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DEBATEDORES

Inquéritos e a avaliação das políticas de saúde

Surveys and health policies evaluation

José Carvalho de Noronha1 1 Departamento de Políticas, Planejamento e Administração em Saúde do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Departamento de Informações em Saúde do Centro de Informação Científica e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz. Presidente da Abrasco

Departamento de Políticas, Planejamento e Administração em Saúde do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Departamento de Informações em Saúde do Centro de Informação Científica e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz. Presidente da Abrasco

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Carvalho de Noronha noronha@uerj.br

Um dos grandes problemas apresentados aos reformadores de sistemas de saúde consiste em detectar se a implementação de suas proposições está sendo capaz de alterar a situação corrente para um patamar de melhor desempenho, definido a partir dos objetivos propostos para a reforma. No caso da Reforma Sanitária Brasileira, iniciada a partir dos anos 80, acordaram-se princípios gerais e organizacionais que deveriam assegurar uma melhoria das condições de saúde e do acesso a ações e serviços de saúde. Esses princípios foram incluídos na Constituição de 1988 e na legislação complementar (leis 8.080 e 8.142) promulgada em 1990. O direito à saúde deve implicar a implementação de políticas sociais e econômicas que tenham impacto na redução de riscos de doenças e na garantia do acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. A estratégia organizacional determinada para o sistema de saúde centra-se na organização de uma rede regionalizada e hierarquizada que obedeça às diretrizes da descentralização, do atendimento integral com prioridade para as ações preventivas, sem detrimento dos serviços assistenciais, e da garantia da participação da comunidade.

Há dois caminhos avaliativos a serem perseguidos: o primeiro consiste na verificação sistemática do cumprimento formal das diretrizes e estratégias e o outro, verificado este cumprimento, em que medida podem ser observadas alterações para melhor, seja no estado de saúde, seja no acesso aos serviços, e em que medida essas alterações podem ser imputadas às mudanças promovidas. Evidentemente não é tarefa fácil, nem há metodologia abrangente ou para a qual haja sido estabelecido grau razoável de consenso.

Um segundo grupo de questões, não menos relevante, diz respeito à ordenação e ao agrupamento das intervenções sanitárias segundo prioridades tanto de problemas de saúde, quanto de grupos populacionais específicos, com a finalidade de atribuir recursos e/ou orientar escolhas tecnológicas.

As dificuldades conceituais e metodológicas são grandes para os dois grupos aqui apresentados. Já é antigo, extenso e inconcluso o debate sobre o conceito de saúde e não há pretensão de rediscuti-lo neste texto. Poderá ser encontrada uma breve revisão em Glouberman (2000). Contudo não se podem deixar de lado as considerações sobre os objetivos de aumento do tempo de vida, redução de incapacidades e do sofrimento físico e psíquico, a prevenção das enfermidades e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, inerentes à organização dos sistemas de saúde. Estas considerações, se de um lado facilitam a identificação e o desenho de instrumentos de mensuração, por outro podem conduzir ao estreitamento conceitual de só considerar objeto de verificação aquilo que for mensurável, ou pior, mensurável com as limitações do instrumento de medida.

Um outro conjunto de problemas diz respeito ao estabelecimento de nexos de sucessão e à identificação das associações entre variáveis, dificuldade aumentada em função do léxico de classificação de enfermidades, que mistura categorias etiológicas, anatômicas, fisiopatológicas e funcionais, que torna extremamente difícil os processos de atribuição e ponderação da determinação causal. A avaliação da chamada integralidade do cuidado e ênfase nas ações preventivas requer a incorporação à análise de dimensões relativas à história "natural" das doenças e a variáveis de risco socioeconômicas, biológicas e associadas a estilos de vida.

Essas digressões são relevantes para identificar o alcance dos sistemas de informações quando orientados para a avaliação de políticas e a definição de prioridades e, por conseqüência, das possibilidades e limitações de cada processo específico de obtenção das informações. Consideradas essas restrições, o problema que se segue é o de apreciar se, obtidas as informações, elas serão incorporadas efetivamente para essas finalidades.

