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Síndrome metabólica e fatores associados em quilombolas baianos, Brasil

Resumo

Este estudo buscou analisar a prevalência de Síndrome Metabólica (SM) e os fatores associados em adultos quilombolas. Estudo de base populacional com amostra de 850 adultos de ambos os sexos. A SM foi determinada pelo critério Joint Interim Statement. A regressão de Poisson foi usada para testar as associações, conforme modelo hierarquizado de análise. A prevalência de SM foi de 25,8% (Intervalo de Confiança de 95%: 22,8:28,7). Na análise múltipla permaneceram associados (p < 0,05) sexo, grupo etário, qualidade do sono, Índice de Massa Corporal (IMC) e percentual de gordura (%G). Neste sentido, a presença da SM em adultos quilombolas se associa com o sexo feminino, faixa etária > 40 anos, má qualidade do sono, excesso de peso corporal e obesidade.

Inquérito epidemiológico; População negra; Síndrome X Metabólica

Abstract

This study aimed to analyze the prevalence of this condition and associated factors in adult quilombolas (inhabitants of black communities). In a population-based study with a sample of 850 adults of both sexes, MS was determined using the Joint Interim Statement criteria. Hierarchical Poisson regression modeling was used to test the associations. The prevalence of MS was 25.8% (95%CI: 22.8:28.7). In multiple analysis, gender, age group, sleep quality, body mass index and fat percentage remained significantly associated (p < 0.05). In this respect, the presence of SM in adult quilombolas is associated with female gender, age ≥ 40 years, poor sleep quality, overweight, and obesity.

Health survey; Group with African Continental Ancestry; Metabolic syndrome X

Introdução

O processo de urbanização, transição tecnológica e desenvolvimento econômico impactam nos padrões socioculturais e promovem alterações nos fatores de risco para o adoecimento. Neste contexto emerge a Síndrome Metabólica (SM), envolta em uma etiologia complexa.

Diante da existência de pontos discutíveis quanto a definição da SM foi consensuado, por importantes instituições de saúde mundiais, o protocolo Joint Interim Statement11. Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation 2009; 120(16):1640-1645. que a operacionaliza pelo agrupamento de três dentre os seguintes componentes: triglicerídeo alto, lipoproteínas de alta densidade (HDL) baixa, glicemia aumentada, pressão sanguínea elevada e obesidade central.

Têm sido verificadas altas prevalências populacionais de SM. Revisões sistemáticas apontam variação próxima aos 25,0% na América Latina22. Marquez-Sandoval F, Macedo-Ojeda G, Viramontes-Horner D, Fernandez-Ballart JD, Salas Salvado J, Vizmanos B. The prevalence of metabolic syndrome in Latin America: a systematic review. Public Health Nutr 2011; 14(10):1702-1713., enquanto no Brasil a oscilação foi de 28,9% até 29,6%33. Vidigal FC, Bressan J, Babio N, Salas-Salvadó J. Prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adults: a systematic review. BMC Public Health 2013; 13(1198):1-10.. No entanto, são demandadas investigações acerca da sua ocorrência com grupos populacionais específicos.

Nessa perspectiva, foi identificada a influência étnico-racial sobre a prevalência da SM44. Gronner MF, Bosi PL, Carvalho AM, Casale G, Contrera D, Pereira MA, Diogo TM, Torquato MT, Souza GM, Oishi J, Leal AM. Prevalence of metabolic syndrome and its association with educational inequalities among Brazilian adults: a population-based study. Braz J Med Biol Res 2011; 44(7):713-719.,55. Gurka MJ, Lilly CL, Oliver MN, DeBoer MD. An examination of sex and racial/ethnic differences in the metabolic syndrome among adults: A confirmatory factor analysis and a resulting continuous severity score. Metabolism 2014; 63(2):218-225.. Contudo, o conhecimento sobre o seu impacto em populações negras ainda é bastante restrito66. López-Jaramillo P, Sánchez RA, Díaz M, Cobos L, Bryce A, Parra-Carrillo JZ, Lizcano F, Lanas F, Sinay I, Sierra ID, Peñaherrera E, Bendersky M, Schmid H, Botero R, Urina M, Lara J, Foss MC, Márquez G, Harrap S, Ramírez AJ, Zanchetti A, em nome do Grupo de Especialistas da América Latina. Consenso latino-americano de hipertensão em pacientes com diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Arq Bras Endocrinol Metab 2014; 58(3):205-225., principalmente quando em condições de vulnerabilidade socioeconômica ou residentes distantes dos grandes centros urbanos.

