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Esterilização de limas endodônticas com plasma de oxigênio

Sterilization of endodontic files with oxygen plasma

Resumos

No presente trabalho, analisou-se a eficácia de uma nova técnica de esterilização de instrumental odontológico. Limas endodônticas contaminadas com Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus foram esterilizadas em plasma de oxigênio formado através de uma descarga elétrica contínua de 75 mA. Os resultados demonstraram efetiva eliminação dos microrganismos testados, utilizando-se um processo a baixas temperaturas e em tempos menores que os preconizados para processos convencionais (forno de Pasteur e autoclave). Microrganismos gram-negativos foram destruídos em 1 minuto de exposição e gram-positivos em 10 minutos.

Esterilização; Oxigênio


The present paper reports the effectiveness of a new sterilization technique for endodontic files contaminated with Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa and Staphylococcus aureus in oxygen plasma formed through a continuous electric discharge of 75 mA. The results demonstrated effective elimination of the tested microorganisms, using a process in low temperatures and which requires less time than that established for conventional processes (Pasteur’s oven and autoclave). Gram-positive microorganisms such as Staphylococcus aureus, require more time of plasma bombardment than Gram-negative microorganisms. Files contaminated with Pseudomonas aeruginosa and Escherichia coli were sterilized within a 1-minute exposure, while Staphylococcus aureus required 10 minutes.

Sterilization; Oxygen


Endodontia

Esterilização de limas endodônticas com plasma de oxigênio

Sterilization of endodontic files with oxygen plasma

Mariko UENO* * Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté.

Wilfredo Milquiades Irrazabal URRUCHI** * Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté.

Antonio Olavo Cardoso JORGE*** * Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté.

Choyu OTANI** * Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté.

Homero Santiago MACIEL** * Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté.

UENO, M.; URRUCHI, W. M. I.; JORGE, A. O. C.; OTANI, C.; MACIEL, H. S. Esterilização de limas endodônticas com plasma de oxigênio. Pesqui Odontol Bras, v. 14, n. 3, p. 205-208, jul./set. 2000.

No presente trabalho, analisou-se a eficácia de uma nova técnica de esterilização de instrumental odontológico. Limas endodônticas contaminadas com Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus foram esterilizadas em plasma de oxigênio formado através de uma descarga elétrica contínua de 75 mA. Os resultados demonstraram efetiva eliminação dos microrganismos testados, utilizando-se um processo a baixas temperaturas e em tempos menores que os preconizados para processos convencionais (forno de Pasteur e autoclave). Microrganismos gram-negativos foram destruídos em 1 minuto de exposição e gram-positivos em 10 minutos.

UNITERMOS: Esterilização; Oxigênio.

INTRODUÇÃO

A utilização de descarga de plasma é um dos novos desenvolvimentos na área de esterilização. Esta técnica apresenta algumas vantagens quando comparada com as técnicas de calor seco e calor úmido rotineiramente utilizadas em Odontologia5,7. As principais vantagens são as baixas temperaturas, o menor tempo de esterilização e a pureza ecológica, sendo este método efetivo na destruição de bactérias4,9 e de vírus11.

No autoclave utiliza-se vapor de água saturado sob pressão e a esterilização ocorre à temperatura de 121ºC por um período de 15 a 30 minutos. Nos aparelhos de autovácuo, utiliza-se 132 a 136ºC por 4 a 6 minutos de ciclo de esterilização. Considerando-se o período para aquecer o aparelho e o período para secagem e resfriamento, o autoclave demora de 60 a 90 minutos no aparelho convencional e de 30 a 60 minutos no de autovácuo. A estufa utiliza calor seco para esterilização, necessitando de um período de 60 minutos a 170ºC, o que denota período de 90 a 120 minutos para cada ciclo completo5,12.

Plasma pode ser produzido pela exposição da matéria no estado gasoso a um campo elétrico ou magnético. Quando o campo elétrico é aplicado ao substrato gasoso, elétrons são retirados dos átomos das moléculas de gás, como resultado formam-se partículas carregadas, íons, radicais livres, partículas neutras e elétrons. Os radicais livres são altamente reativos e são capazes de reagir com componentes celulares vitais, como proteínas, enzimas, membrana citoplasmática e ácidos nucléicos. Dependendo do grau dessas interações, pode ocorrer a interrupção das funções vitais dos microrganismos, e então a aplicação desta nova tecnologia tem sido desenvolvida como uma nova técnica de esterilização.

