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Saber ambiental: instrumento interdisciplinar para a produção de saúde

Environmental knowledge as interdisciplinary instrument for the production of health

El saber ambiental como instrumento interdisciplinario para la producción de la salud

Resumos

Este texto trata de uma introdução à discussão teórica concernente ao saber ambiental como instrumento interdisciplinar para a produção de saúde. Através da leitura nas idéias de Enrique Leff apresenta o conceito de ambiente com o objetivo de elucidar as conexões necessárias para argumentar o conceito de produção e reprodução de saúde.

Ecossistema; Promoção da saúde; Saúde ambiental


This text is about an introduction to the theoretical discussion regarding environmental knowledge as a technological instrument for the production of health. Through the reading of Enrique Leff's ideas, we are presented with the environmental concept in order to elucidate the necessary connections to argue the concept of production and reproduction of health.

Ecosystem; Health promotion; Environmental health


Este texto trata de una introducción a la discusión teórica concerniente al saber ambiental como instrumento interdisciplinario para la producción de la salud. A través de la lectura en el pensamiento de Enrique Leff, se expresa el concepto de ambiente en el sentido de aclarar las conexiones necesarias para argumentar el concepto de producción y de reproducción de la salud.

Ecosistema; Promoción de la salud; Salud ambiental


ARTIGO ORIGINAL

REFLEXÃO

Saber ambiental: instrumento interdisciplinar para a produção de saúde1 1 Referência teórica vinculada ao Laboratório de Estudos de Processos Socioambientais e Produção Coletiva de Saúde - LAMSA - FURG/CNPq.

Environmental knowledge as interdisciplinary instrument for the production of health

El saber ambiental como instrumento interdisciplinario para la producción de la salud

Marta Regina Cezar-VazI; Maria Cristina Flores SoaresII; Sibele da Rocha MartinsIII; Janaína SenaIII; Liane Rossales dos SantosIV; Lilian Teles RubiraV; Valdecir Zavarese da CostaVI; Ana Luiza Lucillo-BaischVII

IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Depto. de Enf. da FURG. Professora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da FURG e do Curso de Mestrado em Educação Ambiental da FURG. Coordenadora do LAMSA

IIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Depto. de Ciências Fisiológicas da FURG. Professora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da FURG. Pesquisadora do LAMSA

IIIProfessora por contrato temporário do Depto. de Enf. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da FURG. Pesquisadora do LAMSA

IVEnfermeira Especialista do Hospital Conceição de Porto Alegre - RS. Participante do LAMSA

VEnfermeira do Programa de Saúde da Família do Município de Charqueadas - RS. Participante do LAMSA

VIAcadêmico do Curso de Grad. em Enf. da FURG. Bolsista de Iniciação Científica da FAPERGS. Participante do LAMSA

VIIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Depto. de Ciências Fisiológicas da FURG. Professora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da FURG. Pesquisadora do LAMSA

Endereço Endereço: Marta Regina Cezar-Vaz Av. Presidente Vargas, 323, casa 13, Cond. Bela Vista 96202-100 - Parque, Rio Grande, RS. E-mail: cezarvaz@vetorial.net

RESUMO

Este texto trata de uma introdução à discussão teórica concernente ao saber ambiental como instrumento interdisciplinar para a produção de saúde. Através da leitura nas idéias de Enrique Leff apresenta o conceito de ambiente com o objetivo de elucidar as conexões necessárias para argumentar o conceito de produção e reprodução de saúde.

Palavras-chave: Ecossistema. Promoção da saúde. Saúde ambiental.

ABSTRACT

This text is about an introduction to the theoretical discussion regarding environmental knowledge as a technological instrument for the production of health. Through the reading of Enrique Leff's ideas, we are presented with the environmental concept in order to elucidate the necessary connections to argue the concept of production and reproduction of health.

Keywords: Ecosystem. Health promotion. Environmental health.

RESUMEN

Este texto trata de una introducción a la discusión teórica concerniente al saber ambiental como instrumento interdisciplinario para la producción de la salud. A través de la lectura en el pensamiento de Enrique Leff, se expresa el concepto de ambiente en el sentido de aclarar las conexiones necesarias para argumentar el concepto de producción y de reproducción de la salud.

