Resumo
Este artigo tem por objetivo classificar ideologicamente os projetos de lei (PLs) apresentados, entre 2003 e 2006, pelos deputados federais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e do Partido Popular Socialista (PPS). Para tanto, a metodologia empregada prevê uma análise detalhada de cada PL. Considerando a heterogeneidade das estruturas partidárias, o objetivo não é concluir simplesmente que PCdoB e PPS são partidos essencialmente de esquerda ou de direita. Nossas conclusões dirão, diferentemente, o quão PCdoB e PPS são de esquerda ou de direita nas áreas específicas em que os PLs serão analisados (Economia, Estado e Social). Para cumprirmos o objetivo proposto, o texto está dividido em quatro seções principais. Na primeira seção, analisaremos alguns dos principais estudos correntes sobre ideologia e classificação partidária. A seguir, apresentaremos o objeto de nossa análise. Na sequência, apresentaremos a metodologia de classificação ideológica empregada. Na última seção, explicitaremos os resultados da análise ideológica realizada.
Palavras-chave:
partidos políticos; classificação ideológica; projetos de lei; PCdoB; PPS
Abstract
This article seeks to ideologically classify the legislative proposals (PLs) presented between 2003 and 2006 by federal deputies of the the Brazil Communist Party (PCdoB) and the Socialist Popular Party (PPS). For this purpose, the methodology envisages a detailed analysis of each PL. Considering the heterogeneity of the party structures, the objective is not simply to conclude that PCdoB and PPS are essentially left-wing or right-wing parties. Differently, our conclusions argue that the PCdoB and PPS are linked to the left or the right in specific areas of analysis of the PLs (Economy, State and Social). To achieve the main goal, the text is divided into four main sections. First, we analyze current research on ideology and partisan classification. Then, we present the object of our analysis. Next, we present the methodology of ideological classification employed. In the last section, we show the results of the ideological analysis.
Keywords:
political parties; ideological classification; legislative proposals; PCdoB; PPS
Introdução
Este artigo tem por objetivo apresentar, a partir de uma nova metodologia, o resultado da classificação ideológica dos projetos de lei (PLs) apresentados pelos deputados federais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e do Partido Popular Socialista (PPS) entre 2003 e 2006. O período de análise corresponde ao primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A importância deste trabalho está na compreensão de que as classificações ideológicas dos partidos brasileiros devem ser realizadas de forma aprofundada, abarcando um conjunto minucioso de materiais. Já existem diversas metodologias de classificação ideológica dos partidos políticos, as quais, sem dúvida, têm ampliado o entendimento dessas agremiações políticas. Nosso intuito é apresentar, a seguir, uma nova contribuição metodológica nesta direção. Para tanto, acreditamos que nossa metodologia apresenta aspectos inovadores, os quais buscaremos demonstrar ao longo do texto.
Para cumprirmos o objetivo proposto, o artigo está dividido, além desta introdução e das considerações finais, em quatro seções principais. Na primeira seção, faremos uma incursão por alguns dos principais estudos correntes sobre ideologia e classificação partidária. A seguir, discutiremos as razões pelas quais escolhemos o PCdoB e o PPS como objeto de nossa análise. Na seção seguinte, apresentaremos a nossa proposta metodológica, demonstrando a sua diferença em relação a outras que têm sido utilizadas para classificar os partidos políticos brasileiros. Após, apresentaremos os resultados da análise ideológica realizada.
Estudos sobre ideologia e classificação partidária
Uma análise mais ampla da literatura mostra diferentes iniciativas para alcançar uma classificação ideológica eficiente dos partidos políticos. Centrados em um só país ou realizando análise comparada, esses experimentos, via de regra, apresentam como características comuns: i) a não explicitação do que se compreende por ideologia; ii) uma lacuna na definição de direita/esquerda - tanto em termos teóricos como em termos empíricos; iii) a fundamentação dos dados a serem analisados, a partir de instrumento de coleta estruturado. Em grande parte, as informações tratadas nessas pesquisas são oriundas de técnicas de coleta e de análise de dados quantitativos. Nesse caso, como se sabe, as perguntas são, em sua maioria fechadas, não havendo espaço para digressões dos respondentes. A seguir, apresentamos alguns dos principais trabalhos desenvolvidos por pesquisadores/as que abordam formas de mensuração da ideologia e de classificação ideológica de partidos políticos.
Em 1997, Coppedge publicou “A classification of Latin American political parties”, trazendo a primeira sistematização comparativa de classificação ideológica dos partidos latino-americanos. O pesquisador analisou onze países, abrangendo cerca de 1200 partidos no período de 1912 a 1994. Metodologicamente, a pesquisa contou com duas fases. Na primeira, houve a classificação dos partidos políticos fundamentada em literatura acadêmica dos países em estudo e realizada pelo próprio pesquisador. De acordo com o autor, duas dimensões principais deveriam ser consideradas nessa classificação: a dimensão cristã/secular e a dimensão esquerda/direita. Esta segunda dimensão foi dividida em cinco sub-blocos: direita/centro-direita/centro/centro-esquerda/esquerda. Levando em consideração as dimensões e os sub-blocos, os partidos foram classificados em dez blocos ideológicos. Mesmo tendo indicado, em seu trabalho, o que cada ponto da classificação ideológica significava, Coppedge (1997COPPEDGE, Michael. A classification of Latin American political parties [online], 1997. Disponível em: Disponível em: https://kellogg.nd.edu/sites/default/files/old_files/documents/244_0.pdf
. Acesso em: 07 jun. 2019.
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, p. 11) afirmou que “Definições de ‘esquerda’ e ‘direita’ nem sempre viajam ou envelhecem bem: elas podem variar muito de região para região, de país para país, de década para década e mesmo de pessoa para pessoa se forem muito precisas”. Para ele, “Provavelmente, o único elemento comum a todas as definições é a associação de ‘esquerda’ com mudança e de ‘direita’ com a preservação do status quo ou com um retorno ao passado”3
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As citações de textos originalmente escritos em língua estrangeira (inglês e espanhol) foram traduzidas livremente pelos autores para uso exclusivo neste artigo.
(COPPEDGE, 1997COPPEDGE, Michael. A classification of Latin American political parties [online], 1997. Disponível em: Disponível em: https://kellogg.nd.edu/sites/default/files/old_files/documents/244_0.pdf
. Acesso em: 07 jun. 2019.
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, p. 12). Além dessas dimensões, Coppedge indicou como possíveis classificações de partidos que não pudessem ser alocados nas duas primeiras dimensões: “personalistas”, “outros” (defensores de questões ambientais, regionais, étnicas e feministas) e “desconhecidos” (quando a informação era insuficiente para classificação).
A etapa seguinte foi o envio dessas classificações a especialistas nos países abordados no estudo. Foram contatados mais de oitenta especialistas, sendo a maioria desses pesquisadores voltados aos estudos sobre partidos políticos. Cinquenta e três estudiosos retornaram com comentários e/ou sugestões de modificações sobre a alocação dos partidos (poucas foram as mudanças sugeridas) na classificação (COPPEDGE, 1997COPPEDGE, Michael. A classification of Latin American political parties [online], 1997. Disponível em: Disponível em: https://kellogg.nd.edu/sites/default/files/old_files/documents/244_0.pdf
. Acesso em: 07 jun. 2019.
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, p. 12). Dessa maneira, a classificação ideológica de Coppedge pode ser entendida como uma classificação elaborada por especialistas4
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Uma nova movimentação que objetiva atualizar o trabalho de Coppedge tem sido realizada desde 2013 por um grupo de pesquisadores do Brasil e do Uruguai, sob a coordenação das professoras Denise Paiva Ferreira (UFG) e Gabriela da Silva Tarouco (UFPE), considerando o surgimento de novos partidos nos diferentes países da região (PROJETO, 2013).
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Outras pesquisas sobre ideologia e classificação ideológica de agremiações consideram as posições de elites políticas. Nesse caso, os levantamentos são, em geral, lineares e descritivos. É o caso da pesquisa “Élites Parlamentarias de America Latina” (PELA), coordenada por Manuel Alcántara Sáez e realizada pelo Observatório de Elites Parlamentarias de America Latina (ELITE), do Observatorio de Instituiciones Representativas (OIR), da Universidad de Salamanca. O objetivo dos pesquisadores é revelar opiniões, atitudes e percepções de deputados de países latino-americanos. A pesquisa quantitativa, por amostras, é realizada desde 1994 e atualmente alcança 17 países, totalizando mais de 4 mil entrevistas em cinco ondas de investigação (ELITE, 2019ELITE. Observatorio de Elites Parlamentarias de América Latina. Élites [online], 2019. Disponível em: Disponível em: http://americo.usal.es/oir/elites/index.htm
. Acesso em: 07 jun. 2019.
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). O Brasil participa do levantamento desde a terceira onda (iniciada no período legislativo de 2002-2006). Fundamentalmente, para a classificação ideológica dos partidos e dos políticos são aplicadas perguntas fechadas nas quais os/as deputados/as são indagados/as sobre como alocariam partidos, líderes políticos e a si mesmos/as em uma escala direita-esquerda de 10 pontos (sendo 1 à esquerda e 10 à direita).
Pesquisas como as de Zucco Jr. (2009aZUCCO JR., Cesar. Ideology or what? Legislative behavior in multiparty presidential settings. The Journal of Politics, v. 71, n. 3, p. 1076-1092, 2009a., 2009b)ZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf
. Acesso em: 10 out. 2011.
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vinculam-se a esse tipo de estudo. O autor fez uso da Pesquisa Legislativa IUPERJ-OXFORD (PLIO)5
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Também denominada Pesquisa Legislativa Brasileira (PLB).
para “estimar o posicionamento ideológico dos principais partidos brasileiros no período pós-constituinte” (ZUCCO JR., 2009bZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf
. Acesso em: 10 out. 2011.
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, p. 1). Um dos seus objetivos foi verificar a oscilação do posicionamento ideológico dos partidos ao longo do tempo. Para realizar essa comparação temporal, o pesquisador utilizou-se de pesquisas PLIO realizadas de 1990 a 2009. Uma questão-chave em relação à ideologia foi aplicada aos legisladores em todos os anos da pesquisa e indagava sobre o autoposicionamento ideológico, bem como o posicionamento que cada um daria aos principais partidos, em uma escala que variava de um a dez (sendo 1 mais à esquerda e 10 mais à direita). É importante destacar a crítica do autor sobre a escala, uma vez que cada parlamentar poderia compreendê-la e a utilizá-la diferentemente. Alguns poderiam usar a escala completa para sua classificação partidária, outros aplicariam sua compreensão sobre os partidos exclusivamente em torno do centro da escala, podendo haver, ainda, os que tenderiam a concentrar sua atenção em um espaço específico do espectro. Além disso, de acordo com o autor, a pesquisa temporal permite intensificar esse problema, uma vez que os respondentes poderiam ter situado partidos para pontos onde, de fato, não deveriam estar. Para minimizar essas questões, foram indicados procedimentos estatísticos que permitem comparar as estimativas ao longo do tempo.
A fim de verificar o significado da escala apresentada aos entrevistados, já que há a possibilidade de os termos “esquerda” e “direita” terem adquirido novos significados, Zucco Jr. (2009b)ZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf
. Acesso em: 10 out. 2011.
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analisou uma questão da PLIO 2009 referente à preferência de sistema econômico no Brasil. As possibilidades de resposta eram: i) “Uma economia predominantemente de mercado com a menor participação possível do Estado”; ii) “um sistema econômico em que houvesse uma distribuição equitativa entre uma parte de responsabilidade das empresas estatais e outra das empresas privadas”; iii) “uma economia em que as empresas estatais e o Estado constituíssem o setor principal mas sem que a participação da economia do mercado fosse eliminada” e; iv) “uma economia em que o capital privado fosse totalmente afastado dos principais setores econômicos, passando as grandes empresas para o controle estatal” (ZUCCO JR., 2009bZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf
. Acesso em: 10 out. 2011.
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, p. 9). Os dados foram analisados a partir de regressões logísticas ordenadas. Com isso, Zucco Jr. (2009b)ZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf
. Acesso em: 10 out. 2011.