As vantagens parecem ir além da baixa temperatura de processo e menor tempo de exposição; estudos histológicos demonstraram que superfícies de titânio, utilizado para implantes odontológicos, têm maior aderência dos fibroblastos quando esses núcleos são esterilizados por plasma em detrimento da esterilização por autoclave10.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizadas 240 limas endodônticas tipo Kerr (Maillefer), divididas em 30 grupos contendo 8 limas cada, sendo uma de cada número de série (8, 10, 15, 20, 25, 30, 35 e 40), todas de 21 mm de comprimento. Dez grupos foram contaminados com cultura de 18 horas de incubação em caldo infusão de cérebro e coração (BHI, Difco) de Staphylococcus aureus (ATCC 6538), dez com Pseudomonas aeruginosa (ATCC 15442) e dez com Escherichia coli (ATCC 25922), respectivamente. Dois grupos contaminados com cada microrganismo foram submetidos ao procedimento de esterilização nos tempos de 0, 1, 2, 5 e 10 minutos, colocando-se cada grupo de lima em uma cesta metálica de aço inoxidável perfurada, um grupo na coluna positiva e outro na câmara de expansão do aparelho.

O procedimento de esterilização foi realizado utilizando-se plasma produzido numa expansão de gás oxigênio mediante uma descarga elétrica contínua de 75 mA, no Laboratório de Plasma do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), São José dos Campos, SP. Foram expostas na coluna fonte e na câmara de expansão (Figura 1), em diferentes tempos de exposição e, posteriormente, as limas foram transferidas para tubos contendo caldo infusão de cérebro e coração (BHI, Difco) e incubadas a 37ºC por 48 horas. Após incubação, o crescimento foi observado pela turvação do meio e, quando positivo, foi confirmado por meio de coloração de Gram e identificação em nível de espécie, dos microrganismos testados.


O jato de plasma foi produzido por uma descarga elétrica luminescente em um gás em expansão. A expansão do gás foi produzida pela diferença de pressão entre duas câmaras comunicadas através de um orifício central. A descarga elétrica foi produzida entre o cátodo localizado na câmara fonte e o ânodo nas paredes da câmara de expansão, produzindo dessa forma um plasma estacionário na câmara fonte e um jato de plasma na câmara de expansão. Foram estabelecidas as seguintes condições de operação: pressão do gás de 133 Pa no tubo de descarga, 25 Pa na câmara de expansão e corrente da descarga de 75 mA. A temperatura atingida foi de 76ºC para exposição na câmara de expansão e de 80ºC na coluna positiva, quando o tratamento foi de 15 minutos.

O aparelho apresenta uma câmara fonte que consiste de um tubo de vidro de 26 mm de diâmetro interno e 250 mm de comprimento, terminado em um orifício central de 1 mm de diâmetro. O orifício interliga o tubo com a câmara de expansão de 140 mm de diâmetro interno e 300 mm de comprimento (Figura 1).

O tubo é diferencialmente bombeado por uma bomba mecânica EM18. Sensores de pressão são utilizados para medir as pressões na câmara fonte e na câmara de expansão. A entrada do gás foi controlada por um fluxímetro.

A ignição da descarga elétrica foi feita do cátodo para o ânodo, dando origem a uma região bastante luminosa no tubo descarga, conhecida como a coluna positiva, e a um jato da plasma de baixa intensidade luminosa.

RESULTADOS

Os resultados da utilização do plasma de oxigênio para esterilização de limas endodônticas, em diferentes tempos e para três microrganismos, estão apresentados na Tabela 1, quando as limas foram colocadas na coluna positiva do aparelho. Podemos observar nesta tabela que o tempo de 1 minuto de exposição foi necessário para esterilizar os materiais contaminados com bactérias gram-negativas (E. coli e P. aeruginosa). Para S. aureus, houve a necessidade de exposição ao plasma por, no mínimo, 5 minutos para haver esterilização. Quando as limas endodônticas foram colocadas na câmara de expansão do aparelho (Tabela 2), não houve diferença no tempo para ocorrer a destruição dos microrganismos gram-negativos testados, entretanto, para microrganismos gram-positivos (S. aureus), o tempo necessário foi de 10 minutos.

DISCUSSÃO

As limas endodônticas são constituídas de cabo de plástico e ponta ativa de aço inoxidável, são pontiagudas e possui superfícies cortantes e reentrâncias. As limas tipo Kerr, utilizadas no presente trabalho, são instrumentos que se originam de uma haste de secção quadrangular torcida, apresentando quatro arestas. A distância entre as arestas ao longo do instrumento é de 300 mm nos mais finos a 1.200 mm nos mais calibrosos. As arestas espirais constituem lâminas afiladas de 90º a 60º e dispõem-se inclinadas ao longo do instrumento1,3,13. Essa superfície irregular não protegeu, entretanto, os microrganismos da ação do plasma. Os tempos necessários para a destruição dos microrganismos nessas limas (Tabelas 1 e 2) foram muito semelhantes à exposição necessária para a destruição de microrganismos em estruturas planas de aço inoxidável14.

