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Desigualdades Educacionais no Brasil Contemporâneo: Definição, Medida e Resultados* * Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Desigualdades Educacionais no Brasil contemporâneo, sediado no Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e conta com o apoio da Fundação Tide Setúbal. Os autores agradecem a colaboração de Vitor Maia Senna Delgado, Carolina Silva Pena e Fernanda Luíza Tobias, que atuaram no projeto em diferentes momentos.

Inégalités Éducatives dans le Brésil Contemporain: Définition, Mesure et Résultats

Desigualdades Educativas en Brasil Contemporáneo: Definición, Medida y Resultados

Resumo

Este artigo propõe um indicador que descreve, para cada município brasileiro, o nível de aprendizagem de seus estudantes do ensino fundamental e as desigualdades de aprendizagem entre grupos de estudantes definidos por nível socioeconômico, raça e sexo. Esse indicador é necessário porque as desigualdades de aprendizagem são crescentes e, contudo, não são observadas pelo principal indicador educacional do país, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O estudo inicialmente conceitualiza justiça em educação, situando-se no debate sobre teorias de justiça distributiva. Em seguida, apresenta os aspectos metodológicos do indicador e os resultados obtidos. A principal constatação é que as disciplinas e séries escolares nas quais se verificou o maior número de municípios aumentando o seu nível de aprendizagem são também aquelas em que se verificou forte aumento das desigualdades.

direito à educação; avaliação educacional; justiça em educação; desigualdades educacionais; IDEB

Résumé

Cet article propose em indicateur qui décrit, pour chaque municipalité brésilienne, son niveau et ses inégalités d’apprentissage. Cet indicateur est nécessaire car les inégalités d’apprentissage augmentent et ne sont pourtant pas observées par l’indicateur éducatif principal du pays, l’Indice de Développement de l’Éducation de Base (IDEB). L’étude onstatelize initialement la justice em éducation et se situe dans le débat sur les théories de la justice distributive. Ensuite, on onstate les aspects méthodologiques de l’indicateur et les résultats obtenus. La principale constatation est que les matières et les séries scolaires où l’on a onstat le plus grand nombre de municipalités augmentant leur niveau d’apprentissage sont également celles où l’on a onstate une forte augmentation des inégalités.

droit à l’éducation; évaluation éducative; justice em éducation; inégalités éducatives; IDEB

Resumen

Este artículo propone un indicador que describe, para cada municipio brasilero, el nivel y las desigualdades de aprendizaje y sus diferencias. Ese indicador es necesario porque las desigualdades de aprendizaje son crecientes y, no obstante, no son observadas por el principal indicador educativo del país, el Índice de Desarrollo de la Educación Básica (IDEB). El estudio inicialmente conceptualiza la justicia en educación, situándose en el debate sobre teorías de justicia distributiva. Después, presenta los aspectos metodológicos del indicador y los resultados obtenidos. La principal constatación es que las disciplinas y grados escolares en que se verificó un mayor número de municipios con aumento de su nivel de aprendizaje son también en los que se verificó un fuerte aumento de las desigualdades.

derecho a la educación; evaluación educativa; justicia en educación; desigualdades educativas; IDEB

Abstract

This article proposes an indicator that describes each Brazilian municipality’s learning level of its elementary school students, as well as learning inequalities among groups of students defined by socioeconomic status, race, and sex. This indicator is necessary because learning inequalities are growing and are not observed by the country’s main educational indicator, the Basic Education Development Index (IDEB). This study initially conceptualizes justice in education, positioning itself in the debate on theories of justice. Then, it presents the methodological aspects of the indicator and the results obtained. The main finding is that the subjects and school grades in which the highest number of municipalities increased their learning levels are also those in which there was a strong increase in inequalities.

right to education; educational assessment; justice in education; education inequalities; IDEB

Introdução

Os sistemas de ensino brasileiros, tradicionalmente, têm sido desiguais e desempenhado papel proeminente na reprodução das profundas desigualdades sociais do país. Durante a redemocratização, nos anos 1980, o acesso universal à matrícula no primeiro ano escolar ainda não estava assegurado nas áreas rurais e/ou mais pobres do país (Fletcher, Ribeiro, 1987). Além disso, como regra geral, a escola brasileira praticava taxas de repetência elevadas, o que, por consequência, restringia a escolarização de muitos e selecionava fortemente os que permaneciam estudando até a conclusão da escolarização secundária (Klein, Ribeiro, 1988). Desde então, os sistemas de ensino do país vêm passando por reformas, ocorridas em um contexto de reorganização do espaço político nacional, reformulação dos marcos legais, renovação do campo científico e aproximação das políticas educacionais do país com o debate internacional.

Uma vez que o acesso à matrícula no Ensino Fundamental foi universalizado, nos anos 1990, dois objetivos foram assumidos como centrais para as políticas educacionais, visando torná-las mais efetivas na garantia do direito: a ruptura com a pedagogia da repetência e a melhoria da aprendizagem. As políticas educacionais dos anos 1990 e 2000 apoiaram-se em indicadores de resultados e sistemas de metas que contribuíram para a institucionalização de discursos normativos que interpretaram, a seu modo, esses desafios e traçaram objetivos a serem perseguidos. O indicador mais importante foi o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado em 2007 e cuja série histórica se inicia em 2005. Explicitamente, o IDEB assumiu esses dois objetivos de sua época e construiu um discurso normativo que os interpretava como a busca pelo aumento simultâneo das taxas médias de aprovação e das médias de aprendizagem, tal como medida pelos testes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB)1 1 . O SAEB é um conjunto de avaliações externas de larga escala, do qual o IDEB é parte. Cf https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/saeb. (FERNANDES, 2007Fernandes, Reynaldo. (2007), "Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)". Textos para Discussão, n. 16. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 26 p.).

As políticas implementadas no período expandiram oportunidades educacionais e produziram melhorias em três resultados educacionais que expressam o direito à educação: acesso à matrícula, permanência e aprendizagem. No entanto, também é verdade que as desigualdades foram reestruturadas nesse período e passaram a assumir novos padrões. No que diz respeito às aprendizagens, dois problemas têm sido apontados mais frequentemente: elas são baixas, quando comparadas com outros países (Unesco, s./d.; Franco, 2002Franco, Creso. (2002), "Educação das elites no Brasil: a Bélgica não existe". Trabalho e Sociedade, v. 2, n. 4, pp. 13-15.), e há desigualdades grandes e crescentes (Alves, Soares, Xavier, 2016; Alves, Ferrão, 2019).

Uma vez que os indicadores existentes não abordam as desigualdades, eles não são suficientes nem para descrever desafios prementes de nossa realidade educacional, nem para construir as desigualdades como uma questão social e tampouco para orientar ações promotoras de justiça em educação. No início dos anos 2020, o debate educacional passou a reconhecer a necessidade de revisão dos indicadores, incorporando as desigualdades como um problema a ser verificado2 2 . Cf. a série de webinários “Fundeb e desigualdades educacionais” ocorrida em 2021 e disponível no canal do Youtube da representação Unesco no Brasil : https://www.youtube.com/user/unescoPortuguese. .

Em 2021 o Congresso Nacional aprovou, por meio de emenda constitucional, uma nova versão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais (Fundeb), prevendo a distribuição de parte dos recursos complementados pela União (2,5% dos recursos do fundo) com base em indicadores de atendimento e aprendizagem e considerando a redução das desigualdades socioeconômicas e raciais, algo que o IDEB não pode fazer. Em 2022, o IDEB chegou ao fim do ciclo previsto em seu sistema de metas.

É nesse contexto que apresentamos, neste artigo, os pressupostos teóricos e metodológicos e resultados da segunda edição do Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (IDeA). A primeira edição do indicador foi proposta por Soares, Ernica e Rodrigues (2019) e publicada em um portal de internet3 3 . Cf. https://portalidea.org.br/ . Esse indicador tem por objetivo descrever, para cada município brasileiro, o nível de aprendizagem de seus estudantes e seus padrões de desigualdade entre grupos de estudantes definidos por nível socioeconômico, raça e sexo.

Na próxima seção, apresentaremos a concepção de justiça em educação na qual o IDeA está apoiado. Na seção subsequente, apresentaremos as linhas gerais da construção estatística do indicador. Em seguida, apontaremos padrões gerais da realidade educacional brasileira reveladas pelo indicador. Por fim, em uma breve conclusão, retomaremos alguns pontos centrais da justificativa histórica e da construção teórica do indicador.

Por uma definição de justiça em educação

Embora o indicador proposto se dedique à análise de aprendizagens, ele deve ser situado em um quadro conceitual mais amplo de justiça em educação. O conceito de justiça em educação pelo qual nos guiamos está construído em relação a um debate que se trava desde pelo menos meados dos anos 1950. Há uma grande diversidade de conceitos e de medidas de justiça em educação, que é parte da disputa entre ideais normativos presentes nas sociedades. Essa disputa se dá no entrecruzamento dos campos político e científico, que têm regras e modos de funcionamento específicos. Por essa razão, os conceitos e as medidas propostos expressam não só os conflitos existentes no interior de cada um desses campos como também as tensões entre eles.

Desigualdades em relatórios de organismos internacionais e em políticas de Estado

As medidas de desigualdade são frequentes em relatórios produzidos por organismos internacionais e, não obstante, são menos frequentes nas políticas dos Estados. Elas são frequentes em relatórios tais como o Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a plataforma World Inequality Database on Educacion, da Unesco4 4 . Cf. https://www.education-inequalities.org/ , e o documento Les chiffres clés de l’éducation dans l’Union Européenne, produzido pela Eurydice, a Agência Executiva Europeia para Educação e Cultura.

Quando se observam as políticas recentes dos Estados, a polifonia impera. A Unesco, em seu Handbook on Measuring Equity in Education, publicado em 2018, mapeou medidas de equidade em 75 planos nacionais de educação (Alcott et al., 2018Alcott, Ben et al. (2018), "Measuring equity for nacional education planning". In: Handbook on Measuring Equity in Education. Montréal: Unesco Institute of Statistics.). Foram analisados planos de países da África, Ásia, América Latina, Oceania e, em menor quantidade, da América do Norte e da Europa. Os autores concluem que as medidas de desigualdade mais frequentes se referem à matrícula escolar, abordando desigualdades entre os sexos. São mais raras, as medidas sobre conclusão de etapas da escolarização.

Nos Estados Unidos, a política em vigor desde 2015, definida pelo Every Students Succeed Act (ESSA), estipula medidas de desigualdades. O ESSA monitora as aprendizagens por meio das proporções de estudantes em quatro níveis: abaixo do básico, básico, proficiente e avançado. Essas proporções são calculadas para diferentes jurisdições: por dependência administrativa das escolas, por distritos escolares e por estados. No interior de cada jurisdição, os dados são apresentados, por exigência legal, para grupos de estudantes definidos por sexo, raça/etnia e nível de escolaridade dos pais5 5 . Cf. https://www2.ed.gov/rschstat/landing.jhtml?src=pn e https://www.nationsreportcard.gov/ . Não há no ESSA, contudo, um indicador que sintetize essas informações, o que tem as desvantagens de não estabelecer uma relação desejável entre os diferentes resultados que expressam o direito à educação e de dificultar a construção de um discurso com um sentido orientador das políticas públicas.