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afirmou que esquerda é o conjunto de parlamentares com probabilidade de preferir atuação do Estado e que direita é o grupo de parlamentares que prefere um modelo vinculado ao mercado.
Em outro trabalho, Zucco Jr. (2009a)ZUCCO JR., Cesar. Ideology or what? Legislative behavior in multiparty presidential settings. The Journal of Politics, v. 71, n. 3, p. 1076-1092, 2009a. buscou saber o quanto o comportamento legislativo refletia naquilo que seria previsto pela ideologia. Para o autor, não apenas a ideologia definiria o comportamento dos políticos, mas também questões como benefícios (tanto em termos de nomeações quanto em termos financeiros) entrariam neste cálculo e não poderiam ser ignoradas. Foi analisado o caso brasileiro para o desenvolvimento do argumento apresentado. No que concerne à classificação ideológica dos legisladores e dos partidos, Zucco Jr. utilizou inicialmente a escala multidimensional W-Nominate, cuja finalidade é analisar estatisticamente preferências e escolhas (como acontece nas votações nominais). Os dados para a análise (votações nominais) foram buscados em trabalhos de outros pesquisadores e na Câmara dos Deputados. Entretanto, o próprio autor apontou o limite desse material ao informar que não se pode tomar as votações como um indicador direto de ideologia, pois outros elementos entram em cena para definir o comportamento legislativo nas votações. Especificamente acerca de ideologia, Zucco Jr. (2009a)ZUCCO JR., Cesar. Ideology or what? Legislative behavior in multiparty presidential settings. The Journal of Politics, v. 71, n. 3, p. 1076-1092, 2009a. resgatou as pesquisas PLIO de 1990, 1993, 1997, 2001 e 2005, realizadas por Timothy Power. Da mesma forma, como indicado anteriormente, foram apresentadas questões fechadas de autoposicionamento ideológico e de posicionamento dos principais partidos políticos numa medida escalar para os legisladores responderem. No trabalho, foi realizada a comparação entre ideologia e comportamento dos legisladores, tendo sido tomado o comportamento de um político como uma função da soma de ideologia, pork barrel e orçamento em poder de ministros do partido do legislador.
Uma terceira forma de realizar classificações ideológicas de partidos políticos é a partir da análise de documentos. Os pesquisadores do Manifesto Project (MP) utilizam metodologia específica para analisar programas eleitorais. O objetivo central de seus levantamentos é compreender preferências políticas partidárias. O MP é a continuidade de movimentos anteriores (Manifesto Research Group e Comparative Manifesto Project), conduzidos por pesquisadores do Wissenschaftszentrum Berlin für Sozialforschung (Centro de Ciências de Berlim para Pesquisa Social) e liderados por Bernhard Weßels. O MP possui levantamentos de dados abrangendo desde o ano de 1945 até a atualidade. À pesquisa somam-se mais de 50 países e mais de 1000 partidos estudados ao longo do tempo, possibilitando análises longitudinais e comparadas (MANIFESTO, 2019MANIFESTO. Manifesto Project. About / Coding instructions [online], 2019. Disponível em: Disponível em: https://manifesto-project.wzb.eu
. Acesso em: 01 jun. 2019.
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). Embora não seja o objetivo principal da investigação, a classificação ideológica dos partidos, há a indicação, em diferentes trabalhos, do modus operandi para essa análise a partir de seus dados. Com isso, muitos investigadores têm utilizado essa metodologia para realizar classificações em termos ideológicos dos partidos políticos (LORENZONI; PÉREZ, 2013LORENZONI, Miguel; PÉREZ, Verónica. Cambios y continuidades de la izquierda en Uruguay: un análisis a partir de las propuestas programaticas del Frente Amplio 1971-2009. Revista Uruguaya de Ciencia Politica, v. 22, n. 1, p. 81-102, 2013.; GOET, 2019GOET, Niels D. Measuring polarization with text analysis: evidence from the UK House of Commons, 1811-2015. Political Analysis, First View, p. 1-22, 2019.; ECKER; MEIER, 2019ECKER, Alejandro; MEIER, Thomas M. Fairness and qualitative portfolio allocation in multiparty governments. Public Choice, v. 181, p. 309-330, 2019.; ÖZTÜRK GÖKTUNA, 2019ÖZTÜRK GÖKTUNA, Bilge. A dynamic model of party membership and ideologies. Journal of Theoretical Politics, v. 31, n. 2, p. 209-243, 2019.). A metodologia do MP segue uma análise quantitativa de conteúdo dos programas eleitorais de agremiações e está dividida em duas fases. A primeira requer a leitura e análise do material dos programas. Tal fase se refere ao momento em que o conteúdo textual é dividido nas unidades de análise - ou nas sentenças ou quase-sentenças que compõem o material estudado. A segunda fase diz respeito à submissão dessas unidades de análise a uma nova verificação, sendo elas, então, classificadas em uma categoria previamente definida pelos pesquisadores6
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No MP, é apresentado o total de 56 categorias (algumas contam com subcategorias, que são especificações das categorias). As categorias são agrupadas em 7 áreas políticas, sendo elas: i) Relações exteriores, com 10 categorias; ii) Liberdade e Democracia, com 4 categorias e 6 subcategorias; iii) Sistema Político, com 5 categorias e 6 subcategorias; iv) Economia, com 16 categorias e 2 subcategorias; v) Bem estar e Qualidade de vida, com 7 categorias; vi) Tecido da Sociedade, com 8 categorias e 14 subcategorias; vii) Grupos Sociais, com 6 categorias e 2 subcategorias (MANIFESTO, 2019).
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Como exemplo desse tipo de estudo, trazemos o trabalho de Lorenzoni e Pérez (2013)LORENZONI, Miguel; PÉREZ, Verónica. Cambios y continuidades de la izquierda en Uruguay: un análisis a partir de las propuestas programaticas del Frente Amplio 1971-2009. Revista Uruguaya de Ciencia Politica, v. 22, n. 1, p. 81-102, 2013.. Os autores partiram da metodologia do MP para realizar análise de um possível deslocamento ideológico da Frente Ampla no Uruguai. Para isso, montaram índices somatórios simples para formar a escala direita-esquerda7 7 Segundo os autores, “a escala esquerda-direita é uma medida construída de forma dedutiva que reflete certa definição consensual com respeito à divisão Estado-mercado ou igualitarismo artificial-igualitarismo natural, como divisor de águas entre esquerda e direita, somadas a algumas posições básicas em matéria de relações internacionais. [...]. A escala se calcula como a porcentagem de quase-sentenças agrupadas sob as categorias de direita, menos a porcentagem de quase-sentenças agrupadas sob as categorias de esquerda. A escala varia entre +100 e -100, o que significa que se em um programa todas as quase-sentenças forem codificadas em categorias definidas como esquerda, a posição do programa será -100, ou seja, o partido terá uma máxima de esquerda. Ao contrário, se todas as frases de um programa forem classificadas em categorias de direita, a posição do partido será +100. A escala esquerda-direita é invariável, ou seja, os indicadores de esquerda e de direita são sempre fixos, não mudam no tempo e no espaço” (LORENZONI; PÉREZ, 2013, p. 86-87). .
Lorenzoni e Pérez (2013)LORENZONI, Miguel; PÉREZ, Verónica. Cambios y continuidades de la izquierda en Uruguay: un análisis a partir de las propuestas programaticas del Frente Amplio 1971-2009. Revista Uruguaya de Ciencia Politica, v. 22, n. 1, p. 81-102, 2013. realizaram a classificação das unidades de análise nas diversas categorias do MP. Essas, por sua vez, foram verificadas em divisões direita-esquerda nos temas político, econômico, social e “nem-nem” (categoria neutra e considerada aceita tanto pela esquerda quanto pela direita). Com isso, verificaram o deslocamento da Frente Ampla em termos de direita-esquerda como estratégia eleitoral de 1971 a 2009.
Na análise da literatura sobre ideologia e classificação partidária, verificamos ainda perspectivas que combinam fontes de dados. É o que faz Eduardo Alemán, pesquisador da Houston University, especialista em política comparada de instituições políticas e política latino-americana. Entre os seus projetos, destacamos a busca da elucidação acerca da relação entre ideologia e partidarismo no comportamento legislativo. O diferencial das pesquisas de Alemán (ALEMÁN et al., 2018ALEMÁN, Eduardo; MICOZZI, Juan Pablo; PINTO, Pablo M.; SAIEGH, Sebastian. Disentangling the role of ideology and partisanship in legislative voting: evidence from Argentina. Legislative Studies Quarterly, v. 43, n. 2, p. 245-273, 2018.; ALEMÁN; RAMÍREZ; SLAPIN, 2017ALEMÁN, Eduardo; RAMÍREZ, Margarita M.; SLAPIN, Jonathan B. Party strategies, constituency links, and legislative speech. Legislative Studies Quarterly, v. 42, n. 4, p. 637-659, 2017.) inicia pelo reconhecimento de que observar e mensurar ideologia é uma tarefa mais difícil do que os estudos têm mostrado. Em seus trabalhos, sustenta-se que pesquisas focadas em votações nominais requerem que a compreensão da noção de ideologia seja realizada separadamente das próprias votações, pois essas podem não ser reveladoras da verdadeira ideologia de fato dos políticos. Alemán, Ramírez e Slapin (2017)ALEMÁN, Eduardo; RAMÍREZ, Margarita M.; SLAPIN, Jonathan B. Party strategies, constituency links, and legislative speech. Legislative Studies Quarterly, v. 42, n. 4, p. 637-659, 2017. indicaram que as dificuldades encontradas em pesquisas anteriores podem ser superadas ao adotar uma perspectiva individual (de eleitores) somada à visão das elites políticas (legisladores) sobre ideologia. Desta maneira, valeram-se de survey para coletar dados de eleitores e de entrevistas para reunir informações dos legisladores. Os dois grupos foram indagados sobre como posicionariam a si mesmos, a políticos de destaque e a partidos políticos em uma escala direita-esquerda, utilizando a seguinte pergunta: “Quando falamos de política, as expressões esquerda e direita são geralmente usadas. Onde você colocaria <você mesmo> em uma escala onde um é esquerda e dez é direita?”. De acordo com os autores, o “espaço ideológico comum” entre os dois grupos pode ser verificado a partir da estatística Bayesiana e do método Aldrich-McKelvey. Também foi aplicado o método de escalonamento conjunto, tendo sido usadas as questões aplicadas em comum para conectar preferências dos dois grupos. Ainda foram desenvolvidas equações, a fim de estimar a relação entre ideologia e comportamento legislativo.
