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Por que o céu é escuro à noite? Considerações geométricas com um olhar histórico e pedagógico do paradoxo de Olbers

Why is the sky dark at night? Geometric considerations with a historical and pedagogical look at the Olbers paradox

Resumos

Apresentamos o paradoxo de Olbers e algumas propostas de soluções com argumentos geométricos baseados em modelos cosmológicos e astrofísicos simples. Um cálculo do esplendor do céu, pouco conhecido, mostra que a contribuição da expansão do Universo à escuridão da noite é responsável por pouco mais do que a metade do efeito, sendo o restante explicado pela baixa distribuição de estrelas (e galáxias) que brilham por um tempo finito no Universo. Este assunto pode ser explorado no Ensino Médio ou na Graduação de forma instigante, interdisciplinar e histórica.

Palavras-chave
Olbers; Céu escuro; Cosmologia


We present the Olbers paradox and some proposals for its solutions with geometric arguments based on simple cosmological and astrophysical models. A little-known sky splendor calculation shows that the Universe expansion to the night darkness is responsible for little more than half of the effect; the remainder comes from the low distribution of stars (and galaxies) that shine during a finite time in the Universe. High school or undergraduate teachers can explore this subject in an instigating, interdisciplinary, and historical way.

Keywords
Cosmology; Sky Darkness; Olbers Paradox


1. Introdução

Por que o céu é escuro à noite? Pode ser uma pergunta para o início de atividade ou aula de física ou matemática. Simples, mas esta pergunta foi feita por diversos pensadores e cientistas de maneiras diferentes e também respondidas por alguns cientistas, filósofos e poetas, de formas distintas [11. E. Harrison, A Escuridão da Noite—Um Enigma do Universo (Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1987)., 22. P. Pesic, American Journal of Physics 66, 1013 (1998).]. Nem todas as respostas estavam em acordo com a cosmologia e Astronomia modernas, mas são interessantes do ponto de vista de construção de conhecimento, de lógica e da história da ciência, sendo apropriadas para atividades de ensino. Atualmente não há muitas dúvidas em relação à escuridão da noite, mas o assunto foi considerado [33. J. Al-Khalili, Paradox: the nine greatest enigmas in physics (Broadway, New York, 2012), 1a ed., 44. J. Al-Khalili, Paradoxo. Os Nove Maiores Enigmas da Ciência (Fundamento, Curitiba, 2015), 1a ed., 43–64] paradoxal, chamado Paradoxo de Olbers (PO) [55. P.S. Wesson, JBAA 99, 10 (1989).].

Queremos retomar o PO com aspectos que podem ser explorados no Ensino, de forma multidisciplinar, por docentes da Educação Básica ou Superior.

Alguns livros de cosmologia e textos de divulgação [66. I. Nicolson, Gravidade, Buracos Negros e o Universo (Francisco Alves Ed., Rio de Janeiro, 1983).] com soluções ao PO realçam mais a observada expansão do Universo do que alguns aspectos geométricos simples. A expansão cosmológica certamente contribui para resolver o PO, mas não é necessária nem suficiente, do ponto de vista qualitativo e lógico.