Palabras clave: Ecosistema. Promoción de la salud. Salud ambiental.

INTRODUÇÃO

Os seres humanos vivem e se relacionam em espaços que são contextos ecossistêmicos. São sistemas ambientais nos quais os componentes vivos e não vivos interagem na ação e na reação para provocarem direta ou indiretamente estados adequados à vida em comunidade ou a sua inadequação. Nesta integração se produzem e reproduzem situações favoráveis à construção do próprio ambiente físico-social de forma a propiciar aos seus componentes, vivos e não vivos, meios sustentáveis a sobrevivência e a preservação.

Para melhor compreensão pode-se dizer que ecossistema é a relação entre seres vivos e ambiente físico-social, incluindo um território cósmico com características naturais e construídas pela ação humana. Estas últimas fazem parte do processo criativo dos seres humanos e resultam feitos saudáveis ou insalubres para a vida em geral. Portanto, um ecossistema "é um sistema de interações entre diferentes espécies que vivem num mesmo sítio, e entre estas populações e o meio físico".1:27

Neste contexto, diferentes enfoques metodoló-gicos são utilizados para melhor compreender a rede de causas conexas entre o processo vital do ser humano "e o potencial cibernético de um conjunto de processos de ordem física, biológica e social",2:224 provocante da rede de relações complexas que formam os sistemas ambientais, que por sua vez também são complexos. O ambiente não é, pois, o "meio que circunda as espécies e as populações biológicas. É uma categoria sociológica (e não biológica) relativa a uma racionalidade social, configurada por comportamentos, valores, como também novos potenciais produtivos".3:22

O potencial produtivo que se aborda aqui é o processo de produção e reprodução de saúde como um sistema ambiental complexo,4 no qual a produção do conhecimento - saber ambiental - exige uma ação-reflexão interdisciplinar estabelecendo potenciais e limites às formas e conteúdos das diferentes áreas do conhecimento. Nesta abordagem, o texto, além destas palavras iniciais referentes à posição do grupo de autoras acerca do conceito de ambiente/ecossistema, baseado no conteúdo do saber ambiental,2-5 compõe-se de duas partes: uma relativa a abordagem teórica concernente ao conceito de saúde como sistema socioambiental e histórico de produção e reprodução de saúde, formando um ecossistema complexo e outra, focando a relação entre saber ambiental e saber interdisciplinar como exigência do objeto/sujeitos do trabalho da enfermagem.

SAÚDE: SISTEMA SÓCIOAMBIENTAL E HISTÓRICO DE PRODUÇÃO DE SAÚDE * * Este trecho tem gênese nos escrito referente ao sistema de produção e reprodução de componentes de saúde. 4

Introduzindo um pouco da linguagem e da concepção hegeliana6 do conceito é possível afirmar que tudo aquilo que determina a identidade de um ser, tudo aquilo que o diferencia dos outros seres nos diferentes ambientes, que o classifica e, ao mesmo tempo, mantém sua unidade é um universal concreto, é singular. Assim, "saúde é um universal concreto, é uma estrutura de organizações que consiste no conjunto de relações de produção de componentes do ambiente (em sentido genérico), que tem como conteúdo a produção de congruência interna e externa dos corpos. Componentes que vão modificando, transformando as relações entre si, à medida que vão interagindo com no ambiente. Portanto, saúde constitui um sistema como unidade concreta que transforma e faz desenvolver este conjunto, esta rede de relações de produção de componentes socioambientais (atributos, estruturas, sentidos, valores e significados individuais e coletivos) que se expressa nas formas biológicas do ser humano e nas estruturas das ações coletivas. Estas, por se situarem essencialmente na exterioridade do mundo dado, são, ao mesmo tempo, expressão e condição de desenvolvimento das formas biológicas, postas na individualidade do sujeito, desse sujeito que é estruturalmente social. Por ser estruturalmente social, o indivíduo, biológico e psicológico, pode ser perturbado por condições propriamente coletivas de saúde".4:86

A saúde, então, não se constitui numa abstração do intelecto como generalidade ou conceito mental geral; é um sistema de relações objetivas, capaz de se auto-realizar em seu conteúdo complexo. Ao expressar saúde como sendo um conceito que se realiza até a idéia absoluta se quer dizer que, no nível da ciência, saúde é uma categoria ou conceito (conjunto de relações construídas necessárias, universais) com suas aplicações se realizando estruturalmente no tempo e no espaço.

