RESUMO
Este artigo apresenta uma reflexão sobre as especificidades do processo de ocupação territorial do centro e sudoeste paulista em meados do século XIX, buscando identificar como as formas de expansão econômica e ocupação territorial envolveram tanto políticas oficiais para concentrar indígenas em áreas específicas quanto ações de violência, tendo por fim a apropriação territorial realizada, geralmente, de maneira ilegal. Estado e iniciativa privada construíram e subverteram direitos territoriais indígenas em um duplo movimento que se mostrou essencial à construção de estruturas de privilégios e padrões de posse de terra.
Palavras-chave: Terras indígenas; Expansão agrária; Conflitos agrários; São Paulo
ABSTRACT
This article presents a reflection on the specificities of the process of territorial occupation of the Center and Southwest of São Paulo in the mid-nineteenth century, seeking to identify how the forms of economic expansion and territorial occupation involved both official policies to concentrate Indigenous people in specific areas and the use of violence with a view to territorial appropriation, which was usually carried out in illegal way. The Imperial State and private enterprises built and subverted Indigenous territorial rights, in a double movement that proved essential to the construction of structures of privilege and land tenure standards.
Keywords: Indigenous lands; Agrarian expansion; Agrarian conflicts; São Paulo
No final dos anos 1850, a abertura de uma estrada ligando a vila de Botucatu ao Salto do Avanhandava em Campos Novos do Paranapanema colocou em evidência uma série de contradições e disputas que cercavam o tema da ocupação territorial, povoamento e da presença indígena na província de São Paulo.
Com a ocupação das duas regiões, desde pelo menos a década de 1830, os conflitos entre diferentes grupos indígenas e os novos habitantes daquelas paragens tornaram-se mais frequentes. As modificações de cunho legal, tanto sobre a política de aldeamentos para civilização dos índios, o Regulamento acerca das Missões de Catequese e Civilização dos Índios de 1845, quanto sobre o novo formato de acesso às terras na Lei de Terras de 1850, provocaram modificações nos padrões de ação dos envolvidos. A afoiteza de internar-se nos sertões por parte desses migrantes teve um propósito bem claro: assumir a dianteira na tomada de posse de vastos territórios ainda não tornados oficialmente devolutos, de acordo com a novíssima regra territorial. Já por aquele tempo, se percebia que os índios não aceitariam passivamente as disposições legais empregadas à revelia de suas próprias pretensões. Ao consultar os anais da Assembleia Legislativa paulista, a historiadora Maria do Carmo Sampaio Di Credo constatou que os habitantes mais interiorizados, como aqueles do Salto do Avanhandava, reconhecidos como homens práticos e sertanejos, afirmaram que os índios vinham se mostrando mais e mais ousados em suas aproximações, cometendo assassinatos, destruindo plantações, colocando povoados inteiros em sobressalto. Segundo eles, após a promulgação da Lei de Terras, as correrias ou assaltos, como eram chamadas as revidas que os indígenas impunham aos colonizadores, haviam se tornado cada vez mais frequentes, pois os índios reconheciam o sertão como seu território. Assim, a abertura de uma estrada que cortasse aqueles terrenos, faria os sertanejos recorrerem aos aldeamentos, ou ao afastamento dos indígenas dali (DI CREDO, 2003, p. 135).
A hipótese de que havia uma relação entre o aumento do número de assaltos indígenas aos povoados do interior e a Lei de 1850, pode encontrar explicação no crescimento de atos de ocupação nas regiões em evidência, principalmente após a regulamentação da lei, em 1854. Foi naquele tempo que posseiros se preocuparam em dar provas da ocupação das terras, com práticas como a derrubada de matos, a instalação de moradias e roças - formas essas, que não constituíam prova de cultivo conforme a lei. Pelo contrário, conforme o Art. 88, capítulo 8˚, apossar-se de terras devolutas, “ou derrubando seus matos, ou neles laçando fogo” era considerado um ato de delinquência ao qual os Juízes Municipais deveriam abrir processos (BRASIL, 1854). Mas fizeram uso, principalmente, da venda e registro em cartórios dos terrenos. Muitos dos confrontos documentados, de iniciativa dos índios, dão a ver que essas práticas coincidiram com os ataques que eles realizaram.
Já os dados sobre as violências cometidas pelos moradores do interior contra os índios são de menor volume e clareza, surgidas, na maioria das vezes, em observações não intencionais das autoridades envolvidas nas contendas (DORNELLES, 2018b). Quando denúncias explícitas da existência de agressões por parte dos não índios foram apresentadas, foi recorrente também a negação dos fatos.
A exemplo disso, no ano de 1857, o relatório provincial mencionou um interessante caso: um certo padre Tristão Carneiro de Mendonça havia representado à presidência em 30 de maio de 1856 sobre “atos de violências praticados contra os indígenas de Bauru e Paranapanema”1, ao que prontamente negou a veracidade das acusações, o próprio Diretor Geral do Índios2, José Joaquim Machado de Oliveira, alegando serem aquelas “imprudentes falsidades”, fatos levados a “um grau hiperbólico” e, até mesmo, que “não existe semelhante Padre Tristão Carneiro de Mendonça”, “que essa personagem não passa de um mito”.3 O padre, além de ser um ‘fantasma’, ou estava mentindo ou exagerando, quando denunciou os abusos contra os índios.
Por este período, os habitantes de Botucatu reclamaram insistentemente às autoridades providências emergenciais quanto às agressões que sofreram dos indígenas. Em novembro de 1857, nas cabeceiras do rio São Pedro do Turvo, “uma agressão de índios selvagens, de que resultara a morte de cinco moradores dali, que estavam derrubando mato”4, fez uma vez mais o Diretor Geral dos Índios reportar-se à presidência, em apelo para que se desse mais atenção àquela localidade. Ali, um cidadão residente no distrito, Lourenço Dias Portela, vinha tentando, por conta própria, empreender a catequese e civilização dos indígenas. O diretor insistiu que era preciso “aproveitar tão filantrópico e generoso empenho”, atendendo aos pedidos de objetos para “brindar aos índios”, já que, assim, seria possível reverter tais atos, em prol da segurança dos habitantes do Botucatu.
Em julho do ano seguinte, ocorreram dois episódios nos quais os moradores foram “compelidos à dura necessidade de abandonarem seus estabelecimentos”5, o que seria inaceitável na visão política contemporânea, visto tratarem-se de laboriosos agricultores estabelecidos nos confins de uma província tão carente de povoamento. Era esperado que as autoridades tomassem medidas, ou para aldear os índios no interior do município, ou para afastá-los das localidades povoadas por gente civilizada. Foi com este fim que uma representação assinada por 350 indivíduos chegou ao poder provincial naquele ano.
O principal porta voz de alguns dos moradores mais entranhados daqueles sertões, Felicíssimo Antônio Pereira, informou que as matas entre os rios Paranapanema e Tietê e a nova freguesia de Lençóis eram povoadas por “hordas indígenas”6, que não poupavam as gentes civilizadas de “suas correrias e depredações”. Ele mesmo se definiu como “um dos que mais tem infelizmente sofrido, sendo acometido constantemente, prejudicado nas plantações que faço na minha fazenda (...), coagido a viver em contínua vigilância”. Disse ainda, que os índios mantinham “constante espionagem” em redor de sua moradia na fazenda.
O século XIX foi marcado pela alteração no modelo legal de acesso à terra (SILVA, 2008; MOTTA, 2008; PAES, 2018). Entretanto, a prática de tomada de posse de terras devolutas e a implantação de fazendas persistiu, e até ampliou-se, conforme dava-se a interiorização da produção e do povoamento. No caso paulista, como bem colocou Amador Nogueira Cobra já na década de 1920:
Embora dali em diante só por compra fosse lícito adquirir terras de domínio do Estado - pois que passou a constituir crime tomá-las por ocupação primária - o costume teve mais força que a lei, a qual ficou letra morta, pode-se dizer. Processavam-se as legitimações instituídas, mas só na forma obedeciam às normas traçadas; no fundo se afastaram tanto, que fizeram época nos sertões . Interessados houve que nem ao processo recorreram: continuaram a tomar posses pura e simplesmente. Que prejuízo poderia ter a Nação, grande possuidora, em ficar sem alguns milhões de hectares da vasta extensão despovoada do território nacional? Pensavam eles (COBRA, 1923, p. 11-12, grifos meus).7
Os comentários de Cobra são reveladores da força da ilegitimidade como lei, no que se refere ao acesso à terra no século XIX, de como as posses se tornavam direito de propriedade. Mesmo quando aparentemente se cumpriam os parâmetros legais, com a efetivação de registros e raras medições, estava se descumprindo a lei, a ponto de fazer época nos sertões, isto é, prevalecer um direito à revelia da lei, inspirado no costume, mas apto a renovar-se conforme necessidades trazidas por novos tempos e ideias. Vale ressaltar que os juízes municipais e de direito tinham, naquele contexto, a função de fiscalizar os procedimentos de legalização de posses, tendo sido amplamente coniventes com as fraudes, e também beneficiários do crime. Cabia-lhes o resguardo da propriedade estatal, das terras devolutas e das florestas, impedindo atos ilegais (SILVA, 1998)
O mesmo pode ser dito sobre os vigários, responsáveis pelos registros nas paróquias. Conforme o texto do regulamento, os vigários tinham a incumbência de receber as declarações “com duas cópias, possuindo, o nome da terra possuída; designação da freguesia em que está situada; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão se for conhecida e seus limites” (MOTTA, 1998, p. 161). O custo do registro era aferido pela quantidade de letras no documento, “a razão de 2 réis por letra”8, certamente, um dos causadores da economia de informações nos mesmos.
Lígia Osório Silva chama a atenção para o fato de o ‘registro do vigário’, como ficou conhecido, não ter sido um documento que serviu como prova de direito sobre as terras, a partir da leitura dos juristas do século XIX, principalmente, a Consolidação das leis civis de Teixeira de Freitas (1876). Aparentemente, o objetivo do Império com o registro do vigário, na interpretação da autora, foi de caráter estatístico. Entretanto, aquele tipo de documento foi apresentado como “prova de domínio de particulares sobre terras, em geral, devolutas”, e passou a ser constantemente acionado na perpetuação dos grilos, sendo, geralmente, o único documento apresentado em tais disputas” (SILVA, 2008, p. 188-189). Em 1859, a paróquia de Botucatu recebeu a nomeação de seu primeiro vigário, o padre Joaquim Gonçalves Pacheco, que pouco tempo permaneceu ali. Botucatu foi o local primordial de registros de terras da região que se expandiu a partir da segunda metade do século XIX.
