência da República. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília: Diário Oficial da União, 2014 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 30 out., 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) tirou a responsabilidade dos sites pelo conteúdo postado por terceiros; no entanto, essa legislação não inclui os casos de infração aos direitos autorais. Isso ocorreu porque as empresas titulares dos direitos dos conteúdos preferem não processar o indivíduo que realiza ou usufrui do compartilhamento ilegal da obra. Trata-se de um hábito que já se tornou tradicional, pois, do ponto de vista da indústria, é mais eficiente que se processe apenas o facilitador. Embora a sanção ao usuário seja possível (e, de fato, às vezes se concretiza), a praxe é solicitar a remoção do arquivo ao intermediário (o site em que o arquivo foi compartilhado). Caso a remoção não aconteça, decorrem disputa judicial e a exigência de compensações financeiras.
Um exemplo notório de ação contra indivíduos, em meio científico, ocorreu no caso do biólogo colombiano Diego Gómez. Gómez foi processado pelo autor de uma tese de doutorado por tê-la disponibilizado na plataforma de compartilhamento Scribd. A possibilidade real de prisão e multa pelo compartilhamento de um trabalho científico, considerada exagerada, mobilizou a comunidade a aderir a uma campanha chamada Compartir No Es Delito (“Compartilhar Não É Crime”). O biólogo foi absolvido em dezembro de 2017 pelo tribunal de Bogotá. A Fundación Karisma, que havia organizado a campanha pró-compartilhamento, considerou a absolvição um importante precedente.
Tecnologias de compartilhamento de arquivos
A tecnologia para realizar o compartilhamento de arquivos cresceu especialmente com o desenvolvimento do sistema P2P (Peer to Peer), após o episódio Napster. Esse sistema permite que um arquivo seja armazenado modularmente no computador pessoal dos usuários, impedindo sua remoção e garantindo distribuição através de torrent. O avanço de serviços de drives em nuvens também é um facilitador para o compartilhamento, especialmente em pequena e média escala. As tecnologias de compartilhamento de arquivos estão associadas ao ideal da ética hacker de liberdade irrestrita da informação, que teve grande influência nas comunidades colaborativas da Web (Silveira, 2010Silveira, S.A. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo. Revista USP, v.1, n.86, p.28-39, 2010. Doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i86p28-39
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
).
As editoras comerciais cobram pelo acesso mediante paywall, o que limita o acesso a cerca de três quartos dos artigos científicos disponíveis na Web (Khabsa, Giles, 2014Khabsa, M.; Giles, C.L. The number of scholarly documents on the public web. Plos One, v.9, n.5, p.e93949, 2014. Doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0093949
https://doi.org/10.1371/journal.pone.009...
). A livre circulação das informações científicas é, dessa maneira, dificultada. Por outro lado, cientistas precisam de acesso rápido e facilitado aos textos, o que dificulta a utilização de P2P. Drives em nuvens e torrents podem e são utilizados para o compartilhamento de artigos científicos em pequena escala, mas a pirataria dos artigos científicos por meio de tecnologias de compartilhamento de arquivos só se tornou relevante com o surgimento do Sci-Hub.
O Sci-Hub foi criado em 2011 pela estudante de neurociência Alexandra Elbakyan, que fazia pós-graduação na Rússia. Ela foi apelidada pela grande imprensa de “Robin Hood da ciência”, por sua luta contra as corporações editoriais em prol do acesso aberto sem consentimento. Também é comum que se refiram ao site como “o Napster da Ciência”, o qual se define como “o primeiro site pirata do mundo a fornecer acesso em massa e público a dezenas de milhões de trabalhos de pesquisa” (tradução livre). O serviço teria como base a utilização de credenciais de autenticação de universidades vazadas ou fornecidas por pesquisadores e cientistas. Atualmente, o Sci-Hub declara ter fornecido acesso a mais de 74 milhões de artigos científicos provenientes de serviços comerciais. O site é utilizado por pesquisadores de praticamente todo o mundo, inclusive os de universidades de países ricos, teoricamente dotados de amplos meios de pagar pelo acesso (Bohannon, 2016Bohannon, J. Who’s downloading pirated papers? Everyone. Science, v.352, n.6285, p.508-512, 2016. Doi http://dx.doi.org/10.1126/Science.352.6285.508
https://doi.org/10.1126/Science.352.6285...