As comunidades quilombolas constituem-se de sujeitos com histórico de ancestralidade negra, com características sociais, culturais e religiosas próprias77. Brasil. Fundação Palmares. Brasília: Fundação Palmares; 2016. [acessado 2016 Nov 24]. Disponível em: http://www.palmares.gov.br
http://www.palmares.gov.br...
. Os escassos estudos com participação de adultos quilombolas, com amostras relativamente pequenas, demostraram variação expressiva nas prevalências de SM, entre 26,2%88. Barbosa MBL, Barbosa JB, Guerra LFA, Barbosa MFL, Barbosa FL, Barbosa RL, Guida DL, Martins ML, Bouskela E, Nascimento MDSB, Melo GSO, Castro MMS. Dyslipidemia and cardiovascular risk in Afro-descendants: a study of the Quilombola communities in Maranhão, Brazil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2015; 10(36):1-10. e 55,4%99. Aragão JA, Bós AJG, Coelho-de-Souza G. Síndrome Metabólica em adultos e idosos de comunidades quilombolas do centro-sul do Piauí, Brasil. Estud. Interdiscipl Envelhec 2014; 19(2):501-512., podendo atingir índices muito maiores que em outras populações22. Marquez-Sandoval F, Macedo-Ojeda G, Viramontes-Horner D, Fernandez-Ballart JD, Salas Salvado J, Vizmanos B. The prevalence of metabolic syndrome in Latin America: a systematic review. Public Health Nutr 2011; 14(10):1702-1713.,33. Vidigal FC, Bressan J, Babio N, Salas-Salvadó J. Prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adults: a systematic review. BMC Public Health 2013; 13(1198):1-10..

É importante ressaltar que a literatura aponta divergências quanto à associação da SM com fatores sociodemográficos, comportamentais, ambientais, biológicos e comorbidades22. Marquez-Sandoval F, Macedo-Ojeda G, Viramontes-Horner D, Fernandez-Ballart JD, Salas Salvado J, Vizmanos B. The prevalence of metabolic syndrome in Latin America: a systematic review. Public Health Nutr 2011; 14(10):1702-1713.,44. Gronner MF, Bosi PL, Carvalho AM, Casale G, Contrera D, Pereira MA, Diogo TM, Torquato MT, Souza GM, Oishi J, Leal AM. Prevalence of metabolic syndrome and its association with educational inequalities among Brazilian adults: a population-based study. Braz J Med Biol Res 2011; 44(7):713-719.,88. Barbosa MBL, Barbosa JB, Guerra LFA, Barbosa MFL, Barbosa FL, Barbosa RL, Guida DL, Martins ML, Bouskela E, Nascimento MDSB, Melo GSO, Castro MMS. Dyslipidemia and cardiovascular risk in Afro-descendants: a study of the Quilombola communities in Maranhão, Brazil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2015; 10(36):1-10.,99. Aragão JA, Bós AJG, Coelho-de-Souza G. Síndrome Metabólica em adultos e idosos de comunidades quilombolas do centro-sul do Piauí, Brasil. Estud. Interdiscipl Envelhec 2014; 19(2):501-512., o que dificulta o adequado rastreio e enfrentamento dos seus principais elementos predisponentes.

Considerando que raça-cor da pele influencia nos indicadores da SM e que há pouca disponibilidade de informações sobre seu alcance em populações específicas, especialmente aquelas negras, assim como, dos fatores associados e/ou predisponentes, o que interfere negativamente no desenvolvimento de ações preventivas e clínicas, este texto objetiva analisar a prevalência de SM e os fatores associados em adultos quilombolas.

Materiais e Métodos

Esta análise é recorte do estudo transversal de base populacional intitulado “Perfil Epidemiológico dos Quilombolas baianos”, estudo autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado da Bahia, desenvolvido entre fevereiro e novembro de 2016.

A microrregião geográfica de Guanambi/Bahia, que contava com 42 quilombos contemporâneos certificados77. Brasil. Fundação Palmares. Brasília: Fundação Palmares; 2016. [acessado 2016 Nov 24]. Disponível em: http://www.palmares.gov.br
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até o ano de 2016, distribuídos em 10 municípios, representou o campo empírico. Diante da indisponibilidade de informações oficiais prévias relativas a quantidade de moradores dos quilombos desta microrregião baiana, a população foi estimada considerando 80 famílias por quilombo1010. Brasil. Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR). Comunidades Quilombolas Brasileiras - Regularização Fundiária e Políticas Públicas. Brasília: SEPPIR; 2010., com dois adultos (>18 anos) por família em cada comunidade, totalizando 6720 adultos.

O cálculo amostral considerou: correção para população finita, prevalência desconhecida para o desfecho (50%), intervalo de confiança de 95%, erro amostral de cinco pontos percentuais, efeito de 1,5 vez para conglomerado, acréscimo de 30% para recusas e 20% para perdas e confundimento, determinando amostra de 818 sujeitos.