Como existente em si e para si, uma idéia é verdade em si. O espírito absoluto é o espírito como universal e não como particular e finito. Saúde é o conteúdo que se mostra em formas diversas, mas de tal modo que mantém sempre sua identidade e unidade, pois é o que faz a unidade do diverso ser sempre a mesma. Em outras palavras, a saúde é um conceito radical no seu sentido concreto, invariante, universal. É abstrato no sentido de ainda não realizado. É conceito que, na sua concreticidade, se expressa no sujeito e, como tal, diferenciado e dimensionado para cada um particularmente.

Ao expressar saúde como a congruência interna e externa dos corpos, apresenta-se um conceito, assumido aqui nem como uma reflexão sensível de um lado, nem como um pensamento subjetivo de outro. O conceito é aqui compreendido como algo diverso do simples pensamento, é o pensamento que se tornou ativo e consegue em si determinar-se, criar-se e produzir-se. Na saúde, nada mais há senão o que se refere aos aspectos do seu conteúdo e serve para o exprimir. O conteúdo, a significação de saúde é núcleo, a própria coisa reduzida às suas determinações e, ao mesmo tempo, mais compreensiva, por tal diferindo de sua forma. Assim acontece quando se indica saúde pelas palavras congruência interna e externa dos corpos, o que vai fornecer uma base à manifestação: é o abstrato no sentido de não estar desenvolvido, realizado, verificado. Pelo contrário, a manifestação desse conceito no sujeito é que é o concreto, ou seja, sua conexão com o espaço de vida, como um sistema de relações complexas, entre os diferentes sujeitos e o território (sistemas socioambientais) demarcado de existência mútua.

Abstrato e concreto, conteúdo e forma, no entanto, não existem para permanecerem indiferentes uns ao outro, ou numa justaposição puramente exterior, pois a significação, embora abstrata, como simples conteúdo, está destinada a realizar-se, quer dizer, a tornar-se concreta. Em sua potencialidade inicial está posta a necessidade de sua efetivação. Qualquer que seja o valor próprio de um conteúdo, não será satisfeito o seu caráter, pois sempre será exigido algo mais posto por sua realização que em si é sua própria identidade. É assim, neste significado, antes de tudo, a expressão das formas de organização social da produção, adequadas e congruentes ao objeto como Sujeito. E isto decorre da própria forma do ser humano produzir-se como ser socioambiental e como sujeito e objeto do conhecimento social. Da produção e reprodução da saúde advêm tanto o caráter necessário do trabalho interdisciplinar como o caráter indispensável da socialização do conhecimento no campo das ciências sociais e no campo educativo,7 em particular no campo da produção coletiva de saúde.

Entrementes, a despeito das relações estabelecidas nos processos sociais se caracterizarem por grandes desigualdades nos níveis de qualidade de vida e de saúde dos diferentes grupamentos sociais, este processo, mesmo que importante, não pode ser considerado como onipotente, como único determinante, nem das desigualdades sociais e nem, em particular, dos fenômenos do processo saúde/doença. Na externalidade do conceito saúde se evidencia o vazio infinito no qual podem se precipitar todas as formas possíveis e imagináveis de condicionantes objetivos (sistemas socioambientais) ao alcance da congruência ou da incongruência dos corpos.

Para que a congruência ocorra, não basta nem o lado subjetivo do conteúdo, puramente interior, nem o lado objetivo da forma exterior. As necessidades do ser humano tal como expressas no conceito universal de saúde - seus desejos, seus interesses, sua vitalidade física e mental - devem se objetivar, ou seja, devem transferir o que inicialmente se encerra no subjetivo e interior para a objetividade e só quando satisfeita esta exigência se acha realizada uma exigência completa, única suscetível de contentamento. A situação não se apresenta como se o objetivo fosse aquilo que falta ao subjetivo ou está fora dele. Trata-se de uma relação mais estreita, de uma dependência mais íntima, na qual o subjetivo procura uma posição, uma identidade diante da possibilidade da indiferença das formas. O subjetivo sente em si próprio e por si próprio uma ausência, uma negação do já dado que, por sua vez, procura outra posição. Saúde é um impulso interno que se encarna no mundo, nas formas externas do corpo e do ambiente social. O sujeito assume os elementos externos, consumindo-os para a definição/construção de um novo estado do seu desenvolvimento, algo que não termina jamais. Assim, o conceito saúde inclui os elementos do mundo natural e, o que nos interessa aqui, do ambiente social. Daí sua condição de particularidade para cada sujeito.