O quadro europeu foi mapeado, em 2020, no relatório A Equidade na Educação Escolar na Europa: estruturas, políticas e desempenho dos alunos (Comissão Europeia/EASEA/Eurydice, 2020), que analisa as características dos sistemas de ensino, as políticas dos Estados e os resultados educacionais de 42 sistemas de ensino de 37 países. O relatório também analisa documentos oficiais desses 42 sistemas. Quase todos fazem menção a conceitos relacionados a equidade, embora poucos apresentem definições explícitas do conceito. Dentre os que explicitam a noção, há grande variação nas definições dos sujeitos a serem considerados e na definição de equidade.

Pressupostos para uma definição

Nossa definição de justiça em educação foi pensada para uma sociedade democrática na qual o Estado detém o poder de regulação do sistema de ensino e responde diretamente por, se não toda, boa parte da oferta educacional. Refere-se ainda a sistemas de ensino nos quais não há barreiras formais à escolarização de nenhum grupo social.

Procuramos contemplar nessa definição tanto o ideal de justiça distributiva em educação, quanto o ideal do reconhecimento das diversidades. Então, por um lado, ela pretende definir um padrão de distribuição justa de resultados que materializam o direito à educação. Uma vez que entendemos desigualdade como uma relação (Bobbio, 1993Bobbio, Norberto. (1993), Igualdad y libertad. Barcelona: Ed. Paidós Ibérica.), a definição de distribuição justa de resultados educacionais será construída por uma abordagem relacional (Carter, Reardon, 2014), comparando resultados alcançados por grupos de estudantes.

Por outro lado, essa definição pretende ser compatível com uma sociedade na qual a diversidade histórico-cultural e a de valores morais e políticos é não somente legítima, como também o reconhecimento dessas diversidades é um valor que precede as prerrogativas individuais. Essa segunda exigência diz respeito, sobretudo, à natureza da cultura comum que cabe à escola transmitir. Como argumentaremos a seguir, ela deve permitir aos diferentes sujeitos o exercício da cidadania, a disputa justa por posições e bens na sociedade e a persecução de seus próprios e diversos fins. Sendo assim, a distribuição justa de educação, o que inclui uma certa cultura comum, é condição para que o reconhecimento da diversidade possa se dar em termos equitativos.

Os sujeitos a quem se refere nossa definição de justiça distributiva de educação constituem a população em idade escolar de um determinado território, correspondente a um certo nível de governo que responde por sistemas de ensino (por exemplo, município, estado, união). Os agentes sobre os quais a definição incide e pretende ver responsabilizados são o Estado e as instituições responsáveis pelo atendimento da população. Sendo assim, nossa definição de justiça educacional está referida às instituições educacionais – o Estado e os sistemas de ensino – e não aos indivíduos – famílias, estudantes e professores – e suas práticas6 6 . A distinção entre princípios de justiça voltados às instituições e aos indivíduos está presente em Rawls (2006 [1971]-: 62 e segs.) e é retomada por Allen (2016). Com base nessa distinção, nos concentramos no Estado, que é o responsável pela regulação e pela maior parte da oferta educacional, embora o art. 205 da Constituição Federal brasileira de 1988 mencione a família como corresponsável pela educação. .

Assumimos que a justiça educacional se objetiva em resultados justos, que são a materialização do direito7 7 . Não é nosso objetivo aqui discutir as condições necessárias à produção desses resultados. No entanto, ao discutir os resultados, pretendemos enfatizar que os recursos e as condições de aprendizagem devem ser oferecidos visando a realização deles. . Nos concentramos em três resultados. O primeiro é o acesso universal à matrícula escolar em idade adequada; o segundo é a permanência escolar, na qual distinguimos dois resultados: o ritmo da trajetória e a conclusão das etapas da escolarização. Desse modo, todas as pessoas matriculadas devem ser matriculadas na idade adequada e devem prosseguir em seus estudos com trajetória regular entre as séries escolares e concluir as etapas da escolarização obrigatória. O terceiro é a aprendizagem dos saberes que devem ser desenvolvidos durante a vida escolar, que compõem uma cultura comum e são necessários ao desenvolvimento de potencialidades dos indivíduos e ao exercício da cidadania8 8 . Como Satz (2007), nossa definição de cidadania remonta ao trabalho clássico de T. H. Marshall (1977), que a entende como as condições civis, políticas e socioeconômicas necessárias para alguém ser membro pleno da sociedade. . A ordem desses resultados é importante, pois o acesso à matrícula precede a permanência, que precede a aprendizagem. Ou seja, ao se analisar a aprendizagem, é preciso considerar se foram assegurados, devidamente, o acesso à escola e a permanência. Caso contrário – se, por exemplo, a aprendizagem for observada isoladamente – pode-se estar desconsiderando injustiças dadas previamente.

Princípios de justiça

Uma vez definidos os resultados, é preciso definir como eles devem ser distribuídos entre os indivíduos, em uma situação de educação justa. Estamos de acordo com diversos autores que sustentam que esses resultados não podem ser abordados por um único princípio de justiça e que, ao contrário, um conceito de justiça em educação requer a mobilização de diferentes princípios, adequados a cada um dos resultados (Cameron, Daga, Outhred, 2018; Brighouse, 2010Brighouse, Harry. (2010), "Educational equality and school reform". In: G. Haydon (ed), Educational Equality. London: Continuum International Publishing Group., Satz, 2007Satz, Debra. (2007), "Equality, adequacy, and education for citizenship". Ethics, v. 117, n. 4, pp. 623-648.; Reich, 2013Reich, Bob. (2013), "Equality, adequacy and K-12 education". In: Allen, Danielle; Reich, Bob (eds.), Education, Justice, and Democracy. Chicago and London: The University of Chicago Press.). Por esse motivo, discutiremos a seguir os princípios de justiça adequados aos nossos fins e, em seguida, sintetizaremos a nossa concepção de justiça em educação.

Um primeiro princípio de justiça a ser considerado é a igualdade de resultados entre indivíduos. Ele não aceita nenhuma variação de resultados entre indivíduos e, por isso, tem aplicação limitada apenas a certos resultados, notadamente, o acesso à matrícula e a conclusão da escolarização obrigatória. Isso posto, a condição primeira para que um sistema de ensino seja justo é que todas as pessoas em idade escolar do território observado tenham, ao longo de toda a educação obrigatória, acesso à matrícula escolar correspondente a sua idade e aos anos escolares por elas já cumpridos9 9 . As metas 1 e 2 do Plano Nacional de Educação brasileiro publicado em 2014 (PNE 2014), expressam esse ideal ao estipularem, respectivamente, que “todas as crianças de 4 e 5 anos devem estar matriculadas na Educação Infantil” e que “toda a população de 6 a 14 anos deve estar matriculada no Ensino Fundamental de 9 anos” (Brasil, 2014). . Além disso, uma vez assegurada a matrícula a todas as pessoas, todas essas pessoas devem concluir a escolarização obrigatória10 10 . A meta 4.1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Unesco expressa esse ideal ao prever que todas as meninas e meninos devem concluir a educação primária e secundária (Unesco, 2015). Esse é também o horizonte que guia as metas do PNE brasileiro, embora suas metas prevejam realizações parciais desse objetivo: 95% de taxa de conclusão no Ensino Fundamental na idade recomendada, a universalização da matrícula da população de 15 a 17 anos e o aumento progressivo das taxas líquidas de matrícula no Ensino Médio (Brasil, 2014). .

Contudo, a igualdade de resultados não pode ser aplicada a outros resultados, para os quais, sob certas condições precisas, alguma variação de resultados entre indivíduos não somente é inevitável como pode ser aceita. São os casos do ritmo das trajetórias e das aprendizagens. Afinal, não é razoável supor e assumir como ideal normativo que toda uma coorte de nascimento, uma vez matriculada na série inicial em idade adequada, vá progredir no mesmo ritmo, sem variação alguma entre indivíduos, até a conclusão da escolarização obrigatória.

Tampouco é razoável estipular como ideal normativo a igualdade de resultados de aprendizagem entre indivíduos, almejando-se que todos os estudantes de uma mesma série tenham aprendizagens iguais, expressas em proficiências idênticas. Afinal, se fosse possível produzir uma situação de igualdade de proficiência entre todos os indivíduos da população, essa situação requereria o sacrifício do desenvolvimento das pessoas que poderiam alcançar níveis de rara excelência. Essa situação seria indesejável não só por ferir o direito de as pessoas desenvolverem seus potenciais, mas também porque a sociedade como um todo pode se beneficiar da excelência de alguns indivíduos.

Muitos indicadores resolvem o problema da variação de resultados entre indivíduos lançando mão de médias. Nem sempre, porém, explicitam os pressupostos normativos e metodológicos assumidos ao fazê-lo. Médias pressupõem, como hipótese, que os resultados mais altos compensariam os mais baixos. Portanto, sintetizam a população observada em um sujeito abstrato – o aluno médio – que é produzido pelo apagamento de todas as características que distinguem e definem sejam os indivíduos, sejam os grupos sociais. Ora, essa suposição não é adequada porque, antes de tudo, a educação é um direito das pessoas, que não podem ser abstraídas em favor de um sujeito inexistente: o aluno médio.

Como evidencia Waltenberg (2006), subjacente às médias, há um princípio de justiça de matriz utilitarista segundo o qual o que importa é a maximização da soma dos resultados observados na população – que pode ser resumida no resultado do indivíduo médio – e não a distribuição desses resultados entre indivíduos e grupos sociais observáveis. Mutatis mutandis, analisar a distribuição justa de educação por meio de médias é como analisar a distribuição justa de riqueza por meio do Produto Interno Bruto (PIB) per capita11 11 . O PNE (Brasil, 2014), na sua meta 7, adota médias para traçar metas de aprendizagem, ao visar valores para a média nacional do IDEB. . Ao induzirem à busca da maximização da soma dos resultados na população, sem nada informar sobre o padrão das distribuições dos valores que resumem, as médias aceitam qualquer variação de resultados, inclusive as mais injustas: grandes desigualdades entre indivíduos ou altas proporções de indivíduos com resultados baixos. Além disso, as médias podem ser aumentadas com o crescimento de desigualdades12 12 . Ver, a esse respeito, Alves, Soares e Xavier (2016). .

Frequentemente, esses limites das médias são contornados pela comparação de médias de grupos de estudantes definidos por características sociais tais como nível socioeconômico, raça e sexo13 13 . Essa é a solução empregada em muitos trabalhos de organizações multilaterais e acadêmicos, como são os casos do relatório Education at a Glance, da OCDE, ou na World Inequality Database, da Unesco. . Embora essa solução permita certa análise das desigualdades entre grupos, ela transfere os limites da medida para o interior dos grupos. Uma vez que cada grupo passa a ser representado por um estudante médio, o que passa a importar é a soma dos resultados do grupo e não a distribuição dos resultados entre os indivíduos no interior do grupo. Algumas distribuições de resultados, porém, podem ser sintetizadas por médias aceitáveis, mas comportar situações inaceitáveis – por exemplo, muitos estudantes com resultados muito baixos.