O que imperou foi a ampla política da vista grossa, principalmente, quando estas mesmas terras, estiveram repletas de povoados indígenas. A palavra final sobre os processos de legitimação das terras de particulares, contudo, coube aos presidentes provinciais, que manipularam interesses pessoais e políticos. Trilhemos algumas histórias de legitimações de posses com o objetivo de compreender melhor essas colocações.
Botucatu, boca do sertão
O início do povoamento e ocupação rural por grupos não indígenas do interior da província paulista, na fase em que tratamos, se deu com a chegada de exploradores vindos majoritariamente de Minas Gerais. Antes disso, a região que fica entre a serra de Botucatu e o rio Paranapanema foi dividida em sesmarias na primeira metade do século XVIII, sendo uma delas, a Fazenda Santo Inácio, concedida aos jesuítas. Com a expulsão destes do império português, as terras foram levadas à hasta pública e adquiridas por proprietários sorocabanos, que as repartiram em outras propriedades menores (MARCÍLIO, 1983).
No coração da província, a ocupação da região de Botucatu, um tanto antes da metade do XIX, marcou o polo de partida para a exploração do Oeste. À Noroeste dali, nasceram municípios importantes, como Lençóis (1865) e Bauru (1896). Em direção ao rio Parapanema, à Sudoeste, o município de Campos Novos do Paranapanema, seria outra sede de ocupação (GHIRARDELLO, 2002).9 Como inferiu Amador Nogueira Cobra, provavelmente, as notícias sobre essas grandes extensões de terras inexploradas foram tomadas nas relações estabelecidas durante o período das grandes feiras de Sorocaba, envolvendo comerciantes e tropeiros vindos da região Sul, de São Paulo e de Minas. Essas imensas terras paulistas eram consideradas ainda não exploradas.
A região de Botucatu serviu como um desvio do mercado sorocabano de tropas, que visava o não pagamento de impostos na capitania paulista. Em 1835, pelo menos meia dúzia de fazendeiros possuíam terras naquela área, mas permaneciam habitando em Itapetininga. Na década de 1840, surgiram as primeiras menções à necessidade de existir uma freguesia onde já haveria uma capela e cerca de 70 fogos. O sucesso na instalação dos ranchos e a arrecadação de mais famílias mineiras que ali se colocassem, dependia também, do afastamento dos índios, conhecidamente, habitantes dos mesmos locais. A atividade econômica nos primeiros tempos era o cultivo do milho - por meio de técnicas bastante rudimentares, que pouco se diferenciavam das indígenas - e a criação de animais (BORELLI, 1984, p. 47).
Muitos episódios narrados nas memórias das fundações das localidades em estudo envolvem violentos confrontos, porém, há dificuldades em localizar documentos que atestem com precisão tais eventos (PIZA, 2015, p.113). O povoado de Botucatu foi oficialmente fundado em 1843 e a freguesia em 1846. No ano seguinte, já contava com uma subdelegacia de polícia. Em 1855, tornou-se vila. A vila passou a ser chamada de “boca do sertão”, constituindo o lugar mais entranhado no interior paulista. Foi a partir desta sede que muitos migrantes iniciaram a ocupação das terras onde residiam indígenas Kaingang, Guarani e Xavante. Esses “aventureiros”, ou se colocaram nos sertões, ou disseram ter comprado fazendas de posseiros, que na verdade não compraram, ou disseram ter chegado anteriormente, mesmo mantendo residência em localidades maiores, como Itapetininga e Sorocaba. Essa prática permitiu que se atribuísse o crime de posse a outros, e anteriormente à Lei de 1850.
Com a Lei de Terras aprovada e o estabelecimento de seu regulamento em 1854, um grande movimento de registros foi posto em prática nos recém estabelecidos povoados, tanto no Vale do Paranapanema quanto em Botucatu. Ou seja, o nascimento de vilas, povoados, freguesias, era concomitante ao processo de tomada de posses, da instalação de plantações e criações e, claro, do estabelecimento de relações com populações indígenas, fosse pela diretriz legal da formação de aldeamentos, ou pelo confronto armado. Nesse sentido, a existência do aldeamento de São Sebastião do Piraju, fundado ainda em 1854, na fazenda de Joaquim Alves Machado, poderia ser lida como um sucesso, observada a rapidez com que foi posto em funcionamento, e o aumento populacional progressivo até o final dos anos 1850, conforme os relatórios da presidência. Se nosso olhar recair sobre aspectos financeiros, veremos ainda que os dispêndios com a catequese e a civilização dos índios não eram modestos, quando comparados com o orçamento daqueles lugarejos: Botucatu, por exemplo, em 1858, possuía um orçamento que não alcançava um conto de réis.
Foi no ano de 1856 que importantes posseiros registraram as terras. Mais precisamente, Felicíssimo Antonio Pereira, em 15 de abril, e José Theodoro de Souza, em 31 de maio. Vejamos o caso de Felicíssimo, que como dissemos há pouco, descreveu-se como um dos mais penalizados com a incômoda presença dos índios.
Naquele ano, Felicíssimo efetivou o registro de uma terra na região de Bauru, na paróquia de Botucatu. Disse possuir uma fazenda de matas denominada Batalha, que havia comprado de um tal Luiz Francisco Gomez. Duas observações se fazem importantes. Uma, a comercialização de terras não implicava na necessidade de o vendedor dar provas de que era proprietário das terras no momento do registro. Outra, os detalhes quanto aos limites dos campos vendidos eram tidos como pormenores, de vaga ou nenhuma importância. Assim, mesmo tendo se tornado provas de domínio praticamente irrefutáveis, as escrituras de compra e venda não continham um rigor mínimo em sua essência (GARCIA, 2011).
Um documento, de autoria do juiz municipal do termo de Botucatu, Felipe Pacheco, de setembro de 1861, tratou desta questão. O juiz se disse incomodado com a oportunidade de enriquecimento e imenso desdém, que os posseiros mineiros recém-chegados davam ao cultivo do “solo abençoado para regurgitar riquezas”, que era Botucatu, e que se limitavam “a pequenas criações de mantimentos, pastos e criação de porcos”. Sua sanha era de abocanharem terrenos enormes e “enricar não por cultivá-los, mas com sua venda”, isso porque:
(...) graças à imprevidência das coisas e à mercê dos inventários, a não estabelecerem limites claros às posses (...) É tamanha a cobiça de invadir o domínio público, que estes miseráveis com pequenas famílias sem um só escravo, estando em lugares perigosos de bugres, assim mesmo seus vizinhos algumas vezes ficam a léguas de distância, para destarte invadirem a terra pública à vontade e enriquecerem com a sua venda. Eis a verdadeira causa da guerra de extermínio das frequentes mortarias feitas ao índio, que é enfim melhor posseiro do que esses e verdadeiro conservador do domínio público. Para concluir, citarei duas posses imensas. Uma delas é a de José Theodoro de Souza, à beira do Rio Novo no Paranapanema, outra é a do Felicíssimo, desde a barra do ribeirão Bauru no rio Tietê até suas cabeceiras na Serra dos Agudos. Portanto, a um e a outro agora resta a tarefa de exterminar os intrusos, que são os índios.10 (grifos meus)
As terras nacionais fora da alçada particular foram consideradas devolutas pela legislação de 1850. Essas terras eram, quase sempre, as mesmas de uso tradicional por parte de populações indígenas. Mostrar como as terras foram apossadas ilegalmente é o mesmo que dizer que elas foram retiradas dos índios na desconformidade das prescrições da lei. Tal subtração era ancorada na política de aldeamentos de 1845, que restringia àqueles espaços circunscritos as populações indígenas, mansas ou selvagens. E, como veremos em seguida, um Estado que nenhum, ou quase nenhum esforço fez para regularizar as terras devolutas, parece, ao contrário, ter empreendido rigorosa eficácia quanto à tomada de terrenos dos aldeamentos, ao considerá-los vazios de população e de população miscigenada (ALMEIDA, 2012, 2013, 2010; MOREIRA, 2002; OLIVEIRA, 1999; SILVA, 1996; CUNHA, 1992a).11 A gama de facilidades para expropriar os índios era diretamente proporcional à condescendência com que se procediam as apropriações pela posse. No mesmo ano da escrita do documento mencionado acima, 1861, o governo federal extinguia a Repartição Geral de Terras Públicas e criava o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. O trabalho de demarcações não havia progredido, tão pouco se percebiam avanços em matéria de colonização.
A presença indígena como entrave
Vamos tratar da “punista e prejudicial” presença dos índios em Botucatu nos fins dos anos de 1850 e início da década de 1860. A medida sugerida pelos 350 habitantes da boca do sertão (Botucatu), signatários da representação que exigia atitudes contra os índios, mencionada no início do artigo, foi aprovada pela direção da província. O líder local, Felicíssimo Antonio Pereira, foi convidado pelo Diretor Geral dos índios para ir à capital em julho de 1858, a fim de tratar a resolução do problema indígena com o próprio Diretor, encarregado dos meios. Porém, José Joaquim Machado de Oliveira dizia-se aflito com a demora de Felicíssimo em atender o convite, pois “tanto por que vai passando o melhor tempo para empreender-se aquela medida, como porque é a presente quadra a de que comumente os selvagens se aproveitam para as suas correrias e acometimentos às fazendas do sertão de Botucatu”12. As preocupações do Diretor também se deviam ao fato de que havia outras propostas para remediar o problema, como aquela apresentada pelo Diretor do aldeamento de Piraju, que buscava atrair os índios pelos meios tradicionais, por assim dizer, embora atestasse que sua preferência pelo plano de Felicíssimo estivesse acima de qualquer disputa ou “mesquinhas rivalidades”.
Em um documento datado de 1˚ de novembro de 1859, Felicíssimo informava à Diretoria Geral dos Índios que tendo já realizado três léguas do trabalho na estrada, não tinha encontrado os índios, mas muitos vestígios deles. “No fim do picadão fiz um pequeno roçado derrubado e um rancho aonde deixei depositados alguns objetos assim como seja machados, carapuças, umas pingas a fim de ver se eles os conduzem”13. Com o apoio da Diretoria Geral, era esperado que Felicíssimo desse continuidade ao trabalho de descobrir os índios daquele sertão, utilizando para isso, parte das verbas destinadas no orçamento provincial à catequese e civilização dos mesmos. Para comprar os objetos necessários para presenteá-los e, com eles estabelecer as primeiras relações, como pretendia Felicíssimo, José Joaquim Machado de Oliveira sugeriu que se desviasse a cota de uns duzentos mil réis do aldeamento de São João Baptista14, medida que foi prontamente anuída.