A saúde como conceito** ** "O conceito implica determinações; será abstrato ou concreto. É concreto quando unidade de objetos diversos, quando é a unidade das diferenças que, permanecentes ainda no conceito e não expressas no real, são de natureza subjetiva, ideal. Como esta unidade só existe no conceito, ela constitui a consciência subjetiva do meu eu; a multiplicidade das diferenças está como que comprimida na minha pessoa. Mas, na realidade, os objetos estão separados uns dos outros, não existem em estado de compressão". 6:94 é um processo de produção, não um mero agregado ou somatório de características. A definição agregativa cai no mal infinito: é isto, é mais isto, é mais aquilo, definição que é indeterminada. Como pensar saúde sem condições externas, no ambiente social, adequadas ao ser humano para manter esta congruência, quando suas condições materiais e ambientais de vida potencializam tal possibilidade? Como transformar o conhecimento do ecossistema humano em saber interdisciplinar?

A natureza é indiferente ao ser vivo embora seja condição de sua existência. E o ser humano, como ser finito, interage com o ambiente, adequando-se e adequado-o para si. Nesta relação com o ecossistema, como mundo dado, o ser humano pode, como resultado de suas estruturas parciais, entrar em incongruência consigo e com o próprio ambiente, um estado que pode ser e é inadequado à sua condição de ser saudável. No processo de reconstituição da saúde ou da congruência global e do corpo afetado, o sistema todo se torna incongruente para livrar-se, mediante novos componentes (específicos internos), da incongruência.

Neste sentido, "o tema ambiental vem questionar as práticas médicas, como também nossa relação com o corpo e com a vida. Isto não é só conseqüência do aparecimento de novas doenças de etiologia ambiental e do agravamento de outra por efeito da contaminação do ambiente [...] a degradação ambiental está diretamente associada à deterioração das condições sociais nas quais se produzem e propagam novas epidemias e doenças da pobreza". 3:310-311 O conceito de saúde e sua relação com o ambiente, desse modo, implica uma unidade, pela mediação dos seus momentos particulares. O que mais se evidencia naquele singular é a dimensão biológica, como inadequação. "A separação do corpo humano - como objeto de conhecimento e da prática médica - do sujeito cognoscente, é questionada por uma nova epistemologia política do corpo [...]. Produz-se uma desnaturalização do objeto da biomedicina. O corpo se converte num construto social e político concebível de diversas maneiras, manipulável e transformáveis pela vontade e pelo poder através da ciência e da tecnologia [...]. O organismo se transforma num cyborgs, num construto feito de corpo, tecnologia e sentido [...]".3:316

Saúde se materializa no corpo individual e fica visível a seu conteúdo ambiental humano quando da interferência de sua lógica própria pela mediação objetiva do corpo em si, ou seja, as determinações deixam de ser fatores ou variáveis e se realizam numa forma (a doença) visível apenas por se corporificar como anomalia no sujeito. Mas como abstração, ainda não objetivada nas particularidades de suas estruturas corporais e sociais, saúde é apenas uma congruência ideal. Precisa pôr-se em estruturas corporais e socioambientais para se realizar.

A aderência aparente do ser humano ao ambiente natural, que está posta no sujeito, subtende que a saúde já seria um conteúdo próprio da existência do ser humano. E o ser humano, por sua finitude, impede esta perfeição de se desenvolver e aparecer, ou permite que ela se manifeste pelo seu oposto, por uma imperfeição, a doença. Nesse sentido, o problema é da ordem da finitude; a natureza projetou os sujeitos perfeitos, saudáveis, mas essa natureza é subsumida no ambiente social, na externalidade do ser que é imperfeito por sua materialidade humana. Ao se pensar saúde assim, sendo construída interna e externamente, muda-se o princípio, de natural para artificial, para construído.