Outro trabalho que combina diferentes fontes de dados é o de Maciel, Alarcon e Gimenes (2017)MACIEL, Ana Paula Brito; ALARCON, Anderson de Oliveira; GIMENES, Éder Rodrigo. Partidos políticos e espectro ideológico: parlamentares, especialistas, esquerda e direita no Brasil. Revista Eletrônica de Ciência Politica, v. 8, n. 3, p. 72-88, 2017.. Os autores buscaram a localização dos partidos políticos brasileiros no espectro direita-esquerda a partir de dados de três levantamentos: os da Pesquisa Legislativa Brasileira-PLB (2013)8 8 Os fundamentos da PLB foram abordados quando citados os trabalhos de Zucco Jr. (2009a, 2009b). e os de dois surveys realizados entre especialistas. Da PLB foi utilizado o autoposicionamento dos parlamentares e a opinião deles sobre o seu partido em uma escala de 1 a 10. Os dados referentes a especialistas foram levantados a partir de surveys aplicados entre cientistas políticos e outros experts de áreas correlatas, em dois momentos: i) coleta publicizada, em 2007, por Wiesehomeier e Benoit, a partir do envio de questionários via internet e; ii) dados de 2010, coletados durante Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política. No primeiro levantamento, foi solicitado que fossem posicionados os partidos brasileiros em uma escala de um a vinte. No segundo, a escala era de um a sete. Para os autores, que apontam corretamente as limitações do estudo, foi possível verificar que há uma ordenação dos partidos políticos no espectro direita-esquerda, considerando as respostas de elites e de experts. A comparação entre os surveys foi realizada a partir das médias das respostas para cada partido pesquisado, mesmo que as escalas utilizadas fossem diferentes. Com isso, os pesquisadores encontraram três grupos de partidos: i) de esquerda - confluindo, em geral, as respostas de elites políticas e experts; ii) de centro - neste grupo há divergência sobre partidos serem de centro-direita e centro-esquerda, destacando-se o PMDB, o qual os experts veem como “ligeiramente à direita”, enquanto “seus legisladores se posicionam minimamente à esquerda, de modo que a posição de centro do partido nos parece evidente” (MACIEL; ALARCON; GIMENEZ, 2017MACIEL, Ana Paula Brito; ALARCON, Anderson de Oliveira; GIMENES, Éder Rodrigo. Partidos políticos e espectro ideológico: parlamentares, especialistas, esquerda e direita no Brasil. Revista Eletrônica de Ciência Politica, v. 8, n. 3, p. 72-88, 2017., p. 85); iii) os de direita (enquanto especialistas indicam partidos como de direita, seus legisladores o apontam como de centro-direita). É importante notar que o trabalho é um dos poucos que dedicou sua análise ao conceito de ideologia. Os autores indicam no início do levantamento bibliográfico o que assumem como ideologia:
O conceito de “ideologia” é complexo e varia conforme o tempo e a conjuntura histórico-cultural, podendo representar um “conjunto de ideias e valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos” (SCHEEFFER, 2016, p. 35). Contemplando-se nosso objeto de análise, o conceito fica aqui entendido como sinônimo de “ideologia política”, sendo uma arena de disputa entre diferentes projetos que serve como norte para o campo político (MACIEL; ALARCON; GIMENEZ, 2017MACIEL, Ana Paula Brito; ALARCON, Anderson de Oliveira; GIMENES, Éder Rodrigo. Partidos políticos e espectro ideológico: parlamentares, especialistas, esquerda e direita no Brasil. Revista Eletrônica de Ciência Politica, v. 8, n. 3, p. 72-88, 2017., p. 75).
O conceito delimitado pelos autores vai ao encontro de sua própria metodologia, que preconiza, ao menos em algum momento, a prevalência da posição dos especialistas sobre a dos legisladores na localização dos partidos no espectro direita-esquerda.
Benjamin Bishin (2004)BISHIN, Benjamin G. The validity and accuracy of commonly used ideology measures: a consumer’s guide. The American Review of Politics, v. 25, Fall, p. 201-220, 2004., por sua vez, trouxe uma perspectiva diferenciada à análise da ideologia do campo político. O autor partiu da compreensão de que a ideologia manifestada pelas pessoas é resultado de sua socialização, pois atitudes e crenças seriam moldadas pelas experiências vivenciadas por cada indivíduo, e os legisladores não seriam exceção. Nesse sentido, uma breve discussão sobre ideologia pública e privada foi apresentada em seu trabalho - enquanto a primeira poderia ser verificada em ações resultantes de pressões de líderes partidários para tornar mais forte a legenda, a segunda revelaria o posicionamento específico do político. Com esses pontos destacados, Bishin (2004)BISHIN, Benjamin G. The validity and accuracy of commonly used ideology measures: a consumer’s guide. The American Review of Politics, v. 25, Fall, p. 201-220, 2004. afirmou que, em geral, estudos utilizam-se de medidas dessas ideologias (pública e privada) de forma indistinta, não havendo lastro teórico ou de medição para justificar a escolha realizada. Dessa maneira, o comportamento dos indivíduos no campo político seria tomado como medição da maior parte dos estudos sobre ideologia. Desde aí se assumiria o risco de ignorar a diferença entre o conceito de ideologia (a ser de fato utilizado) e a operacionalização do conceito - o que, segundo o autor, pode ser verificado em diversas pesquisas. Para sanar essa questão, Bishin (2004)BISHIN, Benjamin G. The validity and accuracy of commonly used ideology measures: a consumer’s guide. The American Review of Politics, v. 25, Fall, p. 201-220, 2004. desenvolveu uma técnica denominada FILTER (Forecasting Ideology of Leaders’ Through Elite Response). Esta metodologia buscaria, nas experiências pretéritas (eventos de socialização) dos legisladores, a previsão da sua ideologia. A metodologia FILTER conta com três fases: i) estimação de modelo de regressão com dados sobre socialização como variáveis independentes (totalizando onze9 9 Educação, gênero, estado do sul, estado do norte, divorciado, solteiro, fazendeiro, negro, partido, idade, depressão (cresceu durante - nascidos entre 1905 e 1920). Podemos perceber que algumas variáveis são proxy. ) e autoposicionamento ideológico (escala de 5 pontos: muito liberal, liberal, moderado, conservador, muito conservador) como variável dependente - dados coletados junto a elites não eleitas; ii) coleta de dados junto aos legisladores sobre características de sua formação, conforme modelo de regressão e; iii) geração de estimação ideológica dos legisladores a partir da aplicação dos coeficientes resultantes do modelo de regressão aos dados relativos aos legisladores.
Talvez o trabalho que mais se aproxime de nossa metodologia, pelo menos no que diz respeito ao objeto específico de análise, seja o de Dias, Menezes e Ferreira (2010DIAS, Marcia R.; MENEZES, Daiane B.; FERREIRA, Geison da C. A quem serve o Graal: um estudo sobre a classificação ideológica dos partidos políticos através de seus Projetos de Lei na ALERGS (2003 a 2006), 2010. [online]. Disponível em: Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/papers-34-encontro/st-8/st23-4/1581-marciadias-a-quem/file
. Acesso em: 07 jun. 2019.
https://www.anpocs.com/index.php/papers-...
). Os autores, ao buscar uma classificação ideológica dos partidos brasileiros, com base na atuação parlamentar, optaram, assim como nós, por analisar Projetos de Lei (PLs). Contudo, se afastaram de nossa lógica ao explorar PLs propostos apenas por lideranças partidárias em assembleias legislativas. Outro ponto que nos diferencia é o debate sobre ideologia e de onde surgem as definições de direita e de esquerda. Os autores trouxeram uma compilação histórica sobre o termo ideologia. Por fim, associaram direita e esquerda respectivamente às seguintes oposições: liberalismo e conservadorismo X socialismo e progressismo; liberdade individual X igualdade e coletivismo; livre mercado X economia controlada pelo Estado. Não indicaram, entretanto, uma definição explícita sobre o uso do termo ideologia. Esse posicionamento abre flanco para o entendimento de que qualquer classificação será realizada com base nesses binarismos.
O trabalho dos autores foi dividido em três fases. A primeira se referiu à classificação dos partidos no eixo esquerda-direita10 10 Escala de 5 pontos: esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita. a partir do conteúdo do PL frente aos binarismos apresentados. A segunda fase foi a verificação de valores pós-materialistas11 11 O uso desse conceito é explicado pelos autores: uma aproximação entre os polos direita e esquerda nos últimos tempos seria consequência de uma crise ideológica que levaria a um “alargamento das disposições ideológicas para além de uma dimensão econômica, aliado a um declínio na coesão de identidades de classe ou sócio-estruturais” (DIAS; MENEZES; FERREIRA, 2010, p. 7). Entretanto, não podemos deixar de comentar que o próprio conceito de pós-materialismo não permitiria uma análise segregada entre direita e esquerda, da forma como os autores indicaram. Isso porque a noção de pós-materialismo busca uma análise em que não cabe a noção de conflito, enquanto tratar direita e esquerda é, por si, estudar conflito. nos PLs. A última fase foi a avaliação do público-alvo do PL12 12 De acordo com os autores, são 4 classificações possíveis: sem especificação, grupos específicos, grupos de interesses empresariais/econômicos, grupos de interesses dos trabalhadores/grupos específicos. . Nesta pesquisa, a etapa seguinte compara e complementa a anterior. Assim, foi comparada a classificação dos partidos no eixo esquerda-direita e a consistência com os destinatários dos PLs, seguida pela verificação de demandas pós-materialistas apresentadas pelos partidos e seu público alvo.
Os trabalhos apresentados nesta seção indicam a gama de possibilidades para a análise sobre ideologia e a classificação de partidos políticos, embora grande parte se atenha a coletas e análise de dados quantitativos. Ao mesmo tempo, mostram uma limitação quanto ao uso conceitual e empírico do termo ideologia. Essa lacuna, em muitas pesquisas, tem consequência na própria definição de direita e esquerda, o que é solucionado por alguns autores com a fixação desses termos a partir do campo acadêmico. Nossa pesquisa busca avançar na solução dessas limitações, pois compreendemos direita e esquerda a partir do campo discursivo da representação política. A vantagem dessa decisão metodológica é tratar categorias que emergem do próprio campo estudado.
Outra questão em comparação à nossa pesquisa é a forma dos resultados apresentados. Embora trabalhos como os de Zucco Jr. (2009aZUCCO JR., Cesar. Ideology or what? Legislative behavior in multiparty presidential settings. The Journal of Politics, v. 71, n. 3, p. 1076-1092, 2009a., 2009b)ZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf
. Acesso em: 10 out. 2011.
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e aqueles que se utilizam da PELA (ELITE, 2019ELITE. Observatorio de Elites Parlamentarias de América Latina. Élites [online], 2019. Disponível em: Disponível em: http://americo.usal.es/oir/elites/index.htm
. Acesso em: 07 jun. 2019.
http://americo.usal.es/oir/elites/index....
) abordem os partidos como atores coletivos e heterogêneos, seus resultados colocam os partidos essencialmente em uma classificação pré-determinada (por conta das categorias pré-fixadas). Nossa metodologia vai indicar o quanto um partido pode ser entendido (ou se comportou) como de direita e de esquerda em determinado período. Neste sentido, nossa abordagem apresenta bases conceituais e empíricas diferenciadas frente às que têm sido apresentadas no meio acadêmico.
O objeto da pesquisa: o PCdoB e o PPS na Câmara dos Deputados
Realizada a incursão a algumas das principais metodologias de análise ideológica e classificação partidária, retomemos os dois objetivos centrais que guiam este artigo. O primeiro é apresentar, como faremos na seção seguinte, a metodologia que construímos para classificar ideologicamente os partidos políticos brasileiros. O segundo é conhecer, no âmbito da Câmara dos Deputados, o comportamento ideológico do PCdoB e do PPS, como exercício de aplicação dessa nova proposta metodológica de classificação. Nesta seção, justificamos a escolha desses partidos, que está ligada tanto à nossa metodologia quanto à história comum do PCB, fundado em 25 de março de 1922, herança que essas agremiações dividem e reivindicam.
Primeiramente, é importante salientar que a nossa metodologia de classificação apresenta um limite de aplicação. Este é o do campo discursivo da representação política, pelo qual entendemos o espaço de produção de sentidos e de ações políticas levados a efeito por sujeitos políticos no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo federais no período de 2003 a 201413 13 Como ficará mais claro, na seção seguinte, esta metodologia de classificação ideológica dos partidos políticos brasileiros foi construída tendo como base os pronunciamentos dos deputados federais entre os anos de 2003 e 2014, o que claramente limita a sua abrangência analítica neste período temporal e no espaço das relações entre Legislativo e Executivo federais. . Assim, é neste universo, o das relações entre Executivo e Legislativo federais, que a nossa proposta metodológica tem a sua abrangência. Portanto, a rigor, entendemos que qualquer partido político, frente parlamentar, assim como as ações de presidentes da República podem ser classificadas com base nesta metodologia na forma como apresentaremos na seção seguinte.
Outra peculiaridade limitadora de nossa proposta refere-se ao tempo relativamente longo para a análise dos dados. Tendo em vista as características da metodologia, que articula procedimentos quantitativos e qualitativos, os dados são processados a partir da leitura cuidadosa de um vasto material discursivo que demanda tempo. Assim, pelas características metodológicas, ainda que possamos classificar qualquer partido político com representação federal, trata-se de um processo lento e cuidadoso que, por essa razão, requer que façamos escolhas.