Em novembro de 1860, um novo episódio de confronto se deu no ribeirão da Batalha, a 16 léguas (aproximadamente 8 km) de distância da residência de Felicíssimo, tendo como resultado conhecido um morador morto e outro ferido - que veio a falecer posteriormente. A julgar pela distância de tal local daqueles onde vinha Felicíssimo encontrando os vestígios dos índios, que, além disso, julgou “com tendências a civilização”, desconfiava-se de que não poderiam ser os mesmos responsáveis por este último ataque. O Diretor Geral dizia: “argumenta-se essa dúvida com a certeza de que aquele imenso sertão ainda é infestado por várias tribos errantes, que por sua ferocidade tem impedido o seu descobrimento, e que talvez de uma destas partisse semelhante atentado”15.
Cabe uma breve observação sobre a dúvida do Diretor Geral acerca do tipo de indíos que teria cometido os atos em questão. As fontes analisadas não contêm em si precisão alguma sobre a etnia dos grupos por elas apontados. Se no século XIX não faltaram dúvidas sobre as índoles, como se costumava dizer, dos índios, no presente, faltou duvidar um pouco dos dados, pois a tendência, nas regiõs sul e sudeste, foi sempre identificar como Guaranis todos os índios assinalados como mansos e Kaingang (Coroados na documentação oitocentista) os selvagens. Nem sempre a documentação garante elementos que confirmem esse pertencimento. Outras vezes, é possível fazer algumas inferências. Em termos analíticos, o melhor seria manter a prudência da dúvida. Não se sabe qual a relevância dessas divisões pautadas por aquilo que o outro, produtor das fontes, entendeu como etnicidade. Isso não quer dizer que inexista alguma forma de precisão sobre qual grupo étnico compunha alguns aldeamentos ou quais foram ocupantes de algumas áreas geográficas específicas, visto que os próprios indígenas confirmam esses dados através dos relatos orais recolhidos em fins do XIX e no início do século XX, por sertanistas, viajantes e os primeiros etnógrafos como Curt Nimuendajú (AMOROSO, 2014; CORRÊA, 2013; KODAMA, 2009, MONTEIRO, 2001).
A imprecisão sobre o que realmente se dava no interior fica mais evidente quando surgiam outros informantes, que não o comprometido posseiro Felicíssimo Oliveira, ou o Diretor Geral dos Índios, locado na capital. É o caso de algumas correspondências que apareceram, vez ou outra, nos jornais da época, em especial no Correio Paulistano. Sobre o caso das mortes no Batalha, a folha confrontava a versão de que os assassinatos seriam mesmo obra de índios selvagens, defendendo que fosse “intervenção de gente civilizada”16, no caso, de Antonio Joaquim da Cunha Bastos e seu filho, interessados nas terras daquelas redondezas. Os brancos bem poderiam ser uns selvagens quando o assunto era a posse da terra. Felicíssimo foi logo contestando, afirmando ser a correspondência “toda içada de falsidades”, e que os índios ainda permaneciam no local do crime, “aldeados nas casas deixadas por aqueles mortos”. Esta “calúnia” não procedia, pois o filho de Bastos só teria ido ver as tais terras posteriormente ao sinistro. Ao mesmo tempo, o fazendeiro civilizador reafirmava às autoridades competentes seu compromisso com a busca dos meios mais pacíficos para com os índios, quando ele próprio havia dito que eram um estorvo.
O relatório provincial de 186117, com informações dos anos anteriores, indicou a finalidade da criação da estrada entre Bauru e os já povoados campos do Avanhandava, como parte da política de relacionamento com as populações indígenas, ao pretender a intensificação dos contatos dos índios com “a gente civilizada” e, por meio da estrada, “modificar-lhes as tendências ferozes, de que tem dado repetidas provas”.
Essa estratégia foi comum em outros locais, onde ocorria o avanço do povoamento sobre territórios ocupados por indígenas, como na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Lá, relatos provenientes de correspondências do engenheiro agrimensor encarregado das obras, Pierre Alphonse Mabilde, mostram-nos com clareza que a abertura de estradas em terras conhecidamente habitadas por indígenas, possibilitava o reconhecimento estratégico sobre o número de indivíduos (através da contagem dos fogos identificados), suas índoles, bem como a concomitante liberação para colonização dos territórios por elas cortados (DORNELLES, 2011, p. 32). Neste último quesito, cabe ressaltar o importante papel que a limpeza de terrenos da presença indígena possuiu no processo de valorização das terras, vinculado, simultaneamente, ao processo de formação de colônias com imigrantes estrangeiros.
Com esse espírito, ainda em maio de 1859, a Assembleia Provincial paulista destinou verba de 6:000$000 aos cuidados do encarregado Felicíssimo Antonio Pereira. Dada a distância com que falamos daqueles tempos, a abertura de uma estrada pode parecer um negócio de pequena importância. Entretanto, em meados dos oitocentos, tratava-se de um dos ramos do serviço público de maior preocupação das autoridades. O estabelecimento de vias de comunicação entre os centros de produção e comércio, ou zonas de escoamento, era reconhecido como vital para o sucesso da indústria agrária nacional. O tesouro provincial paulista pareceu não medir esforços nesse campo, porém, reconheceu, como atestou o mesmo relatório, que algumas vezes, os clamores por abertura e melhoramento das vias havia se tornado um chamariz para os aproveitadores da coisa pública, pois as concorrências para tais obras não se davam de maneira profissional, por assim dizer. Eram fazendeiros que se prestavam aos serviços, como no caso de Felicíssimo Antonio Pereira. O governo custou a tomar conhecimento do emprego das verbas aplicadas ao ramo, quando conseguiu fazê-lo. Em 1861, já havia sido repassada para Felicíssimo a metade da verba da obra, mas o governo ainda não tinha maiores informações dos seus destinos.
Por esse tempo, Felicíssimo aparece nos documentos oficiais não mais apenas como encarregado da abertura da estrada, mas também, como incumbido de diligenciar a pacificação dos índios selvagens daquele sertão, o responsável pela catequese dos mesmos. Como vimos, a ele eram repassadas as verbas destinadas a esse ramo do serviço público na província. Em suas primeiras iniciativas, investiu na estratégia de oferecer aos índios objetos que lhes pudessem interessar, deixando-os nas matas próximas ao picadão que ia sendo aberto no intento de chamá-los à civilização. Ao constatar que os índios “tem andado por aqui, e pelos vestígios que se vê são muitos”18, e que eles de fato recolhiam as ofertas, concluiu “que querem se amansar” e por essa razão, era preciso alargar o valor do investimento.
Porém, pouco tempo depois, em agosto de 1861, uma “nova” proposta começou a ser construída por Felicíssimo e incrementada pelo Diretor Geral. O estopim causador da constatação da necessidade de um novo plano para os índios da província foi um “atentado” ocorrido na fazenda Alambary, no distrito da freguesia de São Domingos, com o saldo de seis mortos e dois feridos (tão “ofendidos” que já poderiam contar como falecidos). Felicíssimo alegou que, apesar dos esforços que vinha fazendo no tocante à catequização dos indígenas, eles seguiam acometendo muitos moradores das zonas isoladas, e até de regiões com mais habitantes, e que esta última “catástrofe” comprometeu o povoamento daquelas regiões, pois a situação causou “grande temor sobre os ânimos dos habitantes destes lugares, e também pode tirar a grande força da prosperidade que nos oferece estes terrenos”19.
Aqui, nosso interlocutor nos permite ver a perfeita compreensão que tinham os seus contemporâneos sobre como a presença indígena em terras, que eram almejadas pela apropriação privada, tratava-se de um “empecilho de dura transposição”. A partir disso, Felicíssimo sugeriu a organização de “entradas nos sertões procurando-se circular o aldeamento a fim de ver-se se obtém a catequização, e mesmo a continuação do picadão que estão fazendo, que no presente torna-se mais dificultado em consequência da agitação dos indígenas”. Sobre os relatos dos acontecimentos e a sugestão de Felicíssimo, José Joaquim de Oliveira, Diretor Geral, fazia apontamentos mais duros e arranjados. Em suas palavras:
Com este e outros acontecimentos passados ali, que desgraçadamente dão provas da contumácia das hordas bárbaras daquelas matas em sua ferocidade e hábitos de devastação, vai se desvanecendo a ideia de chamá-las à civilização e à catequese por meios brandos e suasórios; e o próprio Felicíssimo, que nutria em ponto grande esta ideia, é o que pede autorização e meios para organizar bandeiras de sertanistas, que penetrem as matas por diversos pontos, e vão ter ao alojamento dos selvagens afim de conseguir-se ou a sua rendição por meio de força para trazê-los à catequese, ou reprimi-los para longe daqueles lugares para desassombro dos seus habitantes, e poder Felicíssimo continuar com a abertura do picadão de Campos Novos à Avanhandava; e estando convencido que só por esse meio se restabelecerá a segurança de vidas e propriedades naquele importante território, concordo nessa medida, tendo fé que se a sua execução for cometida a Felicíssimo, não haverá a deplorar as carnificinas e os horrores praticados nos tempos passados por bandeiristas que tinham por único fim matar e escravizar Índios.20 (grifos meus)
Parece que o Diretor Geral foi um tanto além do que queria Felicíssimo, ou apenas nos mostra, em termos mais claros, as intenções não expressas nos documentos oficiais que, até aquele momento, haviam sido produzidos. A ligação entre o que se pretendia fazer a partir desta data e o que havia sido feito no passado foi inevitável, até mesmo para o diretor, que quis de pronto mostrar que não seriam coisas similares, dados os distintos fins: no passado, o extermínio e a escravização; no presente, “ou a sua rendição por meio de força para trazê-los à catequese, ou reprimi-los para longe daqueles lugares”.21
Sobre o ofício da diretoria de São Paulo, ficou atrelado um longo bilhete onde consta apenas a indicação da Seção 143, assinado por um João Soares (Primeiro Oficial), onde lemos uma avaliação negativa da proposta em questão, por ser “contrária aos princípios de humanidade e religião” e, principalmente, “subversiva ao espírito da lei que criou as Diretorias e Aldeamentos, para civilização desses desgraçados”. O oficial também rememora os horrores da época das bandeiras, ambas feitas sobre o escrutínio de catequese e civilização. Para ele, a medida só poderia resultar em “carnificina”, pois aos ataques de uns, os outros, defendendo sua independência, apenas poderiam reagir com todas as forças. E insistia que: “Apesar de reconhecida prudência e honestidade do cidadão Felicíssimo, parece não ser conveniente autorizá-lo a meio tão extremo”22.