A geração de informações em saúde no Brasil desenvolveu-se enormemente nos últimos vinte anos. Apesar de todas as limitações ainda existentes, para quem conheceu um sistema de apuração de dados de mortalidade circunscrito às capitais brasileiras, é surpreendente o crescimento e sofisticação alcançados pelos sistemas de mortalidade, nascidos vivos e aqueles vinculados às prestações do SUS.

Com as restrições apontadas por Viacava, essas bases de dados já têm propiciado um considerável número de análises sobre situação de saúde, medida pela mortalidade, morbidade hospitalar e agravos de notificação compulsória, e sua evolução temporal e, até mesmo, avaliação das desigualdades de níveis de saúde, utilizando o território como base de diferenciação. Mais recentemente, a incorporação ao Sinasc de informações sobre escolaridade da mãe, utilização de serviços de pré-natal e assistência ao parto, tem permitido algum grau de sofisticação na análise entre grupos sociais e na influência do uso de serviços em resultados, como peso ao nascer ou mortalidade. Ver, por exemplo, Victora & Barros, 2001. A incorporação de variáveis que permitam a identificação de outros espaços de desigualdade às bases regulares de informação em saúde deve merecer uma atenção especial. Também merece destaque a necessidade de universalização das bases atualmente restritas aos serviços do Sistema Único de Saúde, como é o caso dos Sistemas de Informação Hospitalar e Ambulatorial.

Uma ferramenta adicional, que ainda não encontrou espaço em nosso país, e que é largamente utilizada em vários países, é o inquérito de altas hospitalares e atendimentos ambulatoriais, absolutamente necessários para a avaliação de dimensões como a continuidade e integralidade do cuidado. Uma alternativa a esses inquéritos é a estruturação de um sistema conexo ao do Cartão Nacional de Saúde, cuja implantação merece prioridade.

Entretanto, como salienta Viacava em seu artigo, um grande conjunto de informações só pode ser obtido por inquéritos populacionais que, embora já empregados no Brasil, ainda carecem do alcance e regularidade desejáveis para a avaliação de políticas e definição de prioridades. As dimensões relativas à auto-avaliação de necessidades de cuidado, a existência de incapacidades e limitações de atividades, a prevalência de condições crônicas, estilos de vida (como consumo de drogas, atividades físicas, dieta), consumo de medicamentos, acesso a serviços de saúde, gastos das famílias com saúde e correlatos e satisfação dos usuários, não têm outra forma de avaliação. Sobretudo, como é o caso, quando se deseja associar variáveis que permitam a identificação de espaços de desigualdades a serem superados e grupos prioritários de intervenção.

Evidentemente que os inquéritos não resolvem ­ a menos que sejam multiplicados em nível local, o que é irrealizável ­ as questões das diferenças e mudanças de microáreas e têm as limitações de tratar problemas de saúde cuja prevalência não seja elevada, porque requereriam tamanhos amostrais impraticáveis.

Como salientou Dachs et al. (2002), para que os inquéritos tenham a eficácia desejada, é preciso que se multipliquem esforços nacionais e regionais para aprimorar os instrumentos de coleta e se alarguem os processos de análise dos dados obtidos.

Outro aspecto relevante abordado por Viacava diz respeito ao marco institucional de desenvolvimento da política de informação em saúde. Ainda há grande dispersão no Ministério da Saúde com muitos pontos de geração e definição de informações submetidos a linhas hierárquicas distintas. Apesar do grande avanço representado pela constituição da Ripsa, promovendo um espaço de articulação ao interior do Ministério e com outras agências governamentais como o IBGE, sua intervenção tem extrapolado com dificuldades os limites da elaboração do IDB (que representa, aliás, um avanço considerável), e ainda não dispõe de mandato suficientemente forte para a definição da política de informação.