Por completude vamos apresentar na Seção 2 2. O Paradoxo de Olbers Quando se observa o céu à noite sem nuvens vemos os astros luminosos, algumas vezes a Lua e alguns planetas; todos muito menos brilhantes do que o Sol durante o dia. Foi assim que a humanidade se desenvolveu com a noite relativamente escura em contraste ao dia clareado pelo Sol. À medida que a Astronomia se desenvolveu, o conceito de que o Universo, que contém todos os astros, parece não ter fronteira nem fim se tornaram consensuais. Sabemos [7] que cientistas desde o século XVII, e provavelmente muitos pensadores antes desta época, tinham discutido, questionado e tentado resolver o PO explicitado da seguinte maneira: Paradoxo 1. Em um Universo eterno e sem fim, devem existir infinitas estrelas e assim, para onde o seu olhar apontasse, encontraria uma estrela. Isto é, não haveria local no céu sem a luminosidade de uma estrela. Então, por que o céu é predominantemente escuro à noite? Universo eterno e sem fim implica idade e tamanho infinitos, nem sempre consensuais entre cientistas, filósofos e religiosos [8, p. 109–114]. E as estrelas também seriam eternas. Há versões mais sintéticas e outras mais elaboradas do que o Paradoxo 1 que não menciona, por exemplo, a distribuição das estrelas. No entanto, vários pensadores incluíram a hipótese de distribuições homogêneas ou aleatórias das estrelas no Universo. E algumas palavras devem ser mais elaboradas, conceitualmente. O PO faz três menções ao infinito. Enfatizamos que infinito não é um número e sim um conceito que a nossa abstração constrói. No PO temos dois tipos de infinitos envolvidos. O infinito enumerável que dá a cardinalidade do conjunto dos números naturais e o infinito não enumerável que caracteriza os números reais. O infinito enumerável está associado à contagem das estrelas, enquanto o não enumerável aparece nas ideias de eternidade e de tamanho infinitos do Universo. Há várias soluções possíveis ao PO. Do ponto de vista lógico, claramente há erro(s) em uma ou mais hipóteses, explicitadas ou não, no PO. Vamos tirar a claridade diurna devida a difusão da luz solar pela atmosfera de nossa discussão. Não fosse a atmosfera veríamos, mesmo de dia, céu predominante escuro exceto na direção e sentido explícitos do Sol ou das estrelas. Com essa explicação a pergunta do PO é ainda mais simples: Paradoxo 2. Se o Universo é eterno, infinito e tem uma quantidade infinita de estrelas eternas, por que vemos regiões do céu majoritariamente sem luz, escuras? Muito do que vemos ao olho nu à noite são galáxias e não estrelas isoladas. Isto não muda nem a essência do PO nem o desenvolvimento das soluções, pois nos interessa primordialmente a luminosidade que nos chega, a luminosidade aparente. Não importa tampouco entrar em detalhes que diferenciam a luz visível de outras formas de energia eletromagnética, como raios-x e infravermelho. Para Olbers, alguma coisa absorveria a luz das estrelas muito distantes. Sabemos agora que, mais cedo ou mais tarde esta coisa iria emitir alguma luz também, pois não poderia acumular a energia luminosa indefinidamente [8, p. 114]. Uma reformulação do PO foi apresentada de forma mais geométrica: Paradoxo 3. No céu noturno povoado de estrelas de mesmo de brilho, por simplicidade, a contribuição de brilho médio pelas estrelas a uma distância r qualquer apareceria ser a mesma, uma vez que a quantidade de estrelas, que cresce como a área, r2, iria compensar a queda no brilho aparente que diminui com o inverso da distância ao quadrado 1/r2 [2]. Lord Kelvin propôs [7, p. 227] em 1901 uma solução lúcida e sucinta com base nos conhecimentos de Astronomia da época: O tempo de vida das estrelas é muito curto para o céu parecer tão brilhante quanto o paradoxo de Olbers sugeriria. Convém enfatizar a importância do simples questionamento de Olbers no desenvolvimento científico. Apresentamos a seguir uma breve biografia de Olbers. o PO em detalhes suficientes para docentes terem material de partida para o desenvolvimento de atividades escolares e/ou acadêmicas. Na Seção 4 4. Algumas Soluções ao Problema de Olbers Kepler (1571–1630) e Halley (1656–1742) consideraram o PO antes de Olbers publicar sua análise em 1826, mas vamos apresentar primeiro a proposta de Allan Poe. 4.1. Allan Poe O poeta Edgar Allan Poe, que tinha muito interesse em ciências em geral, publicou em 1848 um poema em prosa intitulado Eureka [12], um “ensaio sobre o universo material e espiritual” em que apresenta sua cosmologia com um universo visível e finito de estrelas que ocupam um espaço finito em um Universo sem fim: Ao falar do que está ordinariamente implícito na expressão “Universo”, eu usarei a frase limitante: “o universo de estrelas” [12, p. 11]. E sem mencionar Olbers, Allan Poe propõe uma solução ao PO: Fosse a sequência de estrelas sem fim, então o fundo do céu iria nos apresentar uma luminosidade uniforme, como a exibida pela Galáxia—porque não poderia haver absolutamente nenhum ponto, em todo este fundo, no qual não existiria uma estrela. A única maneira, portanto, em que, em tal estado de coisas, poderíamos compreender os vazios que nossos telescópios encontram em direções inumeráveis, seria supondo tão imensa a distância do fundo invisível e nós que nenhum raio de lá teria sido sequer capaz de chegar até nós ainda [12, p. 128–129]. Allan Poe então pensa que vemos uma quantidade finita de estrelas, mas deixa a possibilidade que mais estrelas sejam visíveis à medida que a luz proveniente destas estrelas distantes chegue até nós. Ademais, se o Universo de estrelas tivesse infinitas estrelas eternamente brilhantes, teríamos recebido luz de infinitas estrelas, mesmo considerando a velocidade finita de propagação da luz. Assim, implicitamente, o Universo de Allan Poe tem um início e/ou as estrelas não brilham eternamente. Ele não considera movimento algum das estrelas e neste sentido, o Universo seria estático. Do ponto de vista lógico, em essência qualitativa, a solução de Allan Poe é suficiente para resolver o PO, sem entrar em detalhes quantitativos, sem cálculos, com a devida licença poética. Para se perceber que a quantidade finita de estrelas visíveis é logicamente suficiente para resolver o PO, considere o seguinte problema matemático idealizado: Seja um conjunto finito de N pontos matemáticos distribuídos de forma aleatória em um plano Cartesiano com as coordenadas (xi,yi), i = 1,2,…,N. É fácil definir o centro geométrico O desta distribuição e assim a distância média D dos pontos em relação ao ponto O. Defina então um círculo de raio D e imagine uma projeção radial de todos os pontos na circunferência de raio D. Proposição É possível cobrir todos os pontos da circunferência com os pontos das projeções? Não. Demonstração.Principal argumento: Os pontos projetados na circunferência formam um conjunto finito enquanto os pontos da circunferência formam um conjunto infinito não enumerável. □ Assim, vai existir, hipotética e abstratamente, semirretas partindo de O que cruzam a circunferência sem passar por nenhum dos pontos da distribuição. Convença-se e deixe os alunos(as) se convencerem da proposição e da demonstração. A Figura 1 deve ser usada com cautela e apenas para garantir o entendimento do texto da proposição, pois do gráfico inevitavelmente inferimos tamanhos para os pontos, para os segmentos de retas e para o arco do círculo, mas todos estes elementos devem ser pensados sem dimensão nem tamanho algum. Figura 1 24 pontos distribuídos aleatoriamente no plano Cartesiano. Do centro geométrico partem semirretas que passam pelos 24 pontos e cruzam a circunferência. Os pontos de interseção das semirretas e a circunferência são os pontos de projeção. A proposição é demonstrada com o argumento que estes pontos de projeção não preenchem todos os pontos das circunferências e assim, sempre existirão semirretas partindo do centro sem passar por nenhum dos 24 pontos. O argumento não depende da quantidade explícita de pontos, basta ser uma quantidade finita de pontos distribuídos no plano. Segue o mesmo argumento para uma quantidade finita de pontos distribuídos aleatoriamente no espaço tridimensional Euclidiano e semirretas partindo do centro geométrico que cruzariam uma superfície esférica de raio médio dado pela distância média dos pontos ao centro geométrico. Imagine assim, um observador no centro geométrico e os pontos como hipotéticas estrelas vistas na “abóbada” celeste. Apesar de ser abstrato, do ponto de vista lógico, este é o principal argumento de Allan Poe: haveria uma quantidade finita de estrelas que podemos ver e, portanto haveriam direções no céu que não teria luz alguma vinda de estrelas, determinando assim uma escuridão relativa. O que mudaria na argumentação se tivermos círculos (esferas) de tamanhos finitos no lugar de ponto matemáticos distribuídos no plano Cartesiano (espaço Euclidiano)? Allan Poe, como astrônomo amador sabia que as estrelas são astros similares ao nosso Sol, uma bola “de fogo” aproximadamente esférica. Veja a Figura 2, em duas dimensões, da configuração em escala exagerada de um círculo de raio a a uma distância r do ponto de observação e o ângulo α subentendido pelo círculo. Claramente sen(α/2) = a/r, isto é, o ângulo visto pelo centro é 2arcsen(a/r). Para r≫a, α≈2a/r, isto é, a razão do diâmetro do círculo pela distância r, que é o “tamanho aparente” do círculo. Figura 2 Tamanho aparente do círculo α≈2a/r para r≫a. Se considerarmos o tamanho finito de círculos, no lugar de pontos matemáticos sem dimensões, é possível ter uma distribuição de círculos no plano de forma que a soma dos ângulos subentendidos seja completa, isto é, 360 ou 2π radianos. Seguindo a mesma linha de raciocínio para três dimensões espaciais, usamos o conceito de ângulo sólido para o tamanho (ou área) aparente de uma esfera de raio a a uma distância r da observação: (1) Ω = π ⁢ a 2 r 2 esferorradianos. Assim, com uma quantidade finita de estrelas (esferas) de tamanhos finitos, a noite só é escura porque não haveriam estrelas visíveis suficientes para cobrir toda a abóbada celeste, cuja área aparente total é 4π esferorradianos. Se fossem infinitas estrelas eternas ou uma quantidade finita com densidade alta o suficiente a abóbada estaria completamente iluminada pelo brilho somado das estrelas. Isto indica que basta considerar a “vastidão” do Universo e uma quantidade finita de estrelas visíveis para explicar o céu escuro à noite. Allan Poe, no ensaio Eureka, diferencia o Universo espacial do Universo das estrelas. O espacial seria, em acordo com Pascal, uma esfera centrada em qualquer lugar e circunferência em lugar nenhum: a sphere of which the centre is everywhere, the circumference nowhere . E menciona a imensidão do Universo: the distance […] so immense . Claramente Allan Poe tem a visão Newtoniana do espaço e tempo, até porque a Relatividade de Einstein não estava formulada ainda. Vemos assim que Allan Poe [13] apresentou em essência uma solução conceitual suficiente ao PO: uma quantidade finita de estrelas visíveis em um imenso Universo. Com as novas informações da cosmologia e Astronomia modernas vamos estimar a densidade e a luminosidade somada das estrelas, em média, nas seções 5 e 6. 4.2. Kepler, Halley, Chéseaux e Olbers O PO já tinha sido colocado por Halley, Chésaux e Olbers [14] sugerindo que uma parte da luminosidade das estrelas deveria ser absorvida antes de chegar à gente, caso contrário o céu seria tão brilhante quanto a superfície do Sol. Eles não apresentaram cálculos talvez porque essa conclusão lhes parecia óbvia. Chésaux, em 1744, explicou por analogia: imagine-se em uma floresta de árvores uniformemente distribuídas, altas, de troncos brancos; você veria então, na direção horizontal, tudo branco. Implícito ao substantivo floresta está a densidade relativamente alta de árvores. A referência à floresta de troncos brancos é clara para estes astrônomos europeus e é mais um exemplo das influências culturais da época na discussão e avanço da ciência. Vamos reproduzir um modelo (KHCO) matemático de céu brilhante para argumentar por absurdo, como fizeram os astrônomos, que alguma(s) das hipóteses do modelo seria(m) falsa(s). O fenômeno que estamos investigando é visual com as estrelas “fixas” na abóbada celeste. Isto é, não consideramos os movimentos peculiares nem afastamentos de origem cosmológica. Considere as estrelas distribuídas no espaço de forma homogênea. Em certo sentido, diluímos as estrelas e as tratamos como se fossem um “fluido” com a densidade numérica n que é a divisão entre a quantidade de estrelas e o volume por elas ocupado. Ao considerarmos um fluido de estrelas, a rigor, passamos do conjunto de estrelas, que podem ser contadas, como o conjunto dos números naturais, para o conjunto infinito de pontos infinitesimais de um fluido estelar, como do conjunto dos números reais. Cada estrela tem uma luminosidade característica L. Vamos assumir que L é um valor médio e constante no tempo considerado. Neste modelo KHCO, na escala de tempo relevante, as estrelas estão fixas e eternas no céu. Um observador a uma distância r da estrela, sem bloqueio, receberá uma densidade superficial de energia luminosa L/(4πr2). Em uma faixa esférica de raio r e espessura infinitesimal dr com centro no observador tem, por hipótese do de homogeneidade, a quantidade de n4πr2dr estrelas. Se toda a energia que esta faixa emite atingisse o observador, ele receberia uma densidade superficial de energia luminosa dada por (2) d ⁢ Q = n ⁢ L ⁢ d ⁢ r . A integração de uma distância mínima a uma distância máxima precisa ser justificada em termos do modelo cosmológico. Claramente a integração ao infinito diverge pois n e L são constantes na Equação (2). Neste contexto há duas saídas lógicas: 1 Um raio máximo finito, que implica um Universo espacialmente limitado, ou 2 um mecanismo de absorção e/ou bloqueio de luz ao observador e o Universo não precisaria ter limites. Podemos assumir o raio mínimo como sendo zero sem consequências de entendimento do PO. Então, para o primeiro caso: (3) Q K ⁢ H ⁢ C ⁢ O = ∫ 0 R m ⁢ a ⁢ x d Q = n ⁢ L ⁢ R m ⁢ a ⁢ x . Para Kepler essa solução bastaria, pois parece-nos que ele acreditava em um Universo finito no espaço. Allan Poe, com outro modelo em mente, também concordaria com estas contas. Se consideramos que a luz pode ser bloqueada por outras estrelas de secção de choque σ, então o percurso médio livre λ da luz depende inversamente da densidade de estrelas n e de σ—maiores densidades e maiores secções de choque implicam menores percursos livres da luz e vice-versa. (4) λ = 1 n ⁢ σ Esta estimativa usa implicitamente uma hipótese de estacionariedade de emissão e absorção de luz pelas estrelas, que seria aceitável em um Universo eterno e infinito. Assim, a energia luminosa das estrelas mais distantes é parcialmente absorvida por estrelas ao longo do percurso ótico e então consideramos um modelo de atenuação ou absorção parcial tal que (5) d ⁢ Q = n ⁢ L ⁢ exp ⁡ ( - r / λ ) ⁢ d ⁢ r . Esta seria a segunda saída lógica. Se λ fosse infinito, não haveria atenuação alguma. Assim a integração de (5) fornece (6) Q = ∫ 0 ∞ d Q = n ⁢ L ⁢ λ = L / σ , em que usamos a Equação (4) na segunda igualdade acima. Isto é, receberíamos a mesma densidade superficial de energia luminosa que a superfície de uma estrela emite, isto é, o céu seria muito claro. Não é o que sentimos, felizmente. Esse era o paradoxo do céu escuro. O que há de errado nestes modelos e cálculos? Chésaux e Olbers imaginaram outras absorções da luminosidade, como poeira cósmica. No entanto, cedo ou tarde esta poeira iria emitir novamente, e por isto esta explicação está descartada. No desenvolvimento acima explicitamos várias hipóteses durante as contas e certamente alguma(s) não vale(m), pois o céu é escuro à noite. Na próxima seção vamos assumir que as estrelas têm vida luminosa finita, não eterna, e fazer alguns cálculos. apresentamos algumas soluções logicamente suficientes para o PO. Na seção 5 5. O Esplendor do Céu Os cálculos da seção anterior foram expressos em termos de uma luminosidade estelar intrínseca L, considerada constante. Todos os resultados foram proporcionais a L. Sendo assim, podemos considerar primariamente os aspectos geométricos de tamanhos e distâncias das estrelas. Para sermos explícitos, vamos listar as principais hipóteses do modelo KHCO: O Universo tem a geometria espacial Euclideana com a topologia do ℝ3. Todas as estrelas são parecidas com o nosso Sol de raio 696 mil quilômetros, isto é, R⊙≈7,0×105 km [15]. Usando-se as hipóteses acima, calculemos primeiramente a contribuição da iluminação do céu devida às estrelas. A nossa galáxia que tem [22] da ordem 1011 estrelas e o Universo deve ter 1011 galáxias (uma estimativa moderna). Vamos usar N = 1022 para a quantidade de estrelas que têm em média o tamanho do Sol e imaginar o Universo estático esférico com raio RU = 1,2×1023 km (13 bilhões de anos-luz). Assim, a densidade de estrelas é n=3⁢N/(4⁢π⁢RU3)≈1,3×10-48⁢km-3. Considerando a secção de choque das estrelas, com esta densidade, percebemos que o livre caminho médio da luz na equação (4) é λ≈5,0×1035 km que é muito maior do que o tamanho do Universo visível RU e assim, na prática, não há bloqueio de luz por estrelas. Vamos então somar as áreas aparentes das estrelas até o raio do Universo, como foi feito no primeiro caso do Allan Poe da equação (3), com a área aparente de cada estrela dada por1Ω=π⁢R⊙2/r2. Assim, a área aparente de todas as estrelas contidas na casca esférica entre os raio r e (r + dr) é (7) d ⁢ A = π ⁢ R ⊙ 2 r 2 ⁢ n ⁢ 4 ⁢ π ⁢ r 2 ⁢ d ⁢ r = n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ d ⁢ r e assim temos a área aparente de todas as estrelas: (8) A = ∫ 0 R U n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ d r = n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ R U = 3 ⁢ π ⁢ N ⁢ R ⊙ 2 R U 2 . Seja α a razão entre a área aparente A e a área aparente de toda a abóbada celestes, isto é, o ângulo sólido total 4π. Então (9) α = n ⁢ π ⁢ R ⊙ 2 ⁢ R U = N ⁢ 3 4 ⁢ ( R ⊙ R U ) 2 ≈ 2 × 10 - 13 é a fração da área aparente ocupada por todas as estrelas e portanto (1−α) é a fração não ocupada pelas estrelas. Percebemos que (1−α)/α é a razão entre a fração não ocupada pelas estrelas e a fração ocupada pelos discos das estrelas. É claro que (1−α)/α≈1/α com excelente aproximação e portanto α é uma boa medida do esplendor do céu estrelado em relação ao esplendor do disco solar, pois a área aparente A foi calculada em relação ao disco solar. Temos assim uma expressão que compara a luminosidade das estrelas com a do Sol. Observa-se que na primeira igualdade da equação (9) α é diretamente proporcional à densidade n de estrelas e à distância RU. Na segunda igualdade, α é diretamente proporcional à quantidade total N de estrelas e inversamente proporcional ao quadrado da distância RU. Vamos comparar a área aparente de todas as estrelas da equação (8) com a área aparente do Sol. O diâmetro aparente do Sol é pouco mais do que meio grau, 0,53. A partir dessa informação obtemos a área aparente do Sol que é o ângulo sólido Ω⊙ ≈ 6,7×10−5 e portanto α⊙ = Ω⊙/(4π)≈5,3×10−6. Assim, α / α ⊙ ≈ 4 , 5 × 10 - 8 ⇔ α ⊙ / α ≈ 22 × 10 6 isto é, o Sol tem uma área aparente 22 milhões de vezes maior do que a soma das áreas aparentes das estrelas do Universo, neste modelo matemático, consistente com a observação de que o céu é bem escuro à noite. Este resultado também é coerente com medidas modernas que apontam o brilho do céu à noite ser 10 milhões de vezes mais fraco do que o do céu diurno [16, 17]. Dessa forma, os argumentos geométricos simples deste modelo matemático resolve quantitativamente, em ordem de grandeza, o PO. Para termos melhor resultado quantitativo, vamos apresentar na próxima seção um modelo um pouco mais elaborado que leva em conta a expansão do Universo, em acordo com a teoria do Big Bang, além do tempo finito de vida luminosa das estrelas e a baixa densidade numérica de estrelas no imenso Universo observado. calculamos uma medida da luminosidade média do céu com base em um modelo cosmológico e astrofísico simples, essencialmente geométrico. Este cálculo é pouco conhecido nas explicações dadas na maior parte da literatura, apesar de ser de simples entendimento em nível de cálculo integral. Ao final reforçamos a importância de conhecer o PO em sua essência e as possibilidades educacionais de boas discussões, atividades e aulas que o PO trazem.