As diversas partículas originadas no plasma devem agir oxidando e destruindo diversas estruturas celulares. A primeira ação parece ocorrer na parede celular e é mais efetiva contra os microrganismos gram-negativos, já que exposição de 1 minuto destruiu células de P. aeruginosa e E. coli, o que não ocorreu com o microrganismo gram-positivo S. aureus, que necessitou de 5 ou 10 minutos de exposição.

Redução de 6 ciclos logarítmicos do número de unidades formadoras de colônia (log de ufc) foi obtido quando material cirúrgico de aço inoxidável foi submetido ao tratamento com plasma2. Redução semelhante foi obtida ao se expor, por 30 segundos, amostras de polipropileno contaminado com E. coli e S. aureus6, Mycobacterium tuberculosis, P. aeruginosa, Clostridium perfringens e Clostridium tetani8.

A parede celular de células gram-positivas é constituída de espessa camada (100 hm) rígida de peptideoglicano, suportando pressão interna de 30 atmosferas, que protege a membrana citoplasmática e as enzimas bacterianas essenciais ao metabolismo. Por outro lado, a parede celular ou a membrana externa das bactérias gram-negativas é constituída de: fina camada de peptideoglicano, lipoproteína, proteínas, bicamada de fosfolipídeo e lipoproteína (LPS). Apesar da composição química mais complexa, é mais delgada (100 mm) e delicada, suportando apenas 10 atmosferas de pressão interna. Assim, a sensibilidade à ação do plasma deve ser em decorrência da maior interação de íons, elétrons e radicais livres com os lipídeos presentes em grandes quantidades na parede celular dos gram-negativos. Além disso, a fina camada de peptideoglicano é insuficiente para bloquear a passagem de íons, radicais livres e elétrons, gerados pelo plasma que terá caminho livre para entrar e interagir com os lipídeos da membrana citoplasmática e/ou constituintes do citoplasma.

O plasma de oxigênio foi capaz de destruir os microrganismos em teste na superfície de limas endodônticas. Não ocorreu qualquer alteração estrutural visível tanto na parte ativa como no cabo plástico do instrumento. A utilização de plasma de oxigênio para esterilização de limas endodônticas parece oferecer boa alternativa na esterilização desses instrumentos em Odontologia. A utilização de plasma requer curto tempo de exposição, é prática e sobretudo é vantajosa pela possibilidade de o plasma ser utilizado em materiais que não podem ser submetidos ao calor, tais como, materiais cirúrgicos, materiais que têm partes de borracha, látex, adesivos, etc.

Novos experimentos e pesquisas mais aprofundadas deste processo são necessários, sobretudo estudo detalhado que possa apresentar dados sobre os requisitos necessários ao plasma para a destruição de bactérias gram-positivas, esporos bacterianos, mofos e leveduras; a relação da quantidade mínima de plasma e da densidade celular; o processo biológico afetado pelo plasma e qual a real causa da morte bacteriana.

CONCLUSÃO

O plasma de oxigênio apresenta potencial esterilizante bastante efetivo, uma vez que destruiu os microrganismos testados em tempo mínimo de 10 minutos.

O plasma é capaz de esterilizar a temperaturas mais baixas e em menor tempo que os métodos convencionais.

UENO, M.; URRUCHI, W. M. I.; JORGE, A. O. C.; OTANI, C.; MACIEL, H. S. Sterilization of endodontic files with oxygen plasma. Pesqui Odontol Bras, v. 14, n. 3, p. 205-208, jul./set. 2000.

The present paper reports the effectiveness of a new sterilization technique for endodontic files contaminated with Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa and Staphylococcus aureus in oxygen plasma formed through a continuous electric discharge of 75 mA. The results demonstrated effective elimination of the tested microorganisms, using a process in low temperatures and which requires less time than that established for conventional processes (Pasteur’s oven and autoclave). Gram-positive microorganisms such as Staphylococcus aureus, require more time of plasma bombardment than Gram-negative microorganisms. Files contaminated with Pseudomonas aeruginosa and Escherichia coli were sterilized within a 1-minute exposure, while Staphylococcus aureus required 10 minutes.

UNITERMS: Sterilization; Oxygen.

Recebido para publicação em 13/09/99

Enviado para reformulação em 11/04/00

Aceito para publicação em 29/05/00

** Departamento de Física do Instituto Tecnológico da Aeronáutica.

*** Departamento de Biopatologia e Diagnóstico da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos da UNESP.

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  • *
    Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Revisado
      11 Abr 2000
    • Recebido
      13 Set 1999
    • Aceito
      29 Maio 2000
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