A Abrasco tem defendido com muito vigor o fortalecimento e desenvolvimento de uma "inteligência sanitária" que permita aos gestores, profissionais de saúde, pesquisadores, empresários, prestadores de serviço, usuários e instâncias de controle social o acompanhamento informado das políticas de saúde. Isto deve dar-se ao longo de três linhas que foram debatidas em diversos fóruns em anos recentes. A primeira resultou da Oficina de Trabalho promovida em conjunto com o Ministério da Saúde em 1994 sobre o Uso e Disseminação de Informações em Saúde e consiste na criação de uma Comissão Nacional de Informações em Saúde, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde, para assessorá-lo na definição e acompanhamento da política de informação em saúde (Brasil, 1994). A segunda, que consta do III Plano Diretor da Comissão de Epidemiologia da Abrasco (Abrasco, 2000), reconhece ser urgente a necessidade de fortalecer o Órgão Central de Epidemiologia do SUS, com a mobilização da competência técnico-científica no campo da epidemiologia no país. E a terceira passa pelo fortalecimento da Ripsa como fórum de articulação da execução da política de informação em saúde.

Finalmente, é preciso salientar o caráter público das informações em saúde. Isto implica responsabilidades públicas para o desenvolvimento do sistema de informações em saúde e a garantia do acesso livre e gratuito às informações e análises produzidas. O princípio constitucional do dever do Estado em garantir o direito à saúde assim requer.

Referências bibliográficas

Abrasco 2000. III Plano Diretor para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil. Abrasco, Rio de Janeiro.

Brasil. Ministério da Saúde. Grupo Especial para a Descentralização 1994. Uso e disseminação de informações em saúde: subsídios para a elaboração de uma política de informações para o SUS. Oficina de trabalho; Relatório final/Ministério da Saúde; Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Abrasco, Rio de Janeiro

Dachs NW et al. 2002. Inequalities in health in Latin America and the Caribbean: descriptive and exploratory results for self-reported health problems and health care intwelve countries. Revista Panamericana de Salud Publica 11(5/6):335-355.

Glouberman S 2000. A survey of the concepts of health and illness, pp. 26-37 In Glouberman S. Towards a new perspective on health policy. Renouf Publishing, Ottawa.

Victora CG & Barros FC 2001. Infant mortality due to perinatal causes in Brazil: trends, regional patterns and possible interventions. São Paulo Medical Journal 119(1):33-42.

Produção de informações na busca da eqüidade em saúde

Production of information toward health equity

Estela Maria Leão de Aquino1 1 MUSA ­ Programa de Estudos em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia

MUSA ­ Programa de Estudos em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Estela Maria Leão de Aquino estela@ufba.br

O artigo de Francisco Viacava trata de um tema estratégico para a construção de políticas de saúde adequadas às necessidades nacionais e aos desafios contemporâneos de superação das enormes desigualdades sociais no Brasil.

O debate em torno dos limites e potencialidades das informações em saúde disponíveis no país não é recente, tendo assumido especial relevância com o processo de democratização e de reforma da saúde, a partir dos pressupostos de universalidade, integralidade e eqüidade da atenção, inscritos na Constituição Federal de 1988.

A constatação da existência de uma grande disponibilidade de informações, organizadas em bases de dados de abrangência nacional, acompanhou-se da identificação de problemas de compatibilização e integração, duplicação de esforços, falta de capacitação técnica para o manuseio e a análise dos dados produzidos, mas, principalmente, da inadequação dos bancos de dados às necessidades gerenciais (Moraes et al., 1994). Adicionalmente, esses limites se acentuam quanto maior o nível de desagregação geográfica, o que, evidentemente, tem conseqüências significativas do ponto de vista da descentralização e municipalização da assistência. Isso motivou um conjunto de iniciativas para sua superação, envolvendo esforços de padronização, compatibilização, integração e disponibilização das bases. Na Abrasco, essas iniciativas incluíram a realização de várias oficinas e reuniões de trabalho, bem como a constituição de um grupo de trabalho permanente, em parceria com a Abep, sobre informações em população e saúde, expressando a importância conferida ao tema nessas associações.