Entretanto, foi de um documento de autoria do juiz municipal da vila de Botucatu, Felipe Correa Pacheco, endereçado ao chefe de polícia, que extraímos as informações mais esclarecedoras sobre o tema.
A Secretaria de Polícia foi imbuída da criação de um Regulamento “para a repressão aos assaltos e hostilidades dos Índios bravos”.23 Para o juiz Correa Pacheco, o objeto era de gravidade, visto que envolvia questões de colonização e de cultura das terras. Foi de sua opinião declarada que a candura não deveria ser o sentimento norteador da catequese e civilização, “adiada pra quando eles se apresentarem”. Seguiu sua reflexão lembrando que os tempos da fé tinham se terminado, que os verdadeiros missionários - leia-se: os jesuítas - não retornariam: “Mas se o móvel da fé está acabado, não se acabou o móvel do interesse pessoal, e ao contrário, nunca foi ele tão forte como na época presente”. Por todo o sertão, dava-se o confronto, retardando o processo de ocupação e estabelecimento de cultivos:
Assim que estando o Índio em consequência do aumento da população e da cultura de terras, quase em toda a parte circunspecta em estreitos limites, e quase em contato imediato com a gente civilizada, por isso mesmo é de necessidade do Governo tentar algum meio de o reduzir e aldear, e nunca entregar objeto tão sério ao acaso, como até agora há feito, ou o que ainda é pior, entregá-lo ao arbítrio da [ilegível] particular, quando para reprimir algum atentado do Índio, se armam e vão à mortaria e carnificina deles, como frequentemente acontece por todo a parte, onde a nossa população está quase [ilegível] com eles.24 (grifos meus)
Correa Pacheco pensava que a eficácia nesse tema se alcançaria com um sistema misto de “brandura, benevolência e força”. Era preciso obrigar os indígenas ao aldeamento para liberar as terras passíveis de ocupação, mesmo que por via da posse ilegal. A intenção do juiz parecia ser mostrar ao governo que as ações que elegiam sobre o tema dos índios, eram improfícuas e até mais prejudiciais: “como desarmar o braço particular que vai [a]o assassinato e assaltos do Índio, sem destruir ao mesmo tempo toda a segurança futura dos surrados moradores e das suas famílias?”25. O governo, segundo ele, não poderia continuar se eximindo da obrigação de dar cabo do assunto de modo eficaz, ao manter a brandura de uma política que aguardava a iniciativa dos índios para a catequese e civilização, “e por isso mesmo não pode fiscalizar a execução das ordens à respeito”. O que se dava, na visão do juiz, era a matança cruel de mulheres e crianças, “a exterminação enfim”, “principalmente neste município onde a cobiça do posseiro Mineiro, pela possessão de extensões demarcadas a cada passo contrariada é perturbada pelo índio”26. Para ele, já havia passado do tempo do governo intervir, por dever de justiça e de política, pois o que acontecia no sertão era uma guerra recíproca, entre o índio e a gente civilizada, envolta em sentimentos de vingança e “paixões más”. Em tom de alerta, afirmava ainda:
Se isso não fizer o Governo por meio de sábios Regulamentos, então acredite, que quando acordar do sono letárgico e procurar pelo índio, somente achará d’eles vestígios e vastos cemitérios nos nossos sertões. E fortes tribos e numerosas populações terão desaparecido do território brasileiro nesta quadra, que pela falta de braços compramos na velha Europa o rebotalho de sua população corrompida à preço de ouro.27
Embora o objetivo de Correa Pacheco não fosse fazer uma denúncia sobre as violências cometidas contra os índios - pelo contrário, acreditava ser melhor que posseiros ocupassem as terras - ele acabou mostrando um retrato dos sertões pouco favorável aos indígenas. Ele não foi o único que se incomodou com os gastos volumosos da importação de trabalhadores europeus, enquanto tantos braços jaziam à toa nos matos nacionais.
O misto de meios brandos e conciliatórios com força e terror era antigo, posto em prática ainda nos tempos das primeiras ações de D. João VI no Brasil (LANGFUR, 2006). Contemporâneo ao processo, Perdigão Malheiro afirmava, em 1867, que “pretender submeter, catequisar e civilizar os índios à força de armas e pelo terror” tinha sido um erro grave. Um convite à civilização feito “com pólvora e bala, e com o cativeiro ou servidão”, não poderia resultar senão no recrudescimento do ódio dos índios contra os cidadãos, sua destruição e dispersão pelos sertões e áreas urbanizadas (MALHEIRO, 1867, p. 130).
Em 1861, a eficácia do método brandura benevolente forçada era, então, retomado por aquelas bandas, onde, em algumas entradas, ao ser:
(...) o alojamento tomado ao amanhecer, estando os índios dormindo, então cercados de todas as partes, e ameaçados, é ocasião de baterem palmas e se renderem todos, ou ao menos é ocasião de aprisionar-se um grande número d’eles, escapando-se poucos, os quais vendo ao depois como os seus parentes não foram mortos no mesmo lugar, segundo até hoje se tem praticado, e que ao contrário estão aldeados, e bem tratados, por si mesmos se apresentariam e se conseguido o fim desejado.28
Nosso informante, o juiz, apresentou, assim, uma alternativa ao que era mais corriqueiro, e citou um episódio específico, de uma entrada realizada por José Theodoro de Souza e um parente, Antonio Leme, na qual surpreenderam os índios durante o sono, e o tal Leme aproveitou para tomar-lhes as armas e, depois, “empunhando duas facas, aproveitando-se do espanto, esfaqueou grande número deles, seguindo-se grande mortandade”, podia ser tomada como exemplo dos maus da ação empreendida apenas baseada na vingança particular, fruto da “cobiça dos pobres demarcadores”.29
Correa Pacheco ponderou, porém, que o empreendimento todo dependeria, substancialmente, da escolha do diretor. Era preciso que o escolhido fosse “habilitado com conhecimentos práticos, e, além disto, homem criador, amante do bem público, e sobretudo humano e caritativo”, essas características levariam os índios a troca da “precária” vida selvagem pelos “cômodos” da civilizada. Tudo isso, “às custas do próprio trabalho, porém moderado”. Se, por outro lado, a direção do aldeamento fosse fruto do “patronato e afilhadagem”, o resultado não poderia ser outro, se não, a decadência da situação dos índios aldeados, que se veriam ali “oprimidos da miséria, mais desgraçados do que havia sido nas suas selvas”. Era por esta razão, que o índio abandonado nas instituições para eles criadas no império: “está arriscado a cair na senda do crime, tornando-se salteador e assassino, perigos aos quais não estava sujeito na inocência da vida selvagem”.30
A decadência dos aldeamentos foi proporcional à opulência dos diretores, tudo com prejuízo dos cofres públicos. Portanto, o juiz municipal de Botucatu foi um contumaz crítico do programa do governo imperial para os índios. Em sua análise, a criação de diretorias gerais tinha neutralizado “as ações sempre benéficas das Câmaras e autoridades locais”, muito melhor informadas dos fatos passados nas referidas localidades, “pelo princípio seguro do bairrismo”, o que não poderia se dar com as diretorias gerais, locadas nas capitais, “tão afastada(s) do teatro dos acontecimentos”, passíveis de serem enganadas sobre as informações que podem arrecadar (LEMOS, 2016).
Nos anos seguintes, continuaram os clamores por medidas mais drásticas quanto aos indolentes e ferozes índios, cada vez mais audazes nas interpretações das autoridades e dos moradores do sertão. Em 1862, tanto o padre Paulo de Barros quanto o subdelegado de Botucatu remeteram ofícios à presidência da província, em tom alarmado, sobre terem os índios assassinado 16 indivíduos nas redondezas da freguesia de São Domingos. Além disso, os acusaram de roubos e de avançarem em casas, esta última, coisa que não costumavam fazer.31 A destruição das roças e a tomada de ferramentas por parte dos índios causava grande indignação e aflição dos moradores. Estes tentaram reaver os prejuízos, cobrando dos cofres públicos os valores indenizatórios, porém, as autoridades se negaram a pagá-los, por considerarem que o governo e a Fazenda Pública não poderiam ser responsáveis “por incidentes que as leis e autoridades não podem prever”. Contrariando tal recomendação, Felicíssimo utilizou a verba destinada à civilização para esse fim, justificando sua atitude como meio de evitar as agressões aos índios por parte dos sertanejos prejudicados.32
Em outras oportunidades, os documentos dão pistas das violências praticadas pelos colonos sobre os índios, e nos dão a oportunidade de nos aproximarmos de como eles entendiam toda a situação. Ainda em 1862, Felicíssimo Pereira informou que os habitantes de Araraquara agrediram os selvagens que se encontravam próximos à margem direita do Tietê (“na barra do ribeirão Claro, retirado de minha fazenda 8 léguas a rumo direito”33) e, por isso, os índios assassinaram os filhos e dois animais de um tal João Mendes. Tendo ficado sabendo desses acontecimentos, Felicíssimo partiu para o local, e não encontrou os índios, mas somente “53 ranchos novos, feitos de pouco tempo por eles”. Então, aguardou para ver se os encontrava. Estava na companhia de dois intérpretes, índios mansos, “mas talvez de outra tribo”. Quando o encontro finalmente aconteceu, a comunicação não foi satisfatória, e o encarregado da catequese afirmou que, baldadas as tentativas de sua parte, os indígenas não quiseram relações e “achavam-se bastante enfurecidos”. Também constatou que eles tinham recebido os objetos por ele mandados dar, “porém, suponho que será por precisarem e não com o fim de relacionarem-se”. Sua conclusão foi que os habitantes do distrito estavam em perigo, e o governo lhes devia providências mais enérgicas na matéria para “evitar a agressão dos Índios, que a nada mais respeitam, em consequência de serem em número extraordinário, e só procuram lugares cultivados”.