No caso deste artigo, escolhemos analisar os 498 projetos de lei protocolados pelos deputados do PPS e do PCdoB entre janeiro de 2003 e dezembro de 2006. Optamos analisar os PLs protocolados pelo PPS e pelo PCdoB primeiramente por serem siglas normalmente classificadas à esquerda no espectro político14 14 Ainda que possivelmente o PPS, considerando, a partir de 2005, sua posição cada vez mais crítica e oposicionista aos governos federais do PT de Lula e Dilma e o seu consequente alinhamento ao PSDB possa ter-se deslocado ideologicamente para uma posição menos de esquerda, na maior parte do período da nossa análise, é comum classificá-lo como um partido de esquerda. Uma análise posterior a 2006 poderá eventualmente captar um processo de maior “direitização” da sigla. Isso não seria surpreendente, visto que as conclusões que apresentaremos ao final deste artigo já apontam para esta direção. , tendo em vista, primeiramente, ambas as agremiações serem oriundas de um tronco comum, ou seja, o PCB. Além disso, trata-se de dois partidos políticos normalmente não privilegiados pelas análises dos cientistas políticos, talvez pelo fato de serem siglas consideradas secundárias no cenário político brasileiro.
No entanto, a justificativa mais importante está no fato de ambos serem partidos históricos e programáticos. Como afirmamos, são siglas que se originam do antigo PCB, sendo tal herança reivindicada por ambas. O PCdoB, por exemplo, apresentando-se em seu site oficial, afirma: “Fundado em 25 de março de 1922, o Partido Comunista do Brasil é o partido mais antigo do país” (PCdoB, 2018, n.pPCdoB. Partido Comunista do Brasil. Apresentação [online], 2018. Disponível em: Disponível em: http://pcdob.org.br/apresentacao-do-partido
/. Acesso em: 11 mar 2018.
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). Já o PPS, no artigo 1º de seu Estatuto, estabelece: “O Partido Popular Socialista - PPS, sucessor do Partido Comunista Brasileiro - PCB, fundado em 25 de março de 1922 (...)” (PPS, 2018a, n.pPPS. Partido Popular Socialista. Estatuto do Partido Popular Socialista [online], 2018a. Disponível em: Disponível em: http://docs.pps.org.br/18congresso-estatuto.pdf
. Acesso em: 11 mar. 2018.
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). Além disso, os partidos reivindicam-se marxistas. No entanto, fica claro que o PCdoB é, ao menos programaticamente, um partido marxista tradicional:
O PCdoB orienta-se por uma teoria: o marxismo-leninismo. Uma teoria construída por Marx e Engels e desenvolvida por Lênin e que o Partido busca desenvolver e aplicar, de maneira original, na realidade brasileira. Desde o século XIX esta teoria tem sido um instrumento indispensável à elaboração do projeto de emancipação dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo (PCdoB, 2018, n.pPCdoB. Partido Comunista do Brasil. Apresentação [online], 2018. Disponível em: Disponível em: http://pcdob.org.br/apresentacao-do-partido /. Acesso em: 11 mar 2018.
http://pcdob.org.br/apresentacao-do-part... ).
Já o PPS apresenta claramente um “marxismo renovado”, conforme segue o art. 2º do seu Estatuto:
O Partido se declara humanista, socialista e ambientalista, conceitos enriquecidos com a experiência dos movimentos operários e populares, resgatando a melhor tradição do pensamento marxista e do humanismo libertário. Por sua essência democrática e laica, o Partido exclui dogmatismos e sectarismos, e se concebe como um organismo aberto à renovação das ideias e dos métodos, em um marco de respeito à pluralidade das concepções (PPS, 2018a, n.pPPS. Partido Popular Socialista. Estatuto do Partido Popular Socialista [online], 2018a. Disponível em: Disponível em: http://docs.pps.org.br/18congresso-estatuto.pdf . Acesso em: 11 mar. 2018.
http://docs.pps.org.br/18congresso-estat... ).
Como será possível perceber na última seção deste artigo, momento em que apresentamos nossas conclusões, os marxismos, tradicional do PCdoB e renovado, no que diz respeito ao PPS, dificilmente orientam as ações de seus parlamentares no dia-a-dia na Câmara dos Deputados. Há, como demonstraremos a seguir, uma importante diferença entre o que os programas e os estatutos desses partidos apontam - mesmo considerando a menor radicalidade discursiva por parte do PPS - e aquilo que os seus parlamentares protocolam como projetos de lei.
A disputa pela herança do antigo PCB tem reflexos também na política de coligações. No período democrático mais recente, esses partidos estiveram mais separados do que unidos no que diz respeito às eleições presidenciais. Em 1989, o PCdoB apoiou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, coligação que contou ainda com o apoio do PSB, que indicou o vice de Lula, José Paulo Bisol. Nesta mesma eleição, o PCB, sigla que antecedeu ao PPS15
15
Em janeiro de 1992, no X Congresso do PCB (Partido Comunista Brasileiro), a sigla foi “rebatizada” para Partido Popular Socialista (PPS, 2018b; COUTO, s. d.).
, lançou como candidato à Presidência a sua principal liderança, Roberto Freire. O partido não se coligou e apresentou como vice, Sérgio Arouca. Em 1994, ambos os partidos compuseram a coligação de esquerda encabeçada por Lula, sendo esta a única eleição federal pós-1985 em que essas siglas estiveram coligadas em chapa majoritária. Em 1998, 2002 e 2006, o PCdoB apoiou a candidatura de Lula, do PT. Já o PPS, novamente trilhou caminho distinto no campo da esquerda. Em 1998 e em 2002, o partido lançou como candidato a presidente o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes16
16
No segundo turno da eleição de 2002, o PPS apoiou Lula, tendo participado do seu governo até dezembro de 2004. Na época, o partido tinha apenas um ministro, Ciro Gomes, da Integração Nacional. Ciro Gomes, inconformado com a decisão do partido de deixar a base governista, manteve-se na pasta ministerial e, em junho de 2005, deixou o PPS e filiou-se ao PSB (PPS, 2004, 2005; CIRO, 2005).
. Em 2006, o partido não lançou candidatura própria à Presidência da República, tampouco apoiou formalmente qualquer candidato (COUTO, s. d.COUTO, André Faria. Partido Popular Socialista (PPS) [online], s.d. Disponível em: Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-popular-socialista-pps
. Acesso em: 11 mar. 2018.
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).
Assim, analisaremos esses dois partidos comparativamente, não somente para testarmos a metodologia de classificação ideológica a ser apresentada na seção seguinte, mas também para contribuirmos com a classificação de duas siglas que, a despeito de suas importâncias históricas e programáticas, não aparecem comumente como objetos de análise em estudos deste tipo.
Elementos metodológicos
Na revisão bibliográfica, apresentamos algumas das principais tendências internacionais nos estudos sobre ideologia e classificação dos partidos políticos, apontando ainda alguns reflexos dessas pesquisas no contexto nacional. No que diz respeito especificamente às principais pesquisas que vêm sendo realizadas no Brasil, identificamos quatro tendências principais: i) focadas na análise da origem social dos parlamentares (RODRIGUES, 2002aRODRIGUES, Leôncio Martins. Partidos, ideologia e composição social: um estudo das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados. São Paulo: EdUSP, 2002a., 2002bRODRIGUES, Leôncio Martins. Partidos, ideologia e composição social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 48, p. 31-47, 2002b.); ii) dedicadas à análise dos conteúdos programáticos e manifestos partidários (TAROUCO, 2008TAROUCO, Gabriela da S. Esquerda e direita no sistema partidário brasileiro: notas de pesquisa [online], 2008. Disponível em: Disponível em: http://www6.ufrgs.br/cienciapolitica/democraciaemdebate/resumos/GT_partidos_eleicoes/PARTIDOS%20Gabriela%20Tarouco%20-%20UESC.pdf
. Acesso em: 10 jun. 2017.
http://www6.ufrgs.br/cienciapolitica/dem...
; TAROUCO; MADEIRA, 2013TAROUCO, Gabriela da S.; MADEIRA, Rafael M. Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, v. 21, n. 45, p. 149-165, 2013.); iii) interessadas no comportamento/voto legislativo de cada sigla no Congresso Nacional (LIMONGI; FIGUEIREDO, 1995LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. Partidos políticos na Câmara dos Deputados: 1989-1994. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 38, n. 3, p. 497-525, 1995.; LEONI, 2002LEONI, Eduardo. Ideologia, democracia e comportamento parlamentar: a Câmara dos Deputados (1991-1998). Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 45, n. 3, p. 361-386, 2002.) e; iv) preocupadas com a autopercepção, com as percepções recíprocas e/ou com a posição dos deputados sobre questões de ordem socioeconômica (POWER; ZUCCO JR., 2009POWER, Timothy J.; ZUCCO JR., Cesar. Estimating ideology of Brazilian legislative parties, 1990-2005: a research communication. Latin American Research Review, v. 44, n. 1, p. 219-246, 2009.; ZUCCO JR., 2009aZUCCO JR., Cesar. Ideology or what? Legislative behavior in multiparty presidential settings. The Journal of Politics, v. 71, n. 3, p. 1076-1092, 2009a., 2009bZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf
. Acesso em: 10 out. 2011.
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; KINZO, 2007KINZO, Maria D’Alva Gil. Partidos, deputados estaduais e a dimensão ideológica. In: KINZO, M. D. G.; BRAGA, M. S. (Org.). Eleitores e representação partidária no Brasil. São Paulo: Humanitas, 2007. p. 139-158.; MAINWARING; MENEGUELLO; POWER, 2000MAINWARING, Scott; MENEGUELLO, Rachel; POWER, Timothy. Partidos conservadores no Brasil contemporâneo: quais são, o que defendem, quais são suas bases. São Paulo: Paz e Terra, 2000.)17
17
Não se trata, é claro, de uma lista exaustiva de trabalhos sobre a relação entre ideologia e partidos políticos no Brasil. Nosso intuito é tão somente indicar algumas linhas gerais da classificação ideológico-partidária realizada no país.
. Mesmo considerando as evidentes diferenças entre as metodologias empregadas, todas têm contribuído para iluminar e fazer avançar a classificação ideológica dos partidos políticos brasileiros.
Nesse sentido, a presente proposta de classificação ideológica tem a intenção de contribuir para o desenvolvimento desse tema tão caro à ciência política. Partindo do pressuposto de que todo partido político é unidade heterogênea, ou seja, um todo constituído por partes que se diferenciam em facções ou em seções, nossa metodologia prevê uma análise “fina” de cada agremiação estudada. O objetivo, inovador em comparação ao que comumente é realizado pela maioria das metodologias de classificação ideológica, não é chegar à conclusão de que, como no caso específico deste artigo, PCdoB e PPS são partidos essencialmente de esquerda ou de direita. Nossas conclusões dirão, diferentemente, o quão PCdoB e PPS são de esquerda e/ou de direita no ambiente específico em que serão analisados. A análise buscará refinar, a partir da classificação de cada PL, quais desses podem ser alocados em cada ponto do espectro ideológico. Assim, analisaremos unidades mínimas (cada PL) e chegaremos a resultados que indicarão quantos desses projetos podem ser classificados à esquerda e à direita para cada um dos partidos objetos deste artigo. Nossa hipótese principal reside, nesse sentido, na afirmação de que não podemos falar, a rigor, em partidos essencialmente de esquerda ou de direita; temos, antes, de compreender o comportamento ideológico médio partidário desde a análise de suas práticas políticas específicas.