Para lidar com a questão da variação entre indivíduos, há alternativas às médias que, como mostra Waltenberg (2006), decorrem de outras teorias da justiça. De um modo ou de outro, suas formulações recentes são tributárias da obra de John Rawls (1971-2006)14 14 . Cf Kymlicka (2003) para um balanço sistemático desse debate. , que renovou o debate sobre justiça distributiva e abriu caminho para teorias da justiça que procuram estabelecer a distinção entre variações inaceitáveis de resultados, porque caracterizaram desigualdades injustas, e variações que podem ser aceitas pelas instituições. É no interior deste debate aberto por Rawls que pretendemos situar nossa proposta.

No campo educacional, dois princípios de justiça alternativos às médias, ora tratados como excludentes e ora como conciliáveis, disputam a primazia da definição de qual variação de resultados entre indivíduos pode ser aceita: a igualdade entre grupos e a universalização de um nível básico adequado (Satz, 2007Satz, Debra. (2007), "Equality, adequacy, and education for citizenship". Ethics, v. 117, n. 4, pp. 623-648.; Reich, 2013Reich, Bob. (2013), "Equality, adequacy and K-12 education". In: Allen, Danielle; Reich, Bob (eds.), Education, Justice, and Democracy. Chicago and London: The University of Chicago Press.). Eles foram elaborados, primeiramente, no debate norte-americano e, em seguida, foram mobilizados em diversas outras realidades, nem sempre explicitamente15 15 . Meunier (2005) faz um balanço da formação dessas noções no debate anglo-saxão e de sua recepção em nove países europeus. . Os dois princípios foram elaborados na intersecção entre os campos político e científico e ambos emergiram primeiramente no campo político.

O princípio da igualdade entre grupos, por vezes nomeada como equidade, emergiu fortemente no campo educacional norte-americano a partir do caso Brown v. Board of Education, de 1954, pelo qual determinou-se que a oferta educacional deveria se dar em termos iguais (Reich, 1989). Além do caso Brown, o princípio da igualdade foi para o centro do debate político com o movimento social pelos direitos civis e as medidas aprovadas e implementadas durante o governo Lyndon B. Johnson, tais como o Civil Rights Act, de 1964, e a legislação sobre Bem-Estar Social chamada War on Poverty, também de 1964, da qual fez parte o Elementary and Secondary Education Act, de 1965.

A construção da igualdade como valor central no campo político produziu consequências no campo científico, das quais destacamos duas: levou o problema das desigualdades em educação, que já vinham sendo abordadas, para o centro do debate sociológico (Walters, 2007Walters, Pamela B. (2007), Betwixt and between discipline and profession: A history of sociology of education. History of Sociology in America. (Ed. C. Calhoun): University of Chicago Press: Chicago.) e contribuiu para a renovação do debate sobre justiça social. Em 1966, foi publicado o célebre relatório Equality of Educational Opportuniy, coordenado por James Coleman, que havia sido encomendado pelo governo federal em atendimento a uma determinação do Civil Rights Act (Walters, 2007Walters, Pamela B. (2007), Betwixt and between discipline and profession: A history of sociology of education. History of Sociology in America. (Ed. C. Calhoun): University of Chicago Press: Chicago.; Brooke, Soares, 2008). Em 1971, John Rawls publicaria sua Teoria da Justiça. Embora tenha sua tido sua centralidade disputada, a agenda derivada do caso Brown continua, ainda hoje, a alimentar trabalhos sobre desigualdade e segregação (Reardon, Owen, 2014).

O segundo princípio recebe três nomes diferentes – adequação, suficiência e padrão mínimo – que, embora suas nuances, expressam uma mesma ideia: a fixação de um certo piso de resultados a ser universalizado. Ele emergiu no debate público posteriormente, especialmente nos anos 1980, em decorrência também de eventos ocorridos no campo político. Em 1983, no governo Ronald Reagan, a publicação do documento A Nation at Risk produziria uma inflexão no debate educacional, que, ao invés de priorizar a igualdade, passaria a enfatizar o aumento do nível da aprendizagem e a dar atenção especial a dois grupos: os estudantes que não aprendiam o mínimo considerado aceitável e aqueles que atingiam níveis altos de proficiência. Em 1989, a Suprema Corte de Kentucky decidiu que a educação deveria ser provida em nível adequado e, a partir dos anos 1990, outras supremas cortes estaduais tomaram decisões baseadas na mesma tese. Esses eventos deslocaram a agenda política do princípio da igualdade para o princípio do nível mínimo adequado e tiveram como corolário o programa No Child Left Behind, de 2001, durante o governo de George W. Bush (Reich, 1989). Essa guinada no debate político teve efeito tanto sobre a agenda da pesquisa em sociologia da educação, tirando do centro do debate a temática das desigualdades (Walters, 2007Walters, Pamela B. (2007), Betwixt and between discipline and profession: A history of sociology of education. History of Sociology in America. (Ed. C. Calhoun): University of Chicago Press: Chicago.), quanto sobre as teorias de justiça, fortalecendo a centralidade do princípio do nível mínimo adequado (Reich, 1989).

O princípio do nível mínimo adequado estipula um piso que deve ser universalizado a todos os indivíduos e aceita, por consequência, variações apenas acima desse patamar. É um princípio de justiça universalista e não está organizado em função das características que definem grupos sociais (Fleurbaey, 1995Fleurbaey, Marc. (1995), "Equal opportunity or equal social outcome?" Economics and Philosophy, 11, pp. 25-55.). Ele comporta uma preocupação não contemplada pelas médias: atenção àqueles que estão nas posições mais desfavorecidas16 16 . Esse é um princípio usado em medidas de pobreza socioeconômica e que também está presente na meta 5 do PNE (Brasil, 2014), que estipula que todas as crianças devem estar alfabetizadas até o 3 ano do Ensino Fundamental. . Portanto, tem a virtude de evitar a privação em termos absolutos. Esse é um argumento forte a seu favor.

Não obstante, ele não informa nada sobre a variação de resultados acima do piso mínimo, aceitando a partir daí qualquer variação, inclusive as nitidamente injustas. Por exemplo, ele aceita que a proporção de indivíduos com altos níveis de proficiência esteja concentrada em certos grupos sociais. Satz (2007)Satz, Debra. (2007), "Equality, adequacy, and education for citizenship". Ethics, v. 117, n. 4, pp. 623-648., que advoga uma concepção igualitarista de adequação, e Reich (2013)Reich, Bob. (2013), "Equality, adequacy and K-12 education". In: Allen, Danielle; Reich, Bob (eds.), Education, Justice, and Democracy. Chicago and London: The University of Chicago Press., que advoga a centralidade do princípio da igualdade, concordam que a objeção mais forte ao princípio do padrão mínimo adequado vem da constatação de que ele desconsidera que educação é um bem posicional. Isto é, o valor extrínseco da educação – sua conversibilidade em posições no espaço social e em bens simbólicos e materiais – é relativo e dependente de outros não terem alcançado aqueles resultados. Em suma, o princípio do padrão mínimo adequado não evita a privação relativa. Esse é um argumento forte contra ele.

Portanto, o nível básico adequado é um princípio de justiça que torna aceitável que os maiores benefícios sociais associados à educação escolar possam ser controlados por grupos sociais específicos, que obterão resultados mais altos. Em suma, ele ignora a reprodução dos privilégios dos grupos em maior vantagem no espaço escolar, razão pela qual é um princípio de justiça insuficiente para os nossos propósitos. Para que sua virtude seja mobilizada – o combate à privação absoluta dos mais desfavorecidos – ele deve estar associado ao princípio da igualdade ou equidade.

Igualdade e desigualdade são relações e, sendo assim, para abordá-las é necessário responder a duas perguntas: Desigualdade de quê? Desigualdade entre quem? Por consequência, o tratamento da desigualdade e da igualdade requer princípios de justiça construídos em função de características dos sujeitos (Fleurbaey, 1995Fleurbaey, Marc. (1995), "Equal opportunity or equal social outcome?" Economics and Philosophy, 11, pp. 25-55.).

John E. Roemer, em Equality of Opportunity (1998), propõe que sejam consideradas injustas – e, portanto, inaceitáveis – as desigualdades de resultados entre grupos da população definidos por atributos que são explicativos desses resultados e pelos quais os indivíduos não podem ser responsabilizados. A definição de Roemer aceita diferenças entre indivíduos no interior dos grupos, mas não aceita diferenças entre os grupos. Ele chama tais grupos de tipos:

(...) a type comprises the set of individuals with the same circumstances, where circumstances are those aspects of one’s environment (including, perhaps, one’s biological characteristics) that are beyond one’s control, but that also influence the outcomes of interest (Roemer, Trannoy, 2016:1293).

O princípio da igualdade de oportunidades roemeriano é objeto de críticas. É recorrente o questionamento de sua aplicabilidade à educação escolar básica porque não há fundamentação aceitável para a responsabilização de crianças e adolescentes por seus resultados escolares, dado que não são sujeitos morais completamente formados (Cameron, Daga, Outhred, 2018; Fleurbaey, 1995Fleurbaey, Marc. (1995), "Equal opportunity or equal social outcome?" Economics and Philosophy, 11, pp. 25-55.; Reich, 2013Reich, Bob. (2013), "Equality, adequacy and K-12 education". In: Allen, Danielle; Reich, Bob (eds.), Education, Justice, and Democracy. Chicago and London: The University of Chicago Press.; Satz, 2007Satz, Debra. (2007), "Equality, adequacy, and education for citizenship". Ethics, v. 117, n. 4, pp. 623-648.). Uma segunda crítica sustenta que esse princípio, por si só, nada diz sobre o padrão das distribuições de resultados, que no seu conjunto podem se dar em patamares inaceitavelmente baixos (Reich, 2013Reich, Bob. (2013), "Equality, adequacy and K-12 education". In: Allen, Danielle; Reich, Bob (eds.), Education, Justice, and Democracy. Chicago and London: The University of Chicago Press.) e/ou podem contemplar resultados inaceitavelmente baixos para as pessoas em pior condição (Brighouse, 2010Brighouse, Harry. (2010), "Educational equality and school reform". In: G. Haydon (ed), Educational Equality. London: Continuum International Publishing Group.; Fleurbaey, 1995Fleurbaey, Marc. (1995), "Equal opportunity or equal social outcome?" Economics and Philosophy, 11, pp. 25-55.).

Há, na literatura, propostas para resolver a primeira crítica, relativa à responsabilização indevida. A Unesco (Cameron, Daga, Outhred, 2018) preserva a medida roemeriana, mas sob o nome de imparcialidade. Assim, ela busca, por um lado, restringir o objetivo da medida para a comparação de grupos, observando situações de injustiça entre eles, e, por outro, tirar de cena o debate sobre a responsabilização de indivíduos. A Unesco, além disso, para dar conta dos limites do princípio da imparcialidade, combina-o com outros princípios. Fleurbaey (1995)Fleurbaey, Marc. (1995), "Equal opportunity or equal social outcome?" Economics and Philosophy, 11, pp. 25-55., por sua vez, não adota a medida roemeriana e propõe uma solução alternativa: defende que a sociedade e o Estado sejam responsabilizados apenas por alguns resultados, que deveriam ser universalizados, e desloca para o âmbito das famílias a responsabilidade pela variação restante de resultados.