O desenho amostral consistiu em duas etapas: sorteio dos quilombos (conglomerado) e, em seguida, coleta censitária. Inicialmente foi realizado sorteio aleatório dos quilombos. Por meio das respectivas associações de moradores, 14 unidades sorteadas permitiram visitações para a realização da pesquisa, três recusaram participação.

Considerando todos os adultos nos quilombos elegíveis, as associações de moradores informaram a presença de 1025 adultos residentes durante o período das coletas. Todos foram convidados, sendo informados sobre os aspectos do estudo, garantindo igual probabilidade de participação. Compareceram as atividades e aceitaram participar por meio da assinatura ou fornecimento da impressão digital no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido individual 850 quilombolas, compondo a amostra final. Não compareceram às atividades 17,07% dos convidados, caracterizando as recusas. As coletas foram realizadas em sistema de mutirão, durante os finais de semana e feriados.

Aqueles com deficiência cognitiva ou de comunicação independente foram excluídos das entrevistas. Acamados, amputados, engessados, grávidas e nutrizes com menos de seis meses foram excluídos das medidas antropométricas. As perdas foram definidas pela não realização de alguma medida, exame ou ausência de resposta de alguma questão da entrevista.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas, coleta sanguínea, verificações da pressão arterial e mensurações antropométricas. Estas atividades foram desenvolvidas por equipes compostas por profissionais e/ou acadêmicos da área de saúde conforme suas habilitações, após treinamento para sua respectiva função.

As medidas antropométricas (massa, estatura, perímetro da cintura) foram determinadas conforme protocolo da International Society for the Advancement of Kinanthropometry (ISAK)1111. Stewart A, Marfell-Jones M, Olds T, Ridder H. International standards for anthropometric assessment. Lower Hutt: Isak; 2011., em duplicata para igualdade, com terceira medida em caso de diferença, utilizando a mediana para análise. As coletas ocorreram em ambiente fechado, em momento único, pelo mesmo avaliador certificado ISAK, com os avaliados usando o mínimo de roupas e descalços.

A massa corporal foi mensurada em balança digital (Omron, modelo hbf-514c, com capacidade de 150 kg e precisão de 100g); a estatura foi coletada em estadiômetro metálico portátil (Sanny, modelo caprice, com resolução de 0,1mm); os perímetros foram obtidos por trena metálica (Sanny, modelo sn-4010, com dois metros de comprimento, 0,6cm de largura e resolução de 0,1mm). O erro técnico de medida (ETM) antropométrica intra-avaliador1212. Perini TA, Oliveira GL, Ornellas JS, Oliveira FP. Cálculo do erro técnico de medição em antropometria. Rev Bras Med Esporte 2005; 11(1):81-85. foi de 0,12% para estatura, 0,20% para massa corporal, 0,39% para cintura, que indicam nível adequado das mensurações antropométricas.

O %G por Bioimpedância foi realizada durante a manhã, antes do desjejum e determinado por balança validada (Omron hbf-514c, com capacidade 150Kg e precisão de 0,1%)1313. Bosy-Westphal A, Later W, Hitze B, Sato T, Kossel E, Gluer CC, Heller M, Muller MJ. Accuracy of Bioelectrical Impedance Consumer Devices for Measurement of Body Composition in Comparison to Whole Body Magnetic Resonance Imaging and Dual X-Ray Absorptiometry. Obes Facts 2008; 1(6):319-324.. As avaliações ocorreram em duplicata para igualdade, com terceira medida em caso de diferença, utilizando a mediana para análise. Anteriormente as mensurações foram verificadas abstinência alcoólica, de cafeína e de atividade física intensa nas últimas 24 horas. Os participantes também foram orientados a retirarem objetos metálicos e permanecerem em repouso durante cinco minutos antes dos testes.

As amostras sanguíneas de 15 ml, devidamente separadas e identificadas, foram extraídas após jejum mínimo de 8 horas, mediante punção endovenosa na veia antecubital mediana, utilizando sistema a vácuo, conforme protocolo da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial1414. Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC). Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML): coleta e preparo da amostra biológica. Barueri: Manole/Minha Editora; 2014.. As amostras foram armazenadas em caixa térmica refrigerada e transportadas, após a coleta, ao laboratório credenciado, onde o material foi centrifugado e analisado. A glicemia, o colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL) e os triglicerídeos foram determinados pelo método enzimático colorimétrico automatizado (Cobas Mira Plus, Roche®).

A pressão arterial foi aferida com esfigmomanômetro semiautomático validado (Omron HEM-742INT)1515. Christofaro DG, Fernandes RA, Gerage AM, Alves MJ, Polito MD, Oliveira AR. Validation of the Omron HEM 742 blood pressure monitoring device in adolescents. Arq. Bras. Cardiol. 2009; 92(1):10-15., em triplicata, após 10 minutos de repouso, com o entrevistado sentado, pés plantados no chão, braço esquerdo na altura do coração e a palma da mão voltada para cima1616. Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). VI Diretrizes de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Card 2010; 17(Supl. 1):1-69.. A média aritmética entre as medidas definiu o valor da pressão arterial.