2. O Paradoxo de Olbers

Quando se observa o céu à noite sem nuvens vemos os astros luminosos, algumas vezes a Lua e alguns planetas; todos muito menos brilhantes do que o Sol durante o dia. Foi assim que a humanidade se desenvolveu com a noite relativamente escura em contraste ao dia clareado pelo Sol. À medida que a Astronomia se desenvolveu, o conceito de que o Universo, que contém todos os astros, parece não ter fronteira nem fim se tornaram consensuais.

Sabemos [77. E. Harrison, Darkness at night: a riddle of the universe (Harvard University Press, Cambridge, 1987).] que cientistas desde o século XVII, e provavelmente muitos pensadores antes desta época, tinham discutido, questionado e tentado resolver o PO explicitado da seguinte maneira:

Paradoxo 1.

Em um Universo eterno e sem fim, devem existir infinitas estrelas e assim, para onde o seu olhar apontasse, encontraria uma estrela. Isto é, não haveria local no céu sem a luminosidade de uma estrela. Então, por que o céu é predominantemente escuro à noite?

Universo eterno e sem fim implica idade e tamanho infinitos, nem sempre consensuais entre cientistas, filósofos e religiosos [88. R.A. Martins, O universo: teorias sobre sua origem e evolução (Editora Moderna, São Paulo, 1994), 4a ed., p. 109–114]. E as estrelas também seriam eternas.

Há versões mais sintéticas e outras mais elaboradas do que o Paradoxo 1 que não menciona, por exemplo, a distribuição das estrelas. No entanto, vários pensadores incluíram a hipótese de distribuições homogêneas ou aleatórias das estrelas no Universo. E algumas palavras devem ser mais elaboradas, conceitualmente. O PO faz três menções ao infinito. Enfatizamos que infinito não é um número e sim um conceito que a nossa abstração constrói. No PO temos dois tipos de infinitos envolvidos. O infinito enumerável que dá a cardinalidade do conjunto dos números naturais e o infinito não enumerável que caracteriza os números reais. O infinito enumerável está associado à contagem das estrelas, enquanto o não enumerável aparece nas ideias de eternidade e de tamanho infinitos do Universo.

Há várias soluções possíveis ao PO. Do ponto de vista lógico, claramente há erro(s) em uma ou mais hipóteses, explicitadas ou não, no PO.

Vamos tirar a claridade diurna devida a difusão da luz solar pela atmosfera de nossa discussão. Não fosse a atmosfera veríamos, mesmo de dia, céu predominante escuro exceto na direção e sentido explícitos do Sol ou das estrelas. Com essa explicação a pergunta do PO é ainda mais simples:

Paradoxo 2.

Se o Universo é eterno, infinito e tem uma quantidade infinita de estrelas eternas, por que vemos regiões do céu majoritariamente sem luz, escuras?

Muito do que vemos ao olho nu à noite são galáxias e não estrelas isoladas. Isto não muda nem a essência do PO nem o desenvolvimento das soluções, pois nos interessa primordialmente a luminosidade que nos chega, a luminosidade aparente. Não importa tampouco entrar em detalhes que diferenciam a luz visível de outras formas de energia eletromagnética, como raios-x e infravermelho.

Para Olbers, alguma coisa absorveria a luz das estrelas muito distantes. Sabemos agora que, mais cedo ou mais tarde esta coisa iria emitir alguma luz também, pois não poderia acumular a energia luminosa indefinidamente [88. R.A. Martins, O universo: teorias sobre sua origem e evolução (Editora Moderna, São Paulo, 1994), 4a ed., p. 114].

Uma reformulação do PO foi apresentada de forma mais geométrica:

Paradoxo 3.

No céu noturno povoado de estrelas de mesmo de brilho, por simplicidade, a contribuição de brilho médio pelas estrelas a uma distância r qualquer apareceria ser a mesma, uma vez que a quantidade de estrelas, que cresce como a área, r2, iria compensar a queda no brilho aparente que diminui com o inverso da distância ao quadrado 1/r2 [22. P. Pesic, American Journal of Physics 66, 1013 (1998).].

Lord Kelvin propôs [77. E. Harrison, Darkness at night: a riddle of the universe (Harvard University Press, Cambridge, 1987)., p. 227] em 1901 uma solução lúcida e sucinta com base nos conhecimentos de Astronomia da época: O tempo de vida das estrelas é muito curto para o céu parecer tão brilhante quanto o paradoxo de Olbers sugeriria.

Convém enfatizar a importância do simples questionamento de Olbers no desenvolvimento científico. Apresentamos a seguir uma breve biografia de Olbers.

3. Quem foi Olbers?

Heinrich Wilhelm Matthias Olbers nasceu em Arbergen em 1758 e faleceu em Brémen, a cerca de 10 km de Arbergen, em 1840 com 81 anos de vida [99. T.A. Hockey, V. Trimble, T.R. Williams, K. Bracher, R.A. Jarrell, J.D. Marchéll, F.J. Ragep, J. Palmerie M. Bolt, The biographical encyclopedia of astronomers (Springer, New York, 2007)., 848]. O município de Brémen fica ao norte da atual Alemanha, cerca de 5 m acima do nível do mar, em latitude 53 N e longitude 8 L à beira do Rio Weser que é navegável e conecta-se com o mar do Norte. Olbers nasceu em uma família Luterana e teve 15 irmãos e irmãs. Aos 14 anos já mostrava muito interesse pela Astronomia. A região de Brémen tem inverno de clima moderado de Oceano com longas noites—no Solstício de Inverno, o Sol nasce e se põe em apenas 7 horas e meia, isto é, haveria mais do que 16 horas para observar o céu noturno com pouquíssima poluição luminosa e baixa precipitação.