É importante ressaltarmos ainda que as classificações aqui realizadas não são do PCdoB e do PPS como um todo, mas tão somente no que diz respeito ao comportamento dos parlamentares desses partidos no contexto legislativo em um período específico18 18 Não que os resultados que apresentaremos neste texto não possam ser indicativos fortes de uma classificação mais abrangente dos partidos analisados. Temos a impressão de que as nossas conclusões indicam tendências importantes para uma análise mais ampla. No entanto, não consideramos prudente simplesmente universalizarmos resultados específicos para outras áreas de atuação partidária. . É igualmente importante destacarmos que escolhemos PLs para análise, pois entendemos que o conjunto de todos os projetos de lei protocolados por todos os parlamentares de ambos os partidos ao longo de uma legislatura completa - independentemente do resultado do processo da propositura de cada PL - é capaz de nos fornecer uma radiografia precisa do comportamento ideológico de cada bancada19 19 Outros documentos, além dos PLs, podem ser analisados, tais como propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias, resultados de votações, propostas de políticas públicas. Entendemos que esta metodologia possibilita a investigação de diversas proposições, tanto no âmbito do Poder Legislativo quanto no do Executivo, uma vez que compreendemos ambos como partes, como já mencionamos, do campo discursivo da representação política, composto por todas as siglas partidárias e sujeitos políticos que estabelecem as relações entre Executivo e Legislativo. . Entendemos ainda que a análise de todos os PLs reduz drasticamente vieses analíticos que poderiam aparecer se fizéssemos algum tipo de amostra. Portanto, a análise do todo nos fornecerá dados finais mais precisos20 20 Como nosso objetivo é tratar aspectos do comportamento legislativo das agremiações, nos ativemos ao conteúdo dos documentos. Informações como nomes dos autores dos PLs ou número de PLs apresentados por cada parlamentar não são considerados nessa análise, pois o total de documentos é que vai indicar a vocação partidária naquele momento, mesmo que algum/a parlamentar tenha apresentado mais proposições que outros/as. .
A metodologia desta análise está dividida em dois momentos principais. O primeiro diz respeito às caracterizações de esquerda e de direita para, em seguida, classificarmos as políticas. Para isso, entendemos que devemos partir da compreensão de esquerda e de direita privilegiando os próprios sujeitos políticos em ação21 21 As próprias nomenclaturas ideológicas clássicas, “direita” e “esquerda”, são aqui utilizadas visto que ambas são correntemente evocadas pelos sujeitos do campo discursivo da representação política como forma de autoidentificação e também de identificação de seus adversários. . Nesse sentido, os pronunciamentos dos parlamentares são cruciais para realizarmos esse enquadramento ideológico inicial.
No entanto, o mero enquadramento não nos fornece comportamentos ideológicos específicos; esses só podem ser encontrados na prática política22 22 Estamos chamando de “prática política”, para os fins deste artigo, as proposições dos PLs. . É por essa razão que o segundo momento da nossa análise reside na confrontação dos sentidos ideológicos atribuídos pelos parlamentares com suas ações específicas, neste caso, os PLs. Vejamos mais amiúde esses dois momentos de classificação a partir do nosso percurso metodológico, dividido em três etapas principais, a saber: i) escolha das palavras detonadoras ideológicas23 23 Por “palavras detonadoras” entendemos um conjunto de termos ideológicos consagrados que tem servido para diferenciar “direita” e “esquerda”, os dois principais sentidos ideológicos presentes no campo discursivo da representação política. O objetivo das palavras detonadoras, como se verá a seguir, é “detonar”, “iniciar” a busca por sentidos aplicados e discerníveis para cada comportamento ideológico. ; ii) busca pelos “sentidos aplicados” para cada uma das palavras detonadoras no Banco de Discursos da Câmara dos Deputados e a elaboração do Quadro de Sentidos Ideológicos a partir dos resultados; iii) análise stricto sensu dos PLs.
i) Escolha das palavras detonadoras ideológicas. Uma das ideias mais importantes presente nesta metodologia é a de que ela tem de ser capaz de “captar” os sentidos ideológicos produzidos pelo próprio campo analisado. Nesse sentido, não presumimos posições de esquerda e de direita: chegaremos a elas a partir dos pronunciamentos dos próprios deputados federais no exercício de suas funções legislativas. Não vemos necessidade de questionarmos diretamente os parlamentares acerca de suas preferências ideológicas, uma vez que as suas funções desempenhadas no parlamento já nos permitem conhecê-las. O meio mais simples, imediato e eficaz para alcançarmos esse objetivo é partirmos de “palavras detonadoras ideológicas” amplamente aceitas e utilizadas no mundo político para extrairmos os “sentidos aplicados” de cada uma delas, a partir dos pronunciamentos dos parlamentares na Câmara Federal. Por “sentidos aplicados”, entendemos a relação estabelecida entre as palavras detonadoras ideológicas em contextos específicos. Por exemplo: é possível extrair das falas dos deputados sentidos específicos acerca de medidas econômicas consideradas de esquerda e de direita. Assim, as palavras detonadoras ideológicas cumprem a função de iniciar a nossa busca pelos sentidos ideológicos aplicados, estes últimos fundamentais para, num momento adiante de nossa metodologia, classificarmos ideologicamente proposições, como PLs, no caso deste artigo. As palavras detonadoras escolhidas foram: capitalismo, capitalista, comunismo, comunista, conservador, direita, esquerda, fascismo, fascista, ideologia, liberal, neoliberal, progressista, socialismo e socialista.
Temos a consciência epistemológica de que não há imparcialidade possível em qualquer pesquisa científica. A eleição do objeto, a decisão das estratégias de investigação já são escolhas que derivam da compreensão de mundo do pesquisador. Nesse sentido, as palavras detonadoras ideológicas eleitas para dar início à construção do Quadro de Sentidos, elaborado a partir das falas dos parlamentares, que será a seguir apresentado, têm, é claro, a nossa interferência. No entanto, parece-nos crucial que uma análise da ideologia dos partidos políticos deva privilegiar, desde o início, a visão de mundo dos seus sujeitos, ainda que tenhamos - da forma mais sutil que seja - de interferir a partir das nossas próprias escolhas. Nossa interferência mais crucial, ou seja, a da escolha das palavras detonadoras ideológicas, visou tomar termos ideologicamente ligados a posições de esquerda e de direita historicamente consagrados pelo campo político. Temos assim o entendimento de que, com essa estratégia metodológica, conseguimos elaborar o referido Quadro de Sentidos Ideológicos, privilegiando a visão mundo dos parlamentares brasileiros no período de 2003 a 2014.
ii) Busca dos sentidos aplicados no Banco de Discursos da Câmara dos Deputados e elaboração do Quadro de Sentidos Ideológicos. Escolhidas as palavras detonadoras ideológicas, o passo seguinte consistiu na aplicação das mesmas. Realizamos esta pesquisa no Banco de Discursos, sob responsabilidade do Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação da Câmara dos Deputados24 24 O Banco de Discursos está no site da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2017). Neste site, há a informação de que o “Banco de Discursos contém pronunciamentos dos Srs. Deputados e de convidados em sessões plenárias da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional a partir de 1946”. . Com isso, e também porque queremos compreender o comportamento ideológico partidário desde o início da experiência do PT na Presidência da República, acessamos os pronunciamentos dos parlamentares de todos os partidos no período de 1º de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 201425 25 Os pronunciamentos que formaram o Quadro de Sentidos Ideológicos foram extraídos, a partir das palavras detonadoras, de todos os parlamentares de todos os partidos com representação que se pronunciaram entre 2003 e 2014, uma vez que o campo discursivo da representação política compreende todos esses sujeitos, apresentando o total de 1622 pronunciamentos analisados. . Dessa forma, inserimos cada palavra detonadora ideológica no campo de busca “Assunto”. Foram consideradas todas as falas dos parlamentares para cada palavra detonadora no campo de busca “Sumário”.
Foi a partir dos assuntos discutidos pelos parlamentares que construímos o Quadro de Sentidos Ideológicos, o qual está divido em três grandes áreas: Economia, Estado e Social26 26 O Quadro de Sentidos Ideológicos, devido à sua extensão, está disponível na aba “Produtos” no site: <https://wp.ufpel.edu.br/idad>. . A primeira área diz respeito aos assuntos macro e microeconômicos, subdivididos nas seguintes subáreas: desenvolvimento econômico, desenvolvimento regional, geração de emprego e renda e relações de consumo. A área Estado refere-se basicamente aos temas que estão nas subáreas: importação/exportação, política externa, previdência, privatizações/concessões, reforma política, reformas (trabalhista, previdenciária), segurança e tributação. A área Social, por fim, envolve os seguintes assuntos: cidadania, educação, inclusão social, indígenas, infância e juventude, LGBTs, meio ambiente, mulheres, negras e negros, relações agrárias e relações de emprego.
Para cada uma das subáreas, criamos um gradiente que indica quatro tonalidades ideológicas: Esquerda Conservadora - Esquerda Liberal - Direita Liberal - Direita Conservadora. Considerando a nossa intenção de conhecer os sentidos ideológicos compartilhados entre os próprios sujeitos do campo discursivo da representação política, percebemos que a principal distinção entre esquerda e direita nas falas dos parlamentares ocorre em relação às diferentes concepções econômicas enunciadas por ambos os polos. A partir dessa diferenciação, é possível verificar reflexos nas outras áreas, ou seja, Estado e Social.
A distinção econômica central não está relacionada à aceitação pela direita e à rejeição pela esquerda da economia de mercado capitalista: ambas, direita liberal e esquerda liberal, partem desse pressuposto, ainda que desde pontos de vista diversos. Para a direita, como seria presumível, o mercado deve ser livre de qualquer intervenção estatal no sentido do laissez-faire (neo)liberal; já, para a esquerda, o mercado deve ser regulado pelo Estado, além de ter o compromisso com o desenvolvimento social e a distribuição de renda. Os polos extremos, ou seja, “esquerda conservadora” e “direita conservadora” refletem posições dissonantes do mainstream liberal democrático representativo, sendo, até o momento desta análise, residuais em nosso contexto parlamentar.
A “direita conservadora” remete-se a posições ideológicas racistas, sexistas, antidemocráticas, entre outras. Está, portanto, mais associada a questões relacionadas aos costumes, à defesa de uma sociedade tradicional, autoritária e hierarquizada.
Temos de explicar, com mais vagar, a nomenclatura “esquerda conservadora”, visto que ela pode gerar alguma controvérsia. Ela poderia ser chamada de “esquerda tradicional”, “esquerda marxista” ou até mesmo “esquerda ortodoxa”. Assim, o polo “esquerda conservadora” fundamentalmente se direciona a uma posição ideológica marcada pelo anticapitalismo, pela estatização dos meios de produção, ou seja, remonta às experiências do socialismo real antes da queda do Muro de Berlim e do colapso da União Soviética. O termo “conservador” remete-se a uma esquerda antagônica a qualquer alternativa política diferente da tradição marxista. Dessa forma, “conservador” visa simplesmente conservar os preceitos de uma posição de esquerda que já foi hegemônica em meados do século XX, mas que hoje se mostra cada vez mais anacrônica27 27 Esse anacronismo reflete-se na ausência de qualquer elemento ideológico referente à “esquerda conservadora” nas proposições dos parlamentares do PCdoB e PPS, partidos que, como vimos, reivindicam-se marxistas e disputam a herança do antigo PCB. . Para além da nomenclatura por nós utilizada, o que vale mesmo é a sua caracterização, ainda que, no caso deste artigo, nenhum PL tenha sido classificado no polo “esquerda conservadora”28 28 É importante observar que o mais comum, principalmente nas análises dos partidos com representação parlamentar no legislativo federal, será não encontrar ou encontrar poucos PLs ou proposições situadas nos polos extremos do Quadro de Sentidos Ideológicos, ou seja, “esquerda conservadora” e “direita conservadora”. Isso se deve ao fato de que, no contexto democrático, há tendência de que os partidos convirjam para o centro. No caso de nossa metodologia, o centro está representado pelas “esquerda liberal” e “direita liberal”. .
iii) Análise stricto sensu dos projetos de lei. Apresentada a forma como elaboramos o Quadro de Sentidos Ideológicos, cabe-nos agora discorrer sobre como foi realizada a análise dos PLs protocolados pelos deputados federais do PCdoB e PPS entre 2003 e 2006. Cabe salientar que o referido Quadro serve fundamentalmente como guia para a análise dos PLs. Assim, primeiramente, os PLs foram separados, a partir de uma leitura exploratória, nas três grandes áreas mencionadas: Economia, Estado e Social. O segundo passo, com o apoio do software NVivo, consistiu na leitura de cada PL, já com o objetivo de identificar o seu lugar em cada subárea, além de sua adequação em uma das quatro posições29 29 Na classificação realizada, como não foram encontrados PLs do PCdoB e do PPS relacionados à “esquerda conservadora” ou à “direita conservadora”, quando nos referirmos simplesmente à direita ou à esquerda, estaremos considerando “esquerda liberal” e “direita liberal”. no gradiente ideológico mencionado30 30 É possível que um PL possa ser classificado em mais de uma área e subárea do quadro de sentidos ideológicos. Nesse sentido, o número de sentidos ideológicos que servirá de base para a classificação final será maior do que número total de PLs analisados. . Dessa forma, podemos identificar, sempre considerando a análise do conjunto dos PLs em cada área e subárea, os seguintes dados: i) quantidade de PLs destinados a cada área (Economia, Estado e Social), indicando, pelo menos no que diz respeito ao período de análise, a “vocação legislativa” geral do partido; ii) distribuição dos PLs em cada subárea, demonstrando os assuntos prioritários do partido no mesmo período e; iii) possibilidade de classificar ideologicamente o partido em cada área e subárea, sendo possível uma sigla ter um comportamento mais à esquerda no que diz respeito a uma área e subárea e mais à direita em outro conjunto área/subárea.