A SM, variável dependente, foi determinada, conforme protocolo Joint Interim Statement, pela simultaneidade de ao menos três dos seguintes fatores11. Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation 2009; 120(16):1640-1645.: 1) triglicérides aumentado quando ≥150 mg/dL ou uso de medicamentos para tratamento de hipertrigliceridemia; 2) glicemia em jejum aumentada quando ≥100 mg/dL ou uso de medicamentos para diabetes; 3) HDL diminuído quando <40 mg/dL (homem) ou <50 mg/dL (mulher) ou uso de medicamentos para tratamento de HDL baixo; 4) pressão arterial aumentada para valores sistólico ≥130 mmHg e/ou diastólico ≥85 mmHg, ou o uso de medicamento anti-hipertensivo; 5) perímetro da cintura elevado quando >90 cm para homens e >80 cm para mulheres (foram adotados pontos sugeridos para América Latina66. López-Jaramillo P, Sánchez RA, Díaz M, Cobos L, Bryce A, Parra-Carrillo JZ, Lizcano F, Lanas F, Sinay I, Sierra ID, Peñaherrera E, Bendersky M, Schmid H, Botero R, Urina M, Lara J, Foss MC, Márquez G, Harrap S, Ramírez AJ, Zanchetti A, em nome do Grupo de Especialistas da América Latina. Consenso latino-americano de hipertensão em pacientes com diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Arq Bras Endocrinol Metab 2014; 58(3):205-225..

As variáveis sociodemográficas foram: sexo (feminino, masculino), situação conjugal (com e sem cônjuge), grupo etário (<40 anos, >40 anos), escolaridade (< 5 anos, > 5 anos), situação laboral (sem remuneração, com remuneração).

As variáveis relativas ao estilo de vida (conforme questões validadas para adultos quilombolas)1717. Bezerra VM, Medeiros DS, Gomes KO, Souzas R, Giatti L, Steffens AP, Kochergin CN, Souza CL, Moura CS, Soares DA, Santos LRCS, Cardoso LGV, Oliveira MV, Martins PC, Neves OSC, Guimarães MDC. Inquérito de Saúde em Comunidades Quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil (Projeto COMQUISTA): aspectos metodológicos e análise descritiva. Cien Saude Colet 2014; 19(6):1835-1847. foram: tabagismo autorreferido (fumante, ex-fumante e nunca fumou), etilismo autorreferido (sim, não), qualidade do sono autorreferida (‘muito boa’ e ‘boa’ agrupadas como ‘boa qualidade’; ‘regular’ foi mantida como ‘regular’; e ‘ruim’ e ‘muito ruim’ agrupadas como ‘má qualidade’), atividade física do tempo livre (Nos últimos três meses, o(a) Sr.(a) praticou algum tipo de exercício físico ou esporte - fora fisioterapia? sim, não) comportamento sedentário (Em média, quantas horas p/dia o(a) Sr.(a) costuma assistir televisão? <3 horas/dia, >3horas/dia).

As variáveis relativas à situação de saúde foram: saúde autorreferida (‘muito boa’ e ‘boa’ agrupadas como positiva; ‘regular’; e ‘ruim’ e ‘muito ruim’ agrupadas como negativa), artrite/artrose autorreferida (sim, não), presença de deficiência autorreferida (física, visual e/ou auditiva – sim, não), conforme questões validadas para adultos quilombolas1717. Bezerra VM, Medeiros DS, Gomes KO, Souzas R, Giatti L, Steffens AP, Kochergin CN, Souza CL, Moura CS, Soares DA, Santos LRCS, Cardoso LGV, Oliveira MV, Martins PC, Neves OSC, Guimarães MDC. Inquérito de Saúde em Comunidades Quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil (Projeto COMQUISTA): aspectos metodológicos e análise descritiva. Cien Saude Colet 2014; 19(6):1835-1847.. Também foram determinados excesso de peso pelo Índice de Massa Corporal (IMC) (>25kg/m22. Marquez-Sandoval F, Macedo-Ojeda G, Viramontes-Horner D, Fernandez-Ballart JD, Salas Salvado J, Vizmanos B. The prevalence of metabolic syndrome in Latin America: a systematic review. Public Health Nutr 2011; 14(10):1702-1713. definindo ‘excesso de peso’, <25kg/m22. Marquez-Sandoval F, Macedo-Ojeda G, Viramontes-Horner D, Fernandez-Ballart JD, Salas Salvado J, Vizmanos B. The prevalence of metabolic syndrome in Latin America: a systematic review. Public Health Nutr 2011; 14(10):1702-1713. para ‘sem excesso de peso’) e obesidade por bioimpedância (>25% para homens e 30% para mulheres indicando ‘obesidade’, valores <25% para homens e <30 para mulheres para ‘sem obesidade’)1818. US Department of Health and Human Services, National Institutes of Health. Understanding Adult Obesity. WIN Weight-control Information Network: National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases (NIDDK) Web site. NIH Publication No. 06-3680. 2008. [acessado 2016 Nov 24]. Disponível em: https://healthfinder.gov/FindServices/Organizations/Organization.aspx?code=HR2455
https://healthfinder.gov/FindServices/Or...
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A população estudada foi caracterizada conforme as frequências absolutas e relativas das variáveis sociodemográficas, de estilo de vida e relativas á situação de saúde.