).
Conforme demonstram Hilmmelstein et al. (2018)Himmelstein, D.S. et al. Sci-Hub provides access to nearly all scholarly literature. eLife, v.7, p. e32822, 2018. Doi: http://dx.doi.org/10.7554/eLife.32822
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, enquanto os projetos de Acesso Aberto tiveram uma progressão lenta ao longo dos anos, gerando acesso a menos da metade dos papers publicados, o Sci-Hub já fornece acesso a quase toda a literatura acadêmica existente. Sempre que o site é processado e retirado do ar por decisões judiciais, notícias de jornais e debates em redes sociais impulsionam picos de utilização, auxiliando o crescimento da plataforma (Himmelstein et al., 2018Himmelstein, D.S. et al. Sci-Hub provides access to nearly all scholarly literature. eLife, v.7, p. e32822, 2018. Doi: http://dx.doi.org/10.7554/eLife.32822
https://doi.org/10.7554/eLife.32822...
).
Em 2015, a fundadora do Sci-Hub, Alexandra Elbakyan, respondia a um processo movido pela editora Elsevier (Elsevier Inc. v. Sci-Hub). Nessa ocasião, redigiu uma carta argumentando que o seu site era benéfico para o progresso da ciência. Segundo Elbakyan, o serviço se baseia em uma dificuldade real de acesso dos pesquisadores ao redor do mundo. Além disso, chamou a atenção para a diferença existente entre a pirataria de artigos científicos e outras formas de violação:
Eu gostaria também de mencionar que a Elsevier não é criadora desses artigos. Todos os artigos no seu website são escritos por pesquisadores, e pesquisadores não recebem dinheiro daquilo que a Elsevier fatura. Isso é muito diferente da indústria musical ou cinematográfica, em que criadores recebem dinheiro a partir de cada cópia vendida. A economia dos artigos científicos é bem diferente. Os autores desses artigos não recebem dinheiro. Por que, então, eles enviariam sua obra para a Elsevier? Eles se sentem pressionados a fazê-lo, pois a Elsevier é detentora do chamado “alto impacto”
(Elbakyan, 2015Elbakyan, A. Letter: Document #50 in Elsevier Inc. v. Sci-Hub–CourtListener.com. [S.l.]: Court Listener 2015. Available from: https://www.courtlistener.com/docket/4355308/50/elsevier-inc-v-sci-hub/. Cited: Aug. 21, 2018.
https://www.courtlistener.com/docket/435... , s/p, tradução nossa)5 5 No original: “I would also like to mention that Elsevier is not a creator of these papers. All papers on their website are written by researchers, and researchers do not receive money from what Elsevier collects. That is very different from music or movie industry, where creators receive money from each copy sold. But economics of research papers is very different. Authors of these papers do not receive money. Why would they send their work to Elsevier then? They feel pressured to do this, because Elsevier is an owner of so-called “high-impact” journals”. .
A editora Elsevier ganhou o processo, e o site de pirataria foi condenado a pagar multa de 15 milhões de dólares. Como o domínio do site fica fora dos EUA, assim como a própria Elbakyan, a condenação não teve efeitos práticos para a retirada do serviço do ar. Outras entidades que se sentiram lesadas também processaram ou estão processando o site Sci-Hub. Não obstante, visto que seus arquivos e seu domínio são espelhados, a avaliação dominante vê como improvável que se consiga derrubar o site por ordem judicial. Do ponto de vista histórico, a pirataria digital dificilmente retrocedeu depois que alguma tecnologia de compartilhamento foi desenvolvida.
Como é tradicional no debate envolvendo compartilhamento ou pirataria de arquivos, ambos os lados costumam citar o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em seu item primeiro, o artigo define o amplo direito de acesso à cultura e fala especificamente em garantia de participação no processo científico. A interpretação é de que participar do processo científico pressupõe acesso ao cânone científico. Entretanto, o mesmo artigo 27, em seu item segundo, garante que todos os seres humanos sejam protegidos nos seus direitos patrimoniais decorrentes de uma produção científica ou artística. O artigo 27 traz, portanto, dois itens aparentemente contraditórios, garantindo direitos fundamentais que podem se “autoexcluir” se não forem bem equilibrados. Quando um ativista pró-pirataria cita o item primeiro e omite o item segundo, ou quando um “defensor do autor” cita o segundo, mas omite o primeiro, esse equilíbrio necessário se perde.