O comportamento ideológico do PCdoB e do PPS na Câmara dos Deputados
Em 2002, PCdoB e PPS elegeram, respectivamente, 11 e 12 deputados federais (BRASIL, 2002BRASIL. TSE - TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resultado da eleição 2002 [online], 2002. Disponível em: Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2002/resultado-da-eleicao-2002
. Acesso em: 10 jun. 2017.
http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-...
). Considerando as 513 vagas na Câmara dos Deputados, suas bancadas representam em torno de 2,33% e 2,14% dos assentos31
31
A análise dos PLs não se restringiu às propostas dos deputados federais eleitos por esses partidos, mas levou em consideração todos os PLs protocolados por parlamentares filiados ao PCdoB e ao PPS, no momento de suas proposições, no período de 2003 a 2006.
Ao longo do período de nossa análise, 2003 a 2006, os parlamentares do PCdoB protocolaram 152 PLs, enquanto o volume de proposições dos deputados do PPS foi significativamente maior, ou seja, 346 projetos de lei. A partir da análise desses PLs, definiremos os perfis ideológicos desses partidos. Primeiramente, vejamos, em termos gerais, como foram classificados todos os PLs das duas legendas.
O Gráfico 1 apresenta os percentuais totais de PLs classificados à esquerda liberal e à direita liberal para ambos os partidos. Notemos que esses números indicam que PCdoB e PPS, neste contexto parlamentar, podem ser considerados siglas majoritariamente de esquerda, uma vez que 87% dos PLs do primeiro (do total de 110 referências) foram classificados como de esquerda e 77% (de 257 referências) do segundo, da mesma forma. Ainda que os percentuais à esquerda sejam amplamente superiores, aqueles referentes a PLs classificados à direita não podem ser desprezados em uma análise ideológica, visto que os parlamentares do PCdoB e do PPS protocolaram, respectivamente, 13% e 23% de projetos classificados como de direita. Estes aspectos da classificação dos partidos poderão ser mais bem visualizados quando apresentarmos os índices de classificação do PCdoB e do PPS por área. A seguir, desmembraremos esses dados para cada uma das áreas principais.
O Gráfico 2 apresenta as áreas Economia, Estado e Social em perspectiva comparada. No que diz respeito à Economia, podemos perceber que há praticamente o mesmo percentual de PLs do PCdoB e do PPS classificados à esquerda, respectivamente, 91% e 92%, e à direita, 9% e 8%. Há, portanto, no que concerne aos aspectos macro e microeconômicos, uma consistente proposição de PLs que, conceitualmente, defendem a intervenção e/ou a regulação da economia pelo Estado.
A partir desta classificação dos PLs foi possível configurar um índice, o qual reflete a posição dos partidos em um continuum que varia de 1 a 4 (1= Esquerda Conservadora; 2 = Esquerda Liberal; 3 = Direita Liberal; 4 = Direita Conservadora). Como todos os PLs do PPS e do PCdoB foram classificados como Esquerda Liberal e Direita Liberal, os índices para cada grande área para ambos os partidos estão entre os valores 2 e 3. Vejamos na imagem abaixo.
A imagem acima indica a localização dos índices calculados para os partidos, por grande área, na escala esquerda (liberal) e direita (liberal). Quanto mais perto do valor 2, mais próximo à classificação pura de esquerda (liberal). Quanto mais o índice se aproxima de 3, mais próximo à direita (liberal). O PPS, destacado na parte inferior do gráfico, apresentou os seguintes índices: Economia = 2,07; Estado = 2,84; Social = 2,06. Já o PCdoB, apresentado na parte superior, constou com os seguintes índices: Economia = 2,09; Estado = 2,35; Social = 2,11.
Estes dados mostram que qualquer tentativa de “definição” dos partidos em uma única caracterização ideológica essencializa uma heterogeneidade que deve ser captada. Primeiramente, porque toda classificação deve ser considerada em um período temporal. Além disso, podemos verificar que ambos os partidos se deslocam entre direita e esquerda (liberais). A área Estado é a que se destaca, principalmente para o PPS, que atuou de maneira mais propensa à direita no período em tela. Por outro lado, as áreas Economia e Social desse partido estão mais à esquerda do que as do PCdoB. Mesmo assim, em ambas as áreas, o comportamento liberal das siglas, que se reivindicam herdeiras do PCB e da tradição marxista, não tem qualquer semelhança com uma “esquerda conservadora”, o que, por exemplo, uma análise baseada em manifestos partidários poderia sugerir. Nesse sentido, as variáveis tempo e lugar são cruciais. Isso quer dizer que, na Câmara dos Deputados, os parlamentares do PCdoB e do PPS, entre 2003 e 2006, apresentam comportamentos liberais à esquerda e à direita.
Realizada a análise dos índices partidários nas três grandes áreas, passemos agora para a compreensão do comportamento ideológico geral dos PLs para a área Estado. Sobre esta, o Gráfico 2 apresenta posições opostas entre PCdoB e PPS. Enquanto que o PCdoB mantém uma posição consistente na esquerda, com 76% de projetos de lei, o PPS tem comportamento ideológico distinto. Nesta área, os parlamentares deste partido protocolaram 84% dos PLs à direita e somente 16% à esquerda. Esta discrepância é curiosa e será mais bem desenvolvida no final desta seção, quando analisaremos mais amiúde duas subáreas de cada área principal.
Passemos agora para a última parte do Gráfico 2, que traz o comportamento ideológico geral dos PLs na área Social. Nesta área, há novamente uma convergência ideológica à esquerda entre os parlamentares de ambas as siglas. O PPS apresentou 94% e o PCdoB 89% de suas proposições à esquerda. À direita os resultados foram, respectivamente, 6% e 11%.
A partir desses dados, defendemos que os partidos não podem ser classificados de forma homogênea em um ponto do espectro ideológico. Mais do que isso, os partidos podem ser alocados em diferentes pontos do espectro para uma mesma área. O que conseguimos demonstrar aqui, a partir desta metodologia e em termos de classificação (para “assentarmos” os partidos em uma ou outra parte do espectro ideológico), é que majoritariamente um partido se encontra em um ou outro ponto do espectro. Passemos agora para uma compreensão mais amiúde do Quadro, ou seja, à análise dos dados das principais subáreas em que foram protocolados os PLs pelos parlamentares dos dois partidos.
Conforme apresentado anteriormente, cada área é composta por subáreas nas quais os PLs foram alocados, de acordo com as temáticas tratadas. Consideramos relevante trazer os dados das subáreas mais recorrentes, para cada partido, em cada área. Dessa maneira, temos, na área Economia, as subáreas em destaque “Relações de Consumo” para o PCdoB e “Desenvolvimento Econômico” para o PPS. Na área Estado, sobressai a subárea “Tributação” para ambos os partidos. Na área Social, as agremiações convergem quanto à subárea “Relações de Emprego”. No Quadro 1, constam as porcentagens das subáreas mais recorrentes em relação às demais subáreas para cada partido.
No Quadro 1, é interessante notar que as subáreas que se destacam são percentualmente a maioria ou quase a maioria das referências de PLs nas três áreas. Na área Social, no entanto, a porcentagem da subárea que predomina aparece com porcentagem menor do que aquelas que se apresentam nas outras duas áreas, porque essa área apresenta número maior de subáreas (onze ao total, frente a quatro em Economia e oito em Estado). Tais dados são por si só curiosos, uma vez que indicam campos de atuação que são entendidos como determinantes ou fundamentais para a atuação parlamentar. É de se notar que o PPS foca a sua atuação em Desenvolvimento Econômico, Tributação e Relações de Emprego, enquanto o PCdoB também age mais efetivamente nas duas últimas e em Relações de Consumo. Contudo, o PCdoB apresenta, em todas as subáreas tratadas, um valor percentual um tanto abaixo do outro partido. Ou seja, embora ambos os partidos convirjam no reconhecimento da importância das mesmas subáreas, eles o fazem de forma diferente. Vejamos como isso ocorre. Para tanto, no gráfico a seguir, trazemos as porcentagens dos PLs do PPS e do PCdoB mais recorrentes nas subáreas de cada uma das três Áreas do Quadro de Sentidos Ideológicos (Economia, Estado e Social).
No Gráfico 3, assim como no Quadro 1, vemos que PPS e PCdoB apresentam mais referências de seus PLs em iguais subáreas nas áreas Estado (Tributação) e Social (Relações de Emprego). O Gráfico 3 também nos remete ao Quadro 1, retomando que, na área Economia, os partidos diferem quanto à subárea em destaque. O que o Gráfico 3 traz de novidade é o quanto as referências dos PLs nas subáreas mais recorrentes se encontram à direita e à esquerda no espectro ideológico. Essas porcentagens dizem respeito à proporção de referências dos PLs em relação às demais subáreas que, relembrando, totalizam 23 nas três áreas, sendo quatro em Economia, oito em Estado e onze em Social, a partir da classificação em direita e em esquerda.
Dessa forma, na área Estado, dentre as referências classificadas à direita para o PPS, 61% se encontram na subárea Tributação. Já para o PCdoB, isso ocorre em apenas 14% das referências. De outro lado, das referências que estão alocadas à esquerda no PPS, apenas 6% são sobre Tributação, enquanto para o PCdoB somam 41%. Essa distinção é fundamental e a mais emblemática nesta análise. Sobre a área Social, tomando a esquerda para análise, as referências dos PLs de ambos os partidos se atêm majoritariamente na subárea Relações de Emprego. Entre os PLs à esquerda do PPS, 42% referem-se a esta subárea. Já o PCdoB apresenta porcentagem mais baixa, totalizando 28% dos seus PLs à esquerda na subárea Relações de Emprego.
Finalmente, a área Economia traz diferentes subáreas destacadas para cada sigla estudada. Nesta área, conforme vimos no Quadro 1, para o PPS, fica em relevo a subárea Desenvolvimento Econômico e, para o PCdoB, a subárea Relações de Consumo. Colocamos as porcentagens de ambos os partidos para as duas subáreas a título de ilustração comparativa (já que, a rigor, trataremos apenas do que mais se destaca em cada partido). A partir das referências dos PLs do PPS à esquerda, 48% dizem respeito à subárea Desenvolvimento Econômico, enquanto que as referências de PLs à direita apenas 6% pertencem a esta subárea. Das referências dos PLs do PCdoB alocados à esquerda, 47% são da subárea Relações de Consumo. Quando analisados os PLs que estão à direita do espectro ideológico nesta subárea, o PCdoB apresenta apenas 3% das referências.
A partir dessas considerações iniciais e com o apoio do Quadro de Sentidos Ideológicos, é possível compreender a alocação dos documentos analisados em cada subárea e em cada ponto do espectro ideológico. Passamos agora para a análise específica dessas subáreas para cada partido.