Para análise de associação dos preditores com a SM foram estimadas razões de prevalências (RP) a partir da regressão de Poisson. Inicialmente foram verificadas as RP brutas. As variáveis que apresentaram p-valor < 0,20 foram incluídas na análise múltipla. Nas análises ajustadas, seguiu-se o seguinte modelo hierarquizado: primeiro nível as variáveis sociodemográficas; segundo nível: variáveis do estilo de vida e; terceiro nível: situação de saúde (Figura 1). As variáveis que apresentaram p-valor < 0,05 no nível permaneceram nas outras etapas e mantendo-se até o modelo saturado. As magnitudes das associações foram estimadas pelo intervalo de confiança de 95%. Todas as análises foram realizadas no programa The Statistical Package for Social Sciences, versão 22.0.

Figura 1
Modelo hierarquizado para análise dos fatores associados à Síndrome Metabólica em adultos quilombolas.

Resultados

A SM foi prevalente em 25,8% (IC95%: 22,8:28,7) dos adultos quilombolas. 86,5% dos participantes se referiram negros, com mediana de 45,0 anos de idade, constituída predominantemente por mulheres (61,2%, IC95%: 57,9:64,5). Ocorreram 36 perdas para o %G, variável com o maior índice, 21 mulheres e 15 homens.

A análise bruta (Tabela 1) indicou maior prevalência da SM (p < 0,05) entre as mulheres, sujeitos idade > 40 anos, aqueles com < 5 anos de estudo. Quanto ao estilo de vida a síndrome foi mais associada a ser ex-fumante e má qualidade do sono. As variáveis da situação de saúde associadas à SM foram saúde autorreferida regular e negativa, ter diagnóstico de artrite, apresentar alguma deficiência, IMC indicador de excesso de peso corporal e %G indicador de obesidade generalizada.

Tabela 1
Razão de Prevalência (RP) da Síndrome Metabólica (SM) e seus intervalos de confiança de 95% (IC 95%) segundo variáveis sociodemográficas, estilo de vida e situação de saúde. Bahia, Brasil, 2016 (n = 850).

Na análise de regressão múltipla (Tabela 2), pelo modelo hierarquizado, após os ajustes, permaneceram independentemente associadas a SM as variáveis: sexo, grupo etário, qualidade do sono, excesso de peso e obesidade. Ressalta-se que sexo e qualidade do sono permaneceram no modelo saturado devido sua importância epidemiológica durante a análise em seu respectivo nível hierárquico.

Tabela 2
Análise de regressão de Poisson múltipla dos fatores associados à Síndrome Metabólica em adultos quilombolas. Bahia, Brasil, 2016.

Então, a análise ajustada indica que eleva-se em 1,24 vez a probabilidade das mulheres terem SM. Essa tendência de aumento da medida de associação é representada por 4,20 vezes maior para pessoas com idade > 40 anos, 1,40 vez maior entre aqueles que referiram má qualidade do sono, 1,63 vez maior nos indivíduos com excesso de peso e 3,48 vezes para aqueles obesos.

Discussão

Os principais achados deste estudo indicam que aproximadamente 1/4 dos participantes apresentaram SM. Ser do sexo feminino, ter idade >40 anos, relatar má qualidade do sono, apresentar excesso de peso corporal e ser obeso elevam significativamente a probabilidade do adulto quilombola apresentar SM.

As estimativas da frequência de SM contribuem no planejamento eficaz de estratégias para seu controle e de seus agravantes em uma determinada população1919. Al-Thani MH, Al-Thani AAM, Cheema S, Sheikh J, Mamtani R, Lowenfels AB, Al-Chetachi WF, Almalki BA, Khalifa SAH, Bakri AO, Maisonneuve P. Prevalence and determinants of metabolic syndrome in Qatar: results from a National Health Survey. BMJ Open 2016; 6:e009514. É provável que este seja o primeiro estudo que analisa este desfecho em amostra representativa de população quilombola de microrregião geoeconômica de Estado brasileiro.