Em geral, observam-se basicamente dois tipos de argumentos contrários ao serviço pirata: (1) o site não deve ser utilizado porque é ilegal e criminoso, portanto estimular o seu uso seria uma atitude antiética; (2) ataca-se o site por meio de temas ligados à cibersegurança, apontando os riscos de phishing existentes ao se utilizar um serviço ilegal. No entanto, não existem evidências sólidas quanto a isso, e o Sci-Hub nega tal prática. A cibersegurança muitas vezes é utilizada como argumento porque levanta menos controvérsias que a pirataria. É difícil sustentar que seja errado, por exemplo, bloquear o acesso de um site que possa expor os dados de uma pesquisa ou de um pesquisador.
Em 2016, Elbekyan começou a tornar públicos os dados de utilização de seu site, o que permitiu uma série de estudos cientométricos. Os dados revelam que, conforme já citado, o serviço é amplamente utilizado no mundo. Em geral, as áreas científicas com artigos mais compartilhados coincidem com os campos que mais publicam, e as editoras mais pirateadas são as que mais possuem revistas. Recentemente, estimou-se que o Sci-Hub fornece acesso paralelo a quase 1 milhão de artigos científicos de periódicos médicos por mês (Till et al., 2019Till, B.M. et al. Who is pirating medical literature? A bibliometric review of 28 million Sci-Hub downloads. The Lancet Global Health, v.7, n.1, p.31-32, 2019. Doi: http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30388-7
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).
Machin-Mastromatteo et al. (2016)Machin-Mastromatteo, J. et al. Piracy of scientific papers in Latin America: An analysis of Sci-Hub usage data. Information Development. v.32, n.5, p.1806-1814, 2016 http://dx.doi.org/10.1177/0266666916671080
https://doi.org/10.1177/0266666916671080...
, a partir de um levantamento global de downloads de artigos científicos realizado por Bohannon (2016)Bohannon, J. Who’s downloading pirated papers? Everyone. Science, v.352, n.6285, p.508-512, 2016. Doi http://dx.doi.org/10.1126/Science.352.6285.508
https://doi.org/10.1126/Science.352.6285...
, constataram que 12,5% desses downloads (cerca de 3,5 milhões de documentos de um total de 28 milhões correspondentes a 6 meses de atividade) ocorreram na América Latina. Considerando-se os downloads realizados na região, os países que mais baixaram foram Brasil, México, Chile, Colômbia, Argentina e Peru.
Em um estudo sobre a percepção de estudantes de medicina latino-americanos a respeito do Sci-Hub, observou-se que a maioria dos entrevistados não conhecia o serviço de compartilhamento; por outro lado, entre os que conheciam, 62,5% disseram que o site contribui para o desenvolvimento da ciência na região (Mejia et al., 2017Mejia, C.R. et al. Use, knowledge, and perception of the scientific contribution of Sci-Hub in medical students: Study in six countries in Latin America. Plos One, v.12, n.10, e0185673, 2017. Doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0185673). Embora estudantes e cientistas profissionais demonstrem apoio ao site, entendendo que ele contribui para a ciência, as instituições geralmente não expressam o mesmo suporte. Recentemente, a Universidade da Califórnia anunciou que não renovaria seu contrato com a Elsevier e recomendou à sua comunidade o uso de ferramentas de acesso aberto. Além dessas ferramentas, também recomendou caminhos alternativos, como entrar em contato diretamente com o autor do texto através das principais redes sociais acadêmicas ou por meio da hashtag #ICanHazPDF no Twitter. Nesse comunicado, a universidade esclareceu que suas bibliotecas não endossam o uso do Sci-Hub como caminho alternativo.