Olbers foi estudar Medicina em Göttingen com 19 anos. Na Universidade, ele também fez várias disciplinas de Física e Matemática. Conta a história que ele descobriu um cometa enquanto atendia um paciente em Göttingen [1010. A. Tilloch, Philosophical magazine, comprehending the various branches of science, the liberal and fine arts, agriculture, manifactures, and commerce (Taylor & Francis, Abingdon, 1802), v. XIII., 65]. Ao final do curso de Medicina, Olbers foi a Viena por um ano fazer a especialização em Oftalmologia, mas não perdeu a oportunidade de visitar o Observatório Astronômico e os círculos culturais [1111. T. Hockey, V. Trimble, T.R. Williams, K. Bracher, R.A. Jarrell, J.D. Marché, F.J. Ragep, J. Palmerie M. Bolt, The Biographical Encyclopedia of Astronomers (Springer, New York, 2007)., p. 1606].

Em Brémen exerceu sua profissão de oftalmologista e constituiu família. Diz a lenda que dormia apenas quatro horas por dia para aproveitar as noites em observações astronômicas. Em 1820, depois de 30 anos atendendo pacientes de toda a região, Olbers resolveu fechar sua clínica para se dedicar integralmente à Astronomia. Não por acaso, imaginamos, foi o ano que Olbers ficou viúvo pela segunda vez e escreveu sua análise sobre o PO. Vale observar também as cidades relevantes da formação cientista: Göttingen e Viena.

Olbers montou um observatório no segundo pavimento de sua casa com telescópios e instrumentos de observações astronômicas. Ele colaborou com Schröter, o dono do melhor observatório particular da região e vários outros astrônomos proeminentes da Europa tais como von Zach e Harding [1010. A. Tilloch, Philosophical magazine, comprehending the various branches of science, the liberal and fine arts, agriculture, manifactures, and commerce (Taylor & Francis, Abingdon, 1802), v. XIII., p. 64]. Este grupo com cerca de 20 astrônomos fundou a Vereinigte Astronomische Gesellschaft, considerada a primeira sociedade de Astronomia do mundo.

Certa vez os astrônomos da época não conseguiam localizar o planeta X (Ceres), um planeta anão que tinha sido descoberto por Piazzi em Palermo. Ceres tinha passado para atrás do Sol. Em algum momento X iria reaparecer, mas não conseguiam localizar o planeta anão com os instrumentos da época. O matemático Gauss desenvolveu um método para determinar a localização teórica e com esta informação, Olbers foi capaz de localizar Ceres novamente [1111. T. Hockey, V. Trimble, T.R. Williams, K. Bracher, R.A. Jarrell, J.D. Marché, F.J. Ragep, J. Palmerie M. Bolt, The Biographical Encyclopedia of Astronomers (Springer, New York, 2007)., p. 849].

Queremos enfatizar nesta breve biografia o aspecto colaborativo das atividades de Olbers. Além de manter contato com vários astrônomos e matemáticos, parece ter estimulado o jovem Bessel a seguir uma carreira em Astronomia. E de fato, Bessel foi um grande matemático e chegou a ser o Diretor do Observatório de Königsberg.

Olbers tornou-se um grande especialista em Cometas, mas seu protagonismo mais lembrado refere-se ao PO.

4. Algumas Soluções ao Problema de Olbers

Kepler (1571–1630) e Halley (1656–1742) consideraram o PO antes de Olbers publicar sua análise em 1826, mas vamos apresentar primeiro a proposta de Allan Poe.

4.1. Allan Poe

O poeta Edgar Allan Poe, que tinha muito interesse em ciências em geral, publicou em 1848 um poema em prosa intitulado Eureka [1212. E.A. Poe, Eureka (Max Limonad, São Paulo, 1986).], um “ensaio sobre o universo material e espiritual” em que apresenta sua cosmologia com um universo visível e finito de estrelas que ocupam um espaço finito em um Universo sem fim:

Ao falar do que está ordinariamente implícito na expressão “Universo”, eu usarei a frase limitante: “o universo de estrelas” [1212. E.A. Poe, Eureka (Max Limonad, São Paulo, 1986)., p. 11].

E sem mencionar Olbers, Allan Poe propõe uma solução ao PO:

Fosse a sequência de estrelas sem fim, então o fundo do céu iria nos apresentar uma luminosidade uniforme, como a exibida pela Galáxia—porque não poderia haver absolutamente nenhum ponto, em todo este fundo, no qual não existiria uma estrela. A única maneira, portanto, em que, em tal estado de coisas, poderíamos compreender os vazios que nossos telescópios encontram em direções inumeráveis, seria supondo tão imensa a distância do fundo invisível e nós que nenhum raio de lá teria sido sequer capaz de chegar até nós ainda [1212. E.A. Poe, Eureka (Max Limonad, São Paulo, 1986)., p. 128–129].

Allan Poe então pensa que vemos uma quantidade finita de estrelas, mas deixa a possibilidade que mais estrelas sejam visíveis à medida que a luz proveniente destas estrelas distantes chegue até nós. Ademais, se o Universo de estrelas tivesse infinitas estrelas eternamente brilhantes, teríamos recebido luz de infinitas estrelas, mesmo considerando a velocidade finita de propagação da luz. Assim, implicitamente, o Universo de Allan Poe tem um início e/ou as estrelas não brilham eternamente. Ele não considera movimento algum das estrelas e neste sentido, o Universo seria estático.

Do ponto de vista lógico, em essência qualitativa, a solução de Allan Poe é suficiente para resolver o PO, sem entrar em detalhes quantitativos, sem cálculos, com a devida licença poética.

Para se perceber que a quantidade finita de estrelas visíveis é logicamente suficiente para resolver o PO, considere o seguinte problema matemático idealizado:

Seja um conjunto finito de N pontos matemáticos distribuídos de forma aleatória em um plano Cartesiano com as coordenadas (xi,yi), i = 1,2,…,N. É fácil definir o centro geométrico O desta distribuição e assim a distância média D dos pontos em relação ao ponto O. Defina então um círculo de raio D e imagine uma projeção radial de todos os pontos na circunferência de raio D.

Proposição

É possível cobrir todos os pontos da circunferência com os pontos das projeções?

Não.

Demonstração.Principal argumento: Os pontos projetados na circunferência formam um conjunto finito enquanto os pontos da circunferência formam um conjunto infinito não enumerável. □

Assim, vai existir, hipotética e abstratamente, semirretas partindo de O que cruzam a circunferência sem passar por nenhum dos pontos da distribuição. Convença-se e deixe os alunos(as) se convencerem da proposição e da demonstração. A Figura 1 deve ser usada com cautela e apenas para garantir o entendimento do texto da proposição, pois do gráfico inevitavelmente inferimos tamanhos para os pontos, para os segmentos de retas e para o arco do círculo, mas todos estes elementos devem ser pensados sem dimensão nem tamanho algum.

Figura 1
24 pontos distribuídos aleatoriamente no plano Cartesiano.

Do centro geométrico partem semirretas que passam pelos 24 pontos e cruzam a circunferência. Os pontos de interseção das semirretas e a circunferência são os pontos de projeção. A proposição é demonstrada com o argumento que estes pontos de projeção não preenchem todos os pontos das circunferências e assim, sempre existirão semirretas partindo do centro sem passar por nenhum dos 24 pontos. O argumento não depende da quantidade explícita de pontos, basta ser uma quantidade finita de pontos distribuídos no plano.

Segue o mesmo argumento para uma quantidade finita de pontos distribuídos aleatoriamente no espaço tridimensional Euclidiano e semirretas partindo do centro geométrico que cruzariam uma superfície esférica de raio médio dado pela distância média dos pontos ao centro geométrico.

Imagine assim, um observador no centro geométrico e os pontos como hipotéticas estrelas vistas na “abóbada” celeste. Apesar de ser abstrato, do ponto de vista lógico, este é o principal argumento de Allan Poe: haveria uma quantidade finita de estrelas que podemos ver e, portanto haveriam direções no céu que não teria luz alguma vinda de estrelas, determinando assim uma escuridão relativa.

O que mudaria na argumentação se tivermos círculos (esferas) de tamanhos finitos no lugar de ponto matemáticos distribuídos no plano Cartesiano (espaço Euclidiano)?

Allan Poe, como astrônomo amador sabia que as estrelas são astros similares ao nosso Sol, uma bola “de fogo” aproximadamente esférica.

Veja a Figura 2, em duas dimensões, da configuração em escala exagerada de um círculo de raio a a uma distância r do ponto de observação e o ângulo α subentendido pelo círculo. Claramente sen(α/2) = a/r, isto é, o ângulo visto pelo centro é 2arcsen(a/r). Para ra, α≈2a/r, isto é, a razão do diâmetro do círculo pela distância r, que é o “tamanho aparente” do círculo.

Figura 2
Tamanho aparente do círculo α≈2a/r para ra.

Se considerarmos o tamanho finito de círculos, no lugar de pontos matemáticos sem dimensões, é possível ter uma distribuição de círculos no plano de forma que a soma dos ângulos subentendidos seja completa, isto é, 360 ou 2π radianos.

Seguindo a mesma linha de raciocínio para três dimensões espaciais, usamos o conceito de ângulo sólido para o tamanho (ou área) aparente de uma esfera de raio a a uma distância r da observação:

(1) Ω = π a 2 r 2

esferorradianos. Assim, com uma quantidade finita de estrelas (esferas) de tamanhos finitos, a noite só é escura porque não haveriam estrelas visíveis suficientes para cobrir toda a abóbada celeste, cuja área aparente total é 4π esferorradianos. Se fossem infinitas estrelas eternas ou uma quantidade finita com densidade alta o suficiente a abóbada estaria completamente iluminada pelo brilho somado das estrelas.

Isto indica que basta considerar a “vastidão” do Universo e uma quantidade finita de estrelas visíveis para explicar o céu escuro à noite. Allan Poe, no ensaio Eureka, diferencia o Universo espacial do Universo das estrelas. O espacial seria, em acordo com Pascal, uma esfera centrada em qualquer lugar e circunferência em lugar nenhum: a sphere of which the centre is everywhere, the circumference nowhere . E menciona a imensidão do Universo: the distance […] so immense .