É que em janeiro de 1862, a Câmara da Vila de Botucatu enviou uma representação à presidência e à diretoria geral dos índios, informando que, na margem do Tietê, no lugar chamado Jacaré, “acha-se uma horda de indígenas, em número bastante ocultado, que pelo que informam os que os viram e com eles tiveram fala, será o número de mil, mais ou menos”. Pareciam ser índios já aldeados, “com alguma civilização”; “Aqui não tem brabo, não; e receberam uns objetos que a sua custa lhes enviou o Dr. Juiz Municipal desta quando soube de seus aparecimentos”. O tom das palavras dos membros da Câmara foi muito mais ameno que o usado por Felicíssimo sobre o mesmo assunto e, da mesma forma, mais ameno que os comentários do Diretor Geral, sem dúvida, o mais empenhado em uma solução rápida e contumaz. Os representantes da Câmara disseram que era preciso prezar pelo bem-estar tanto dos “infelizes”, tanto quanto dos povoadores do sertão. Não se poderia perder, segundo eles, “ocasião tão oportuna de chamar estas famílias errantes ao grêmio da cristandade e civilização”, dando-lhes um diretor humano e religioso. Pois bem, não parece que os camaristas acreditassem que Felicíssimo fosse esta pessoa.
José Joaquim Machado de Oliveira foi questionado frequentemente pela presidência da província acerca das informações desencontradas sobre a temática. Neste caso, ele assegurou que não era precisa a notícia prestada pela Câmara de Botucatu, de serem numerosos índios mansos que teriam aparecido ali. Se a inexatidão era a respeito do contingente, a informação baseou-se, como sempre, nos relatos de Felicíssimo Antonio de Souza Pereira, que confirmou que os índios estavam ali “em número extraordinário”. Se fosse questão de serem mansos ou bravos, Felicíssimo não foi categórico sobre a índole dos mesmos - eles apenas pareciam não ser da mesma tribo dos seus intérpretes. Disse que estavam furiosos e indispostos a estabelecer relações, mas, ao mesmo tempo, possuíam objetos que denotaram alguma aproximação anterior.
Na complexa experiência do aldeamento oitocentista, muitos historiadores vêm confirmando que a homogeneidade étnica estava longe de ser uma regra (MELO, 2018; SILVA, 2017; AMOROSO, 2014; ALMEIDA, 2013; ALMEIDA; MOREIRA, 2012). Como já tratamos, a dúvida sobre com qual tipo de índios estavam lidando foi uma constante para os imbuídos do estabelecimento de relações. Não havia consenso sobre quais seriam as marcas da civilização. A manipulação de objetos não era um marcador confiável, visto que foram disponibilizados tanto aos aldeados quanto aos que permaneceram nas matas. Também poderiam ser obtidos pelas próprias ações dos índios, ao tomá-los nas propriedades dos colonos, como já citamos. É preciso ter em conta, ainda, que havia comunicação entre os grupos aldeados e os remanescentes dos sertões, que muito bem poderiam trocar informações e objetos.
Bandeiras missionárias, um eufemismo para a guerra nos sertões paulistas do XIX
No dia 8 de outubro de 1862, o jornal carioca Correio Mercantil anunciou a nomeação do Sr. Conselheiro Pires da Motta para presidente de S. Paulo (liberal), em substituição do Sr. Jacinto de Mendonça, acusado pela folha de “abandono das coisas públicas”34 como estradas, pontes, e o conchavo com autoridades policiais. Entre os males daquela administração apontou o jornal: “Um diretor de índios, nomeado por S. Ex. Felicíssimo de tal, arvora por autoridade própria uma bandeira e extermina 16 índios, entre os quais uma pobre índia de 13 anos de idade, e S. Ex. risonho em seu palácio, vê este horrível morticínio e nenhuma providência toma”. Novamente, o Diretor dos Índios da província foi chamado a prestar esclarecimentos.
Para José Joaquim Machado de Oliveira, o correspondente da folha carioca adulterava os fatos, pois a “bandeira missionária” foi uma resposta às reclamações de providências sobre os assassinatos, roubos e devastações daqueles “ferozes selvagens do sertão do Botucatu”, montada com a anuência das autoridades provinciais. Seu objetivo foi “fazer retirar o mais possível daquelas paragens os referidos índios, porém, com toda a prudência e moderação, de maneira que não se lance mão de meios violentos senão no caso de resistência formal e de momento”35. Os homens que compusessem as bandeiras deveriam ser, sempre que possível, moradores do município, e reconhecidos por “suas intenções pacíficas, sem o instinto de massacrar índios”. A questão central não foi resolver querelas passadas por meio de represálias vingativas, tratava-se de “garantir a segurança do território povoado do sertão, e esse meio só se pode conseguir atualmente afastando os Índios a maior distância, quanto possível seja, desse território, quando não for praticável o admiti-los em aldeamento, a fim de domesticá-los”. O Diretor Geral paulista recomendava que, quando se conseguisse afastar os índios para lugares longínquos, se destruísse os “seus alojamentos para que não possam regressar para eles”. E mais:
Se na retirada dos selvagens alguns ficarem, que pela idade ou outro qualquer motivo não possam acompanhá-los, os fará V.M. trazer para povoados, e os entregará a quem voluntariamente os receba sob a condição de os não ter como escravos, e de os bem tratar, não lhes exigindo serviços além das suas forças; e desta entrega dará conhecimento à Autoridade do lugar.36
Um outro detalhe sobre as bandeiras missionárias encontra-se na solicitação feita para que participassem da partilha das terras os que bem servissem nas expedições. O que o diretor fez, uma vez mais, foi defender o “novo” projeto para os índios na província. Já as explicações prestadas pelo próprio Felicíssimo, deram a ver que houve, de fato, mortes de índios durante a realização das entradas por ele comandadas no Botucatu, porém, “tudo foi filho de um inocente acaso”37. Na narrativa desse episódio, feita pelo próprio chefe da expedição, há a informação da realização de uma primeira bandeira de “cento e trinta e cinco homens” que não obteve “o êxito desejado porque para intentar a catequese julguei conveniente chegar de surpresa onde estavam os índios alojados”. A presença de um indivíduo “que já tem tido assaltos dos ditos índios” foi o que teria provocado o início do tiroteio ao qual revidaram os indígenas com suas armas. Segue ainda
(...), os índios cruzavam-se por entre nós, tão ligeiros como suas frechas, necessário foi darem alguns tiros de pólvora seca, mas a confusão que reina em tais ocasiões, um de entre os muitos a atirar (suponho), com uma arma carregada de munição do que reservava para último caso e perigo; este tiro, infelizmente, acerta em uma índia que ferio-a e logo morreu; retirei-me com a gente bastante sentido, por tudo isto, porém, como tudo foi filho de um inocente acaso, prossegui no cumprimento de minha missão, fazendo segunda entrada com vinte homens em seguimento dos índios, não nos encontramos, sendo-nos preciso regressar por faltar munício, tentei finalmente a terceira entrada com trinta homens que depois de muito andar os avistaram pelas costas somente.
Consta-me que nestes tempos eles atacaram a casa de João Fernandes, que mora na costa do Tietê, e que esta família também os perseguem até o centro da mata, e os atacaram também, de cujo ataque resultou matarem duas índias, e tomarem duas crianças, fato este que por longe consta-me ser atribuído a gente de minha bandeira, talvez por dar-se nos mesmos tempos de minha segunda entrada.
Não obstante os meios empregados, os índios não se refugiaram, percorrem e aparecem aqui ou ali, em toda costa do Bauru, Rio-Pardo, Alambary, pelo que os habitantes não estão livres de novos ataques e assaltos, como já tem havido especialmente para o Rio Pardo. Julgo como última medida a incorporação de uma companhia que de tempos percorra a costa do sertão, esta ideia fundada em muita antiga experiência, consta-me que já foi lembrada ao Exmo. Governo pelo muito digno Dr. Juiz Municipal do Termo Dr. Filipe Correa Pacheco, a que, realizando-se, julgo segura as vidas dos moradores, e dos mesmos Índios.38 (grifos meus)
Felicíssimo tomou a precaução de lembrar que a manobra empreendida nas matas de Botucatu atendeu aos postulados legais da província - Portaria de 14 de março de 1862 -, e que, portanto, manteve-se em vista uma aproximação branda, benevolente e forçada sobre as moradias dos índios. O que ocorreu foi que, com “a confusão que reina em tais ocasiões”, alguns de seus homens se precipitaram e usaram as armas de fogo contra os índios. Ele também escusou seus homens de praticarem atentados contra os índios, que resultaram também no aprisionamento de crianças, por estarem eles comprometidos com a bandeira. Assim que não poderiam ser os mesmos. Porém, ele mesmo havia informado que nas duas bandeiras menores participaram apenas 20 e 30 homens, restando para mais de 100 os que poderiam ter atacado os índios. Em suas inferências, podemos apreender que os índios, mesmo emboscados em seus lares e tendo seus filhos suprimidos por seus malfeitores, não se refugiaram, mas mantiveram as ações contra os moradores das vilas e freguesias estabelecidas em terras que lhes serviam há muito tempo.
O Juiz Municipal do Termo instalou um inquérito para averiguar os acontecimentos relacionados à bandeira. Conta o Diretor Geral que, no depoimento de João Baptista Pereira, primo de Felicíssimo (entre os quais há uma “antiga inimizade”), surgiu a acusação de morte de nove índios na primeira entrada e oito na segunda, número que se aproximava mais do apresentado pelo Correio Mercantil (16), do que o admitido pelo encarregado. José Joaquim Machado de Oliveira tentou enquadrar a acusação em disse que me disse, uma intriga entre parentes, e ainda colocou em cheque a regularidade do interrogatório feito a outra testemunha, Ignácio Alves de Oliveira, morador de Lençóis, visto que o juiz municipal hospedou-se em sua residência, local dos interrogatórios. Para ele a “indignação do Juiz Municipal”, Felipe Pacheco, sobre a bandeira dirigida por Felicíssimo foi descabida, já que havia ordens para que “na inteira ineficácia de medidas conciliatórias, fizesse retirar os Índios - de uma ferocidade indomável - daquelas passagens, com prudência e moderação e com abstenção de meios violentos”.
Em 1863, uma nova bandeira foi realizada por Felicíssimo justificada por terem os índios estado nas roças de Joaquim de Paula Cabral, e prejudicado os seus cultivos. Acompanhado de treze homens se dirigiu ao local que se encontrava abandonado pelos índios, mas deixou que os sertanejos seguissem sozinhos, pois sofria ele, “incômodos de saúde”.