Entre a comunidade do acesso aberto legal, o debate sobre o mérito do compartilhamento ilegal do Sci-Hub tem sido limitado. Os relatórios evitam tratar do tema, o que dificulta a compreensão do papel da pirataria no ecossistema geral da comunicação científica. Em 2017, por exemplo, o relatório Monitoring the Transition to Open Access, realizado pela Universities UK, limitou-se a dizer que não incluiria o Sci-Hub em qualquer análise por conta de sua “natureza ilegal”. Evitar debater o mérito da questão pela única razão de envolver atividades consideradas ilegais pode ser um erro. Independentemente da aprovação da comunidade do acesso aberto legal, o acesso paralelo já é realidade relevante, além de ser recurso amplamente utilizado; deveria, portanto, ser considerado nas análises, mesmo que sob a figura de obstáculos ao desenvolvimento do acesso aberto legal.
As shadow libraries
O termo shadow library (“biblioteca oculta”) está sendo utilizado pela literatura especializada para designar a organização de bibliotecas digitais por meio de esforços colaborativos que violam os direitos autorais. O exemplo mais importante em nível mundial é a Library Genesis, conhecida como LibGen. Criada na Rússia, detém um acervo de milhões de livros científicos em diversos idiomas. Uma coleção de obras digitalizadas se torna uma “shadow library” a partir de um esforço de coleta de itens, sobretudo a partir da catalogação dos itens digitais, realizada coletivamente por bibliotecários piratas:
O catálogo distingue um amontoado desestruturado de arquivos de computador de uma coleção de textos coletivamente gerida e mantida. Para os usuários, ele tem utilidade óbvia para pesquisa e navegação na coleção. No entanto, é também o arcabouço organizador para a comunidade de “bibliotecários” que preservam e alimentam a coleção. As significantes shadow libraries acadêmicas da década passada – Textz.org, a*.org, monoskop, Gigapedia (depois chamada de Library.nu) e mais recentemente LibGen e Sci-Hub – tomaram forma e ganharam tração através de esforços de catalogação
(Bodó, 2018Bodó, B. The genesis of library genesis: The birth of a global scholarly shadow library. In: Karaganis, J. (Org.) Shadow Libraries: Access to knowledge in global higher education. Cambridge: The MIT Press, 2018., p.26, tradução nossa)6 6 No original: “The catalog distinguishes an unstructured heap of computer files from a collectively managed and maintained collection of texts. For users, it has obvious utility for searching and browsing the collection. But it is also the organizing framework for the community of “librarians” who preserve and nourish the collection. The significant academic shadow libraries of the past decade – Textz.org, a*.org, monoskop, Gigapedia (later known as Library.nu), and more recently LibGen and Sci-Hub – took shape and gained traction through cataloguing efforts”. .
Enquanto o Sci-Hub é o site de referência para acesso aberto paralelo de artigos científicos, a LibGen funciona como o site de referência para os livros científicos e acadêmicos. Os dois projetos são geridos separadamente, mas mantêm relacionamentos operacionais (e.g., até 2015, o Sci-Hub utilizava os servidores da LibGen para armazenar seus documentos).
A LibGen tem, atualmente, uma projeção mundial. A Biblioteca é utilizada também por acadêmicos e pesquisadores brasileiros. O Brasil possui algumas iniciativas de shadow libraries próprias, embora nenhuma seja tão grande quanto a LibGen. Conforme demonstram Pedro Mizukami e Jhessica Reia (2018)Mizukami, P.; Reia, J. Brazil: The Copy Shop and the Cloud. In: Karaganis, J. (Org.) Shadow Libraries: Access to knowledge in global higher education. Cambridge: The MIT Press, 2018., as bibliotecas ocultas brasileiras surgem e desaparecem rapidamente, sem que haja tempo suficiente para a criação de um acervo permanente e amplo.
Um exemplo é o blogue “Livros de Humanas”, criado em 2009, que catalogava e disponibilizava livros importantes das humanidades, armazenando-os em serviços de nuvens. Esse blogue preenchia uma lacuna importante na área das humanidades no Brasil, uma vez que as bibliotecas universitárias nem sempre tinham as obras mais recentes disponíveis. Em 2012, após processo judicial movido pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, o Livros de Humanas foi retirado do ar e o projeto terminou.