O artigo inicia-se com um diagnóstico bastante ilustrativo das diferentes fontes existentes, segundo a natureza dos dados produzidos, as quais ultrapassam o âmbito setorial, com destaque para as pesquisas especiais do IBGE. Tomando por referência o conceito ampliado de saúde, definido na VIII Conferência Nacional de Saúde (1986), segundo o qual essa seria "resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde" (Constituição Federal, 1988, art. 217, § único), outras fontes certamente poderiam ser lembradas. A título de exemplo, podemos citar as estatísticas ainda precárias do sistema judiciário, que informam sobre as denúncias e queixas de violência, revelando o lado oculto do iceberg que as expressivas estatísticas de mortalidade por causas externas anunciam. Para se ter uma idéia da potencialidade dessas fontes, dados relativos aos registros de ocorrência nas delegacias de proteção às mulheres revelam que a violência doméstica constitui a maioria dos atos praticados contra as mesmas em todas as regiões do país (Saffioti, 1994; Franco, 2000; Fundação Seade, 2000) e que as lesões corporais constituem parte significativa das ocorrências; através desses dados emergem ainda os estupros, que expressam uma outra modalidade da violência contra as mulheres: a violência sexual praticada muitas vezes por pessoas com relações de parentesco, amizade ou vizinhança com a vítima e que dificilmente ganham visibilidade nas estatísticas de saúde rotineiras.

Francisco Viacava chama também a atenção para os limites das bases de dados existentes quanto à qualidade e à cobertura dos sistemas de informações em saúde, com grandes diferenças regionais e os piores resultados nas regiões Norte e Nordeste do país. Sendo os dados produzidos em sua maioria a partir dos contatos com serviços de saúde, certamente refletem as grandes desigualdades existentes no acesso à assistência médica e as disparidades na organização da oferta da atenção. Entretanto, como é bem apontado pelo autor, os problemas de subnotificação afetam diferentemente grupos populacionais e grupos de causas de adoecimento e morte, obscurecendo, por exemplo, uma parte significativa das complicações da gravidez, do parto e do puerpério, as quais acometem mais e assumem maior gravidade entre mulheres pobres, com maiores barreiras de acesso à atenção e menor capacidade de vocalização de suas demandas de saúde. Esta e qualquer outra condição cuja atenção esteja associada a mecanismos de exclusão social, evidentemente, estarão sub-representadas quando mensuradas a partir das estatísticas oficiais. Isso porque, se é verdade que nem todo problema de saúde se expressa como uma demanda de serviços, em uma sociedade medicalizada como a brasileira, vale mais a premissa de que nem toda demanda é atendida e, entre as que o são, o grau de resolutividade varia muito e acompanha a distribuição desigual de cuidados e de acesso aos recursos de saúde.

É preciso assinalar que outros fatores de ordem moral e cultural também contribuem para a qualidade das informações, influindo no diagnóstico médico, que em última instância serve de base para a categorização dos problemas de saúde e motivos de busca de cuidados. A hierarquização de prioridades com base nessa categorização encontra-se, portanto, intrinsecamente influenciada por esses fatores. Como ilustração, pode ser apontada a relevância do aborto como motivo de internação e causa de morte, entre mulheres jovens e adolescentes, que tende a ser obscurecida nos diagnósticos de saúde e, consequentemente, na eleição de prioridades de ação setorial.