Claramente Allan Poe tem a visão Newtoniana do espaço e tempo, até porque a Relatividade de Einstein não estava formulada ainda.

Vemos assim que Allan Poe [1313. E.A. Poe, Eureka: a prose poem. (An essay on the material and spiritual universe) (GP Putnam, New York, 1848).] apresentou em essência uma solução conceitual suficiente ao PO: uma quantidade finita de estrelas visíveis em um imenso Universo.

Com as novas informações da cosmologia e Astronomia modernas vamos estimar a densidade e a luminosidade somada das estrelas, em média, nas seções 5 5. O Esplendor do Céu Os cálculos da seção anterior foram expressos em termos de uma luminosidade estelar intrínseca L, considerada constante. Todos os resultados foram proporcionais a L. Sendo assim, podemos considerar primariamente os aspectos geométricos de tamanhos e distâncias das estrelas. Para sermos explícitos, vamos listar as principais hipóteses do modelo KHCO: O Universo tem a geometria espacial Euclideana com a topologia do ℝ3. Todas as estrelas são parecidas com o nosso Sol de raio 696 mil quilômetros, isto é, R⊙≈7,0×105 km [15]. Usando-se as hipóteses acima, calculemos primeiramente a contribuição da iluminação do céu devida às estrelas. A nossa galáxia que tem [22] da ordem 1011 estrelas e o Universo deve ter 1011 galáxias (uma estimativa moderna). Vamos usar N = 1022 para a quantidade de estrelas que têm em média o tamanho do Sol e imaginar o Universo estático esférico com raio RU = 1,2×1023 km (13 bilhões de anos-luz). Assim, a densidade de estrelas é n=3⁢N/(4⁢π⁢RU3)≈1,3×10-48⁢km-3. Considerando a secção de choque das estrelas, com esta densidade, percebemos que o livre caminho médio da luz na equação (4) é λ≈5,0×1035 km que é muito maior do que o tamanho do Universo visível RU e assim, na prática, não há bloqueio de luz por estrelas. Vamos então somar as áreas aparentes das estrelas até o raio do Universo, como foi feito no primeiro caso do Allan Poe da equação (3), com a área aparente de cada estrela dada por1Ω=π⁢R⊙2/r2. Assim, a área aparente de todas as estrelas contidas na casca esférica entre os raio r e (r + dr) é (7) d ⁢ A = π ⁢ R ⊙ 2 r 2 ⁢ n ⁢ 4 ⁢ π ⁢ r 2 ⁢ d ⁢ r = n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ d ⁢ r e assim temos a área aparente de todas as estrelas: (8) A = ∫ 0 R U n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ d r = n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ R U = 3 ⁢ π ⁢ N ⁢ R ⊙ 2 R U 2 . Seja α a razão entre a área aparente A e a área aparente de toda a abóbada celestes, isto é, o ângulo sólido total 4π. Então (9) α = n ⁢ π ⁢ R ⊙ 2 ⁢ R U = N ⁢ 3 4 ⁢ ( R ⊙ R U ) 2 ≈ 2 × 10 - 13 é a fração da área aparente ocupada por todas as estrelas e portanto (1−α) é a fração não ocupada pelas estrelas. Percebemos que (1−α)/α é a razão entre a fração não ocupada pelas estrelas e a fração ocupada pelos discos das estrelas. É claro que (1−α)/α≈1/α com excelente aproximação e portanto α é uma boa medida do esplendor do céu estrelado em relação ao esplendor do disco solar, pois a área aparente A foi calculada em relação ao disco solar. Temos assim uma expressão que compara a luminosidade das estrelas com a do Sol. Observa-se que na primeira igualdade da equação (9) α é diretamente proporcional à densidade n de estrelas e à distância RU. Na segunda igualdade, α é diretamente proporcional à quantidade total N de estrelas e inversamente proporcional ao quadrado da distância RU. Vamos comparar a área aparente de todas as estrelas da equação (8) com a área aparente do Sol. O diâmetro aparente do Sol é pouco mais do que meio grau, 0,53. A partir dessa informação obtemos a área aparente do Sol que é o ângulo sólido Ω⊙ ≈ 6,7×10−5 e portanto α⊙ = Ω⊙/(4π)≈5,3×10−6. Assim, α / α ⊙ ≈ 4 , 5 × 10 - 8 ⇔ α ⊙ / α ≈ 22 × 10 6 isto é, o Sol tem uma área aparente 22 milhões de vezes maior do que a soma das áreas aparentes das estrelas do Universo, neste modelo matemático, consistente com a observação de que o céu é bem escuro à noite. Este resultado também é coerente com medidas modernas que apontam o brilho do céu à noite ser 10 milhões de vezes mais fraco do que o do céu diurno [16, 17]. Dessa forma, os argumentos geométricos simples deste modelo matemático resolve quantitativamente, em ordem de grandeza, o PO. Para termos melhor resultado quantitativo, vamos apresentar na próxima seção um modelo um pouco mais elaborado que leva em conta a expansão do Universo, em acordo com a teoria do Big Bang, além do tempo finito de vida luminosa das estrelas e a baixa densidade numérica de estrelas no imenso Universo observado. e 6 6. Solução Contemporânea do Problema de Olbers As reflexões, as propostas de soluções ao PO e os avanços da Astronomia e Cosmologia apontam ao seguinte: Recebemos a luz de apenas uma quantidade finita de estrelas e/ou galáxias. Estrelas e galáxias têm vida luminosa finita no tempo. A densidade de estrelas e/ou galáxias é baixa o suficiente para termos regiões escuras no céu. Galáxias distantes têm luminosidade deslocada para o vermelho, indicando afastamento de um Universo em expansão. Os itens acima não precisam ser independentes e a literatura moderna de Astronomia e de Cosmologia têm sido ambíguas ou imprecisas em dar mais valor à expansão do Universo do que à distribuição espacial estelar e galáctica e à vida útil luminosa das estrelas. É claro que os dois primeiros itens estão em imediato acordo com o modelo do Big Bang, de um Universo com um início, mas a expansão do Universo contribui apenas com uma parte para resolver o PO—a contribuição da finitude em quantidade e tempo vida das estrelas/galáxias é tão importante quanto a expansão do Universo. Ao considerarmos escalas cosmológicas, os constituintes básicos do Universo são galáxias. Em escalas de espaço e tempo de uma galáxia, que contém bilhões de estrelas, a dinâmica interna e a distribuição de “acomodação” das galáxias são ditadas pela gravitação. No modelo cosmológico simplificado que vamos tratar para o PO a seguir, as galáxias têm a dinâmica de um fluido sem pressão, um gás de poeira—cada partícula de poeira deste fluido representa uma galáxia. A cosmologia relativística incorpora o conceito de Einstein de espaço-tempo diferente do conceito de espaço e tempo independentes da Física de Newton. Assim, dois eventos infinitesimamente próximos estão relacionados por um deslocamento infinitesimal, o elemento de linha ds, em coordenadas do espaço-tempo dado por (10) d ⁢ s 2 = c 2 ⁢ d ⁢ t 2 - R ⁢ ( t ) 2 ⁢ ( d ⁢ r 2 + r 2 ⁢ d ⁢ Ω 2 ) , em que t é a coordenada associada ao tempo, r≥0 à distância radial e 0≤Ω≤4π ao ângulo sólido; R(t) é a função que permitirá a expansão do espaço alterando a escala das distâncias; e c representa a velocidade da luz. Por simplicidade, este modelo [5] é esfericamente simétrico e espacialmente plano. O volume infinitesimal de uma casca esférica que está a uma distância radial dada por R(t)r, é (11) d ⁢ V = 4 ⁢ π ⁢ R ⁢ ( t ) 3 ⁢ r 2 ⁢ d ⁢ r em que vemos o fator de escala R(t) no instante t. A densidade numérica de galáxias sob a hipótese de homogeneidade espacial (simetria esférica em torno de qualquer ponto) tem a escala do inverso do cubo de R(t): (12) n ⁢ ( t ) = n 0 ⁢ ( R 0 R ⁢ ( t ) ) 3 em que R0 é o fator de escala no tempo t0 do observador que observa a densidade de galáxias n0. Assumimos aqui que a quantidade total de galáxias visíveis é preservada, isto é, N=n0⁢R03=n⁢(t)⁢R⁢(t)3 é constante. Vamos assumir também que a luminosidade intrínseca (média) de cada galáxia é L(t) quando emitida no instante cosmológico t. A luminosidade é uma potência eletromagnética, sendo que a energia eletromagnética é proporcional à frequência da onda da luz, ou equivalentemente, inversamente proporcional ao comprimento de onda. Assim, se a luz é emitida de uma fonte no instante t e detectada pelo observador no instante t0, o fator R(t) tem que ser considerado de forma que a energia eletromagnética no vácuo vai seguir a relação (13) E ⁢ ( t 0 ) ⁢ R 0 = E ⁢ ( t ) ⁢ R ⁢ ( t ) . Além disto, o intervalo de tempo, que se comporta como o inverso de uma frequência, também será devidamente alterado pelo fator de escala da seguinte forma: (14) Δ ⁢ t 0 ⁢ R ⁢ ( t ) = Δ ⁢ t ⁢ R 0 E assim a luminosidade emitida e a luminosidade detectada pelo observador são tais que (15) L ⁢ ( t ) ⁢ R ⁢ ( t ) 2 = L ⁢ ( t 0 ) ⁢ R 0 2 . Mas a luminosidade é espalhada pelo espaço e chegará diluída na superfície de uma esfera com centro na galáxia a uma distância radial do observador R0r e assim a energia por unidade de área, por unidade de tempo, isto é o fluxo no observador será (16) ϕ 0 = L ⁢ ( t 0 ) / ( 4 ⁢ π ⁢ R 0 2 ⁢ r 2 ) Levando em consideração todos esses fatores concluímos que o fluxo de energia observado em t0 devida a emissão de todas as galáxias em t será: d ⁢ Q 0 = ϕ 0 ⁢ n ⁢ ( t ) ⁢ d ⁢ V = n 0 ⁢ L ⁢ ( t 0 ) ⁢ R 0 ⁢ d ⁢ r . A luz viaja pelas geodésicas radiais, no cone de luz em que ds=0 na equação (10). Assim, R(t)dr = cdt. Com isso calculamos a contribuição de luminosidade das galáxias ao fluxo observado: (17) d ⁢ Q 0 = L ⁢ ( t 0 ) ⁢ n 0 ⁢ c ⁢ d ⁢ t que nos leva a (18) d ⁢ Q = L ⁢ ( t ) ⁢ n 0 ⁢ ( R ⁢ ( t ) R 0 ) ⁢ c ⁢ d ⁢ t em que restauramos a luminosidade L(t) no instante da emissão na galáxia. A integração será determinada pelo tempo de vida útil das galáxias, digamos, desde o tempo de formação tf até o momento t0 do observador. Vemos que o caso estático R(t) = R0 obtém-se quantativamente os resultados de Olbers, Chéseaux e Halley: (19) Q K ⁢ H ⁢ C ⁢ O = ∫ t f t 0 L ⁢ ( t ) ⁢ n 0 ⁢ ( R ⁢ ( t ) R 0 ) ⁢ c ⁢ d t = L ⁢ n 0 ⁢ c ⁢ ( t 0 - t f ) em que deixamos a luminosidade ser constante L e como proposto por Allan Poe, c(t0−tf)≡ΔR finito. No caso cosmológico, o modelo de Friedman, Lamaître, Robertson e Walker (FLRW) tem uma solução para a(t)≡R(t)/R0 através da função de Hubble (20) H ⁢ ( t ) ≡ d ⁢ a / d ⁢ t a = H ⁢ ( a ) = H 0 ⁢ ρ R ⁢ a - 4 + ρ M ⁢ a - 3 + ρ k ⁢ a - 2 + ρ Λ em que H0 é o parâmetro de expansão de Huble, ρR é a densidade relativa de energia de radiação, ρM de matéria, ρk de curvatura e ρA da energia escura (constante cosmológica)—tudo observado em t0. Assim, assumindo novamente a luminosidade constante, (21) Q F ⁢ L ⁢ R ⁢ W = L ⁢ n 0 ⁢ c ⁢ ∫ t f t 0 a ⁢ ( t ) ⁢ d t Considerando que a(t)dt = da/H(a) obtemos (22) Q F ⁢ L ⁢ R ⁢ W = L ⁢ n 0 ⁢ c H 0 ⁢ ∫ a f 1 a 2 P 4 ⁢ ( a ) ⁢ d a em que (23) P 4 ⁢ ( a ) ≡ ρ R + ρ M ⁢ a + ρ k ⁢ a 2 + ρ Λ ⁢ a 4 ≈ 1 3 ⁢ a + 2 3 ⁢ a 4 Compare com a equação (3) sendo Rmax = c/H0. A aproximação acima considera que a matéria compõe 1/3 e a energia escura 2/3 da energia total do Universo, desprezando as contribuições da radiação, importante nos 3 primeiros minutos do Universo, e da curvatura, assumindo o espaço plano. Isto é, ρR = ρk = 0, ρM = 1/3 e ρΛ = 2/3. E assim, com estas simplificações, o caso extremo da integração desde o Big Bang até hoje fornece: (24) Q F ⁢ L ⁢ R ⁢ W Q K ⁢ H ⁢ C ⁢ O = ∫ 0 1 a 2 P 4 ⁢ ( a ) ⁢ d a ≈ 52 % Portanto a expansão cosmológica [18] diminui no máximo uma ordem de grandeza do esplendor do céu advindo das galáxias [19, 20, 21] em comparação ao que foi calculado na seção 5 com um modelo estático Newtoniano. Note que a expansão cosmológica diminui o esplendor tanto pelo aumento das distâncias, e consequente diminuição da densidade de galáxias, quanto pela diminuição da potência luminosa (desvio para o vermelho) desde a emissão até o observador e mesmo apenas pouco mais da metade da escuridão se deve à expansão cosmológica. .