Atualmente, em cursos de graduação e pós-graduação, é comum a criação e organização de drives em nuvens destinados especificamente a compartilhar material entre alunos e professores, caracterizando um tipo de compartilhamento mais interpessoal que tende a substituir o uso de fotocópia. Esse tipo de compartilhamento não representa propriamente um esforço de catalogação amplo, mas sim uma curadoria de conteúdo baseada em necessidades específicas. Essa tendência de substituição da fotocópia por nuvens de compartilhamento segue a seguinte lógica:
Em praticamente todos os casos, as coleções permanecem pequenas e locais, construídas a partir de compartilhamento ad hoc de materiais entre estudantes ou entre estudantes e professores, e habitualmente focados em cursos ou formações específicas. Essas coleções raramente circulam para o público geral, mesmo que às vezes acabem figurando na Internet como compilações temáticas postadas em serviços de hospedagem de arquivos e divulgadas a partir de postagens no Facebook ou blogues
(Mizukami; Reia, 2018Mizukami, P.; Reia, J. Brazil: The Copy Shop and the Cloud. In: Karaganis, J. (Org.) Shadow Libraries: Access to knowledge in global higher education. Cambridge: The MIT Press, 2018., p.234, tradução nossa)7 7 No original: “In nearly all cases, collections remain small and local, built from ad hoc sharing of materials between students or between students and professors, and usually focused on specific courses or degrees. These collections rarely circulate to the public at large, even if sometimes they end up on the Internet as thematically organized compilations posted to file hosting services and linked from Facebook or blog posts”. .
A controvérsia indica também uma crise?
Caso o site Sci-Hub continue a desempenhar o papel de facilitador do acesso, terá ele mais relevância prática que as vias legais, como ocorreu com as edições paralelas holandesas? Se a resposta for afirmativa, outro problema se impõe: diante do sucesso da contrafação, qual é o papel do Movimento Open Access, que, durante os últimos anos, dedicou-se a promover esse progresso por meio de vias legais?
Green (2017)Green, T. We’ve failed: Pirate black open access is trumping green and gold and we must change our approach. Learned Publishing, v.30, n.4, p.325-329, 2017. Doi: http://dx.doi.org/10.1002/leap.1116
https://doi.org/10.1002/leap.1116...
, apontou que os especialistas devem se perguntar se o sucesso do acesso aberto paralelo não reflete uma falha do Movimento Open Access. Para ele, se a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste tivesse conseguido cumprir as suas metas de retirada das barreiras, sites de pirataria não seriam necessários atualmente. A questão que Green coloca (“nós falhamos”) indica um momento de crise no Movimento Open Access. Segundo o autor, as estratégias do movimento foram corretamente pensadas, porém não corretamente aplicadas. Ele indica que todas as partes interessadas (autores, instituições, financiadores, bibliotecários, editores e leitores) teriam de modificar drasticamente seu modo de lidar com a literatura científica para que a proposta da Iniciativa de Budapeste se concretizasse integralmente.
Um possível sinal dessa crise, ou de resposta a ela, é o avanço de iniciativas como a OA2020, baseadas no modelo de “pagar para publicar”, que pretende substituir o modelo de assinaturas. Pode-se interpretar que é proposta uma troca de modelo de negócio que continuaria a beneficiar as editoras comerciais, as quais passariam a cobrar pela publicação e não mais pelo acesso. O resultado seria uma abertura apenas no nível do acesso, não no nível da publicação; isso poderia gerar uma “passividade acadêmica” dos países mais pobres, visto que estes poderiam ler os artigos, mas teriam dificuldades em participar da conversa por impeditivos financeiros.
Outra iniciativa amplamente debatida nos últimos meses é o Plano S, organizado pela COAlition S, um consórcio internacional de agências de fomento relacionado à União Europeia. O plano tem o objetivo declarado de tornar o acesso aberto na região uma realidade num prazo relativamente curto. O prazo, inicialmente fixado para 2020, foi postergado para 2021. O mecanismo seria garantir, por mandatos, que os pesquisadores publiquem os resultados de pesquisas financiadas com dinheiro público em revistas que cumpram alguns critérios, sendo o principal deles o acesso gratuito para os leitores. Para tanto, o Plano S estimula a utilização de “Article Processing Charge” (APC, Taxa de Processamento de Artigo) como proposta de controle de gastos para essas taxas e recusa do modelo híbrido.