Como de praxe, os seguiram até seus arranchamentos, os cercaram e aguardaram o amanhecer para fechar um círculo e segurá-los. Na fuga, um sertanejo “correndo ao alcance pegou uma índia, com uma filha que regulava três anos para quatro ou mais, aconteceu porém que a índia mãe emperrou-se; não puderam trazer, deixaram em paz, trazendo apenas a menina, que já foi batizada com o nome de Eugenia”.39 Felicíssimo conta ainda, que teve a intenção de encaminhar a menina para uma casa onde pudesse receber uma apurada educação, pois “grande foi o prazer e júbilo do povo desta freguesia ao ver a indiazinha, e muitas pessoas a pediram-me”, entretanto, “a pessoa que a pegou não quer por modo algum deixar-se dela; ora sendo este um forte sertanejo, que muitos outros serviços pode prestar, resolvi deixá-la até que V. Ex.ª mande o que for justo”.
Pouco tempo depois, outras índias foram apreendidas. Desta vez, elas estavam na roça que Felicíssimo tinha mandado fazer nas bordas da estrada que estava sendo aberta, com o objetivo de atrair os índios e mimoseá-los com objetos ali deixados, conforme já tratamos. Um cerco foi montado neste local, e capturou-se “uma mulher de mais idade, de três meninas, e duas meninas de oito à dez anos, as quais tenho em minha casa, e com elas emprego todo o direito para agradá-las; porém, elas mostram muita tendência de fugirem”. Para Felicíssimo, este era mais um passo para “o feliz resultado da catequese”: obrigava-se, assim, os índios a participarem dos digníssimos costumes em voga nas freguesias. Porém, alguma aflição já era sentida, pois de todos sabia-se “qual será o desespero dos índios com a falta dos filhos, que sabem, estão em nosso poder”. Dito e feito. Um documento datado de julho de 186440 traz a informação de que os indígenas estavam à espreita, e ameaçavam novamente os moradores, entrando nas plantações, e “supõem-se que só pretendem resgatar os filhos que há um ano foram ali aprendidos, e entregues a famílias que lhes pudessem dar educação”. Felicíssimo concluiu que uma nova entrada era necessária para afugentá-los ou pegá-los. A tudo, insistiu o Diretor Geral que se entregassem novas quantias para o encarregado da catequese, a fim de manter-se firme na abertura da estrada e nas ações de civilização.
Não foram poucos os que exploraram os relatos sobre as ações violentas e extermínio de índios na região Sul e Sudeste no século XIX (WITTMANN, 2007; MATOS, 2004; MOTA, 2008; BRUNELLO, 1994; LIMA, 1978; SANTOS, 1973; MONBEIG, 1952). Entretanto, fatos tão absurdamente violentos como os acima reproduzidos tem resultado em pouca ou nenhuma empatia da disciplina histórica, que se mantém conivente com o apagamento da relevância da participação indígena nos processos mais importantes da formação da sociedade brasileira. A gravidade desta recusa perpetua a falta de reconhecimento e a indiferença quanto às consequências práticas da experiência de violência e expropriação sofrida por essas populações. A questão das terras no século XIX, a partir da ótica indígena, torna-se fundamental para um aprofundamento da compreensão do problema agrário - que engloba também o tema do trabalho - no interior do Brasil. (DORNELLES, 2018; 2017; SAMPAIO, 2015; CUNHA, 1992a)
Em uma das raríssimas fontes da época que nos permitem acessar, quase como num lampejo, a herança traumática da violência vivida pelos indígenas perseguidos em guerras de extermínio nos séculos XIX e XX, a historiadora Luisa Tombini Wittman apresentou como a morte da mãe e do irmão da índia xokleng, Korikrã, a atormentou durante toda a sua vida. Após sobreviver a um ataque de bugreiros na sua comunidade em Santa Catarina, na primeira década do século XX, a menina foi adotada pelo médico alemão Hugo Gensch e sua esposa, moradores de Blumenau. A índia xokleng, depois batizada Maria Gensch, ainda quando não sabia se comunicar através da língua alemã, mimetizou o episódio de sua captura e execuções que presenciou. Eram cenas de degolas, “facadas frenéticas”, gritos e outros horrores. “Demonstrou como tiraram os olhos, cortaram narizes, orelhas e lábios, e deceparam membro por membro de sua gente”. Em outras oportunidades, sabendo já falar o idioma dos pais adotivos, disse-lhes:
(...) ‘mamãe, vocês não podem supor que eu vim com gosto para junto de vocês. Não! (...). Jamais, entretanto, eu poderia esquecer o que me aconteceu, e durante a noite vem sempre a minha mãe, de pescoço cortado, e mostra-me o meu irmãozinho, que foi retalhado em pedaços. Vem também o meu irmão Junvégma cantar para mim. De manhã, entretanto, quando eu acordo, eles não estão mais aqui, e eu não tenho mais ninguém, só vocês’ (GENSCH, H. apudWITTMANN, 2007, p. 114-115).
Assim, a experiência violenta não se restringiu às vítimas de fato dos confrontos, mas estendeu-se aos sobreviventes das chacinas, ora pela vívida memória dos massacres, ora por traumas físicos e psicológicos. A experiência de Korikrã foi certamente a de muitos outros indígenas, alvo de violência nos enfrentamentos nos sertões brasileiros.
Retomando os apontamentos de A. N. Cobra e o documento há pouco mencionado, observamos que, no sertão paulista, as ações contra povoados indígenas também arrecadaram prisioneiros, sendo estes, preferencialmente, mulheres e crianças. Seus destinos eram o trabalho nas fazendas, “na situação de semi-escravizados”, sem explicar quais critérios os distanciaram da escravidão plena (COBRA, 1923).41
Uma questão ainda muito pouco explorada diz respeito à incorporação das mulheres indígenas na sociedade através de casamentos, oficiais ou não. Cristina Sheibe Wolff (2011) apontou que, após o aprisionamento dessas mulheres nas aldeias contra a sua vontade, em episódios que envolviam a realização de expedições para matar índios - tanto na região do Alto Juruá, no Acre, onde chamavam-se de correrias, quanto nas ações de bugreiros, em Santa Catarina -, foi comum a prática de desposar essas mulheres “pegas pelo laço”. A expressão “pega pelo laço” relaciona-se às capturas indígenas em episódios de confronto, tanto de mulheres quanto de homens. No caso da captura de mulheres, o laço do mato, a corda mesmo, produziu um outro: o laço de parentesco pela via materna. Os conflitos dos sertões brasileiros também possuíram a face da incorporação forçada.
A violência sexual é tema tabu e que deixou parcos relatos, tanto mais quando há questões étnicas em jogo. Será na memória oral que os historiadores poderão reduzir esse débito, pois a sombra da avó, ou bisavó bugra, cabocla, indígena, encontra-se arrefecida nas histórias das famílias brasileiras do interior.42 Segundo a autora, em todo o Brasil
(...) a relação entre homens brancos e mulheres indígenas é uma espécie de ícone histórico, que pode ser lido de várias maneiras. Um ‘gosto’ por mulheres exóticas herdado dos portugueses, segundo Gilberto Freyre, ou mesmo uma relação que junta hierarquias de gênero e étnicas, num jogo de resistência e sobrevivência por parte destas índias e seus descendentes (WOLF, 2011, p. 10-17).
Conforme a autora, a integração das mulheres indígenas no sistema produtivo extrativista da borracha, a partir de, pelo menos, 1870, garantia aos forasteiros recém imigrados uma série de conhecimentos fundamentais à sobrevivência naquele espaço (caça, pesca, agricultura, conhecimentos do meio vegetal, procedimentos de cura e exímias parteiras). Mais lógico seria admitir que essas mulheres eram detentoras de conhecimentos fundamentais à sobrevivência dos sertanejos.
As fontes históricas raramente apreenderam aquela que certamente foi uma prática comum nos sertões, o “abuso sexual” praticado contra as índias. Teófilo Ottoni, na década de 1840, foi um dos poucos que o admitiu (PARAISO, 2006). Outros lampejos sobre o assunto aparecem, discretamente, aqui e acolá, nos relatórios provinciais. Por exemplo, no relatório da presidência do Amazonas de 1876 lê-se: “(...) veem [os índios], impassíveis, o sexo frágil, mesmo em idade infantil, ser arrastado para servir à concupiscência daqueles indivíduos [refere-se aos regatões]” (HENRIQUE, 2014, p. 65). Em todos os cantos, após os combates para extermínio de índios, foi reincidente a distribuição de mulheres e crianças entre os moradores das localidades de residência dos participantes, com o intuito de civilizá-las (DORNELLES, 2011; WITTMANN, 2007; PARAÍSO, 2006).
Entretanto, o costume de tomar as crianças indígenas de seus pais não foi exclusividade das regiões e situações de confronto. Nas áreas de aldeamentos antigos isso ocorria com frequência notável. A prática justificava-se pela capacidade dos tutores de educar, cristianizar e civilizar os pupilos, sendo muito coerente que, em retribuição, aqueles “órfãos” disponibilizassem seu trabalho. Ao dissertar sobre o tema, a historiadora Vânia L. Moreira apontou: “Apesar de legal, a tutela orfanológica não deixa de ser uma forma disfarçada de trabalho compulsório imposto aos índios, muito próxima, ademais, à ‘administração particular’ impingida aos índios em São Paulo, durante a maior parte do período colonial (...)” (MOREIRA, 2010, p. 30).
Observado à distância, pode-se perder de vista que toda a organização empreendida nas expedições de extermínio e captura de índios foi se dando aos poucos, e permaneceu em transformação durante todo o período estudado. Ainda assim, tenhamos em mente que, talvez, a maior comoção que os índios puderam causar não se encontrou nos momentos em que perderam suas vidas, mas como reagiram quando as tiveram poupadas, e revidaram de forma também brutal à perseguição.
Considerações Finais
Tal qual no passado oitocentista, os problemas relativos ao avanço de fronteiras econômicas movimentam as pautas cotidianas e trazem à tona os conflitos que envolvem as populações indígenas. Na Amazônia de hoje, o avanço agropecuário cumpre um papel semelhante ao que representou outrora a cafeicultura no oeste paulista. O interesse sobre as terras ocupadas por populações indígenas não parece ter um limite! Do mesmo modo que os povos da floresta denunciam procedimentos ilegais, violentos, contra grandes e pequenos invasores, os povos indígenas paulistas o fizeram anteriormente. Sua atuação deixou lastro em inúmeros documentos: na imprensa, na polícia, naqueles produzidos pelas instituições estatais, nos relatos de observadores contemporâneos. É preciso reconhecer que o movimento que silenciou esse imprescindível elemento social nas narrativas sobre o passado imperial foi historiográfico (MONTEIRO, 1995; 2001; ALMEIDA, 2010; 2017).