Assim, mesmo que aparentemente a lógica da saúde, em sua internalidade, possa parecer autônoma em si mesma, independente das ações dos seres humanos, traz em si a construção histórica dos indivíduos. Essa arquitetura se dá por meio do trabalho, da produção de conhecimento que o ser humano vai buscando em sua particularidade como indivíduo e em sua genericidade como participante social. Em sua universalidade, expressa nas formas biológicas em constante adequação dentro das estruturas conduzidas e condutoras dos seres humanos, saúde envolve aspectos políticos, econômicos, éticos, filosóficos e culturais, inerentes à individualidade dos sujeitos em seus ambientes históricos e sociais. Pensar a saúde como uma produção coletiva que se concretiza em partes e em uma totalidade concreta,8 não revela a busca do princípio fundador de tudo,7 mas representa a busca do desenvolvimento de um saber sobre saúde na apreensão dos sistemas complexos, dos ambientes complexos e, portanto, dos processos socioambientais complexos, na provocação da redundância de processos socioambientais e históricos, dada pela constituição híbrida das múltiplas determinações e mediações históricas que produzem este objeto de saber ambiental a saúde. Caracteriza-se por um "saber que, pela falta de conhecimento das ciências, problematiza seus paradigmas científicos para ambientalizar o conhecimento",5:42 o saber ambiental, "provoca um diálogo de saberes e uma hibridação entre ciências, tecnologias e saberes populares que atravessam o discurso e as políticas do desenvolvimento sustentável".5:42

SABER AMBIENTAL E SABER INTERDISCIPLINAR

A enfermagem como campo de conhecimento que transita numa corrente interdisciplinar requer compreender como um saber pode assumir poder de ação no trabalho em saúde, ou seja, assumir uma ação tecnológica operativa. Para tanto, apreender o conteúdo epistemico do ambiente como ecossistema humano e, por conseguinte, a saúde, como processos socioambientais e históricos, inclusa nesses ambientes, leva a discussão acerca do trabalho da enfermagem para o conteúdo da ciência da saúde. A proposição consiste metodologicamente em incorporar o conceito de complexidade na forma de articular o conjunto de relações que estão presentes no complexo saúde - trabalho - ambiente, numa abordagem que compreenda a construção de sociedades saudáveis em sua sustentabilidade.

Os ambientes ecossistêmicos são sistemas complexos, não que sejam algo "simplesmente complicado",1:18 pois para um conjunto, como sistema complicado, é possível simplificá-lo para descobrir a sua inteligibilidade, agora como sistema complexo, ao simplificá-lo é provocada a sua mutilação, e para descobrir a sua inteligibilidade só é possível modelizá-lo.9 Portanto, a complexidade ambiental transcende o mundo totalitário e aparece como potencialidade desde a potência do real e a mobilização do desejo na ordem do simbólico, transgredindo a realidade unidimensional e sua globalidade homogeneizante, para dar curso ao porvir de um futuro sustentável.5

O saber ambiental como orientador do trabalho da enfermagem no campo da saúde coletiva requer, então, assumir em sua construção características de interdisciplinaridade e representa a possibilidade de organizar o conhecimento científico de forma que, na práxis, os campos disciplinares não somente interajam entre si, mas se constituam em construtos dos sujeitos na prática científica cotidiana.10

As premissas pragmáticas com relação a sustentabilidade do planeta colocam o ser humano no foco central dos objetivos, incluindo a qualidade de vida e o desenvolvimento pleno das potencialidades, verificando a necessidade de assegurar as condições mínimas de saúde "para uma vida sadia, produtiva e prazerosa para todos. Para consegui-las, no entanto, não basta incrementar a cobertura dos atuais serviços de saúde. Os objetivos do desenvolvimento sustentável implicam a necessidade de reconceitualizar a saúde e a doença, de reorientar os serviços de saúde pública e as práticas médicas em novas formas de desenvolvimento". 3:312