O modelo de pagar para publicar se fundamenta na preocupação de promover o acesso aberto sem desestabilizar a autossustentabilidade da editoração científica. Essa preocupação com os “negócios sustentáveis”, onde os custos editoriais são retirados do leitor, mas passam para o autor, contrasta com algumas iniciativas de acesso aberto da América Latina.
A AmeliCA, por exemplo, pretende fortalecer a tradição de acesso aberto da América Latina por meio da criação de infraestruturas gratuitas desenvolvidas pela própria academia. Segundo Arianna Becerril-García (2019)Becerril-García, A. AmeliCA vs Plan S: mismo objetivo, dos estrategias distintas para lograr el acceso abierto. Ciudad de México: AmeliCA, 2019. Disponible en: http://amelica.org/index.php/2019/01/10/amelica-vs-plan-s-mismo-objetivo-dos-estrategias-distintas-para-lograr-el-acceso-abierto/. Acceso: Enero 10, 2019.
http://amelica.org/index.php/2019/01/10/...
, AmeliCA e Plano S têm objetivos muito parecidos, porém ferramentas diferentes. Para a autora, o modelo baseado em APC escolhido pelo Plano S desconsidera a possibilidade de a editoração ser internalizada pela academia e de seus custos serem subsidiados junto às demais etapas da pesquisa científica. Becerril-García lembra que, na tradição de acesso aberto da América Latina, os custos de publicação costumam ser subsidiados pelas mesmas instituições que produzem o conteúdo.
Os debates recentes demonstram a existência de um fenômeno nem sempre observado no ecossistema da editoração científica, que se poderia chamar de problema da complexidade essencial. Compreender plenamente como a comunicação científica ocorre no mundo real implica certo esforço, isto é, um aprofundamento de competências informacionais. Por envolver muitas partes interessadas, com interesses que variam de região para região ou de área para área, o tema se torna essencialmente complexo.
Existem evidências desse fenômeno, que indicam complexidade mesmo quando apenas a comunicação por acesso aberto é levada em conta. Observe-se, por exemplo, a grande quantidade de declarações e manifestos internacionais, como as centenas de entradas da lista “Declarations in support of OA” mantida pelo Open Access Directory. Também é grande a quantidade de projetos independentes para a promoção do Acesso Aberto, a ponto de o “Open Access Tracking Project” ter sido criado especificamente para o rastreio desses projetos. O Registry of Open Access Repositories (ROAR) registra quase cinco mil plataformas de preprints ou repositórios institucionais em todo o mundo. Já o Directory of Open Access Journals (DOAJ) faz a curadoria de mais de 13 mil periódicos de acesso aberto. O surgimento dos metabuscadores, como o La Referencia, também é sinal dessa complexidade essencial, ao mesmo tempo que é indicativo de busca de simplificação. Considerando-se a abundância de atores interessados, uma saída unificada e universal que simplifique o sistema tem se mostrado difícil.
Sem dúvida, essa quantidade de iniciativas indica que o acesso aberto legal está se desenvolvendo na sociedade por meio de ações vigorosas. Porém, do ponto de vista prático, e, especialmente, do ponto de vista do usuário, também representa uma dificuldade. Enquanto, em muitos casos, é necessário o desenvolvimento de competências informacionais para lidar com o acesso aberto legal, a resposta da pirataria em sites como o Sci-Hub é intuitiva e simples.
Além de tudo que já foi citado, devem-se considerar as iniciativas políticas e intelectuais dos grupos piratas como um dos motores dessa possível crise. O compartilhamento ilegal (“pirataria”) também ocorre no interior de um movimento que defende suas próprias ações como legítimas. Alexandra Elbakyan mantém um blogue onde publica suas ideias, rebate críticas e busca estimular o engajamento político de outros cientistas. Uma das ideias defendidas por ela aponta que o Sci-Hub não é simplesmente um método voltado para a modificação do sistema (Elbakyan, 2016Elbakyan, A. Sci-Hub is a goal, changing the system is a method. Almaty: Engineuring, 2016. Available from: https://engineuring.wordpress.com/2016/03/11/sci-hub-is-a-goal-changing-the-system-is-a-method/. Cited: Aug. 22, 2018.
https://engineuring.wordpress.com/2016/0...