Como o próprio autor deixa claro, outros limites decorrentes da natureza dos dados produzidos têm impedido a análise adequada dos determinantes do processo saúde-doença-cuidado, de modo a orientar a elaboração e implementação de políticas públicas que contribuam para a superação das enormes desigualdades sociais no país. O viés clínico que orienta a produção de dados que integram as bases disponíveis confina os diagnósticos de saúde à elaboração de perfis de morbidade e mortalidade segundo causas categorizadas na Classificação Internacional de Doenças, com a possibilidade restrita de analisá-los segundo grupos de idade e sexo. Variáveis socioeconômicas que poderiam informar sobre determinantes das condições de saúde e permitir a categorização de subgrupos mais vulneráveis, quando estão incluídas nos formulários, não são preenchidas e raramente têm merecido a atenção de gestores e técnicos nos treinamentos e outras ações de aprimoramento dos sistemas de informação. Em que pese as reiteradas críticas que têm sido feitas a esse respeito, inclusive pelos movimentos sindicais e sociais como o de mulheres e o movimento negro, as iniciativas de aperfeiçoamento do sistema de informações não têm contemplado seriamente estas dimensões.

Ao discutir os limites das informações rotineiras, o artigo ressalta a pertinência da realização de inquéritos periódicos, que poderiam dar conta dos problemas relativos à cobertura populacional, bem como da produção de dados sobre saúde (e não apenas sobre doenças) e condições de vida e trabalho da população. Também permitiriam a visibilização de problemas como a violência doméstica, que, na maioria das vezes, não chega a ser sequer investigado pelos profissionais de saúde e desse modo acaba tendo sua magnitude subestimada nas estatísticas oficiais. Sabe-se que a aplicação de métodos especiais de detecção permite obter prevalência de violência doméstica até sete vezes superior a alcançada pela anamnese e/ou exame clínico das mulheres atingidas (Arcos et al., 2000).

O artigo inclui uma boa revisão sobre inquéritos nacionais existentes e diferentes dimensões contempladas, tais como medidas do estado de saúde, da ocorrência de doenças, de fatores de risco, de acesso e uso de serviços, de aspectos demográficos e sociais dos entrevistados e dos domicílios. Além de constituir excelente material didático, permitindo conhecer o que tem sido feito em outros países, a revisão embasa o debate a respeito da realização de inquéritos de saúde periódicos no Brasil. Entretanto, há necessidade de adequar as contribuições oriundas dos modelos existentes às necessidades e prioridades nacionais, pois, como é assinalado pelo autor, os eventualmente existentes nos países periféricos atendem a interesses de organismos internacionais, como o Banco Mundial. Uma questão relevante para a formulação de políticas voltadas para a eqüidade em saúde diz respeito, por exemplo, às barreiras de acesso à atenção, como o fenômeno da peregrinação de parturientes entre unidades e a desconexão entre atenção ao parto e ao pré-natal, que acabam, muitas vezes, anulando os potenciais efeitos da assistência prestada e resultando em altos índices de morbi-mortalidade materna, apesar da universalidade da atenção ao parto e das razoáveis coberturas de consultas pré-natal.

O desafio criativo na produção de dados adequados não pode, portanto, ter base clínico-epidemiológica apenas, nem tampouco se restringir à perspectiva de técnicos e cientistas. A definição de problemas e prioridades em saúde deve necessariamente envolver outros atores sociais, com diferentes concepções de saúde e interpretações sobre a relação entre esta e as condições de vida, bem como distintas perspectivas na relação com a atenção à saúde. Desse modo, não somente será assegurada a produção de dados adequados ao monitoramento das políticas de saúde ­ como atitude interna ao processo de planejamento, e portanto, institucional ­ mas também ao controle social exercido pela sociedade a quem essas políticas se destinam a atender.

Referências bibliográficas

Arcos E et al. 2000. Prevalencia y perfil de violencia doméstica en mujeres embarazadas. Revista Mujer Salud 2: 4-11.

Franco IMBR 2000. Mulheres em situação de violência doméstica no âmbito conjugal: as denúncias na Delegacia de Proteção à Mulher de Salvador. Dissertação de mestrado em Saúde Comunitária. Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador.

Fundação Seade. Conselho Estadual da Condição Feminina 1987. Um retrato da violência contra a mulher (2.038 boletins de ocorrência). Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, São Paulo. 70pp.

Moraes IHS et al. 1994. Utilização de Grandes Bancos de Dados Nacionais, pp. 285-290. In Lima e Costa MFF & Sousa RP (orgs.) Qualidade de vida: compromisso histórico da Epidemiologia. Belo Horizonte: COOPMED Editora-Abrasco, Belo Horizonte-Rio de Janeiro.