Em relação ao PPS, no que concerne à área Economia, a maior frequência de PLs, como demonstramos acima, está na subárea Desenvolvimento Econômico, com 54% dos PLs apresentados (Quadro 1). Esta subárea apresenta predominância absoluta de projetos de lei à esquerda, ou seja, 90% contra somente 10% de PLs classificados à direita. A subárea Desenvolvimento Econômico refere-se fundamentalmente a concepções gerais de economia. Como pode ser visto no Quadro de Sentidos Ideológicos, os sentidos compreendidos na esquerda liberal representam basicamente uma defesa da intervenção do Estado na economia e no funcionamento das empresas, além de uma clara preferência pelo fortalecimento das empresas nacionais em detrimento das estrangeiras. Neste sentido, dos PLs apresentados e classificados como “Economia - Desenvolvimento Econômico - esquerda liberal” (90% do total), foram majoritariamente visando à intervenção do Estado na economia ou, de forma mais específica e das mais diversas maneiras, na atividade produtiva, seja na forma como um produto deveria ser fabricado, seja na própria organização interna das empresas. PLs direcionados à intervenção do Estado na defesa da economia nacional foram o segundo tipo mais frequente. Tais PLs buscam claramente dar incentivos ou vantagens aos produtos e produtores nacionais sempre em comparação com os análogos estrangeiros. Os restantes dos PLs visavam investimentos públicos em infraestrutura e políticas econômicas estatais voltadas à inclusão social. Já os 10% dos PLs em “Economia - Desenvolvimento Econômico - direita liberal” foram majoritariamente classificados em relação à defesa dos interesses dos empresários e do capital, no sentido de, por exemplo, isentá-los de cobranças de juros ou de correção monetária, em contextos licitatórios ou de concessões, ou de compensá-los monetariamente em função de obras públicas que afetam o funcionamento de empresas.
Na área Economia, referente ao PCdoB, o maior número de referências dos PLs está na subárea Relações de Consumo (50% dos PLs desta área), conforme indicado no Quadro 1. Predominam, na subárea Relações de Consumo, PLs alocados à esquerda do espectro, somando 94% desses, estando à direita apenas 6%. O Quadro de Sentidos Ideológicos estabelece que a esquerda liberal defende, na relação de consumo, o consumidor, enquanto a direita liberal busca a proteção do empresariado e do lucro. Desta forma, considerando os PLs que estão classificados como “Economia - Relações de Consumo - esquerda liberal” (96% do total), a maior parte se refere à preocupação com a proteção do consumidor quanto ao mercado, uma vez que o primeiro é tido como o elo mais fraco nesta relação. O segundo item mais citado nesta subárea e neste ponto do espectro ideológico é o de busca da garantia dos direitos dos consumidores por meio de regras claras na relação de consumo. Também se trata, nos PLs à esquerda nesta subárea, de buscar um papel mais ativo do Estado (como controlador) na relação de consumo, a fim de novamente defender o consumidor (por exemplo, controlando produtos transgênicos, que podem afetar a saúde do consumidor). Já sobre os PLs classificados como “Economia - Relações de Consumo - direita liberal”, é defendida a abolição das tarifas sociais. As tarifas sociais, em diferentes áreas, beneficiam famílias de baixa renda. Sendo extintas, colocam essas famílias como se estivessem no mesmo patamar de consumo de famílias de outros níveis de renda. Ou seja, igualam, nas relações de consumo, consumidores diferentes, colocando em prática um sistema de consumo cujo o foco não é o consumidor.
No que diz respeito aos PLs do PPS alocados em “Tributação” (67% das referências dos PLs em Estado), ocorre uma inversão ideológica substantiva. Desses projetos de lei, 90% foram classificados em direita liberal contra apenas 10% identificados na esquerda liberal. Concernentes aos PLs da esquerda liberal, todos foram protocolados no sentido da defesa de uma reforma tributária que onere mais os ricos e menos os pobres, buscando mais igualdade social e econômica pela redução das disparidades no pagamento dos impostos. Em relação aos PLs classificados na direita liberal, há uma multiplicidade dispersa de sentidos no material analisado. Na verdade, tal multiplicidade se refere fundamentalmente aos diversos motivos pelos quais os PLs visam à redução ou até mesmo à isenção de pagamento de tributos às pessoas físicas, mas, sobretudo, às jurídicas. Ainda que não haja um sentido hegemônico articulado nos PLs, três se destacam, representando conjuntamente 58% dos PLs classificados na subárea Tributação. Esses sentidos são: redução da carga tributária para estimular o empreendedorismo, simples proposição de incentivos fiscais para pessoas físicas ou jurídicas e desoneração de impostos da folha de pagamento para gerar novos empregos. O restante dos projetos de lei dividiu-se em busca da revisão das alíquotas do imposto de renda, redução de impostos para propiciar o desenvolvimento econômico, redução de impostos para reduzir a sonegação de impostos, redução de imposto de renda para compensar serviços que o Estado não presta ou não presta adequadamente, redução do Estado para reduzir a carga tributária e redução de impostos para aumentar o poder de compra da população.
Já para o PCdoB, a área Estado, subárea “Tributação”, comportou 59% dos PLs protocolados por seus parlamentares. Nesta subárea, 70% dos PLs foi classificado como esquerda liberal e 30% como direita liberal. Sobre os PLs à esquerda, esses se referem a várias temáticas. Uma parte explicita o apoio ao incentivo fiscal às empresas, mas somente quando houver contrapartida social por parte dessas (ou seja, oferecer incentivo fiscal à empresa que não apresenta uma compensação social indica que esta decisão não está vinculada ao bem-estar da população). Também é apontada, nos PLs, a defesa da redução da tributação sobre bens e serviços básicos (como gás, transporte, entre outros), a fim de facilitar o acesso da população a eles. PLs também visando a não taxação (ou redução de taxas) das contas-salário, de maneira que o ordenado seja mantido de forma integral para beneficiar os cidadãos. Projetos buscam também a defesa de uma reforma tributária que onere mais os ricos e menos os pobres (em outras palavras, que a tributação se dê no sentido progressivo, em lugar do regressivo como se apresenta hoje). Sobre os PLs classificados na direita liberal, estes se referem basicamente à defesa da redução da carga tributária seja para estimular o empreendedorismo, ou auxiliar o setor industrial, seja para o benefício da população de classe média (que é vista como pagando em dobro pelos serviços, ou seja, para o Estado e para a iniciativa privada).
Na subárea “Social - Relações de Emprego”, o PPS apresenta 97% dos seus projetos de lei identificados na esquerda liberal. Entre esses, a maioria corresponde ao sentido de manutenção e ampliação dos direitos dos trabalhadores. Trata-se de PLs que, nas mais diversas áreas, visam não somente, mas sobretudo, ampliar os direitos dos trabalhadores, estatutários ou celetistas. Tais ampliações dizem respeito, por exemplo, ao estabelecimento de gratificação adicional por tempo de serviço, ao estabelecimento de horário diferenciado de trabalho para trabalhadores em condições pessoais específicas, às jornadas de trabalho especiais para determinadas categorias de trabalhadores, ao impedimento de dispensa arbitrária ou sem justa causa de empregado que tenha sofrido acidente do trabalho, entre outras. Os demais projetos versam sobre a defesa e proteção do direito de greve, defesa de salário mínimo para categorias profissionais específicas, defesa dos trabalhadores no ambiente de trabalho, programas estatais para manter ou incentivar o emprego, reconhecimento dos direitos trabalhistas de homens e mulheres trabalhadores rurais, contra qualquer discriminação para se ter acesso ao emprego, fortalecimento dos sindicatos, garantia/ampliação dos direitos dos empregados domésticos, fiscalização dos direitos dos trabalhadores terceirizados para evitar a precarização, aumento do salário mínimo acima dos padrões normalmente fixados, reconhecimento de categorias profissionais e fiscalização dos direitos dos trabalhadores terceirizados para evitar a precarização desta categoria. Na direita liberal, foi apresentado apenas um PL versando em prol da flexibilização e modernização da legislação trabalhista.
A subárea “Relações de Emprego” representa 31% dos PLs do PCdoB na área “Social” (Quadro 1). Considerando apenas essa subárea, os PLs se concentram à esquerda do espectro ideológico, com 89% das referências, enquanto isso, à direita temos apenas 11% de referências. Predominantemente temos em “Social - Relações de Emprego - esquerda liberal” a defesa dos direitos da classe trabalhadora, consubstanciada na manutenção dos direitos do funcionalismo público; na garantia de reaver o emprego em casos de demissão por justa causa ou quando houve coação para pedir demissão (casos como do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Nordeste, entre 1995 e 2002 para o primeiro e entre 1995 e 2003 para os outros dois); na defesa de isonomia salarial para funcionários de bancos públicos; no reajuste do auxílio alimentação de acordo com a inflação; no cumprimento estrito de atividades para as quais o empregado foi contratado. Também se destacam, à esquerda nesta subárea, a proteção da manutenção/ampliação dos direitos dos trabalhadores, tais como a ampliação do tempo de licença paternidade e a defesa de pagamento de indenização a beneficiários ou familiares de policiais (de diferentes órgãos) falecidos em atividade profissional. Ainda, enfatizamos a existência de PLs visando à aposentadoria especial para determinadas categorias, como os profissionais da construção civil; o combate à precarização e ao trabalho informal, por exemplo, garantindo o fornecimento de meios e pagamentos adequados ao serviço solicitado; a preocupação com a globalização que, por vezes, facilita a substituição da mão de obra por máquinas, o que também fragiliza as relações de trabalho; a defesa do sindicalismo por meio de sua organização; e a preocupação em realizar a fiscalização dos direitos dos trabalhadores terceirizados para evitar a precarização. Com essas indicações, verificamos que a preocupação em “Relações de Emprego - esquerda liberal” se centra no trabalhador, em seus direitos e em evitar a precarização no trabalho. Já em “Social - Relações de Emprego - direita liberal”, figura a sustentação da ideia da autonomia dos contratos, das convenções coletivas e das negociações entre patrões e empregados (em relação à lei trabalhista), assim como a defesa de que menos encargos trabalhistas favorecem menos informalidade dos trabalhadores. Desta maneira, percebemos que essa concepção diz respeito à maior flexibilização das relações de emprego, bem como à percepção de que os tributos impedem a maior oferta de emprego.
Considerações finais
O objetivo principal deste artigo foi classificar ideologicamente o PCdoB e o PPS no âmbito da Câmara dos Deputados, a partir da análise dos projetos de lei protocolados por parlamentares desses partidos, entre 2003 e 2006. Para tanto, lançamos mão de uma metodologia própria de classificação. Esta metodologia apresenta como característica fundamental a necessidade de olharmos para o fenômeno ideológico, levando em consideração que os partidos são unidades heterogêneas. Assim, essa forma de classificação parte do pressuposto de que os partidos têm comportamentos ideológicos diversos dependendo da área de atuação.
Tal preocupação com a heterogeneidade partidária mostrou-se fundamental, uma vez que pudemos captar nuances ideológicas importantes nos partidos analisados. Por exemplo, se tomássemos apenas o número bruto das classificações ideológicas dos PLs do PCdoB e do PPS, identificaríamos genericamente cada sigla na esquerda liberal, visto que os percentuais totais de PLs à esquerda para os partidos foram 87% para o PCdoB e 77% para o PPS. Contudo, os índices apresentados trouxeram uma compreensão mais adequada da heterogeneidade desses partidos, em sua atuação nas grandes áreas Economia, Estado e Social.
Assim, com o aprofundamento da análise do comportamento ideológico partidário, percebemos particularidades que foram destacadas ao longo da última parte do artigo. O destaque especial foi certamente a classificação ideológica, majoritariamente na direita liberal, dos PLs do PPS na área Estado, o que demonstra que análises ideológicas das siglas partidárias devem levar em consideração dois aspectos principais. O primeiro deles é partir do fato de que um partido político é necessariamente uma estrutura heterogênea. O segundo, derivado do primeiro, é que tal heterogeneidade requer esforços para captá-la. Este artigo é uma contribuição metodológica nesta direção.
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- ZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf Acesso em: 10 out. 2011.
» http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf
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3
As citações de textos originalmente escritos em língua estrangeira (inglês e espanhol) foram traduzidas livremente pelos autores para uso exclusivo neste artigo.
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Uma nova movimentação que objetiva atualizar o trabalho de Coppedge tem sido realizada desde 2013 por um grupo de pesquisadores do Brasil e do Uruguai, sob a coordenação das professoras Denise Paiva Ferreira (UFG) e Gabriela da Silva Tarouco (UFPE), considerando o surgimento de novos partidos nos diferentes países da região (PROJETO, 2013PROJETO de Pesquisa. Mensurando a ideologia dos partidos políticos na América Latina: uma atualização da classificação de Michael Coppedge 15 anos depois [online], 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.cienciassociais.ufg.br/up/106/o/Projeto-Botelho_CienciaPolitica.pdf . Acesso em: 08 jun. 2019.
https://www.cienciassociais.ufg.br/up/10... ). -
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Também denominada Pesquisa Legislativa Brasileira (PLB).