). Conforme seu raciocínio, o Sci-Hub já promove o acesso aberto, portanto, por constituir uma realidade concreta, já é uma finalidade por si mesmo. Modificar o sistema, nessa visão, apenas facilitaria a subsistência dos serviços providos pelo Sci-Hub, ou seja, o modelo ilegal não poderia ser reduzido a uma ferramenta de promoção do acesso aberto legal. Muito além disso, o compartilhamento se propõe como instrumento de combate à própria noção de propriedade intelectual na ciência. Recentemente, a neurocientista convocou os usuários de seu site a integrar partidos piratas, advogando a mudança da legislação para que o serviço deixe de ser ilegal (Elbakyan, 2018Elbakyan, A. Why Sci-Hub is illegal, and what you can do about it. Almaty: Engineuring, 2018. Available from: https://engineuring.wordpress.com/2018/07/07/why-sci-hub-is-illegal-and-what-you-can-do-about-it/. Cited: Aug. 22, 2018.
https://engineuring.wordpress.com/2018/0...
).
Outro motivo de se ampliar a ideia de crise é o atual movimento de relativização da “pirataria” por correntes flexibilistas de Direito Autoral. Os defensores das vias verde e dourada decidiram excluir o acesso aberto paralelo provavelmente por este ser ilegal, na tentativa de defender caminhos considerados éticos. Com a modificação da visão sobre a pirataria digital desenvolvida nos últimos anos, o princípio segundo o qual a exclusão da via paralela se fundamenta perde força.
Do ponto de vista legal, a “pirataria” é uma violação aos direitos autorais ocorrida por meio da contrafação e sua posterior disponibilização ao público. Tradicionalmente, a legislação trata igualmente como uma violação – portanto, como “pirataria” –, tanto a reprodução de uma bolsa para a venda em mercados paralelos quanto o simples compartilhamento de obras na Internet. A corrente jurídica flexibilista de direito autoral defende que se diferenciem as reais formas de contrafação, como a cópia com finalidade de lucro, daquelas que são apenas mero compartilhamento.
Visões flexibilistas, baseadas na função social do direito autoral, por exemplo, enxergam o rol das limitações aos direitos autorais como meramente exemplificativos, sendo permitidas a interpretação extensiva e a analogia, visto que não se considera o “uso livre” uma exceção da norma, mas uma parte dela (Lewicki, 2007Lewicki, B.C. Limitações aos direitos do autor: releitura na perspectiva do direito civil contemporâneo. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.). Em 2004, a Suprema Corte Canadense entendeu, em decisão inédita, que as limitações aos direitos autorais significavam verdadeiros “direitos do usuário”, e não lacunas na lei (Chapdelaine, 2017Chapdelaine, P. Copyright user rights: Contracts and the erosion of property. Oxford: Oxford University Press, 2017.). No entanto, a Convenção de Berna ainda impede, por meio de sua Regra dos Três Passos, que as legislações domésticas incluam o compartilhamento livre e irrestrito de obras científicas como uma hipótese de uso livre (Karaganis, 2018Karaganis, J. Shadow Libraries: access to knowledge in global higher education. Cabridge: The MIT Press, 2018.). A Regra dos Três passos estabelece os mínimos convencionais para que legisladores definam as limitações aos direitos autorais; quase todos os países do mundo são signatários. A lei brasileira (Lei nº 9.610/98Brasil. Presidência da República. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 30 out. 2019.
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), por exemplo, segue essa regra e não permite a cópia de obras científicas integrais, mas apenas de “pequenos trechos” delas.
Considerações Finais
Inicialmente, o movimento que luta pelo acesso aberto preferiu desconsiderar qualquer relação entre a pirataria e o acesso aberto, deixando claro que eram coisas diferentes. Atualmente, há uma proliferação de nomenclaturas e estudos, indicando uma tendência de entrelaçamento dos temas. Esse cenário coloca a pirataria e o compartilhamento como tópicos fundamentais para o futuro da Comunicação Científica, embora ainda exista resistência para se debater o mérito. Essa aproximação dos temas ocorre porque o avanço da contrafação está interferindo nas estratégias tradicionais e gerando um desvio nos cursos de ação do Movimento Open Access.