Safiotti H 1994. Violência de gênero no Brasil atual. Colóquio Internacional Formação, Pesquisa e Edição Feministas na Universidade: Brasil, França e Quebec. Revista Estudos Feministas, no especial, pp. 443-461.

Informações em saúde: conexões entre o registro de dados, a clínica, a cidadania e a tomada de decisões

Information in health: connecting data recording, clinic, citizenship and decision making

Ricardo Burg Ceccim1 1 Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ricardo Burg Ceccim diretor.esp@saude.rs.gov.br; ceccim@edu.ufrgs.br

Ao se debruçar sobre a produção mais recente de documentos e revisões internacionais referentes a informações em saúde no artigo "Informações em saúde: a importância dos inquéritos populacionais", Viacava traz à discussão o tema na agenda de reformas do setor e destaca o instrumento dos inquéritos populacionais como uma importante estratégia de registro de dados qualitativos sobre o estado de saúde da população, sua satisfação com a oferta de ações e serviços setoriais e intersetoriais e a identificação de caminhos a serem adotados pelos gestores das políticas públicas. Segundo o autor enfatiza, as estatísticas e o conhecimento de saúde são enriquecidos pelos inquéritos de base populacional realizados periodicamente, dada sua capacidade de qualificar o monitoramento e a avaliação tanto das condições de saúde quanto do desempenho do sistema de saúde. Esta tematização propõe a organização de uma instância nacional de formulação da política de informações em saúde e acentua o benefício da realização/utilização regular dos inquéritos populacionais para a gestão do sistema brasileiro de saúde.

Se, como nos apresenta o autor, convivemos em todo o mundo com a discussão acerca da reformulação dos sistemas de captação, processamento e difusão de dados em saúde, esta reformulação não deveria se dar apenas no âmbito das suas bases, mas diante da sua capacidade de efetivamente gerar conhecimento e sentidos sobre os eventos registrados. Não basta, segundo pretendo argumentar, que os dados sejam transformados em sínteses estatísticas representativas da realidade ou indicadores úteis ao esclarecimento e, portanto, chamados de informação. Será necessário verter o registro de dados em produção de conhecimento e de sentidos, isto é, disputar em uma política de informações em saúde a conexão do registro de dados com os operadores do cuidado assistencial (produzir alterações de qualidade na prática clínica), a conexão do registro de dados em saúde com as relações sociais (produzir alterações de qualidade na cidadania) e a conexão do registro de dados com a tomada de decisões (produzir alterações de qualidade na condução da gestão e da atenção e no controle social em saúde). Nesse sentido, uma política de informações seria uma política de articulação entre o registro de dados e a sua comunicação como informação, na qual a informação signifique a produção de conhecimento e de sentidos e não a maior ilustração da consciência sobre os fatos da saúde. Uma política em que os setores/divisões/departamentos de informação e informática em saúde dos órgãos de gestão setorial não sejam apenas os segmentos gerentes de sistemas de bancos de dados, mas operadores da produção de conhecimento.

Estou insistindo, portanto, que os registros em saúde não se tornam informação se sua disseminação não se relacionar com a produção de ações subjetivas, institucionais e coletivas, ou seja, é importante gerar conhecimentos mais analíticos e compreensivos que permitam o aperfeiçoamento dos mecanismos de monitoramento e avaliação das condições de saúde e de desempenho do sistema na tomada de decisões.