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No MP, é apresentado o total de 56 categorias (algumas contam com subcategorias, que são especificações das categorias). As categorias são agrupadas em 7 áreas políticas, sendo elas: i) Relações exteriores, com 10 categorias; ii) Liberdade e Democracia, com 4 categorias e 6 subcategorias; iii) Sistema Político, com 5 categorias e 6 subcategorias; iv) Economia, com 16 categorias e 2 subcategorias; v) Bem estar e Qualidade de vida, com 7 categorias; vi) Tecido da Sociedade, com 8 categorias e 14 subcategorias; vii) Grupos Sociais, com 6 categorias e 2 subcategorias (MANIFESTO, 2019MANIFESTO. Manifesto Project. About / Coding instructions [online], 2019. Disponível em: Disponível em: https://manifesto-project.wzb.eu . Acesso em: 01 jun. 2019.
https://manifesto-project.wzb.eu... ). -
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Segundo os autores, “a escala esquerda-direita é uma medida construída de forma dedutiva que reflete certa definição consensual com respeito à divisão Estado-mercado ou igualitarismo artificial-igualitarismo natural, como divisor de águas entre esquerda e direita, somadas a algumas posições básicas em matéria de relações internacionais. [...]. A escala se calcula como a porcentagem de quase-sentenças agrupadas sob as categorias de direita, menos a porcentagem de quase-sentenças agrupadas sob as categorias de esquerda. A escala varia entre +100 e -100, o que significa que se em um programa todas as quase-sentenças forem codificadas em categorias definidas como esquerda, a posição do programa será -100, ou seja, o partido terá uma máxima de esquerda. Ao contrário, se todas as frases de um programa forem classificadas em categorias de direita, a posição do partido será +100. A escala esquerda-direita é invariável, ou seja, os indicadores de esquerda e de direita são sempre fixos, não mudam no tempo e no espaço” (LORENZONI; PÉREZ, 2013LORENZONI, Miguel; PÉREZ, Verónica. Cambios y continuidades de la izquierda en Uruguay: un análisis a partir de las propuestas programaticas del Frente Amplio 1971-2009. Revista Uruguaya de Ciencia Politica, v. 22, n. 1, p. 81-102, 2013., p. 86-87).
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Os fundamentos da PLB foram abordados quando citados os trabalhos de Zucco Jr. (2009aZUCCO JR., Cesar. Ideology or what? Legislative behavior in multiparty presidential settings. The Journal of Politics, v. 71, n. 3, p. 1076-1092, 2009a., 2009b)ZUCCO JR., Cesar. Esquerda, direita e governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros [online], 2009b. Disponível em: Disponível em: http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/papers/paper-esquerdadireitagoverno.br.pdf . Acesso em: 10 out. 2011.
http://fas-polisci.rutgers.edu/zucco/pap... . -
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Educação, gênero, estado do sul, estado do norte, divorciado, solteiro, fazendeiro, negro, partido, idade, depressão (cresceu durante - nascidos entre 1905 e 1920). Podemos perceber que algumas variáveis são proxy.
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Escala de 5 pontos: esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita.
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O uso desse conceito é explicado pelos autores: uma aproximação entre os polos direita e esquerda nos últimos tempos seria consequência de uma crise ideológica que levaria a um “alargamento das disposições ideológicas para além de uma dimensão econômica, aliado a um declínio na coesão de identidades de classe ou sócio-estruturais” (DIAS; MENEZES; FERREIRA, 2010DIAS, Marcia R.; MENEZES, Daiane B.; FERREIRA, Geison da C. A quem serve o Graal: um estudo sobre a classificação ideológica dos partidos políticos através de seus Projetos de Lei na ALERGS (2003 a 2006), 2010. [online]. Disponível em: Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/papers-34-encontro/st-8/st23-4/1581-marciadias-a-quem/file . Acesso em: 07 jun. 2019.
https://www.anpocs.com/index.php/papers-... , p. 7). Entretanto, não podemos deixar de comentar que o próprio conceito de pós-materialismo não permitiria uma análise segregada entre direita e esquerda, da forma como os autores indicaram. Isso porque a noção de pós-materialismo busca uma análise em que não cabe a noção de conflito, enquanto tratar direita e esquerda é, por si, estudar conflito. -
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De acordo com os autores, são 4 classificações possíveis: sem especificação, grupos específicos, grupos de interesses empresariais/econômicos, grupos de interesses dos trabalhadores/grupos específicos.
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Como ficará mais claro, na seção seguinte, esta metodologia de classificação ideológica dos partidos políticos brasileiros foi construída tendo como base os pronunciamentos dos deputados federais entre os anos de 2003 e 2014, o que claramente limita a sua abrangência analítica neste período temporal e no espaço das relações entre Legislativo e Executivo federais.
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Ainda que possivelmente o PPS, considerando, a partir de 2005, sua posição cada vez mais crítica e oposicionista aos governos federais do PT de Lula e Dilma e o seu consequente alinhamento ao PSDB possa ter-se deslocado ideologicamente para uma posição menos de esquerda, na maior parte do período da nossa análise, é comum classificá-lo como um partido de esquerda. Uma análise posterior a 2006 poderá eventualmente captar um processo de maior “direitização” da sigla. Isso não seria surpreendente, visto que as conclusões que apresentaremos ao final deste artigo já apontam para esta direção.
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Em janeiro de 1992, no X Congresso do PCB (Partido Comunista Brasileiro), a sigla foi “rebatizada” para Partido Popular Socialista (PPS, 2018bPPS. Partido Popular Socialista. Manifesto de fundação [online], 2018b. Disponível em: Disponível em: http://www.pps.org.br/o-partido/manifesto-de-fundacao /. Acesso em: 11 mar. 2018.
http://www.pps.org.br/o-partido/manifest... ; COUTO, s. d.COUTO, André Faria. Partido Popular Socialista (PPS) [online], s.d. Disponível em: Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-popular-socialista-pps . Acesso em: 11 mar. 2018.
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionari... ). -
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No segundo turno da eleição de 2002, o PPS apoiou Lula, tendo participado do seu governo até dezembro de 2004. Na época, o partido tinha apenas um ministro, Ciro Gomes, da Integração Nacional. Ciro Gomes, inconformado com a decisão do partido de deixar a base governista, manteve-se na pasta ministerial e, em junho de 2005, deixou o PPS e filiou-se ao PSB (PPS, 2004PPS decide deixar a base governista e entregar cargos. Estado de São Paulo, 11 dez. 2004. Disponível em: Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pps-decide-deixar-a-base-governista-e-entregar-cargos,20041211p33337 . Acesso em: 10 jun. 2017.
http://politica.estadao.com.br/noticias/... , 2005PPS anuncia desligamento de Ciro Gomes. UOL Online [online], 01 fev. 2005. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2005/02/01/ult27u47129.jhtm . Acesso em: 10 jun. 2017.
https://noticias.uol.com.br/ultnot/reute... ; CIRO, 2005CIRO filia-se ao PSB e visita Arraes. Folha de São Paulo, 29 jun. 2005. Disponível em: Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2906200512.htm . Acesso em: 10 jun. 2017.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/... ). -
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Não se trata, é claro, de uma lista exaustiva de trabalhos sobre a relação entre ideologia e partidos políticos no Brasil. Nosso intuito é tão somente indicar algumas linhas gerais da classificação ideológico-partidária realizada no país.
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Não que os resultados que apresentaremos neste texto não possam ser indicativos fortes de uma classificação mais abrangente dos partidos analisados. Temos a impressão de que as nossas conclusões indicam tendências importantes para uma análise mais ampla. No entanto, não consideramos prudente simplesmente universalizarmos resultados específicos para outras áreas de atuação partidária.
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Outros documentos, além dos PLs, podem ser analisados, tais como propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias, resultados de votações, propostas de políticas públicas. Entendemos que esta metodologia possibilita a investigação de diversas proposições, tanto no âmbito do Poder Legislativo quanto no do Executivo, uma vez que compreendemos ambos como partes, como já mencionamos, do campo discursivo da representação política, composto por todas as siglas partidárias e sujeitos políticos que estabelecem as relações entre Executivo e Legislativo.
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Como nosso objetivo é tratar aspectos do comportamento legislativo das agremiações, nos ativemos ao conteúdo dos documentos. Informações como nomes dos autores dos PLs ou número de PLs apresentados por cada parlamentar não são considerados nessa análise, pois o total de documentos é que vai indicar a vocação partidária naquele momento, mesmo que algum/a parlamentar tenha apresentado mais proposições que outros/as.
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As próprias nomenclaturas ideológicas clássicas, “direita” e “esquerda”, são aqui utilizadas visto que ambas são correntemente evocadas pelos sujeitos do campo discursivo da representação política como forma de autoidentificação e também de identificação de seus adversários.
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Estamos chamando de “prática política”, para os fins deste artigo, as proposições dos PLs.
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Por “palavras detonadoras” entendemos um conjunto de termos ideológicos consagrados que tem servido para diferenciar “direita” e “esquerda”, os dois principais sentidos ideológicos presentes no campo discursivo da representação política. O objetivo das palavras detonadoras, como se verá a seguir, é “detonar”, “iniciar” a busca por sentidos aplicados e discerníveis para cada comportamento ideológico.
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O Banco de Discursos está no site da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2017BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Discursos e notas taquigráficas [online], 2017. Disponível em: Disponível em: http://www2.camara.leg.br/deputados/discursos-e-notas-taquigraficas . Acesso em: 12 jun. 2017.
http://www2.camara.leg.br/deputados/disc... ). Neste site, há a informação de que o “Banco de Discursos contém pronunciamentos dos Srs. Deputados e de convidados em sessões plenárias da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional a partir de 1946”. -
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Os pronunciamentos que formaram o Quadro de Sentidos Ideológicos foram extraídos, a partir das palavras detonadoras, de todos os parlamentares de todos os partidos com representação que se pronunciaram entre 2003 e 2014, uma vez que o campo discursivo da representação política compreende todos esses sujeitos, apresentando o total de 1622 pronunciamentos analisados.
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O Quadro de Sentidos Ideológicos, devido à sua extensão, está disponível na aba “Produtos” no site: <https://wp.ufpel.edu.br/idad>.
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Esse anacronismo reflete-se na ausência de qualquer elemento ideológico referente à “esquerda conservadora” nas proposições dos parlamentares do PCdoB e PPS, partidos que, como vimos, reivindicam-se marxistas e disputam a herança do antigo PCB.
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É importante observar que o mais comum, principalmente nas análises dos partidos com representação parlamentar no legislativo federal, será não encontrar ou encontrar poucos PLs ou proposições situadas nos polos extremos do Quadro de Sentidos Ideológicos, ou seja, “esquerda conservadora” e “direita conservadora”. Isso se deve ao fato de que, no contexto democrático, há tendência de que os partidos convirjam para o centro. No caso de nossa metodologia, o centro está representado pelas “esquerda liberal” e “direita liberal”.
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Na classificação realizada, como não foram encontrados PLs do PCdoB e do PPS relacionados à “esquerda conservadora” ou à “direita conservadora”, quando nos referirmos simplesmente à direita ou à esquerda, estaremos considerando “esquerda liberal” e “direita liberal”.
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É possível que um PL possa ser classificado em mais de uma área e subárea do quadro de sentidos ideológicos. Nesse sentido, o número de sentidos ideológicos que servirá de base para a classificação final será maior do que número total de PLs analisados.
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31
A análise dos PLs não se restringiu às propostas dos deputados federais eleitos por esses partidos, mas levou em consideração todos os PLs protocolados por parlamentares filiados ao PCdoB e ao PPS, no momento de suas proposições, no período de 2003 a 2006.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
11 Maio 2020 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2020
Histórico
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Recebido
15 Mar 2018 -
Aceito
23 Out 2019