O Estado brasileiro tem uma longa e conflituosa história em relação às terras ocupadas por povos nativos. O processo de regulamentação fundiária projetado durante o período imperial postulou que as terras “desocupadas” poderiam ser adquiridas por compra privada. Assim, o processo de apropriação dos territórios do interior envolviam, inicialmente, desalojamento de diferentes grupos indígenas e, posteriormente, garantias que as reivindicações e lutas desses povos contra esse sistema seriam eliminadas, tanto física como historicamente. Para os indígenas, a insegurança reinava tanto em termos de reivindicações de propriedade e sua capacidade de moldar as relações de trabalho impostas pelos esquemas de modernização, como o Regulamento das Missões de 1845, que privilegiava fundos estatais e atuação de diretores para os aldeamentos indígenas. Enquanto isso, o Estado fez pouco esforço para regularizar as terras, anteriormente sob ocupação indígena, e depois sob colonização estrangeira por meio da expansão agrária.
Funcionários do governo, como os diretores de aldeamentos e diretores provinciais, foram fundamentais para promover os interesses privados frente aos indígenas. Estado e iniciativa privada construíram e subverteram direitos territoriais indígenas, em um duplo movimento que se mostrou essencial à construção de estruturas de privilégios e padrões de posse de terra. Observamos a persistência de práticas de origens remotas como as reveladas pelo uso do termo “bandeiras” pelo Diretor Geral paulista e do posseiro Felicíssimo Antonio Pereira. A presença indígena nas terras que se desejava conquistar e sua insistência em não as abandonar, conforme as normas estabelecidas pelo Regulamento das Missões, fez emergir uma série de discussões e práticas sobre a necessidade de usar a violência para solucionar o problema.
Os indígenas, por sua vez, mostravam-se cada vez mais indolentes, ferozes ou audazes nas vozes de muitas das testemunhas apresentadas aqui, que repetiram que eles buscaram se relacionar “por precisarem” dos objetos que necessitavam. Contudo, nada mais imprudente do que negar que as populações indígenas não tenham lutado pela propriedade dos territórios. Muitas vezes, tomaram a iniciativa de formar aldeamentos, mostrando-nos seus entendimentos da política imperial e, certamente, dos perigos que enfrentavam pela ação ilegal de posseiros. As constantes chacinas experimentadas no interior foram motivo para que muitos indígenas participassem do sistema de aldeamentos. Outros, contudo, empreenderam também o uso da violência perante aqueles que avançavam para o interior.
Referências
- ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A atuação dos indígenas na história do Brasil: revisões historiográficas. Revista Brasileira de História, v. 37, n. 75, p. 17-38, 2017.
- ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil no Século XIX: da invisibilidade ao protagonismo. Revista História Hoje, v. 1, n.2, p. 21-39, 2012.
- ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil Rio de Janeiro: FGV, 2010.
- ALMEIDA, M. Regina Celestino; MOREIRA, Vania M. Losada. Índios, moradores e Câmaras Municipais: etnicidade e conflitos agrários no Rio de Janeiro e no Espírito Santo (séculos XVIII e XIX). Mundo Agrário, v. 13, n. 25, p. 1-12, 2012.
- AMOROSO, Marta Rosa. Terra de índio: Imagens em aldeamentos do Império. São Paulo: Terceiro Nome, 2014.
- BORELLI, Silvia Helena Simões. Os Kaingang no estado de São Paulo: constantes históricas e violência deliberada. In: BORELLI, Silvia; MONTEIRO, John M.; RANGEL, Lúcia et al (orgs.); Índios no Estado de São Paulo: resistência e transfiguração. São Paulo: Yankatu, 1984, p. 45-82.
- BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1854 Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1854
- BRUNELLO, Pierro. Pionieri: gli italiani in Brasile e il mito della frontiera. Roma: Donzelli Editore, 1994.
- COBRA, Amador Nogueira. Em um recanto do sertão paulista São Paulo: Typ. Hennies Irmãos, 1923.
- CORRÊA, Dora Shellard. Paisagens sobrepostas: índios, posseiros e fazendeiros nas matas de Itapeva: (1723-1930). Londrina: EDUEL, 2013.
- CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Política indigenista no século XIX. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). História dos índios no Brasil São Paulo: Cia das Letras, 1992a, p. 133-154.
- CUNHA, Manuela Carneiro da. Legislação indigenista no século XIX: uma compilação: 1808-1889. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1992b.
- DI CREDDO, Maria do Carmo Sampaio. Terras e índios A propriedade da terra no Vale do Paranapanema. São Paulo: Arte & Ciência, 2003.
- DORNELLES, Soraia Sales. Trabalho compulsório e escravidão indígena no Brasil imperial: reflexões a partir da província paulista. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 79, p.87-108, 2018.
- DORNELLES, Soraia Sales. A produção da invisibilidade indígena: sobre construção de dados demográficos, apropriação de terras e o apagamento de identidades indígenas na segunda metade do XIX a partir da experiência paulista. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 10, n. 20, p. 62-80, 2018b.
- DORNELLES, Soraia Sales. A questão indígena e o Império: índios, terra, trabalho e violência na província paulista, 1845-1891. Tese (Doutorado), Programa de Pós-Graduação História Social .Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, SP, 2017.
- DORNELLES, Soraia Sales. De Coroados a Kaingang: as experiências vividas pelos indígenas no contexto de imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul do século XIX e início do XX. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
- GARCIA, Graciela Bonasse. A distância entre a legalidade e a facticidade. In: MOTTA, Márcia; SECRETO, María Verónica (orgs). O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Guarapuava: Unicentro; Niterói: EDUFF, 2011, p. 133-155.
- GHIRARDELLO, Nilson. À beira da linha: formações urbanas da Noroeste Paulista [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
- HENRIQUE, Márcio Couto; MORAIS, Laura Trindade de. Estradas líquidas, comércio sólido: índios e regatões na Amazônia (século XIX). Revista de História, n. 171, p. 49-82, 2014.
- JACOBS, Margaret. White mother to a dark race: settler colonialismo, maternalism, and the Removal of Indigenous children in the American West and Australia, 1880-1940. Nebraska (US): University of Nebraska Press, 2009.
- JACOBS, Margaret. A battle for the children: American indian child removal in Arizona in the Era of Assimilation. The Journal of Arizona history, v. 45, n.1, p. 31-62, 2004.
- KODAMA, Kaori. Os índios no império do Brasil: a etnografia do IHGB entre as décadas de 1840 e 1860. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; São Paulo: EDUSP, 2009.
- LANGFUR, Hal. The Forbidden Lands: Colonial Identity, Frontier Violence, and the Persistence of Brazil’s Eastern Indians, 1750-1830. Stanford: Stanford University Press, 2006.
- LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O índio virou pó de café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.
- LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1978.
- MALHEIRO, Perdigão. A escravidão no Brasil Ensaio histórico, jurídico e social. 2a. Parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1867.
- MARCÍLIO, Maria Luiza. População e força de trabalho em uma economia agrária em mudança. A província de São Paulo, no final da Época Colonial. Revista de História, n. 144, p. 21-30, 1983.
- MATTOS, Izabel Missagia de. Civilização e revolta: os botocudos e a catequese na província de Minas. Bauru: Edusc, 2004.
- MELO, Karina Moreira Ribeiro da Silva e. A aldeia de São Nicolau do Rio Pardo: identidades indígenas em construção. In: REMEDI, J. M. R. (org.). Na fronteira do Império: política e sociedade na Rio Pardo oitocentista Santa Cruz: UNISC, 2018, p. 12-36.
- MONBEIG, Pierre. Pionniers et Planteurs de Sao Paulo. Cahiers de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, Paris, n. 28, 1952.
- MONTEIRO, John Manuel. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de História Indígena e do Indigenismo. Tese (Livre-docência em Etnologia). Departamento de Antropologia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.
- MONTEIRO, John Manuel. O desafio da História Indígena no Brasil. In: LOPES DA SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luís D. Benzi (Orgs.) A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º Graus. Brasília: MEC; Unesco, 1995. p. 221-228.
- MOREIRA, Vânia M. Losada. A serviço do império e da nação: trabalho indígena e fronteiras étnicas no Espírito Santo (1822-1860). Anos 90, Porto Alegre, v. 7, n.31, p. 13-55, 2010.
- MOREIA, Vânia M. Losada. Terras indígenas do Espírito Santo sob o regime territorial de 1850. Revista Brasileira de História, v. 22, n. 43, p. 153-169, 2002.
- MOTA, Lucio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang A história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá: Editora da Universidade Estadual de Maringá, 2008.
- MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder Conflito e direito a terra no Brasil do século XIX. 2a. ed., Niterói: EDUFF, 2008.
- MOTTA, Márcia Maria Menendes Sesmeiros e posseiros nas malhas da lei (um estudo sobre os debates parlamentares acerca do projeto de Lei de Terras - 1843/1850). Raízes, n. 18, p. 102-110, 1998.
- OLIVEIRA, João Pacheco de (org.). A viagem de volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contracapa, 1999.
- PAES, Mariana Armond Dias. Escravos e terras entre posses e títulos: a construção social do direito de propriedade no Brasil (1835-1889). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2018.
- PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. As crianças indígenas e a formação de agentes transculturais. Revista de Estudos e Pesquisas, v. 3, n. 1-2, p. 41-105, 2006.
- PIZA, João Fernando Blasi. Nos sertões de Botucatu: arquitetura e território das sesmarias pioneiras às grandes instalações cafeeiras. 1830-1930. (Tese de Doutorado). Programa de Pós-Gradução em Arquiterura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
- SAMPAIO, Patrícia. Nos confins do Império: diversidade e etnicidade no mundo do trabalho na Amazônia do século XIX. In: XAVIER, Giovana (org.). Histórias da escravidão e do pós-abolição para escolas Belo Horizonte: Fino Traço Editora; Rio de Janeiro: MC&G Editorial; Brasília: MEC, 2015, p. 179-194.