A informação não será a maior ilustração/ maior elucidação do conhecimento, mas a produção de um conhecer que opera transformações, que mobiliza ações e sentidos, que realiza uma escuta criativa da realidade. Adaptando os termos de Prigogine e Stengers (Prigogine, 1993 e Prigogine e Stengers, 1997), provenientes de sua análise de uma filosofia da ciência, uma nova aliança entre as culturas científica e humanista, uma exploração ativa da realidade, mas capaz de acolhimento dessa realidade em atos respeitosos de criação de novidade e crescimento de pessoas, instituições, tecnologias e sociedades. Adaptando Lévy (1998), em sua análise de uma filosofia da informação na contemporaneidade, uma renovação do laço social por intermédio do conhecimento e o desafio de uma inteligência coletiva; conhecimento como projeto global, onde as dimensões ética e estética são tão importantes quanto a instrumentação técnica. O desafio da política de informações seria, então, o da busca de uma sinergia de competências, um aprendizado recíproco, um trabalhar em comum acordo no cotejamento das diferentes compreensões e na injeção permanente de novidades de saber nos conhecimentos adquiridos. Os registros de saúde como recursos de conhecimento, mas submetidos à necessária escuta do outro (fonte de informação) para não se reduzir à construção de um saber a seu respeito, e sim para convocar subjetivamente sua implicação em processos coletivos.

Estou reivindicando visibilidade a uma posição singular da informação em saúde, que é a da colocação da inteligência dos dados em contato com o exterior do instrumental estatístico, pela necessidade de sua inseparabilidade de engajamento ético-político com a clínica, a cidadania e a tomada de decisões. Estou reivindicando visibilidade à necessidade de distinguir a contemplação de estados e a habilitação para o laço social/para a escuta criativa/para a mudança de estados.

O texto de Viacava chama atenção para alguns dados provocativos. De um lado, "melhorar a qualidade das informações relativas às variáveis sociais nas bases de dados de registro contínuo" e, de outro, "aprofundar as experiências dos inquéritos de base populacional que associam os dados de saúde a condições de vida e trabalho". Ressalta que, segundo um olhar sobre a reforma setorial em saúde, "é cada vez mais premente a necessidade de estimular o desenvolvimento de análises sobre as desigualdades sociais", particularmente em seu relacionamento com as "condições de saúde", o "acesso e utilização dos serviços" e o "financiamento do sistema de saúde". Desperta, ainda, a percepção de que, com os inquéritos de saúde, se poderia "coletar dados para construir indicadores associados à saúde e não apenas à doença" (referência ao projeto da regional européia da Organização Mundial da Saúde, na década de 1990), assim como, construir indicadores associados aos "fatores de risco" e aos "determinantes sociais do processo saúde/doença".

Concordo com isto, mas gostaria, novamente, de incitar novas inquietações sobre essas provocações. De um lado, a necessidade de articular dados, não apenas para o melhor ordenamento da informação, mas para mergulhá-la na leitura/escuta social e na leitura/escuta da complexidade nas relações e atos sociais; de outro, construir configurações de dados não apenas para instituir informações, mas para dinamizar processos de conhecimento. Ao propor que as tecnologias intelectuais são instituições, Pierre Lévy (1993) ressalva que conhecer, assim como instituir, equivale a classificar, arrumar, ordenar, construir configurações estáveis e periodicidades, defendendo a noção de que há uma equivalência entre as operações cognitivas de um organismo e a atividade instituinte de uma coletividade em seus sistemas de ordenamento e sistematização de informes utilizados para decidir, raciocinar, prever. Para o mesmo autor (Lévy, 1998), essa organização da inteligência, sua ação instituinte, se segue na distribuição de funções e órgãos, divisão de tarefas, atribuição de papéis e destinação de recursos. Mas para ser eficiente deve estar mergulhada em um ciclo constante de escuta, expressão, decisão e avaliação. Por meio de nossas relações com a informação adquirimos conhecimentos e não apenas reforçamos territórios de análise.