Também há, na literatura, propostas que permitem abordar a segunda crítica, relativa ao padrão da distribuição de resultados. Fundamentalmente, elas propõem a correspondência da distribuição dos resultados observados a distribuições assumidas como padrões normativos. Fleurbaey (1995)Fleurbaey, Marc. (1995), "Equal opportunity or equal social outcome?" Economics and Philosophy, 11, pp. 25-55. não trata especificamente de educação, mas em seu debate direto com Roemer propõe a substituição da igualdade entre grupos por níveis mínimos universais, transferindo a responsabilidade pela variação restante para os sujeitos e as famílias. Satz (2007)Satz, Debra. (2007), "Equality, adequacy, and education for citizenship". Ethics, v. 117, n. 4, pp. 623-648. também defende o princípio dos níveis mínimos universais, que chama de adequação, mas reconhece que educação é um bem posicional e por isso defende que deve haver igualdade entre grupos na obtenção dos resultados mais altos17 17 . “Adequacy views must look to not only the bottom of the distribution but also to the top of the distribution. Children of all walks of life must have a fair chance at access to elite universities and the career oportunities that depend on such access. The more that education is positional, the more that adequacy will converge with vertical equality of oportunity views” (Satz, 2007:643-644). . Brighouse (2010)Brighouse, Harry. (2010), "Educational equality and school reform". In: G. Haydon (ed), Educational Equality. London: Continuum International Publishing Group. e Reich (2013)Reich, Bob. (2013), "Equality, adequacy and K-12 education". In: Allen, Danielle; Reich, Bob (eds.), Education, Justice, and Democracy. Chicago and London: The University of Chicago Press. também defendem a igualdade entre grupos, formulada como proporções iguais de indivíduos desde os resultados mais baixos até os mais altos, e defendem que um nível mínimo deve ser universalizado.

Nossa proposta para abordar a variação aceitável de resultados – ritmo da trajetória e aprendizagens – incorpora parcialmente a definição de Roemer. Defendemos que deve haver igualdade entre grupos sociais definidos nos termos dos tipos roemerianos. Chamaremos de equidade a igualdade de resultados entre grupos, para distingui-la com mais precisão da igualdade de resultados entre indivíduos.

Não obstante, reconhecemos a pertinência das críticas feitas ao modelo roemeriano. Concordamos que a igualdade entre grupos não é um princípio suficiente e que as variações de resultados entre indivíduos no interior dos grupos precisam ser abordadas. Para lidar com essas objeções, propomos a seguinte solução: defendemos que a distribuição dos resultados entre indivíduos deve obedecer a um certo padrão normativo, que chamaremos de nível. O nível, por um lado, deve assegurar a universalização de mínimos adequados, o que chamaremos de suficiência. Por outro lado, o nível também deve estimular a concentração de estudantes com resultados mais altos, situação que chamaremos de excelência.

Quanto ao problema da responsabilização indevida, a partir de Rawls (1971/2006) e Allen (2016)Allen, Danielle. (2016), "Two concepts of education". In: Education and equality. Chicago and London: The University of Chicago Press., enfatizamos que nossa definição de justiça educacional procura incidir sobre as instituições e não sobre os indivíduos e suas práticas. Dessa forma, a combinação do princípio de equidade com o princípio do nível procura tão somente identificar as desigualdades injustas pelas quais o Estado e as instituições responsáveis pela oferta educacional devem ser responsabilizados e sobre as quais devem agir. Tal como a Unesco (Cameron, Daga, Outhred, 2018), procuramos tirar do escopo de nossa abordagem o problema da responsabilização pelas variações individuais restantes no interior dos grupos. Inspirados em Fleurbaey (1995)Fleurbaey, Marc. (1995), "Equal opportunity or equal social outcome?" Economics and Philosophy, 11, pp. 25-55. e Allen (2016)Allen, Danielle. (2016), "Two concepts of education". In: Education and equality. Chicago and London: The University of Chicago Press., argumentamos que essas variações devem ser deslocadas para o âmbito dos sujeitos – famílias, estudantes e professores – e de suas práticas, o que requer um outro debate.

Em síntese, caracterizaremos uma dada situação como sendo equitativa ou desigual a partir da comparação entre distribuição de resultados de grupos de estudantes formados por características sociais fortemente associadas à variação desses resultados, a saber: nível socioeconômico, raça e gênero. Dessa forma, por exemplo, se for caracterizada diferença nas distribuições das trajetórias de estudantes do Ensino Fundamental e/ou na distribuição de proficiências em Matemática entre estudantes autodeclarados brancos e pretos de uma determinada série escolar, isso significará que a identificação racial estará associada a essas desigualdades entre esses grupos e que, portanto, elas são injustas e devem ser objetos da ação do Estado e das instituições responsáveis pela oferta educacional.

Para a abordagem da aprendizagem, é preciso estabelecer uma outra precisão conceitual. Do vasto debate sobre currículo, retemos apenas que há um conjunto de saberes que, nas sociedades contemporâneas, deve constituir uma cultura comum (Williams, 2015Williams, Raymond. (2015), "A cultura é algo comum". In: ____ Recursos da Esperança. São Paulo: Ed. Unesp.; Bourdieu, 2019a; 2019b). Esses saberes possuem tanto um valor intrínseco, à medida que permitem o desenvolvimento de atributos assumidos como valores em si, quanto um valor extrínseco, uma vez que se expressam em relações sociais de poder que têm consequências sobre as possibilidades de os indivíduos ocuparem posições associadas a direitos e deveres e se apropriarem de riquezas produzidas pela cooperação social (Satz, 2007Satz, Debra. (2007), "Equality, adequacy, and education for citizenship". Ethics, v. 117, n. 4, pp. 623-648.; Reich, 2013Reich, Bob. (2013), "Equality, adequacy and K-12 education". In: Allen, Danielle; Reich, Bob (eds.), Education, Justice, and Democracy. Chicago and London: The University of Chicago Press.; Young, 2016Young, Michael F. D. (2016), "Por que o conhecimento é importante para as escolas do século XXI?". Cadernos de Pesquisa [online]. v. 46, n. 159, pp. 18-37. Disponível em: < https://doi.org/10.1590/198053143533>.
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).

Constam desses saberes, por exemplo, aqueles relativos a determinados usos sociais da língua escrita e de conhecimentos matemáticos. Se é bem verdade que esses saberes estão longe de esgotar o currículo e mesmo a cultura comum a ser transmitida, eles, no entanto, são centrais. Alegar que formam uma cultura comum em hipótese alguma significa dizer que formam pessoas iguais. Ao contrário, por seus valores intrínsecos, esses saberes permitem formas de subjetivação e desenvolvimento de modalidades de pensamento, sensibilidade e práticas que podem ser orientadas pelas mais diversas direções. Por seus valores extrínsecos, eles são essenciais para que as pessoas possam exercer seus direitos e deveres e se apropriar de frutos da cooperação social. Essa cultura comum, portanto, é parte dos direitos de cidadania e é uma das condições para que a diversidade possa se manifestar e ser reconhecida em termos justos.

Ao menos em parte, esses saberes podem ser objetivados em resultados de provas padronizadas que, por sua vez, podem ser medidos e padronizados em escalas de proficiência. Essas medidas devem ser relevantes social e pedagogicamente; elas também podem ser usadas para a construção de indicadores quantitativos que, por sua vez, expressarão concepções de justiça educacional.

Justiça em educação

Uma vez tendo apresentado os resultados e os princípios de justiça, podemos sintetizar a definição de justiça em educação com a qual trabalhamos. Tendo em vista a estrutura de precedência dos resultados que caracterizam a justiça educacional, as instituições responsáveis por assegurar o direito à educação escolar para a população de um dado território devem garantir as seguintes realizações.

Em primeiro lugar, o acesso universal à matrícula escolar correspondente à idade e aos anos escolares já cumpridos pela pessoa, desde a série inicial até a final da educação escolar obrigatória. Em segundo lugar, devem assegurar a universalização da conclusão da educação básica obrigatória, aceitando uma variação bem restrita apenas no ritmo das trajetórias, porém de modo a assegurar ao mesmo tempo a igualdade entre grupos (equidade) e um nível definido tanto pela universalização de um ritmo mínimo (suficiência) quanto pela busca da maior proporção possível de estudantes com o ritmo máximo (excelência).

Em terceiro lugar, no que diz respeito às aprendizagens, uma educação justa deve assegurar em todas as séries, ao mesmo tempo, a igualdade entre as distribuições de proficiência dos indivíduos de todos os grupos sociais (equidade) e um nível definido tanto pela universalização de um patamar mínimo de aprendizagem (suficiência) quanto pela maior proporção possível de estudantes com aprendizagens mais altas (excelência).

Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (IDeA)18

A definição de justiça educacional que propomos pode se expressar em diferentes indicadores, que serão formas de verificar sua materialização. Se os resultados observados não assumirem o padrão estipulado pelo conceito, poderão ser considerados injustos. A priorização dos problemas e dos resultados a serem alcançados, bem como a definição de metas, devem ser feitas a partir da análise de situações concretas; esse é o terreno da política.

O Brasil já possui um amplo sistema de dados, que permite a construção de indicadores compatíveis com essa definição. Para verificar o acesso à escola, o melhor indicador é a taxa líquida de matrícula para diferentes faixas etárias, calculada em diferentes níveis de governo. Em âmbito municipal, pode ser feito com os dados do Censo Demográfico, realizado a cada dez anos, ou por projeções populacionais acopladas aos resultados do Censo Escolar. Para os estados e algumas regiões metropolitanas, essa taxa pode ser calculada anualmente com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Por meio dessas informações, sabemos que os problemas de acesso se restringem à Educação Infantil, que ainda não está universalizada, mesmo que progressos substanciais tenham sido observados nos últimos anos, e sabemos também que há um grande problema de abandono que se inicia no segundo segmento do Ensino Fundamental e se torna mais agudo no Ensino Médio19 19 . As taxas líquidas de matrícula no país, em 2018, eram as seguintes: 81,4% das crianças de 4 e 5 anos matriculadas em escolas ou creches; 98,4% das pessoas de 6 a 14 anos estavam matriculadas ou já haviam completado o Ensino Fundamental; 55,3% dos jovens de 15 a 17 anos estavam matriculados no Ensino Médio ou já haviam completado a educação básica (Cf. http://simec.mec.gov.br/pde/graficopne.php. Consultado em 28/05/2019). .

A permanência escolar pode ser analisada pela observação, para coortes de nascimento, de seu fluxo escolar e suas taxas de conclusão das etapas da Educação Básica. As informações do Censo Demográfico, das PNADs e do Censo Escolar permitem construir essas coortes e acompanhá-las longitudinalmente, identificando, para cada estudante que um dia foi matriculado em uma escola, para cada ano-calendário, se ele está matriculado e, se está, qual é o seu ano-escolar. Assim, é possível calcular as taxas de conclusão e o ritmo das trajetórias por coorte. É possível, em cada coorte, medir taxas de conclusão e os ritmos das trajetórias para diferentes grupos sociais20 20 . Soares, Alves e Fonseca (2021) analisaram as desigualdades de trajetórias com abordagem compatível à que expomos. .

Neste artigo, contudo, nos deteremos na construção de um indicador para monitorar as aprendizagens, o IDeA. Esse indicador aborda, com uma mesma metodologia, duas dimensões: o nível de aprendizagem e a equidade/desigualdade de aprendizagem.

