O artigo apresenta e analisa a narração de uma encenação teatral realizada pela mãe de santo de um terreiro do Rio de Janeiro sobre a partida, a viagem e a chegada dos escravos africanos no Brasil. A peça é encenada por crianças e membros da família de santo nos quadros de uma atividade educativa. A narração se baseia em uma ideia central: os escravos vieram para o Brasil como portadores de uma cultura material e imaterial, de uma memória e de tradições trazidas por meio daqueles que souberam resistir à escravidão e à condição servil. O candomblé assume neste contexto uma significação política forte e torna-se elemento estruturante da narrativa. Suas entidades tornam-se personagens da peça, com escravos e ancestrais se transformando não apenas em divindades, mas também em libertadores. A figura vitimizada do escravo é assim virada do avesso e se transforma em herói, constrói-se também uma nova narração da nação brasileira que atribui aos escravos e à África um papel central como figuras proeminentes e civilizadoras.
memória; escravidão; identidade; cidadania; direitos humanos; candomblé