Diante da alta prevalência encontrada em adultos quilombolas é fundamental ressaltar que a SM se associa com maiores riscos à saúde que a soma dos riscos relativos aos seus elementos isolados33. Vidigal FC, Bressan J, Babio N, Salas-Salvadó J. Prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adults: a systematic review. BMC Public Health 2013; 13(1198):1-10.. Este quadro pode ser agravado pela vulnerabilidade socioeconômica e restrito acesso aos serviços de saúde, duas características possivelmente presentes em algumas comunidades quilombolas.

A prevalência de SM encontrada nos adultos quilombolas se aproxima da menor frequência, 25,0%, encontrada na literatura que faz referência a América Latina22. Marquez-Sandoval F, Macedo-Ojeda G, Viramontes-Horner D, Fernandez-Ballart JD, Salas Salvado J, Vizmanos B. The prevalence of metabolic syndrome in Latin America: a systematic review. Public Health Nutr 2011; 14(10):1702-1713. e dos 26,2% para quilombolas maranhenses88. Barbosa MBL, Barbosa JB, Guerra LFA, Barbosa MFL, Barbosa FL, Barbosa RL, Guida DL, Martins ML, Bouskela E, Nascimento MDSB, Melo GSO, Castro MMS. Dyslipidemia and cardiovascular risk in Afro-descendants: a study of the Quilombola communities in Maranhão, Brazil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2015; 10(36):1-10.. No entanto, é um pouco menor que os 28,9% relatado como menor prevalência em brasileiros não-quilombolas33. Vidigal FC, Bressan J, Babio N, Salas-Salvadó J. Prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adults: a systematic review. BMC Public Health 2013; 13(1198):1-10. e, aproximadamente, metade dos 55,4% em quilombolas piauienses99. Aragão JA, Bós AJG, Coelho-de-Souza G. Síndrome Metabólica em adultos e idosos de comunidades quilombolas do centro-sul do Piauí, Brasil. Estud. Interdiscipl Envelhec 2014; 19(2):501-512..

Essas diferenças ou aproximações das prevalências de SM podem ser explicadas pelas diferenças entre os critérios adotados para o estabelecimento SM, reconhecido fator gerador de diferenças na estimação da sua prevalência33. Vidigal FC, Bressan J, Babio N, Salas-Salvadó J. Prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adults: a systematic review. BMC Public Health 2013; 13(1198):1-10.,66. López-Jaramillo P, Sánchez RA, Díaz M, Cobos L, Bryce A, Parra-Carrillo JZ, Lizcano F, Lanas F, Sinay I, Sierra ID, Peñaherrera E, Bendersky M, Schmid H, Botero R, Urina M, Lara J, Foss MC, Márquez G, Harrap S, Ramírez AJ, Zanchetti A, em nome do Grupo de Especialistas da América Latina. Consenso latino-americano de hipertensão em pacientes com diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Arq Bras Endocrinol Metab 2014; 58(3):205-225.. Por exemplo, recentes estudos com quilombolas88. Barbosa MBL, Barbosa JB, Guerra LFA, Barbosa MFL, Barbosa FL, Barbosa RL, Guida DL, Martins ML, Bouskela E, Nascimento MDSB, Melo GSO, Castro MMS. Dyslipidemia and cardiovascular risk in Afro-descendants: a study of the Quilombola communities in Maranhão, Brazil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2015; 10(36):1-10.,99. Aragão JA, Bós AJG, Coelho-de-Souza G. Síndrome Metabólica em adultos e idosos de comunidades quilombolas do centro-sul do Piauí, Brasil. Estud. Interdiscipl Envelhec 2014; 19(2):501-512. utilizaram o critério da National Cholesterol Education - Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III) que emprega pontos de corte para obesidade central definidos para populações predominantemente caucasianas. Já esta investigação usa o critério Joint Interim Statement que indica a utilização de pontos de corte, o mais específicos possível, para a população analisada11. Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation 2009; 120(16):1640-1645..

Neste sentido, diante da ausência de pontos de corte de obesidade central específicos para população quilombola, negra e/ou brasileira, foram utilizados os sugeridos para população da América Latina66. López-Jaramillo P, Sánchez RA, Díaz M, Cobos L, Bryce A, Parra-Carrillo JZ, Lizcano F, Lanas F, Sinay I, Sierra ID, Peñaherrera E, Bendersky M, Schmid H, Botero R, Urina M, Lara J, Foss MC, Márquez G, Harrap S, Ramírez AJ, Zanchetti A, em nome do Grupo de Especialistas da América Latina. Consenso latino-americano de hipertensão em pacientes com diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Arq Bras Endocrinol Metab 2014; 58(3):205-225., menores que os sugeridos pelo critério da NCEP-ATP III. Ressalta-se que esta diferença nos pontos de corte podem ter gerado subnotificação de casos em outras pesquisas com quilombolas.