Para caracterizar o nível de aprendizagem, o IDeA usa a distância entre, por um lado, a distribuição da proficiência das aprendizagens de uma disciplina, observadas no conjunto dos estudantes de um determinado município, na série analisada, e, por outro lado, uma distribuição de aprendizagens assumida como referência desejável no atual momento do país.

O cálculo dessa distribuição de referência foi definido por Soares e Delgado (2016). O procedimento metodológico análogo ao usado na definição das metas do IDEB21 21 . Sobre a construção do IDEB, cf. Fernandes (2007). . Inicialmente, foi calculada a mudança que deveria acontecer na distribuição das aprendizagens do conjunto dos estudantes brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) para que o país obtivesse o desempenho equivalente ao de um país típico da OCDE22 22 . Os países considerados por Soares e Delgado (2016) foram: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Suécia e Suíça. . Em seguida, tal mudança foi aplicada à distribuição da aprendizagem do conjunto dos estudantes brasileiros medida pela Prova Brasil23 23 . Este procedimento não assume que os aprendizados no PISA e na Prova Brasil sejam iguais ou equivalentes. Ele assume tão somente que o tamanho da defasagem do conjunto dos alunos brasileiros no PISA é uma medida adequada da melhoria que a distribuição do aprendizado dos estudantes brasileiros deveria ter na Prova Brasil. . A distribuição assim obtida foi considerada uma referência e, portanto, uma meta adequada para este momento da história do país.

Cabem duas ressalvas sobre a distribuição de referência. A primeira é que as competências medidas na Prova Brasil e no PISA não são as mesmas e, por isso, a distribuição de referência para a Prova Brasil não deve ser interpretada nos termos do PISA. A segunda é que outras distribuições de referência são possíveis e a escolhida se justifica por dirigir o olhar para o cenário internacional e de contemplar as duas exigências para a medida de nível de aprendizagem: suficiência e excelência.

Para cada série e ano, a distribuição contínua pode ser discretizada segundo as faixas de aprendizado da escala da Prova Brasil, o que nos leva às proporções abaixo.

Tabela 1
Proporção de estudantes das distribuições de referência por faixa de proficiência na Prova Brasil

Para caracterizar e medir as situações de equidade ou de desigualdade, o IDeA calcula a distância entre a distribuição de aprendizagens de grupos no interior do município, formados pelos indivíduos que têm determinadas características que são correlacionadas às proficiências: nível socioeconômico, raça e sexo. Assim, para cada série e disciplina, são calculadas as distâncias entre a distribuição das proficiências de pessoas de nível socioeconômico mais baixo e a de pessoas de nível socioeconômico mais alto, entre a distribuição das proficiências das pessoas autodeclaradas pretas e a das pessoas autodeclaradas brancas, entre a distribuição das proficiências das meninas e a dos meninos.

A definição da forma específica de calcular estas distâncias nos municípios foi possível depois de terem sido vencidos três desafios, que serão apresentados a seguir. O primeiro foi a escolha de uma medida adequada aos nossos fins, uma vez que, como argumentaremos, os indicadores comumente usados para medir desigualdade de renda não são adequados a eles. O segundo foi a construção de uma metodologia que permite o cálculo de desigualdades em situações nas quais há poucos estudantes nos grupos que deverão compor as medidas. O terceiro foi a definição de faixas interpretativas para os valores obtidos.

Coeficiente de Gini, índice de Theil e divergência de Kulbach-Leibler

A ampla difusão no debate público de medidas de desigualdade de renda sugere que elas podem ser usadas para medir desigualdades de aprendizagem. Contudo, elas não são adequadas para a análise da justiça em educação tal qual a definimos. Por essa razão, antes de apresentarmos a medida que é compatível com nossa conceituação, a divergência de Kulbach-Leibler, devemos argumentar porque não utilizamos duas comumente lembradas: o coeficiente de Gini e o índice de Theil.

Tanto o coeficiente de Gini como o índice de Theil podem ser entendidos como medidas que comparam distribuições estatísticas e sintetizam a distância entre uma situação observada e uma distribuição na qual todos os indivíduos têm a mesma renda. Essas medidas assumem, implicitamente, três pressupostos: primeiro, que a distribuição observada deve ser comparada com uma distribuição na qual há igualdade de resultados entre indivíduos; segundo, que há uma quantidade total e fixa de renda que está sendo distribuída entre indivíduos; terceiro, que pode haver transferência de quantidades de renda de um indivíduo para outro, diminuindo a renda dos que concentram mais para aumentar a dos que concentram menos, de modo a se produzir situações menos desiguais.

Esses pressupostos, contudo, não podem ser assumidos para a realidade educacional. Em primeiro lugar porque, como argumentamos anteriormente, a igualdade de resultados entre indivíduos não é um princípio adequado, podendo ser aceitas certas variações de resultados. Em segundo porque, no campo educacional, não faz sentido supor uma quantidade total e fixa de conhecimento a ser dividida. Em terceiro lugar porque, quando uma pessoa divide o seu conhecimento com outra, compartilhando-o, ela não passa a conhecer menos do que conhecia antes, não se torna mais “pobre” em conhecimento.

Assim, para medir desigualdades de aprendizagem, é preciso construir indicadores que aceitem, simultaneamente, três pressupostos da realidade educacional, isto é: a) a distribuição assumida como referência normativa deve aceitar alguma variação nas proficiências; b) o conhecimento deve ser assumido como variável e virtualmente infinito; e c) a transferência de conhecimento não deve implicar redução do conhecimento daquele que o transferiu.

Nem o coeficiente de Gini nem o índice de Theil atendem, ao mesmo tempo, a essas três exigências. O coeficiente de Gini compara, no domínio das rendas, uma distribuição observada com uma distribuição de referência na qual todos os indivíduos têm o mesmo valor, sem permitir que a distribuição de referência seja alterada de modo a aceitar alguma diferença entre escores individuais.

O índice de Theil sintetiza a distância entre uma distribuição observada e uma situação de igualdade representada por uma distribuição uniforme discreta, no domínio das pessoas, na qual todas as pessoas recebem a mesma proporção. O índice de Theil, empregado para medir distribuição de renda, é calculado no domínio das pessoas; ou seja, trata da renda alocada a cada pessoa.

No IDeA, para tratar da distribuição de aprendizagem, adotamos a ideia de medida de distância entre distribuições implícita no índice de Theil, mas com duas mudanças. Em primeiro lugar, mudamos o domínio da informação analisada: tratamos do domínio das proficiências, ao invés do domínio das pessoas; ou seja, tratamos da proporção de pessoas nos escores de aprendizagem. A mudança de domínio tem uma consequência importante nos valores do indicador, pois permite que não seja necessário supor uma quantidade finita de conhecimento a ser distribuída, o que ocorre quando se considera o domínio das pessoas. Ao serem comparadas distribuições de pessoas em vez de escores de aprendizagem, pode-se supor que as pessoas podem ter seus escores aumentados, sem que outras tenham sua aprendizagem reduzida24 24 . Transpostos para análise de aprendizagens, o Gini e o Theil tratariam da distribuição de escores de proficiência no domínio das pessoas. Como esses indicadores supõem uma quantidade fixa de bens a serem distribuídos, para a desigualdade de aprendizagem ser reduzida, deveria haver a redução de concentração das pessoas nos valores mais altos de proficiência. No caso da renda, isso pode ser feito, por exemplo, por meio de políticas redistributivas definidas na tributação e no gasto público. Mas isso não é adequado à análise educacional. A democratização da alfabetização, por exemplo, jamais requereu que essas elites passassem a saber menos do que sabiam antes das políticas de expansão escolar. . Em segundo lugar, assumimos como referência uma situação na qual os escores têm proporções diferentes de pessoas. Dessa forma, asseguramos que os três pressupostos para uma medida de desigualdade de aprendizagem fossem contemplados simultaneamente.

O algoritmo do IDeA pode ser descrito como uma generalização do índice de Theil para distribuições contínuas. São comparadas, através da divergência de Kullbach-Leibler, duas distribuições no domínio dos escores de aprendizagem. A medida usada no IDeA é construída calculando-se, em cada ponto do domínio da distribuição, a razão entre as densidades nas duas distribuições. Por motivos técnicos, a medida trabalha com o logaritmo dessa razão, ponderado pela densidade de estudantes na distribuição assumida como referência. Essa medida pode ser interpretada como a mudança que deve ocorrer na distribuição observada para que ela se torne a distribuição assumida como referência.

Essa medida foi adotada tanto para medir o nível de aprendizagem quanto as desigualdades. Para analisar o nível de aprendizagem em uma dada disciplina e série, calculamos a distância entre a distribuição empírica das proficiências do conjunto dos estudantes de um município e a distribuição assumida como referência25 25 . Se um município tiver uma maior concentração de estudantes em valores mais altos de proficiência do que o defnido na referência, a KL indicará isso atribuindo a ele valores positivos. No Brasil, hoje, são raros os municípios nessa situação e não há casos de KL positiva nas duas disciplinas e nos anos escolares analisados. A distibuição de referência tem validade histórica: na hipótese de uma melhoria educacional expressiva no país, outra distribuição de referência deverá ser construída. . Para analisar as desigualdades de aprendizagem em uma dada disciplina e série, calculamos a distância entre a distribuição das proficiências do grupo socialmente em desvantagem e a distribuição das proficiências do grupo socialmente em vantagem.

O IDeA foi calculado para os municípios brasileiros, restringindo-se à descrição da aprendizagem dos indivíduos que estão matriculados no último ano de cada segmento do Ensino Fundamental26 26 . Para informações mais detalhadas sobre os aspectos metodológicos do IDeA, cf. Soares, Castilho e Delgado (2018). . Por isso, é um indicador restrito à população escolar que realiza a prova, não fornecendo informações sobre aqueles que saíram do sistema de ensino ou que não chegaram a concluir o segmento, mesmo tendo idade para tanto.

Foram usadas informações da Prova Brasil de 2007 até 2017. Para a composição das amostras necessárias para nossos cálculos e para permitir a construção de séries históricas, elas foram agrupadas em quatro conjuntos de três edições em cada: 2007-09-11; 2009-11-13; 2011-13-15 e 2013-15-17. A partir de agora, elas serão referidas pelo último ano da tríade. Com as informações dessas provas, calculamos o nível da aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática no 5o e no 9o ano. Para cada disciplina e ano escolar, calculamos também as desigualdades de aprendizagem entre grupos de nível socioeconômico mais baixo e mais alto, pessoas pretas e pessoas brancas, e meninas e meninos.

Imputação de estudantes

A qualidade das medidas que compõem o IDeA depende do número de estudantes dos municípios. Afinal, a partir dos estudantes que fizeram a prova foram inferidas as distribuições de proficiência usadas para calcular as distâncias, tanto as que geraram as medidas de nível de aprendizagem, quanto as que geraram as medidas de desigualdade. Quando o número de estudantes no município é pequeno, as estimativas tornam-se precárias, já que a informação produzida por elas não permite representar bem a distribuição de proficiências da totalidade dos alunos. Essa situação é comum em municípios com população pequena, sendo ainda mais frequente quando se quer comparar desigualdades entre grupos dentro de municípios.