O conhecimento clínico, como saber tecnológico dominante no trabalho em saúde, provoca a discussão acerca da racionalidade científica quando privilegiado na explicação dos fenômenos de saúde e doença. Não que este conhecimento deva ser abandonado, mas que deve ser subsumido compondo um outro saber - o saber ambiental. Surge aqui "[...] uma nova epistemologia, na qual os processos vitais e os fenômenos da consciência são interdependentes, onde os processos de significação cultural estão relacionados com a saúde e a qualidade da população". 3:312

Saúde e a doença são fenômenos ambientais, não na ideologia antropocêntrica presente na área social e da saúde em que os vínculos ecológicos estão presos a uma visão predominantemente biocêntrica, mas nas relações com a natureza através de uma expressão de criatividade, atividade, diversidade e inter-relação de todos os seres, bem em contraponto ao conceito cartesiano, que concebe a natureza como inerte, passiva, uniforme, mecanicista, fragmentada dentro de si mesma, separada do ser humano e pronta a ser explorada por ele.11

A saúde ambiental compõe o campo de atuação do trabalho da Enfermagem,12 dado que os problemas ambientais provocam a ação pública pelo trabalho na produção de contextos nos quais os indivíduos estão inseridos e vivem desenvolvendo relações de adequação ou inadequação com o ambiente. Contextos que são os diferentes ambientes ecossistêmicos em que os seres humanos habitam. Neste pensamento, a forma de ocupação de um ambiente habitat revela os "processos organizadores produzidos pelos organismos que o habita, da cultura que o significa, da práxis que o transforma".3:282

A saúde pública, neste enfoque, abrange a dimensão de um campo complexo, dado que para ser público deve ser do conjunto dos seres humanos e suas relações nos diferentes ambientes habitados (espacialidade social). Assim, não basta a relação de um ser humano e o mundo interior, é inegável a necessidade de sua vida em relação ao outro e, ainda, não com apenas um outro, mas com o que ele representa, um coletivo, um universal, que requer atenção particular e ao mesmo tempo atenção no anonimato. Este anonimato requer uma atenção especial, quando focado o seu espaço especial, ou seja, o seu ambiente interno expresso no seu exterior pela sua existência. A complexificação da saúde pública vem de seu caráter fenomênico existencial, que só tem concretude quando aderido às estruturas humanas, postas nos seres humanos universais com suas individualidades. O ser humano "[...] ao externalizar-se, traz em si a relação da ação propriamente dita e a relação da vontade subjetiva; então ele cria a sociabilidade estrutural ou a organização relacional. A alteridade tanto está em seu interior, ou seja, sua própria alteridade, como se mostra na exterioridade, ou seja, a alteridade do outro. E isso acontece quando a relação, agora construída, não apresenta o limite do movimento singular, mas o limite do movimento coletivo".4:96

Se ocorrer a desestruturação/dissociação entre algum componente do ambiente ecossistêmico, haverá um desequilíbrio neste conjunto de inter-relações. Para que o sujeito consiga estabelecer uma relação baseada no equilíbrio com o cosmo, ele utiliza-se de estruturas funcionais que vão dar sustentabilidade e complementação a esta relação, a qual é imprescindível para a sua convivência harmônica. "A sociabilidade estrutural pressupõe, portanto, a alteridade, ou seja, pressupõe a negação da posição da vontade subjetiva para a posição da ação, do ato, da própria realização. Nesta seqüência, o indivíduo cria suas relações consigo mesmo; inicialmente as interioriza para poder exteriorizar-se no mundo e voltar ao seu interior. O sujeito, então, cria mediações para poder movimentar-se no mundo. Esse movimento não é limitado no sujeito como um componente deste mundo habitado, como espécime, mas é mais abrangente em nível da própria construção que provoca no mundo. O mundo construído tem como fronteiras nos movimentos, o próprio indivíduo singular/genérico".4: 95

Compreender as práticas sociais que caracterizam o campo da saúde coletiva a partir de movimentos coletivos estruturados leva a perceber que os problemas ambientais como falta de saneamento básico, poluição dos mares e rios, poluição industrial, ausência de infraestrutura urbana em periferias das metrópoles interferem drasticamente na produção e reprodução de saúde dos seres humanos e que estes como seres socioambientais e históricos, incutidos de carências globais e finitas, têm o potencial de transformar a natureza e a si mesmo,13 na aproximação entre saúde e ambientes sustentáveis.