4.2. Kepler, Halley, Chéseaux e Olbers

O PO já tinha sido colocado por Halley, Chésaux e Olbers [1414. S.L. Jaki, American Journal of Physics 35, 200 (1967).] sugerindo que uma parte da luminosidade das estrelas deveria ser absorvida antes de chegar à gente, caso contrário o céu seria tão brilhante quanto a superfície do Sol. Eles não apresentaram cálculos talvez porque essa conclusão lhes parecia óbvia. Chésaux, em 1744, explicou por analogia: imagine-se em uma floresta de árvores uniformemente distribuídas, altas, de troncos brancos; você veria então, na direção horizontal, tudo branco. Implícito ao substantivo floresta está a densidade relativamente alta de árvores. A referência à floresta de troncos brancos é clara para estes astrônomos europeus e é mais um exemplo das influências culturais da época na discussão e avanço da ciência.

Vamos reproduzir um modelo (KHCO) matemático de céu brilhante para argumentar por absurdo, como fizeram os astrônomos, que alguma(s) das hipóteses do modelo seria(m) falsa(s). O fenômeno que estamos investigando é visual com as estrelas “fixas” na abóbada celeste. Isto é, não consideramos os movimentos peculiares nem afastamentos de origem cosmológica.

Considere as estrelas distribuídas no espaço de forma homogênea. Em certo sentido, diluímos as estrelas e as tratamos como se fossem um “fluido” com a densidade numérica n que é a divisão entre a quantidade de estrelas e o volume por elas ocupado. Ao considerarmos um fluido de estrelas, a rigor, passamos do conjunto de estrelas, que podem ser contadas, como o conjunto dos números naturais, para o conjunto infinito de pontos infinitesimais de um fluido estelar, como do conjunto dos números reais. Cada estrela tem uma luminosidade característica L. Vamos assumir que L é um valor médio e constante no tempo considerado. Neste modelo KHCO, na escala de tempo relevante, as estrelas estão fixas e eternas no céu.

Um observador a uma distância r da estrela, sem bloqueio, receberá uma densidade superficial de energia luminosa L/(4πr2). Em uma faixa esférica de raio r e espessura infinitesimal dr com centro no observador tem, por hipótese do de homogeneidade, a quantidade de n4πr2dr estrelas. Se toda a energia que esta faixa emite atingisse o observador, ele receberia uma densidade superficial de energia luminosa dada por

(2) d Q = n L d r .

A integração de uma distância mínima a uma distância máxima precisa ser justificada em termos do modelo cosmológico. Claramente a integração ao infinito diverge pois n e L são constantes na Equação (2). Neste contexto há duas saídas lógicas:

  • 1

    Um raio máximo finito, que implica um Universo espacialmente limitado, ou

  • 2

    um mecanismo de absorção e/ou bloqueio de luz ao observador e o Universo não precisaria ter limites.

Podemos assumir o raio mínimo como sendo zero sem consequências de entendimento do PO. Então, para o primeiro caso:

(3) Q K H C O = 0 R m a x d Q = n L R m a x .

Para Kepler essa solução bastaria, pois parece-nos que ele acreditava em um Universo finito no espaço. Allan Poe, com outro modelo em mente, também concordaria com estas contas.

Se consideramos que a luz pode ser bloqueada por outras estrelas de secção de choque σ, então o percurso médio livre λ da luz depende inversamente da densidade de estrelas n e de σ—maiores densidades e maiores secções de choque implicam menores percursos livres da luz e vice-versa.

(4) λ = 1 n σ

Esta estimativa usa implicitamente uma hipótese de estacionariedade de emissão e absorção de luz pelas estrelas, que seria aceitável em um Universo eterno e infinito. Assim, a energia luminosa das estrelas mais distantes é parcialmente absorvida por estrelas ao longo do percurso ótico e então consideramos um modelo de atenuação ou absorção parcial tal que

(5) d Q = n L exp ( - r / λ ) d r .

Esta seria a segunda saída lógica. Se λ fosse infinito, não haveria atenuação alguma. Assim a integração de (5) fornece

(6) Q = 0 d Q = n L λ = L / σ ,

em que usamos a Equação (4) na segunda igualdade acima. Isto é, receberíamos a mesma densidade superficial de energia luminosa que a superfície de uma estrela emite, isto é, o céu seria muito claro. Não é o que sentimos, felizmente.

Esse era o paradoxo do céu escuro. O que há de errado nestes modelos e cálculos?

Chésaux e Olbers imaginaram outras absorções da luminosidade, como poeira cósmica. No entanto, cedo ou tarde esta poeira iria emitir novamente, e por isto esta explicação está descartada.

No desenvolvimento acima explicitamos várias hipóteses durante as contas e certamente alguma(s) não vale(m), pois o céu é escuro à noite. Na próxima seção vamos assumir que as estrelas têm vida luminosa finita, não eterna, e fazer alguns cálculos.

5. O Esplendor do Céu

Os cálculos da seção anterior foram expressos em termos de uma luminosidade estelar intrínseca L, considerada constante. Todos os resultados foram proporcionais a L. Sendo assim, podemos considerar primariamente os aspectos geométricos de tamanhos e distâncias das estrelas.

Para sermos explícitos, vamos listar as principais hipóteses do modelo KHCO:

  • O Universo tem a geometria espacial Euclideana com a topologia do 3.

  • Todas as estrelas são parecidas com o nosso Sol de raio 696 mil quilômetros, isto é, R≈7,0×105 km [1515. B.F. Rizzuti e J.S. Silva, Rev. Bras. Ens. Fís. 38, e3302 (2016).].

Usando-se as hipóteses acima, calculemos primeiramente a contribuição da iluminação do céu devida às estrelas.