No Brasil, há um vasto predomínio de municípios com população pequena. Segundo a estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2021, considerando o total de 5.570 municípios, os 25% deles com menor população tinham até 5.540 habitantes e concentravam apenas 2,3% da população nacional. Metade dos municípios tinha até 11.732 habitantes e concentravam 7,7% da população; 75% tinham até 25.765 habitantes e concentravam 19,1% da população total. A população brasileira está concentrada em poucos municípios. 80,9% dela está no um quarto de municípios mais populosos. 50% da população está concentrada em 3,6% dos municípios com mais de 154.600 habitantes e 33% dela se concentra no 1% dos municípios (56) com mais de 430.000 habitantes.

Esse obstáculo pode ser contornado por meio de modelos estatísticos pois, apesar de haver muitos municípios com informações insuficientes, no conjunto dos dados municipais há informações que permitem estimar, para cada um deles, distribuições de proficiência tanto para o conjunto dos seus estudantes – necessária para o cálculo do nível de aprendizagem –, quanto para subconjuntos de estudantes definidos por NSE, raça e sexo – necessárias para calcular as desigualdades. Para calcular esses valores, adotamos a técnica de bootstrap paramétrico, que consistiu em, inicialmente, ajustar modelos para estimar os parâmetros das distribuições de proficiência e, em seguida, gerar valores, a partir desses modelos, que representam os valores que seriam observados se o número de estudantes do município fosse maior, sempre respeitando as características do município27 27 . Esse problema é objeto de um artigo específico, em elaboração. Aqui, apresentaremos a solução dada em seus aspectos mais gerais. .

O procedimento para a expansão das amostras foi o seguinte. Definimos os municípios que precisariam ter suas amostras ampliadas e a quantidade de observações que deveriam ser adicionadas a essas amostras, fossem elas para calcular seu nível de aprendizagem ou para calcular suas desigualdades. Paralelamente, ajustamos um modelo para todos os municípios brasileiros, o que nos permitiu estimar os parâmetros das distribuições de proficiência de onde poderíamos gerar as informações a serem acrescentadas nas amostras municipais. De posse dessas informações, geramos os valores de proficiências que foram integrados às amostras originais dos municípios.

Inicialmente, definimos o tamanho das amostras de estudantes abaixo dos quais seria necessário incluir os dados simulados, mesmo considerando a soma de estudantes das três edições da prova sob análise. Para o nível da aprendizagem do conjunto dos estudantes do município, adotamos como amostra mínima 100 alunos. Já para o cálculo das desigualdades intramunicipais, definimos o tamanho mínimo de 30 alunos em cada grupo analisado.

Adotamos critérios diferentes para definir a quantidade de dados simulados a serem incluídos nos grupos usados para a análise das desigualdades e nos grupos para a análise do nível de aprendizagem. Para compor os grupos considerados para a análise das desigualdades, foi sempre incluído o número de estudantes simulados necessários para que o grupo completasse 30 indivíduos; desse modo, ao final foram comparados com grupos com no mínimo 30 indivíduos. No entanto, para a composição das amostras de estudantes para o cálculo do nível, esse mesmo procedimento era inadequado. Se fôssemos incluir o número de estudantes simulados até a amostra municipal completar 100 estudantes, teríamos, no caso de municípios com população pequena, amostras formadas majoritariamente por dados simulados, o que poderia descaracterizar o município e gerar medidas imprecisas.

Então, para assegurar amostras suficientes e minimizar esses riscos, procedemos da seguinte maneira. Em cada tríade de provas e em cada série analisada, observamos a distribuição do número de estudantes dos municípios com menos de 100 estudantes. Em seguida, para cada distribuição, calculamos a diferença entre o primeiro quartil e o valor mínimo. O valor assim obtido foi assumido como o número máximo de estudantes a serem integrados às amostras, o que assegurou que todos os municípios tivessem, pelo menos, o tamanho da amostra do primeiro quartil. O número de estudantes efetivamente incluídos em cada município variou, porém, em função da quantidade necessária para chegar a 100. Sempre que a diferença para 100 foi menor que o número máximo a ser incluído, a quantidade efetivamente incluída foi menor do que o máximo possível de inclusões28 28 . Por exemplo, para a tríade terminada em 2015, no 5 ano, a menor amostra de estudantes foi 15 e o primeiro quartil foi 47 estudantes; desse modo, o número máximo de estudantes a serem incluídos foi 32. O município de Castanheiros (RO), que tinha 36 alunos, recebeu 32 estudantes simulados, ficando ao final com uma amostra de 68 estudantes. Por sua vez, Carmolândia (TO), que tinha 91 estudantes, recebeu apenas 9 estudantes obtidos por simulação. .

Na segunda etapa, usamos o conjunto dos dados municipais disponíveis para ajustar um modelo de regressão multinível para estimar parâmetros das distribuições de proficiências de onde seriam gerados os valores a serem acrescentados nas amostras dos municípios. Optamos por um modelo de regressão hierárquica em dois níveis: município e estudante. Como variáveis explicativas, usamos: ano da prova, sexo do estudante, raça do estudante, NSE do estudante e NSE médio da escola do estudante. O modelo estimou efeitos, válidos para todo o Brasil, que medem o impacto de cada uma dessas variáveis sobre as proficiências. Além disso, para cada município, o modelo estimou o efeito específico que as variáveis NSE, raça, sexo têm nele sobre as proficiências dos estudantes.

Com esse procedimento, foi possível calcular, para todos os municípios brasileiros, em cada edição da prova, para o 5o e o 9o anos e para as duas disciplinas avaliadas, valores esperados das proficiências dos estudantes, de acordo com as variáveis explicativas. Também foi possível estimar a variabilidade em torno desses valores, que foi obtida pelo desvio-padrão do efeito aleatório associado aos estudantes.

De posse desses parâmetros, construímos um conjunto de distribuições de proficiências. Uma vez que as distribuições de proficiências variam entre as escolas em função do seu NSE, optamos por gerar distribuições por escola. Em todas as escolas, foram construídas 8 distribuições por tipos de estudante definidos por todas as combinações possíveis dos valores de três variáveis: NSE (1 e 5), raça (pretos e brancos) e sexo (meninas e meninos).

Essas distribuições foram usadas para a ampliação das amostras municipais. Para gerar os valores usados para calcular o nível de aprendizagem, inicialmente calculamos a proporção de matrículas entre as escolas de cada município e, em cada escola, as proporções de estudantes por NSE, raça e sexo. Considerando essas proporções, foram feitos sorteios independentes para NSE, raça e sexo com a finalidade de selecionar um dos 8 tipos de aluno. Definido o tipo, a proficiência a ser integrada à amostra municipal foi definida por sorteio dentro da distribuição de proficiências do tipo previamente sorteado. O número de sorteios por escola foi definido pelo número de estudantes necessários no município, respeitando as proporções dos estudantes do município entre as escolas.

Para gerar os valores que iriam compor as amostras para o cálculo das desigualdades, procedemos assim: em cada escola, inicialmente foi fixada a característica definidora do grupo cuja amostra deveria ser ampliada (p. ex., NSE 5). Em seguida, foram feitos dois sorteios independentes para as duas outras características (p. ex., raça e sexo) que definiu a seleção de um dos quatro tipos possíveis (p. ex. NS5, preto e menina). Isso feito, a proficiência a ser integrada à amostra municipal foi definida por sorteio dentro da distribuição de proficiências. O número de sorteios nas escolas foi definido pelo número de estudantes necessários para compor a amostra do grupo em questão no município, respeitando a distribuição das proporções dos estudantes daquele grupo entre as escolas do município.

Categorias interpretativas da medida

Uma vez asseguradas amostras mínimas a todos os municípios, o IDeA pode, então, ser calculado. Cabe ressaltar que, no caso dos municípios em que a população original de estudantes era muito pequena, os valores calculados são dependentes do processo de simulação, estando sujeitos a maiores flutuações aleatórias29 29 . Na divulgação dos resultados por município, informamos quando os valores foram calculados com simulação de amostra. .

A Kulbach-Leibler (KL), em teoria, pode assumir valores positivos ou negativos ilimitados. Empiricamente, porém, com a exceção das desigualdades por sexo, a maior parte dos seus valores será expressa em números negativos, de modo que, quanto menores forem os valores, maior será a distância entre as distribuições. Para interpretar esses valores, eles foram agrupados em faixas que podem ser traduzidas pela linguagem da Prova Brasil.

Para a interpretação do nível de aprendizagem, a escala da KL foi dividida em cinco faixas: baixa, médio-baixa, média, médio-alta e alta. Os valores foram definidos a partir da tríade de provas terminada em 2017 e, em seguida, adotados em todas as janelas temporais analisadas.

Tabela 2
KL dos níveis de aprendizagem

Esses valores foram definidos a partir das faixas de interpretação do IDEB construídas por Soares e Xavier (2013)Soares, José Francisco; Xavier, Flávia P. (2013), Pressupostos educacionais e estatísticos do Ideb. Educação e Sociedade, v. 34, n.124, pp. 903-923.. Essa escolha faz sentido porque tanto o IDEB como o IDeA estão apoiados na Prova Brasil e, por isso, embora os valores de cada um desses indicadores nos municípios possam variar, as faixas interpretativas das medidas devem ser parecidas.

As faixas interpretativas para as desigualdades adotam um padrão para NSE e raça e outro para sexo. Para as desigualdades por NSE e por raça, definimos três faixas interpretativas principais: desigualdade, equidade e situações atípicas. Equidade corresponde às situações nas quais assumimos que as distribuições de proficiência são equivalentes. Desigualdade é a faixa na qual assumimos que as distribuições de proficiência são diferentes e favorecem os estudantes de NSE mais alto ou os brancos; essa faixa foi subdividida, por clusterização, em três, de acordo com o tamanho das distâncias entre as distribuições: desigualdade, desigualdade alta e desigualdade extrema. As situações atípicas são a faixa na qual assumimos que distribuições são diferentes e favorecem os estudantes de NSE mais baixo ou os negros, contrariando a literatura científica. Essa faixa deve ser apontada mas sua interpretação requer cautela. Há muito poucos municípios nessa condição, eles têm população pequena, tiveram suas amostras ampliadas por imputação e as distâncias verificadas estão próximas da situação de equidade.

Para as desigualdades por sexo, não há situações atípicas e, por isso, há apenas duas faixas principais: equidade e desigualdades. As desigualdades, sejam elas em favor dos meninos ou das meninas, foram divididas, por clusterização, em três níveis: desigualdade baixa, desigualdade e desigualdade alta. Os níveis de desigualdade por sexo se diferenciam porque as desigualdades de aprendizagem por sexo são menores do que as por NSE ou raça e, além disso, tanto há um grupo bem definido com valores próximos da equidade, nomeado desigualdade baixa, quanto não há um cluster bem definido que possa ser caracterizado como desigualdade extrema.