Afirmar ser necessário "[...] a aproximação entre saúde e ambiente como conceito e prática, ocorrendo desta forma a valorização do ambiente como um fator determinante de agravo na saúde, como que, para a área ambiental visualizar efeitos das alterações ambientais sobre a saúde humana traria a significativa contribuição de resgatar o impacto sobre o homem nas preocupações no enfoque ambiental, avançando da clássica supervalorização dos impactos sobre o meio físico".14:74

No trabalho da Enfermagem o profissional, como agente assistencial e promotor de saúde, deve subsumir o sujeito cliente como socioambiental e histórico. Para isto, o saber ambiental é um instrumento adequado, mas este saber não se encontra pronto "[...] elaborado para ser absorvido pelas diferentes disciplinas. O saber ambiental vem sendo gerado através de processos ideológicos que se expressam num campo discursivo disperso e heterogêneo (a preservação do ambiente, a sustentabilidade do desenvolvimento), mas que vai se demarcando e concretizando em torno de cada uma das ciências e das disciplinas constituídas". 3:229

Para que a enfermagem apreenda os diferentes ambientes dos seres humanos, os objeto/sujeitos do seu trabalho, necessita utilizar instrumentos interdisciplinares no trabalho de observação e intervenção para a potência-ação nos diferentes ambientes sociais e históricos. A interdisciplinaridade na produção do conhecimento no campo da enfermagem em saúde coletiva "funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, una e diversa e na natureza intersubjetiva de sua apreensão".7:27 Produzir fronteiras do saber ambiental não representa anular essa natureza, ao contrário, mesmo com a delimitação necessária ao objeto de saber (saúde como sistema socioambiental e histórico) não significa o descaso científico as múltiplas determinações desse objeto de conhecimento.7 Portanto, "mesmo delimitado, um fato teima em não perder o tecido da totalidade de que faz parte indissociável". 7:27

A enfermagem, então, como ciência e disciplina com características híbridas provocadas pela complexidade de seus objeto/sujeitos do trabalho, precisa elucidar em seu corpo teórico interdisciplinar, os conceitos e métodos das novas disciplinas ambientais para atuar na transformação dos processos criados (destruição ecológica e desigualdade social) pela vida humana nos ecossistemas socioambientais. Nesta direção, a vigilância para a direcionalidade dos conteúdos produzidos deve ser constante, ou seja, requer atentar para que o saber não predomine para novamente se reduzir ao intento de resolver problemas socio-ambientais através de instrumentos com teor econômico e aparência interdisciplinar. Cabe reiterar que a interdisciplinaridade constitui-se de "uma prática intersubjetiva que produz sobre a aplicação de conhecimentos das ciências e sobre a interação de um conjunto de saberes não científicos [...]".3:185 O processo interdisciplinar impulsionará "a produção de novos conhecimentos, enquanto às disciplinas particulares lhe reste um potencial a desenvolver em seu intercâmbio com os outros saberes [...] enquanto não se esgota a necessidade emancipatória de construir novas utopias nem a curiosidade por explorar alternativas além das opções que as situações herdadas e as tendências atuais oferecem; enquanto continua vivo o impulso por saber, o pensamento crítico e o movimento criador das idéias".3:186

Recebido em: 15 de fevereiro de 2005

Aprovação final: 31 de maio de 2005

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    Este trecho tem gênese nos escrito referente ao sistema de produção e reprodução de componentes de saúde.
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    "O conceito implica determinações; será abstrato ou concreto. É concreto quando unidade de objetos diversos, quando é a unidade das diferenças que, permanecentes ainda no conceito e não expressas no real, são de natureza subjetiva, ideal. Como esta unidade só existe no conceito, ela constitui a consciência subjetiva do meu eu; a multiplicidade das diferenças está como que comprimida na minha pessoa. Mas, na realidade, os objetos estão separados uns dos outros, não existem em estado de compressão".
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    Referência teórica vinculada ao Laboratório de Estudos de Processos Socioambientais e Produção Coletiva de Saúde - LAMSA - FURG/CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Aceito
      31 Maio 2005
    • Recebido
      15 Fev 2005
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