A nossa galáxia que tem [2222. B. King, How many stars in the sky can you see?, available in: https://www.skyandtelescope.com/astronomy-resources/how-many-stars-night-sky-09172014/.
https://www.skyandtelescope.com/astronom...
] da ordem 1011 estrelas e o Universo deve ter 1011 galáxias (uma estimativa moderna). Vamos usar N = 1022 para a quantidade de estrelas que têm em média o tamanho do Sol e imaginar o Universo estático esférico com raio RU = 1,2×1023 km (13 bilhões de anos-luz). Assim, a densidade de estrelas é n=3N/(4πRU3)1,3×10-48km-3. Considerando a secção de choque das estrelas, com esta densidade, percebemos que o livre caminho médio da luz na equação (4) é λ≈5,0×1035 km que é muito maior do que o tamanho do Universo visível RU e assim, na prática, não há bloqueio de luz por estrelas.

Vamos então somar as áreas aparentes das estrelas até o raio do Universo, como foi feito no primeiro caso do Allan Poe da equação (3), com a área aparente de cada estrela dada por1 1 Note que, vista da Terra, cada estrela nos mostra uma área πa2 e, estando a uma distância r implica um ângulo sólido ou área aparente Ω≡πa2/r2. Vamos usar o tamanho do Sol como o padrão de estrela, a = R⊙. Ω=πR2/r2. Assim, a área aparente de todas as estrelas contidas na casca esférica entre os raio r e (r + dr) é

(7) d A = π R 2 r 2 n 4 π r 2 d r = n 4 π 2 R 2 d r

e assim temos a área aparente de todas as estrelas:

(8) A = 0 R U n 4 π 2 R 2 d r = n 4 π 2 R 2 R U = 3 π N R 2 R U 2 .

Seja α a razão entre a área aparente A e a área aparente de toda a abóbada celestes, isto é, o ângulo sólido total 4π. Então

(9) α = n π R 2 R U = N 3 4 ( R R U ) 2 2 × 10 - 13

é a fração da área aparente ocupada por todas as estrelas e portanto (1−α) é a fração não ocupada pelas estrelas. Percebemos que (1−α)/α é a razão entre a fração não ocupada pelas estrelas e a fração ocupada pelos discos das estrelas. É claro que (1−α)/α≈1/α com excelente aproximação e portanto α é uma boa medida do esplendor do céu estrelado em relação ao esplendor do disco solar, pois a área aparente A foi calculada em relação ao disco solar.

Temos assim uma expressão que compara a luminosidade das estrelas com a do Sol. Observa-se que na primeira igualdade da equação (9) α é diretamente proporcional à densidade n de estrelas e à distância RU. Na segunda igualdade, α é diretamente proporcional à quantidade total N de estrelas e inversamente proporcional ao quadrado da distância RU.

Vamos comparar a área aparente de todas as estrelas da equação (8) com a área aparente do Sol. O diâmetro aparente do Sol é pouco mais do que meio grau, 0,53. A partir dessa informação obtemos a área aparente do Sol que é o ângulo sólido Ω ≈ 6,7×10−5 e portanto α = Ω/(4π)≈5,3×10−6. Assim,

α / α 4 , 5 × 10 - 8 α / α 22 × 10 6

isto é, o Sol tem uma área aparente 22 milhões de vezes maior do que a soma das áreas aparentes das estrelas do Universo, neste modelo matemático, consistente com a observação de que o céu é bem escuro à noite. Este resultado também é coerente com medidas modernas que apontam o brilho do céu à noite ser 10 milhões de vezes mais fraco do que o do céu diurno [1616. C.R. Benn e S.L. Ellison, New Astronomy Reviews 42 503 (1998)., 1717. A. Hänel, T. Posch, S.J. Ribas, M. Aubé, Dan Duriscoe, A. Jechow, Z. Kollath, D.E. Lolkema, C. Moore, N. Schmidt et al., Journal of Quantitative Spectroscopy and Radiative Transfer 205, 278 (2018).].

Dessa forma, os argumentos geométricos simples deste modelo matemático resolve quantitativamente, em ordem de grandeza, o PO.

Para termos melhor resultado quantitativo, vamos apresentar na próxima seção um modelo um pouco mais elaborado que leva em conta a expansão do Universo, em acordo com a teoria do Big Bang, além do tempo finito de vida luminosa das estrelas e a baixa densidade numérica de estrelas no imenso Universo observado.

6. Solução Contemporânea do Problema de Olbers

As reflexões, as propostas de soluções ao PO e os avanços da Astronomia e Cosmologia apontam ao seguinte:

  1. Recebemos a luz de apenas uma quantidade finita de estrelas e/ou galáxias.

  2. Estrelas e galáxias têm vida luminosa finita no tempo.

  3. A densidade de estrelas e/ou galáxias é baixa o suficiente para termos regiões escuras no céu.

  4. Galáxias distantes têm luminosidade deslocada para o vermelho, indicando afastamento de um Universo em expansão.

Os itens acima não precisam ser independentes e a literatura moderna de Astronomia e de Cosmologia têm sido ambíguas ou imprecisas em dar mais valor à expansão do Universo do que à distribuição espacial estelar e galáctica e à vida útil luminosa das estrelas. É claro que os dois primeiros itens estão em imediato acordo com o modelo do Big Bang, de um Universo com um início, mas a expansão do Universo contribui apenas com uma parte para resolver o PO—a contribuição da finitude em quantidade e tempo vida das estrelas/galáxias é tão importante quanto a expansão do Universo.

Ao considerarmos escalas cosmológicas, os constituintes básicos do Universo são galáxias. Em escalas de espaço e tempo de uma galáxia, que contém bilhões de estrelas, a dinâmica interna e a distribuição de “acomodação” das galáxias são ditadas pela gravitação. No modelo cosmológico simplificado que vamos tratar para o PO a seguir, as galáxias têm a dinâmica de um fluido sem pressão, um gás de poeira—cada partícula de poeira deste fluido representa uma galáxia.

A cosmologia relativística incorpora o conceito de Einstein de espaço-tempo diferente do conceito de espaço e tempo independentes da Física de Newton. Assim, dois eventos infinitesimamente próximos estão relacionados por um deslocamento infinitesimal, o elemento de linha ds, em coordenadas do espaço-tempo dado por

(10) d s 2 = c 2 d t 2 - R ( t ) 2 ( d r 2 + r 2 d Ω 2 ) ,

em que t é a coordenada associada ao tempo, r≥0 à distância radial e 0≤Ω≤4π ao ângulo sólido; R(t) é a função que permitirá a expansão do espaço alterando a escala das distâncias; e c representa a velocidade da luz. Por simplicidade, este modelo [55. P.S. Wesson, JBAA 99, 10 (1989).] é esfericamente simétrico e espacialmente plano. O volume infinitesimal de uma casca esférica que está a uma distância radial dada por R(t)r, é

(11) d V = 4 π R ( t ) 3 r 2 d r

em que vemos o fator de escala R(t) no instante t.

A densidade numérica de galáxias sob a hipótese de homogeneidade espacial (simetria esférica em torno de qualquer ponto) tem a escala do inverso do cubo de R(t):

(12) n ( t ) = n 0 ( R 0 R ( t ) ) 3

em que R0 é o fator de escala no tempo t0 do observador que observa a densidade de galáxias n0. Assumimos aqui que a quantidade total de galáxias visíveis é preservada, isto é, N=n0R03=n(t)R(t)3 é constante.

Vamos assumir também que a luminosidade intrínseca (média) de cada galáxia é L(t) quando emitida no instante cosmológico t. A luminosidade é uma potência eletromagnética, sendo que a energia eletromagnética é proporcional à frequência da onda da luz, ou equivalentemente, inversamente proporcional ao comprimento de onda. Assim, se a luz é emitida de uma fonte no instante t e detectada pelo observador no instante t0, o fator R(t) tem que ser considerado de forma que a energia eletromagnética no vácuo vai seguir a relação

(13) E ( t 0 ) R 0 = E ( t ) R ( t ) .

Além disto, o intervalo de tempo, que se comporta como o inverso de uma frequência, também será devidamente alterado pelo fator de escala da seguinte forma:

(14) Δ t 0 R ( t ) = Δ t R 0

E assim a luminosidade emitida e a luminosidade detectada pelo observador são tais que

(15) L ( t ) R ( t ) 2 = L ( t 0 ) R 0 2 .

Mas a luminosidade é espalhada pelo espaço e chegará diluída na superfície de uma esfera com centro na galáxia a uma distância radial do observador R0r e assim a energia por unidade de área, por unidade de tempo, isto é o fluxo no observador será

(16) ϕ 0 = L ( t 0 ) / ( 4 π R 0 2 r 2 )

Levando em consideração todos esses fatores concluímos que o fluxo de energia observado em t0 devida a emissão de todas as galáxias em t será:

d Q 0 = ϕ 0 n ( t ) d V = n 0 L ( t 0 ) R 0 d r .

A luz viaja pelas geodésicas radiais, no cone de luz em que ds=0 na equação (10). Assim, R(t)dr = cdt. Com isso calculamos a contribuição de luminosidade das galáxias ao fluxo observado:

(17) d Q 0 = L ( t 0 ) n 0 c d t

que nos leva a

(18) d Q = L ( t ) n 0 ( R ( t ) R 0 ) c d t

em que restauramos a luminosidade L(t) no instante da emissão na galáxia. A integração será determinada pelo tempo de vida útil das galáxias, digamos, desde o tempo de formação tf até o momento t0 do observador. Vemos que o caso estático R(t) = R0 obtém-se quantativamente os resultados de Olbers, Chéseaux e Halley:

(19) Q K H C O = t f t 0 L ( t ) n 0 ( R ( t ) R 0 ) c d t = L n 0 c ( t 0 - t f )

em que deixamos a luminosidade ser constante L e como proposto por Allan Poe, c(t0tf)≡ΔR finito.