Ao final, os valores definidos foram os seguintes:

Tabela 3
KL das situações atípicas, de equidade e dos níveis de desigualdade

Resultados

Nesta seção apresentaremos dois conjuntos de resultados obtidos pelo IDeA30 30 . Os resultados para cada município estão disponíveis no Portal IDeA, no qual há um conjunto de recursos para visualização dos dados. Estão sendo preparados trabalhos descritivos que apresentarão resultados mais pormenorizados, com apoio de mapas e gráficos. No presente artigo, por razões de espaço, nos limitaremos às tabelas que apresentam os padrões mais gerais dos resultados. . O primeiro identifica padrões na relação entre nível de aprendizagem e desigualdades. O segundo identifica as características das distribuições municipais de aprendizagem que são mais fortemente associadas à variação da posição dos municípios entre as faixas de nível de aprendizagem e de desigualdades.

No que diz respeito à relação entre nível de aprendizagem e as desigualdades por NSE e raça, tal como se observa nas tabelas de 4 a 7 , identificamos um padrão geral, válido para as duas disciplinas. Quando os dados são analisados sincronicamente, em uma dada tríade de provas, nota-se que, como regra geral, o aumento do nível de aprendizagem está correlacionado ao aumento da proporção de municípios em situação de desigualdade. Desse modo, quando se observa os municípios em níveis de aprendizagem mais altos, aqueles que apresentam equidade por NSE ou raça são raros e aqueles que apresentam desigualdades são mais frequentes; porém, inversamente, quando se observa os municípios em níveis de aprendizagem mais baixos, aqueles que apresentam equidade por NSE ou raça são mais frequentes e aqueles que apresentam níveis mais altos de desigualdade são mais raros.

Tabela 4
Nível e Desigualdade de Aprendizagem em Língua Portuguesa por NSE no 5o ano entre municípios brasileiros31

Tabela 5
Nível e Desigualdade de Aprendizagem por raça em Língua Portuguesa no 5o ano entre municípios brasileiros

Tabela 6
Nível e Desigualdade de Aprendizagem em Matemática por NSE no 9o ano entre municípios brasileiros

Tabela 7
Nível e Desigualdade de Aprendizagem em Matemática por raça no 9o ano entre municípios brasileiros

Esse padrão é consistente ao longo do tempo. Foi verificado em todos os conjuntos de dados analisados. Ao analisar as séries históricas, a principal mudança observada é que o padrão foi intensificado nas situações em que houve maior aumento do nível de aprendizagem e que ele foi mantido nas situações em que houve maior estagnação no nível de aprendizagem.

Dois pares de tabelas a seguir evidenciam essa conclusão. Ambos apresentam dados para a primeira tríade, encerrada em 2011, e para a última, encerrada em 2017. O primeiro par, apresentado nas tabelas 4 e 5, corresponde à situação em que o país teve a maior melhoria em seu nível de aprendizagem: Língua Portuguesa no 5o ano. Note-se como o aumento dos municípios nos níveis mais altos de aprendizagem leva à diminuição dos casos em equidade e aumento dos casos de desigualdade tanto por NSE como por raça, aprofundando o padrão geral.

O segundo par de tabelas, de número 6 e 7, apresenta a situação em que o país teve a maior estagnação em seu nível de aprendizagem: Matemática no 9o ano. Note-se como o padrão das desigualdades por NSE e raça se mantém constante ao longo do tempo.

A relação entre nível de aprendizagem e as desigualdades por sexo obedece a um padrão diferente do que o verificado para NSE e raça. Em primeiro lugar, as desigualdades por sexo não são correlacionadas ao nível de aprendizagem em nenhuma das disciplinas. Em segundo, o padrão das desigualdades varia consideravelmente conforme a disciplina analisada: há muito mais municípios em situação de equidade em Matemática do que em Língua Portuguesa.

Quando se observa a evolução temporal desses dados, apresentados nas tabelas 8 e 9, o que se nota é a persistência dos padrões de desigualdades, que se mantêm relativamente constantes tanto na situação de maior aumento do nível de aprendizagem quanto na de maior estagnação. Os pares de dados abaixo evidenciam esses resultados.

Tabela 8
Nível e Desigualdade de Aprendizagem em Língua Portuguesa por sexo no 5o ano entre municípios brasileiros

Tabela 9
Nível e Desigualdade de Aprendizagem em Matemática por sexo no 9o ano entre municípios brasileiros

O segundo conjunto de resultados diz respeito às características das distribuições das proficiências dos estudantes dos municípios mais fortemente associadas à variação da posição dos municípios nas faixas de nível de aprendizagem e de desigualdades.

Em primeiro lugar, sustentamos que a redução das proporções de estudantes nos níveis mais baixos de proficiência, aquém do patamar básico que poderia caracterizar a suficiência, é importante para que eles passem do nível de aprendizagem baixo para o médio no IDeA; contudo, para que os municípios tenham nível alto de aprendizagem no IDeA, é necessário que, além da pequena proporção de estudantes com baixa aprendizagem (aproximando-se do ideal da suficiência), eles devem assegurar alta proporção de estudantes no nível adequado/avançado (aproximando-se do ideal da excelência).

As tabelas 10 e 11, abaixo, evidenciam essa conclusão. Elas apresentam a proporção mediana dos estudantes dos municípios em faixas de proficiência que discretizam a escala da Prova Brasil em três: abaixo do básico, básico, adequado/avançado (Soares, 2009Soares, José Francisco. (2009), "Índice de desenvolvimento da educação de São Paulo Idesp: bases metodológicas". São Paulo em Perspectiva, v. 23, n. 1, pp. 29-41.). Os municípios, por sua vez, estão agrupados segundo o seu nível de aprendizagem no IDeA. Optamos por apresentar os resultados de Língua Portuguesa no 5o ano porque é onde houve a maior melhoria no nível de aprendizagem ao longo dos anos.

Tabela 10
32 32 . Na Tabela 10 e nas seguintes, apresentamos informações para as faixas abaixo do básico e adequado/avançado porque possuem interpretação mais precisa, informando sobre a suficiência e a excelência. - Mediana da proporção de estudantes em faixas da Prova Brasil em Língua Portuguesa no 5o ano por níveis do IDeA (2011 e 2017) - proporção e diferença entre níveis do IDeA

Tabela 11
Mediana da proporção de estudantes em faixas da Prova Brasil em Língua Portuguesa no 5o ano por níveis do IDeA 2017 - proporção e diferença entre níveis do IDeA

A análise sincrônica dos resultados, considerando cada tríade de provas, evidencia a redução progressiva das proporções de estudantes nas faixas de proficiência abaixo do básico e o aumento da proporção deles na faixa adequado/avançado, conforme aumenta o nível de aprendizagem observado no IDeA. Contudo, essa variação entre os níveis de aprendizagem do IDeA não se dá com a mesma intensidade: conforme o nível de aprendizagem do IDeA cresce, a proporção de estudantes com proficiências mais altas aumenta mais intensamente do que se observa na redução de estudantes com proficiências mais baixas. A análise diacrônica dos resultados revela o que ocorreu com esse padrão na situação de aumento geral do nível de aprendizagem dos municípios. O que que vê é que as medianas observadas se mantêm estáveis, com uma variação importante, que confirma a conclusão: nos anos mais recentes, verifica-se o aumento da mediana da proporção de estudantes com proficiência mais alta nos maiores níveis do IDeA.

Como vimos anteriormente, o grupo de municípios com nível de aprendizagem mais alto no IDeA é majoritariamente formado por municípios desiguais. Por isso, quando observamos as distribuições de aprendizagem dos municípios entre os níveis de desigualdade concluímos que as maiores desigualdades no IDeA estão associadas tanto a uma dupla vantagem dos grupos favorecidos: os estudantes desses grupos têm menor chance de desenvolver as aprendizagens mais baixas (aproximando-se da realização do ideal da suficiência) e maior chance de atingir as aprendizagens mais altas (aproximando-se do ideal da excelência).

Para analisar o padrão das distribuições de proficiência no caso das desigualdades, calculamos a razão entre as proporções, para cada faixa de proficiência na Prova Brasil, de estudantes de cada grupo social. Sempre indicamos no numerador o grupo socialmente em vantagem (NSE 5; brancos; meninos) e, no denominador, o grupo socialmente em desvantagem (NSE 1; pretos; meninas). Todos os cálculos foram feitos para todos os municípios. Mostraremos os dados para Língua Portuguesa no 5o ano por NSE, por ser a situação em que houve o maior aumento do nível de aprendizagem e das desigualdades.

As tabelas 12 e 13 apresentam, para cada faixa de desigualdade do IDeA, as medianas das razões entre as proporções de estudantes dos municípios nas faixas de proficiência da Prova Brasil, para NSE. Quando se observa os municípios do grupo em equidade até o grupo com as desigualdades maiores, nota-se o duplo aumento da vantagem escolar dos grupos socialmente em vantagem.

Tabela 12
Razão da proporção de estudantes de NSE 1 e NSE 5 em faixas da Prova Brasil em Língua Portuguesa no 5o ano, por municípios brasileiros divididos por faixas de desigualdade do IDeA (2011)

Tabela 13
Razão da proporção de estudantes de NSE 1 e NSE 5 em faixas da Prova Brasil em Língua Portuguesa no 5o ano, por municípios brasileiros divididos por faixas de desigualdade do IDeA (2017)

Coda: isso e aquilo

Os indicadores educacionais estão ancorados em uma interpretação da realidade educacional na qual buscam incidir. Eles são instrumentos para a problematização dessa realidade e para a construção de uma perspectiva normativa que pretende orientar sua transformação. O IDeA nasce da identificação de uma questão social: as desigualdades educacionais são um problema urgente e devem ser observadas, assim como se deve observar o nível de aprendizagem.

A análise da realidade educacional brasileira no período de dez anos analisado pelo IDeA evidencia um padrão válido em todos os momentos: os municípios brasileiros, de modo geral, quando são mais equitativos o são em níveis mais baixos de aprendizagem e, quando têm níveis mais altos de aprendizagem, são mais desiguais. As exceções a esse padrão são raras. Além disso, o indicador mostra que, ao longo do tempo, nas situações em que há aumento do nível de aprendizagem esse padrão se intensifica: isto é, com o aumento do nível de aprendizagem ao longo dos anos, diminui a proporção de municípios equitativos e aumenta a proporção de municípios desiguais. Por sua vez, quando há estagnação do nível aprendizagem ao longo do tempo, o que se verifica é a manutenção do padrão.

Ao analisarmos as distribuições das aprendizagens dos estudantes dos municípios, notamos que os municípios que têm maior nível de aprendizagem têm também menor proporção de estudantes no nível abaixo do básico e maior proporção de estudantes no nível avançado da Prova Brasil; considerando-se ainda que a diferença mais sensível entre os municípios, quando atingem os níveis mais altos de aprendizagem, é o aumento da proporção de estudantes no nível adequado/avançado. Por sua vez, ao analisarmos as distribuições de aprendizagem dos grupos de estudantes dos municípios considerados para medir as desigualdades, notamos o seguinte: a maior desigualdade está associada tanto à menor probabilidade de o grupo favorecido desenvolver aprendizagens mais baixas (se aproximando do ideal da suficiência) quanto à sua maior chance de atingir as aprendizagens mais altas (se aproximando do ideal da excelência).

Diante desses resultados, sustentamos que a atenção aos estudantes socialmente em desvantagem, que têm níveis de aprendizagem muito baixo, tem enorme potencial para melhorar o conjunto dos resultados, tanto no que diz respeito ao aumento do nível de aprendizagem quanto no que se refere à redução das desigualdades. Decerto, o monitoramento da cauda inferior da curva de distribuição das proficiências é fundamental, pois atende ao princípio da suficiência.