Conforme encontrado nesta investigação, revisão de estudos brasileiros33. Vidigal FC, Bressan J, Babio N, Salas-Salvadó J. Prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adults: a systematic review. BMC Public Health 2013; 13(1198):1-10., levantamento na América Central2020. Wong-McClure RA, Gregg EW, Barceló A, Lee K, Abarca-Gómez L, Sanabria-López L, Tortós-Guzmán J. Prevalence of metabolic syndrome in Central America: a cross-sectional population-based study. Rev Panam Salud Publica 2015; 38(3):202-208., metanálise de estudos da América Latina22. Marquez-Sandoval F, Macedo-Ojeda G, Viramontes-Horner D, Fernandez-Ballart JD, Salas Salvado J, Vizmanos B. The prevalence of metabolic syndrome in Latin America: a systematic review. Public Health Nutr 2011; 14(10):1702-1713. e pesquisas com quilombolas88. Barbosa MBL, Barbosa JB, Guerra LFA, Barbosa MFL, Barbosa FL, Barbosa RL, Guida DL, Martins ML, Bouskela E, Nascimento MDSB, Melo GSO, Castro MMS. Dyslipidemia and cardiovascular risk in Afro-descendants: a study of the Quilombola communities in Maranhão, Brazil. Rev Bras Med Fam Comunidade 2015; 10(36):1-10.,99. Aragão JA, Bós AJG, Coelho-de-Souza G. Síndrome Metabólica em adultos e idosos de comunidades quilombolas do centro-sul do Piauí, Brasil. Estud. Interdiscipl Envelhec 2014; 19(2):501-512. também identificaram associação da SM com o sexo feminino. Neste sentido, é reconhecido que as mulheres são sensíveis à alterações hormonais que se relacionam com alterações metabólicas2121. Glueck CJ, Morrison JA, Wang P, Woo JG. Early and late menarche are associated with oligomenorrhea and predict metabolic syndrome 26 years later. Metabolism 2013; 62(11):1597-1606. que podem desencadear maior acúmulo de gordura corporal, considerada componente fundamental para o desenvolvimento da SM.

Os achados apresentados neste artigo também corrobora a revisão de estudos brasileiros33. Vidigal FC, Bressan J, Babio N, Salas-Salvadó J. Prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adults: a systematic review. BMC Public Health 2013; 13(1198):1-10. e da América Latina22. Marquez-Sandoval F, Macedo-Ojeda G, Viramontes-Horner D, Fernandez-Ballart JD, Salas Salvado J, Vizmanos B. The prevalence of metabolic syndrome in Latin America: a systematic review. Public Health Nutr 2011; 14(10):1702-1713., inquérito telefônico das capitais brasileiras2222. Sá NNB, Moura EC. Fatores associados à carga de doenças da síndrome metabólica entre adultos brasileiros. Cad Saude Publica 2010; 26(9):1853-1862. e pesquisa com quilombolas piauienses99. Aragão JA, Bós AJG, Coelho-de-Souza G. Síndrome Metabólica em adultos e idosos de comunidades quilombolas do centro-sul do Piauí, Brasil. Estud. Interdiscipl Envelhec 2014; 19(2):501-512. ao identificar associação entre a SM e maiores idades. O envelhecimento promove uma diminuição funcional natural do metabolismo2323. Veronica G, Esther RM. Aging, Metabolic Syndrome and the Heart. Aging Dis 2012; 3(3):269-279.,2424. Rocha FL, Melo RLP, Menezes TN. Factors associated with metabolic syndrome among the elderly in the northeast of Brazil. Rev Bras Geriatr Gerontol 2016; 19(6):978-986., que amplificam a probabilidade do acúmulo de gordura, resistência à insulina, processos inflamatórios e elevação da pressão arterial que interagem e potencializam o risco para o adoecimento.

Conforme identificado na população quilombola, estudos internacionais também apontam para associação entre problemas do sono e SM2525. Hayley AC, Williams LJ, Kennedy GA, Berk M, Brennan SL, Pasco JA. Excessive daytime sleepiness and metabolic syndrome: a cross-sectional study. Metabolism 2015; 64(2):244-252.,2626. Ohkuma T, Fujii H, Iwase M, Ogata-Kaizu S, Ide H, Kikuchi Y, Idewaki Y, Jodai T, Hirakawa Y, Nakamura U, Kitazono T. U-shaped association of sleep duration with metabolic syndrome and insulin resistance in patients with type 2 diabetes: The Fukuoka Diabetes Registry. Metabolism 2014; 63(4):484-491. É reconhecido que a má qualidade do sono modifica negativamente o funcionamento metabólico2727. Araújo MFM, Lima ACS, Alencar AMPG, Araújo TM, Fragoaso LVC, Damasceno MMC. Avaliação da qualidade do sono de estudantes universitários de Fortaleza-CE. Texto Contexto Enferm 2013; 22(2):352-360., promovendo alterações hormonais que potencializam o estresse orgânico que se relacionam com crescimento da prevalência de doenças crônicas não-transmissíveis.