No caso cosmológico, o modelo de Friedman, Lamaître, Robertson e Walker (FLRW) tem uma solução para a(t)≡R(t)/R0 através da função de Hubble

(20) H ( t ) d a / d t a = H ( a ) = H 0 ρ R a - 4 + ρ M a - 3 + ρ k a - 2 + ρ Λ

em que H0 é o parâmetro de expansão de Huble, ρR é a densidade relativa de energia de radiação, ρM de matéria, ρk de curvatura e ρA da energia escura (constante cosmológica)—tudo observado em t0. Assim, assumindo novamente a luminosidade constante,

(21) Q F L R W = L n 0 c t f t 0 a ( t ) d t

Considerando que a(t)dt = da/H(a) obtemos

(22) Q F L R W = L n 0 c H 0 a f 1 a 2 P 4 ( a ) d a

em que

(23) P 4 ( a ) ρ R + ρ M a + ρ k a 2 + ρ Λ a 4 1 3 a + 2 3 a 4

Compare com a equação (3) sendo Rmax = c/H0. A aproximação acima considera que a matéria compõe 1/3 e a energia escura 2/3 da energia total do Universo, desprezando as contribuições da radiação, importante nos 3 primeiros minutos do Universo, e da curvatura, assumindo o espaço plano. Isto é, ρR = ρk = 0, ρM = 1/3 e ρΛ = 2/3. E assim, com estas simplificações, o caso extremo da integração desde o Big Bang até hoje fornece:

(24) Q F L R W Q K H C O = 0 1 a 2 P 4 ( a ) d a 52 %

Portanto a expansão cosmológica [1818. J.M. Overduin e P.S. Wesson, The light/dark universe: light from galaxies, dark matter and dark energy (World Scientific, New Jersey, 2008).] diminui no máximo uma ordem de grandeza do esplendor do céu advindo das galáxias [1919. V. Vavryčuk, Astrophysics and Space Science 361, 198 (2016)., 2020. P.S. Wesson, K. Valle e R. Stabell, Astrophysical Journal 317, 601 (1987)., 2121. V. Vavryčuk, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society 465, 1532 (2016).] em comparação ao que foi calculado na seção 5 5. O Esplendor do Céu Os cálculos da seção anterior foram expressos em termos de uma luminosidade estelar intrínseca L, considerada constante. Todos os resultados foram proporcionais a L. Sendo assim, podemos considerar primariamente os aspectos geométricos de tamanhos e distâncias das estrelas. Para sermos explícitos, vamos listar as principais hipóteses do modelo KHCO: O Universo tem a geometria espacial Euclideana com a topologia do ℝ3. Todas as estrelas são parecidas com o nosso Sol de raio 696 mil quilômetros, isto é, R⊙≈7,0×105 km [15]. Usando-se as hipóteses acima, calculemos primeiramente a contribuição da iluminação do céu devida às estrelas. A nossa galáxia que tem [22] da ordem 1011 estrelas e o Universo deve ter 1011 galáxias (uma estimativa moderna). Vamos usar N = 1022 para a quantidade de estrelas que têm em média o tamanho do Sol e imaginar o Universo estático esférico com raio RU = 1,2×1023 km (13 bilhões de anos-luz). Assim, a densidade de estrelas é n=3⁢N/(4⁢π⁢RU3)≈1,3×10-48⁢km-3. Considerando a secção de choque das estrelas, com esta densidade, percebemos que o livre caminho médio da luz na equação (4) é λ≈5,0×1035 km que é muito maior do que o tamanho do Universo visível RU e assim, na prática, não há bloqueio de luz por estrelas. Vamos então somar as áreas aparentes das estrelas até o raio do Universo, como foi feito no primeiro caso do Allan Poe da equação (3), com a área aparente de cada estrela dada por1Ω=π⁢R⊙2/r2. Assim, a área aparente de todas as estrelas contidas na casca esférica entre os raio r e (r + dr) é (7) d ⁢ A = π ⁢ R ⊙ 2 r 2 ⁢ n ⁢ 4 ⁢ π ⁢ r 2 ⁢ d ⁢ r = n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ d ⁢ r e assim temos a área aparente de todas as estrelas: (8) A = ∫ 0 R U n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ d r = n ⁢ 4 ⁢ π 2 ⁢ R ⊙ 2 ⁢ R U = 3 ⁢ π ⁢ N ⁢ R ⊙ 2 R U 2 . Seja α a razão entre a área aparente A e a área aparente de toda a abóbada celestes, isto é, o ângulo sólido total 4π. Então (9) α = n ⁢ π ⁢ R ⊙ 2 ⁢ R U = N ⁢ 3 4 ⁢ ( R ⊙ R U ) 2 ≈ 2 × 10 - 13 é a fração da área aparente ocupada por todas as estrelas e portanto (1−α) é a fração não ocupada pelas estrelas. Percebemos que (1−α)/α é a razão entre a fração não ocupada pelas estrelas e a fração ocupada pelos discos das estrelas. É claro que (1−α)/α≈1/α com excelente aproximação e portanto α é uma boa medida do esplendor do céu estrelado em relação ao esplendor do disco solar, pois a área aparente A foi calculada em relação ao disco solar. Temos assim uma expressão que compara a luminosidade das estrelas com a do Sol. Observa-se que na primeira igualdade da equação (9) α é diretamente proporcional à densidade n de estrelas e à distância RU. Na segunda igualdade, α é diretamente proporcional à quantidade total N de estrelas e inversamente proporcional ao quadrado da distância RU. Vamos comparar a área aparente de todas as estrelas da equação (8) com a área aparente do Sol. O diâmetro aparente do Sol é pouco mais do que meio grau, 0,53. A partir dessa informação obtemos a área aparente do Sol que é o ângulo sólido Ω⊙ ≈ 6,7×10−5 e portanto α⊙ = Ω⊙/(4π)≈5,3×10−6. Assim, α / α ⊙ ≈ 4 , 5 × 10 - 8 ⇔ α ⊙ / α ≈ 22 × 10 6 isto é, o Sol tem uma área aparente 22 milhões de vezes maior do que a soma das áreas aparentes das estrelas do Universo, neste modelo matemático, consistente com a observação de que o céu é bem escuro à noite. Este resultado também é coerente com medidas modernas que apontam o brilho do céu à noite ser 10 milhões de vezes mais fraco do que o do céu diurno [16, 17]. Dessa forma, os argumentos geométricos simples deste modelo matemático resolve quantitativamente, em ordem de grandeza, o PO. Para termos melhor resultado quantitativo, vamos apresentar na próxima seção um modelo um pouco mais elaborado que leva em conta a expansão do Universo, em acordo com a teoria do Big Bang, além do tempo finito de vida luminosa das estrelas e a baixa densidade numérica de estrelas no imenso Universo observado. com um modelo estático Newtoniano. Note que a expansão cosmológica diminui o esplendor tanto pelo aumento das distâncias, e consequente diminuição da densidade de galáxias, quanto pela diminuição da potência luminosa (desvio para o vermelho) desde a emissão até o observador e mesmo apenas pouco mais da metade da escuridão se deve à expansão cosmológica.

7. Conclusões

Neste artigo revisitamos a pergunta de Olbers: por que o céu é escuro à noite? Mostramos o contexto histórico, as hipóteses utilizadas e as soluções propostas com ênfase, inicialmente, em argumentos puramente geométricos que são suficientes para resolver qualitativamente o PO. Para tanto o modelo matemático astrofísico das estrelas e do Universo são simplificados: assumimos que as estrelas têm luminosidades intrínsicas constantes no tempo cosmológico e iguais às do Sol, que existem uma quantidade finita de estrelas no Universo que observamos e elas têm vida finita. Com isto, a luminosidade que observamos é proporcional apenas ao tamanho aparente (ângulo sólido subentendido) das estrelas em acordo com sua distância em uma distribuição espacial uniforme no Universo. Estas simplificações permitem discutir o problema com alunos do ensino básico e fazer algumas contas de esplendor com alunos com conhecimentos de geometria, cálculo integral e diferencial.

Com o modelo estático KHCO Concluímos que o céu noturno é 22 milhões de vezes mais escuro do que o céu diurno—usamos um cálculo simples do esplendor das estrelas em relação ao do Sol. No modelo cosmológico FRLW obtivemos que o esplendor deve ser 52% deste valor, isto é, o Sol é 11 milhões de vezes mais claro do que a soma de todas outras estrelas do Universo. E outras palavras, a expansão cosmológica contribui com a metade do valor estimado do esplendor noturno enquanto a outra metade se deve essencialmente pela distribuição geométrica das estrelas em quantidade finita e tempo de vida finito.

Os cálculos acima usam estimativas de quantidade de estrelas e/ou galáxias [2222. B. King, How many stars in the sky can you see?, available in: https://www.skyandtelescope.com/astronomy-resources/how-many-stars-night-sky-09172014/.
https://www.skyandtelescope.com/astronom...
] que implicitamente incorporam modelos astrofísicos e cosmológicos. É claro que os resultados dependem das quantidades astronômicas usadas que repetimos na lista abaixo:

  1. raio da esfera solar R≈7,0×105 km.

  2. nossa galáxia tem ≈1011 estrelas e o Universo deve ter 1011 galáxias e assim usamos N = 1022.

  3. O Universo estático esférico de raio RU≈1,2×1023 km (13 bilhões de anos-luz).

  4. A densidade de estrelas n=3N/(4πRU3)1,3×10-48km-3.

  5. O caminho óptico médio livre λ≈5,1×1035 km.

  6. o diâmetro aparente do Sol, visto da Terra é 0,53.

  7. o ângulo sólido do Sol, visto da Terra é Ω ≈ 6,7×10−5 esferorradianos.

Há muitos temas interdisciplinares a serem estudados e discutidos com estudantes em vários estágios escolares e acadêmicos com o Paradoxo de Olbers.

Agradecimento

O tema, a provocação e algumas contas para este artigo foram do saudoso Prof. Waldyr A. Rodrigues Jr. poucas semanas antes de seu inesperado falecimento. Agradeço também a leitura e correções feitas pelo Jayme Vaz Jr e pelos membros do PECIMAT bem como as importantes observações de um parecerista.

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    Note que, vista da Terra, cada estrela nos mostra uma área πa2 e, estando a uma distância r implica um ângulo sólido ou área aparente Ω≡πa2/r2. Vamos usar o tamanho do Sol como o padrão de estrela, a = R.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2020
  • Aceito
    08 Out 2020
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