No entanto, tanto a literatura especializada como os dados empíricos que apresentamos sustentam que o monitoramento das aprendizagens mais baixas não é suficiente para caracterizar uma situação de justiça educacional. Educação é um bem posicional e os benefícios sociais associados a ela, usufruídos pelos indivíduos, são largamente definidos pela diferença que os indivíduos têm no acesso aos níveis mais altos de aprendizagem em relação a outros indivíduos. O que os dados empíricos mostram é que não só o aumento do nível de aprendizagem está associado ao aumento das desigualdades, como esse aumento stá associado ao aumento da vantagem escolar que os grupos socialmente em vantagem têm sobre os demais, o que se traduz tanto na menor probabilidade de obtenção de níveis baixos, quanto na maior probabilidade de acesso aos níveis mais altos de aprendizagem.

No Brasil, as melhores oportunidades de aprendizagem se traduzem em aumento das desigualdades porque os grupos com mais trunfos se apropriam mais delas, aumentando sua vantagem sobre os demais. Esse padrão, como vimos, vem sendo reforçado ao longo dos anos. Em nossa proposta, o aumento do nível de aprendizagem deve vir acompanhado da redução das desigualdades em toda a distribuição de proficiências. Se não for assim, insistirmos, o país perderá de vista elementos muito importantes para a reprodução de suas desigualdades educacionais e, o que é mais grave, correrá o risco de alimentar os seus mecanismos de reprodução social de desigualdades por não estimular políticas que atuem contra a tendência secular de beneficiar mais intensamente os grupos mais privilegiados, cujos atributos sociais estão associados a vantagens escolares.

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Notas

  • 1
    . O SAEB é um conjunto de avaliações externas de larga escala, do qual o IDEB é parte. Cf https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/saeb.
  • 2
    . Cf. a série de webinários “Fundeb e desigualdades educacionais” ocorrida em 2021 e disponível no canal do Youtube da representação Unesco no Brasil : https://www.youtube.com/user/unescoPortuguese.
  • 3
  • 4
  • 5
  • 6
    . A distinção entre princípios de justiça voltados às instituições e aos indivíduos está presente em Rawls (2006 [1971]-: 62 e segs.) e é retomada por Allen (2016)Allen, Danielle. (2016), "Two concepts of education". In: Education and equality. Chicago and London: The University of Chicago Press.. Com base nessa distinção, nos concentramos no Estado, que é o responsável pela regulação e pela maior parte da oferta educacional, embora o art. 205 da Constituição Federal brasileira de 1988 mencione a família como corresponsável pela educação.
  • 7
    . Não é nosso objetivo aqui discutir as condições necessárias à produção desses resultados. No entanto, ao discutir os resultados, pretendemos enfatizar que os recursos e as condições de aprendizagem devem ser oferecidos visando a realização deles.
  • 8
    . Como Satz (2007)Satz, Debra. (2007), "Equality, adequacy, and education for citizenship". Ethics, v. 117, n. 4, pp. 623-648., nossa definição de cidadania remonta ao trabalho clássico de T. H. Marshall (1977), que a entende como as condições civis, políticas e socioeconômicas necessárias para alguém ser membro pleno da sociedade.
  • 9
    . As metas 1 e 2 do Plano Nacional de Educação brasileiro publicado em 2014 (PNE 2014), expressam esse ideal ao estipularem, respectivamente, que “todas as crianças de 4 e 5 anos devem estar matriculadas na Educação Infantil” e que “toda a população de 6 a 14 anos deve estar matriculada no Ensino Fundamental de 9 anos” (Brasil, 2014Brasil. (2014), Plano Nacional de Educação - Lei n. 13005/2014. Disponível em: http://pne.mec.gov.br/. Acesso em 26/10/2020.
    http://pne.mec.gov.br/...
    ).
  • 10
    . A meta 4.1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Unesco expressa esse ideal ao prever que todas as meninas e meninos devem concluir a educação primária e secundária (Unesco, 2015). Esse é também o horizonte que guia as metas do PNE brasileiro, embora suas metas prevejam realizações parciais desse objetivo: 95% de taxa de conclusão no Ensino Fundamental na idade recomendada, a universalização da matrícula da população de 15 a 17 anos e o aumento progressivo das taxas líquidas de matrícula no Ensino Médio (Brasil, 2014).
  • 11
    . O PNE (Brasil, 2014Brasil. (2014), Plano Nacional de Educação - Lei n. 13005/2014. Disponível em: http://pne.mec.gov.br/. Acesso em 26/10/2020.
    http://pne.mec.gov.br/...
    ), na sua meta 7, adota médias para traçar metas de aprendizagem, ao visar valores para a média nacional do IDEB.
  • 12
    . Ver, a esse respeito, Alves, Soares e Xavier (2016).
  • 13
    . Essa é a solução empregada em muitos trabalhos de organizações multilaterais e acadêmicos, como são os casos do relatório Education at a Glance, da OCDE, ou na World Inequality Database, da Unesco.
  • 14
    . Cf Kymlicka (2003)Kymlicka, Willy. (2003), Les théories de la justice: une introduction. Paris: La Découverte. para um balanço sistemático desse debate.
  • 15
    . Meunier (2005)Meunier, Olivier. (2005), Standards, compétences de base et socle commun. Lyon: INRP - Institut Nacional de Recherche Pédagogique (Les Dossiers de la Veille). faz um balanço da formação dessas noções no debate anglo-saxão e de sua recepção em nove países europeus.
  • 16
    . Esse é um princípio usado em medidas de pobreza socioeconômica e que também está presente na meta 5 do PNE (Brasil, 2014Brasil. (2014), Plano Nacional de Educação - Lei n. 13005/2014. Disponível em: http://pne.mec.gov.br/. Acesso em 26/10/2020.
    http://pne.mec.gov.br/...
    ), que estipula que todas as crianças devem estar alfabetizadas até o 3 ano do Ensino Fundamental.
  • 17
    . “Adequacy views must look to not only the bottom of the distribution but also to the top of the distribution. Children of all walks of life must have a fair chance at access to elite universities and the career oportunities that depend on such access. The more that education is positional, the more that adequacy will converge with vertical equality of oportunity views” (Satz, 2007Satz, Debra. (2007), "Equality, adequacy, and education for citizenship". Ethics, v. 117, n. 4, pp. 623-648.:643-644).
  • 18
    . Por limite de espaço, não é possível apresentar em detalhes todos os aspectos técnicos da construção do indicador. Um artigo específico para esse fim está sendo preparado. No Portal IDeA (https://portalidea.org.br/ ), é possível fazer download da base de dados e consultar os resultados com mais detalhes.
  • 19
    . As taxas líquidas de matrícula no país, em 2018, eram as seguintes: 81,4% das crianças de 4 e 5 anos matriculadas em escolas ou creches; 98,4% das pessoas de 6 a 14 anos estavam matriculadas ou já haviam completado o Ensino Fundamental; 55,3% dos jovens de 15 a 17 anos estavam matriculados no Ensino Médio ou já haviam completado a educação básica (Cf. http://simec.mec.gov.br/pde/graficopne.php. Consultado em 28/05/2019).
  • 20
    . Soares, Alves e Fonseca (2021) analisaram as desigualdades de trajetórias com abordagem compatível à que expomos.
  • 21
    . Sobre a construção do IDEB, cf. Fernandes (2007)Fernandes, Reynaldo. (2007), "Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)". Textos para Discussão, n. 16. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 26 p..
  • 22
    . Os países considerados por Soares e Delgado (2016) foram: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Suécia e Suíça.
  • 23
    . Este procedimento não assume que os aprendizados no PISA e na Prova Brasil sejam iguais ou equivalentes. Ele assume tão somente que o tamanho da defasagem do conjunto dos alunos brasileiros no PISA é uma medida adequada da melhoria que a distribuição do aprendizado dos estudantes brasileiros deveria ter na Prova Brasil.
  • 24
    . Transpostos para análise de aprendizagens, o Gini e o Theil tratariam da distribuição de escores de proficiência no domínio das pessoas. Como esses indicadores supõem uma quantidade fixa de bens a serem distribuídos, para a desigualdade de aprendizagem ser reduzida, deveria haver a redução de concentração das pessoas nos valores mais altos de proficiência. No caso da renda, isso pode ser feito, por exemplo, por meio de políticas redistributivas definidas na tributação e no gasto público. Mas isso não é adequado à análise educacional. A democratização da alfabetização, por exemplo, jamais requereu que essas elites passassem a saber menos do que sabiam antes das políticas de expansão escolar.
  • 25
    . Se um município tiver uma maior concentração de estudantes em valores mais altos de proficiência do que o defnido na referência, a KL indicará isso atribuindo a ele valores positivos. No Brasil, hoje, são raros os municípios nessa situação e não há casos de KL positiva nas duas disciplinas e nos anos escolares analisados. A distibuição de referência tem validade histórica: na hipótese de uma melhoria educacional expressiva no país, outra distribuição de referência deverá ser construída.
  • 26
    . Para informações mais detalhadas sobre os aspectos metodológicos do IDeA, cf. Soares, Castilho e Delgado (2018).
  • 27
    . Esse problema é objeto de um artigo específico, em elaboração. Aqui, apresentaremos a solução dada em seus aspectos mais gerais.
  • 28
    . Por exemplo, para a tríade terminada em 2015, no 5 ano, a menor amostra de estudantes foi 15 e o primeiro quartil foi 47 estudantes; desse modo, o número máximo de estudantes a serem incluídos foi 32. O município de Castanheiros (RO), que tinha 36 alunos, recebeu 32 estudantes simulados, ficando ao final com uma amostra de 68 estudantes. Por sua vez, Carmolândia (TO), que tinha 91 estudantes, recebeu apenas 9 estudantes obtidos por simulação.
  • 29
    . Na divulgação dos resultados por município, informamos quando os valores foram calculados com simulação de amostra.
  • 30
    . Os resultados para cada município estão disponíveis no Portal IDeA, no qual há um conjunto de recursos para visualização dos dados. Estão sendo preparados trabalhos descritivos que apresentarão resultados mais pormenorizados, com apoio de mapas e gráficos. No presente artigo, por razões de espaço, nos limitaremos às tabelas que apresentam os padrões mais gerais dos resultados.
  • 31
    . Optamos por não fazer a totalização dos resultados por linha para evidenciar a variação do percentual de municípios entre as faixas do nível de aprendizagem. Outras informações estão disponíveis no portal onde também é possível fazer download da base de dados.
  • 32
    . Na Tabela 10 e nas seguintes, apresentamos informações para as faixas abaixo do básico e adequado/avançado porque possuem interpretação mais precisa, informando sobre a suficiência e a excelência.
  • *
    Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Desigualdades Educacionais no Brasil contemporâneo, sediado no Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e conta com o apoio da Fundação Tide Setúbal. Os autores agradecem a colaboração de Vitor Maia Senna Delgado, Carolina Silva Pena e Fernanda Luíza Tobias, que atuaram no projeto em diferentes momentos.

Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Abr 2025

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2022
  • Recebido
    3 Fev 2023
  • Aceito
    10 Mar 2023
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