Tanto o excesso de peso, pelo IMC, como a obesidade, pelo %G, apresentaram-se como importantes fatores associados à SM em quilombolas. Mas, a obesidade demonstrou maior capacidade preditiva da SM. Estes resultados legitimam a compreensão de que aumentos do peso e da gordura são importantes fatores preditores do adoecimento e mortalidade2828. Patel P, Abate N. Body fat distribution an insulin resistance. Nutrients 2013; 5(6):2019-2027.,2929. Boggs DA, Rosenberg L, Cozier YC, Wise LA, Coogan PF, Ruiz-Narvaez EA, Palmer JR. General and abdominal obesity and risk of death among Black women. N Engl J Med 2011; 365(10):901-908..

Pesquisa em adultos das capitais brasileiras2222. Sá NNB, Moura EC. Fatores associados à carga de doenças da síndrome metabólica entre adultos brasileiros. Cad Saude Publica 2010; 26(9):1853-1862. e em quilombolas piauienses99. Aragão JA, Bós AJG, Coelho-de-Souza G. Síndrome Metabólica em adultos e idosos de comunidades quilombolas do centro-sul do Piauí, Brasil. Estud. Interdiscipl Envelhec 2014; 19(2):501-512. também identificaram associação da SM com excesso de peso. Todavia, levantamento de estudos apontou que este fator representa risco mais importante para adoecimento e morte em caucasianos que em negros2929. Boggs DA, Rosenberg L, Cozier YC, Wise LA, Coogan PF, Ruiz-Narvaez EA, Palmer JR. General and abdominal obesity and risk of death among Black women. N Engl J Med 2011; 365(10):901-908., o que pode explicar parcialmente a melhor associação com a obesidade, por bioimpedância, com a SM desta pesquisa.

Altas prevalências de SM vêm sendo descritas, no entanto, seus componentes são sensíveis às modificações positivas no estilo de vida, redução de peso e gordura corporal66. López-Jaramillo P, Sánchez RA, Díaz M, Cobos L, Bryce A, Parra-Carrillo JZ, Lizcano F, Lanas F, Sinay I, Sierra ID, Peñaherrera E, Bendersky M, Schmid H, Botero R, Urina M, Lara J, Foss MC, Márquez G, Harrap S, Ramírez AJ, Zanchetti A, em nome do Grupo de Especialistas da América Latina. Consenso latino-americano de hipertensão em pacientes com diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Arq Bras Endocrinol Metab 2014; 58(3):205-225., estratégias que devem ser aplicadas anterior ou concomitantemente ao tratamento farmacológico.

O delineamento transversal, que não permite a compreensão da causalidade entre o desfecho e as variáveis explicativas, é uma limitação desta análise. Também deve ser considerada a possibilidade de viés de compreensão e de memória dos sujeitos, no entanto, para sua minimização foi realizada padronização da técnica e treinamento da equipe de entrevistadores.

Dentre os pontos fortes da investigação citam-se que em âmbito nacional, o presente estudo inclui-se entre os poucos realizados em grupamentos quilombolas rurais; a robustez da amostra representativa de população regional, mesmo diante da complexa logística de visitação em ampla área geográfica; o atendimento, inclusive com análises sanguíneas laboratoriais, de algumas comunidades com cobertura do serviço de saúde insuficiente para sua demanda; e, a constituição de informações que poderão auxiliar na elaboração de ações para combate e prevenção dos fatores de risco à saúde.

Conclusão

Foi identificada presença de SM em 1 em cada 4 adultos quilombolas, associada a fatores sociodemográficos (mulheres e maiores idades), do estilo de vida (má qualidade do sono) e relacionadas à situação de saúde (excesso de peso e obesidade). A situação indica a necessidade de mais e melhores ações preventivas e corretivas para a minimização do agravamento do quadro epidemiológico, eminentemente aqueles relacionados ao diagnóstico precoce e do tratamento da SM e seus componentes.

Então, a ampliação e manutenção do acesso às políticas e serviços públicos de saúde e no campo do desenvolvimento socioeconômico certamente influenciariam positivamente nas condições de vida e saúde das comunidades quilombolas.

Agradecimentos

Agradecemos às Associações de Moradores das Comunidades Quilombolas que aceitaram participar do estudo e colaboraram com a logística local das coletas. Agradecemos à Universidade do Estado da Bahia pela bolsa doutoral do professor RFFM. Também agradecemos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pelo financiamento do Doutorado Interinstitucional (DINTER – UESC/UFSC) por meio do Edital 013/CAPES/2012.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Jul 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2017
  • Revisado
    19 Out 2017
  • Aceito
    21 Out 2017
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