A relação disfuncional desse princípio é a perda do potencial de pressão que cientistas e estudantes, ao não conseguirem acessar artigos relevantes para a sua pesquisa, poderiam fazer. Esse tipo de pressão, tradicionalmente, deu força para a promoção do acesso aberto legal. Com a via paralela estabelecida, mesmo que as bibliotecas fiquem sem recursos, cientistas e estudantes poderão não sentir a diferença. O momento atual é de reflexão por parte dos intelectuais do Movimento Open Access, que deverão repensar as estratégias adotadas para a implementação dos princípios defendidos na Iniciativa de Budapeste.
Demonstrou-se, assim, a existência da disputa, inclusive terminológica, envolvendo a pirataria e o acesso aberto legal. A controvérsia em questão é do tipo quente (isto é, está próxima de seu auge), está em curso (ou seja, os acontecimentos ainda se desdobram), tem uma história rica e seus atores-chave estão se pronunciando por meio de canais públicos (blogs, fóruns, literatura científica). Esses canais serão mapeados na próxima etapa desta cartografia em andamento.
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No original: “Paradoxalement, le Journal des Savants dut son succès à ces pirateries éditoriales: l’extension du réseau commercial des libraires hollandais leur permit tout à la fois de répondre directement à une commande lointaine, et d’approvisionner les foires allemandes capables de redistribuer leurs éditions dans toute l’Europe centrale. L’arrivée du Journal à l’université d’Uppsala, dès 1667, illustre la première forme de cette circulation; et sa présence à Breslau, la même année, résulte de la seconde. Sans les ateliers hollandais, le Journal des Savants serait-il entré dans la bibliothèque de l’Académie des sciences de Saint-Pétersbourg dès l’origine de celle-ci, et aurait-il été acquis par les Jésuites pour leur bibliothèque du Pei-T’ang et leur collège de Pékin, ville où la bibliothèque nationale de Chine les conserve sans doute encore?”.
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No original: “We could talk about vigilante OA, infringing OA, piratical OA, or OA without consent. That sort of OA could violate copyrights and deprive royaltyearning authors of royalties against their will. But we could also talk about vigilante publishing, infringing publishing, piratical publishing, or publishing without consent. Both happen. However, we generally reserve the term “publishing” for lawful publishing, and tack on special adjectives to describe unlawful variations on the theme. Likewise, I’ll reserve the term “open access” for lawful OA that carries the consent of the relevant rightsholder”.
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No original: “A preprint is a scholarly manuscript posted by the author(s) in an openly accessible platform, usually before or in parallel with the peer review process”.
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No original: “I would also like to mention that Elsevier is not a creator of these papers. All papers on their website are written by researchers, and researchers do not receive money from what Elsevier collects. That is very different from music or movie industry, where creators receive money from each copy sold. But economics of research papers is very different. Authors of these papers do not receive money. Why would they send their work to Elsevier then? They feel pressured to do this, because Elsevier is an owner of so-called “high-impact” journals”.
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No original: “The catalog distinguishes an unstructured heap of computer files from a collectively managed and maintained collection of texts. For users, it has obvious utility for searching and browsing the collection. But it is also the organizing framework for the community of “librarians” who preserve and nourish the collection. The significant academic shadow libraries of the past decade – Textz.org, a*.org, monoskop, Gigapedia (later known as Library.nu), and more recently LibGen and Sci-Hub – took shape and gained traction through cataloguing efforts”.
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No original: “In nearly all cases, collections remain small and local, built from ad hoc sharing of materials between students or between students and professors, and usually focused on specific courses or degrees. These collections rarely circulate to the public at large, even if sometimes they end up on the Internet as thematically organized compilations posted to file hosting services and linked from Facebook or blog posts”.
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Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – Código de Financiamento 001.
Como citar este artigo/How to cite this article
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Nov 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
13 Fev 2019 -
Revisado
01 Out 2019 -
Aceito
22 Out 2019