- SANTOS, Silvio Coelho dos. Índios e brancos no sul do Brasil: a dramática experiência Xokleng. Florianópolis: Editora Edeme, 1973.
- SILVA, Ayalla Oliveira. Ordem imperial e aldeamento indígena: Camacãs, Guerens e Pataxós no Sul da Bahia. Ilhéus: Editus, 2017.
- SILVA, Edson. “Confundidos com a massa da população”: o esbulho das terras indígenas no Nordeste no século XIX. Revista do Arquivo Público de Pernambuco, v.42, n. 46, p. 17-29, 1996.
- SILVA, Ligia Osorio. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. 2a. ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008.
- SOARES, Marcos José Veroneze. Descendentes de nativos da Zona da Mata Mineira - lembranças, trajetórias e memórias. Anais.. XXV Simpósio Nacional de História. Fortaleza, ANPUH, 2009.
- WITTMANN, Luisa Tombini. O vapor e o botoque: imigrantes alemães e índios Xokleng no Vale do Itajaí/SC (1850-1926). Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2007.
- WOLFF, Cristina Scheibe. Mulheres da floresta: outras tantas histórias. Revista Estudos Amazônicos, v. VI, n. 1, p. 21-40, 2011
Notas
-
1
Relatório do Presidente do Província Paulista (RPPSP). Relatório apresentado pelo excellentícimos senhor dezembargador Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos, Presidente da Província de S. Paulo ao seu 1˚ vice-presidente, o excellentissimo senhor Doutor Antonio Roberto de Almeida, entregando a da mesma província. São Paulo: Typographia Dous de Dezembro, 1857, p. 12.
-
2
Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP). Repositório Digital (RD). 18/05/1857. Joze Joaquim Machado d´Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Antonio Roberto de Almeida, Vice-Presidente da Província.
-
3
Segundo a Relação de todos os párocos que passaram pela igreja matriz de Pinhal, houve ali, entre 1856 e 1857, o pároco Tristão Carneiro de Mendonça. A mesma informação é apresentada em TORRES, Valéria Aparecida Rocha; TESSARINI, Luiz Gonzaga (org). História de Espírito Santo do Pinhal.
-
4
APESP. RD. Ofícios Diversos. 17/11/1857. José Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios à José Joaquim Fernandes Torres, Presidente da Província.
-
5
APESP. RD. Ofícios Diversos. 06/07/1858. José Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios à José Joaquim Fernandes Torres, Presidente da Província.
-
6
APESP. RD. Ofícios Diversos. 08/07/1858. José Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios à José Joaquim Fernandes Torres, Presidente da Província.
-
7
Esta é sem dúvida uma das fontes mais importantes para a história do vale do Paranapanema paulista e para a História Agrária, visto que contém preciosas informações sobre os modos como a terra foi sendo apropriada e os conflitos daí surgidos. O autor tem o objetivo de nos narrar a história daquele lugar, desde suas origens ao princípio do século XX, sendo ele mesmo “testemunha que foi de uns e ouviu antigos moradores do lugar relatarem outros que presenciaram e em que tiveram parte” (COBRA, 1923, p.5). Ele mesmo chama a produção de uma notícia histórica.
-
8
Art. 103, Cap. IX do Regulamento da Lei 601 de 18 de setembro de 1850. Coleção das Leis...1854.
-
9
É importante lembrar que as datas que marcam a fundação de um município são sempre bastante posteriores à ocupação rural dos mesmos. Bauru, por exemplo, tem sua área mencionada em documentos a partir de 1856, porém, tornou-se município apenas no final do século. O desmembramento a partir de Botucatu ia se dando: Lençóis era elevada à freguesia em 1858, à vila em 1865 e à município em 1866, comarca em 1876; Santa Cruz do Rio Pardo, fundada em 1860, elevado a freguesia em 1872; a vila de São José dos Campos Novos foi fundada por José Theodoro em 1868. (DI CREDDO, 2003, p. 154).
-
10
APESP, Botucatu. Diversos, 1861/09/03.
-
11
Através do Aviso n˚ 172, de 21 de outubro de 1850, e do Aviso n˚ 273, de 18 de dezembro de 1852, do Ministério do Império, relegou-se a transitoriedade do direito dos indígenas à terra, pois previu-se a incorporação dos territórios dos aldeamentos considerados abandonados à União, considerando-os devolutos. Isto é, os índios integrados, confundidos à massa da população, eram descaracterizados enquanto índios, perdendo o direito a suas terras. “O direito indígena duraria, então, o tempo necessário à sua civilização e integração à sociedade nacional”. Quando as propriedades dos aldeamentos eram tomadas por devolutas abria-se a possibilidade de que as posses ali existentes fossem legitimadas (CUNHA, 1992b). Outro problema era que a maior parte das terras dos aldeamentos não possuíam registro, o que se tornava um atrativo para latifundiários ou pequenos agricultores, incapazes de reconhecer qualquer forma de direito territorial a populações indígenas.
-
12
APESP. RD. 17/09/1858. José Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a José Joaquim Fernandes Torres, Presidente da Província.
-
13
APESP. RD. 14/11/1859. José Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a José Joaquim Fernandes Torres, Conselheiro, Presidente da Província.
-
14
APESP. RD. 31/10/1860. Joze Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Manoel Joaquim de Amaral Gurgel, Conselheiro e Presidente da Província.
-
15
APESP. RD. 13/12/1860. Joze Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Antonio José Henriques, Presidente da Província.
-
16
APESP. RD. 22/03/1861. Joze Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Antonio José Henriques, Presidente da Província.
-
17
RPPSP. Discurso com que o illustrissimo e excellentissimo senhor conselheiro Antonio José Henriques, presidente da provincia de São Paulo, abrio a Assembléa Legislativa Provincial no anno de 1861. S. Paulo, Typ. Imparcial de Joaquim Roberto de Azevedo Marques, 1861, p. 30-31.
-
18
APESP. RD. 23/05/1861. José Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Manoel Joaquim do Amaral Gurgel, Vice-Presidente da Província.
-
19
APESP. RD. Ofícios Diversos. 14/09/1861. Joze Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a João Jacintho de Mendonça, Presidente da Província.
-
20
APESP. RD. Ofícios Diversos. 14/09/1861. Joze Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a João Jacintho de Mendonça, Presidente da Província.
-
21
Sobre a crueza e os objetivos escravistas das bandeiras coloniais consultar: MONTEIRO, John M. Negros da terras: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
-
22
APESP. RD. Ofícios Diversos. 14/09/1861. Joze Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a João Jacintho de Mendonça, Presidente da Província.
-
23
APESP. Fundo Polícia. Manuscritos. 1861. CO2492, CX 57. Maço Chefe de Polícia Outubro.
-
24
APESP. Fundo Polícia. Manuscritos. 1861. CO2492, CX 57. Maço Chefe de Polícia Outubro.
-
25
APESP. Fundo Polícia. Manuscritos. 1861. CO2492, CX 57. Maço Chefe de Polícia Outubro.
-
26
APESP. Fundo Polícia. Manuscritos. 1861. CO2492, CX 57. Maço Chefe de Polícia Outubro.
-
27
APESP. Fundo Polícia. Manuscritos. 1861. CO2492, CX 57. Maço Chefe de Polícia Outubro.
-
28
APESP. Fundo Polícia. Manuscritos. 1861. CO2492, CX 57. Maço Chefe de Polícia Outubro.
-
29
O Juiz Municipal de Botucatu defende ainda que até mesmo os antigos bandeirantes podiam ser vistos como mais humanos que os atuais posseiros. Àqueles, por ambicionarem grande número de índios, “seus escravos com o nome de administrados”, faziam grandes batidas, aprisionando milhares e não os matando, “porque se matassem, então não conseguiriam a mira da sua ambição, e por isso mesmo eram sem comparação mais humanos, do que estes nossos posseiros”. Ibidem.
-
30
APESP. Fundo Polícia. Manuscritos. 1861. CO2492, CX 57. Maço Chefe de Polícia Outubro.
-
31
APESP. RD. Ofícios Diversos. 03/02/1862. Joze Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a João Jacintho de Mendonça, Presidente da Província.
-
32
APESP. RD. Ofícios Diversos. 27/03/1862. José Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a João Jacintho de Mendonça, Presidente da Província.
-
33
APESP. RD. Ofícios Diversos. 21/02/1862. José Joaquim Machado de Oliveira, Diretor Geral dos Índios a João Jacintho de Mendonça, Presidente da Província.
-
34
Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. Correio Mercantil. 18621008. Ed. 278, p. 01, col. 01. Notícias do Interior. S. Paulo, 29 de setembro de 1862.
-
35
APESP. RD. Ofícios Diversos. 31/10/1862. Joze Joaquim Machado d´Oliveira, Diretor Geral dos Índios Vicente Pires da Motta, Presidente da Província.
-
36
APESP. RD. Ofícios Diversos. 31/10/1862. Joze Joaquim Machado d ́Oliveira, Diretor Geral dos Índios Vicente Pires da Motta, Presidente da Província.
-
37
APESP. RD. Ofícios Diversos. 11/11/1862. Joze Joaquim Machado d´Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Vicente Pires da Motta, Presidente da Província.
-
38
APESP. RD. Ofícios Diversos. 11/11/1862. Joze Joaquim Machado d´Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Vicente Pires da Motta, Presidente da Província.
-
39
APESP. RD. Ofícios Diversos. 01/06/1863. Joze Joaquim Machado d´Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Vicente Pires da Motta, Presidente da Província.
-
40
APESP. RD. Ofícios Diversos. 25/07/1864. Joze Joaquim Machado d´Oliveira, Diretor Geral dos Índios a Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello, Presidente da Província.
-
41
Sobre o tema do trabalho indígena no século XIX consultar: DORNELLES,2018; MOREIRA 2010.
-
42
Embora em fase bastante preliminar, Marcos José Veroneze Soares (2009), em um projeto de identificação de descendentes de nativos na região da Zona da Mata Mineira também acenou a expressão “pegas no laço” para identificar ancestralidade Puri. Esse tema foi explorado de forma mais intensiva para outras partes do globo. Margaret D. Jacobs tratou especificamente dos casos norte americano e australiano, no final do século XIX e primeira metade do XX, tendo como perspectiva central as questões de gênero nas empresas coloniais, tratando das disputas e influências que mulheres brancas e indígenas postularam às sociedades em questão (JACOBS, 2009; 2004).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Ago 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
30 Set 2019 -
Aceito
17 Mar 2020