Estou trabalhando com a idéia de que uma política de informações em saúde seja o desafio de ver também o que está fora da rede de impenetrabilidade tecida pelo saber instrumental dos sistemas de informação. E de entrar também em contato com a necessidade de reconfigurar o saber pela maior interdisciplinaridade na abordagem dos objetos de registro e no estabelecimento de fluxos regulares com os serviços de saúde, com estímulo permanente aos posicionamentos científicos diante dos debates locais, regionais e nacionais e a articulação do registro ao planejamento no cotidiano. A informação em saúde deve se reorientar e "ressignificar" em cada "comunidade local" de onde os dados são capturados. Não é novidade que um sistema de informações deva corresponder com efetividade à geração das melhores evidências clínicas, às necessidades populares e produzir conhecimento num nível de detalhamento adequado ao que se deseja planejar e viabilizar. Mas ainda é estranho colocar em causa as implicações ético-políticas da sua produção, a responsabilidade com os campos de territorialização que engendra, a abertura às melhores ferramentas de comunicação para que retorne sobre si mesmo e a construção de articulações que exponham pontos de singularidade ou de co-definição com gestores, técnicos, serviços e os órgãos de controle social local em saúde.

Se a Lei Orgânica da Saúde determina a organização de "um sistema nacional de informações em saúde", determina que o mesmo seja "integrado em todo o território nacional, abrangendo questões epidemiológicas e de prestação de serviços" e que se faça "em articulação" das esferas federal, estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde ­ SUS (lei federal no 8.080, art. 47). Se, de acordo com a Constituição Nacional, o SUS deve ser organizado em uma rede regionalizada e hierarquizada, esta deve ser conduzida sob gestão descentralizada, com comando único por esfera de governo; sob o princípio do atendimento integral à saúde, com privilégio das ações de promoção e prevenção, sem prejuízo das ações curativas e sob a participação da população (Constituição Federal, art. 198).

Então, um sistema e uma política de informação em saúde, neste cenário de reforma setorial, devem encorajar instrumentos que favoreçam o desenvolvimento:

• de laços locais entre sistemas de captação, processamento e difusão de dados com intercâmbio pelo aprendizado e pela troca de saberes;

• de estratégias de comunicação capazes de escutar, integrar e restituir a complexidade (diversidades de todas as naturezas);

• da autonomia das esferas descentralizadas em matéria de criação, conhecimento, discernimento de gestão e administração dos registros de dados para desenvolver indicadores e parâmetros de acompanhamento da situação de saúde e do desempenho político-setorial, bem como na utilização das informações como suporte de gestão descentralizada do Sistema Único de Saúde;

• de estratégias de incremento da pesquisa em todos os sistemas de bancos de dados sobre sua potência de reengendramento de saberes sobre a sociedade e da pesquisa de dispositivos que contribuam para o conhecimento a partir dos registros de dados;

• da pluralização dos utilizadores e dos usos da informação em saúde no sentido de ganhar maior autonomia no desenvolvimento de análise dos dados para a formulação de inovações de qualidade na atenção integral à saúde (atendimento de histórias de vida e não de histórias clínico-patológicas), de estratégias de democratização da cidadania (inclusão social e dessegregação geral da diversidade humana) e de qualificação da decisão em saúde pelo seu alargamento de compreensões e de responsabilidades para com a saúde coletiva.

Da leitura de Viacava, pode-se ressaltar que muitos dos sistemas de informação têm suas limitações decorrentes das próprias razões/lógicas de seu desenvolvimento e que nos países periféricos os sistemas de busca de dados populacionais têm tido um caráter episódico e baseado em modelos desenvolvidos por organismos internacionais, até como metas associadas aos programas de financiamento internacional, não havendo uma cultura de cuidado, valorização e utilização da informação em saúde.

Para integrar e fortalecer a gestão do SUS, no cenário da reforma sanitária, a participação das esferas descentralizadas e da população não poderá ser apenas operacional, tampouco o sistema de informações poderá servir apenas ao monitoramento e avaliação, pois é do âmbito da gestão disseminar o conhecimento e gerar aprendizados, estreitar os laços do cuidado em saúde às demandas culturais e subjetivas dos usuários (individuais ou coletivos) reais das ações e serviços de saúde em cada microrregião sanitária, estabelecer comunicação regular com a sociedade, com os demais setores das políticas públicas e com o controle social organizado no SUS.

O registro de dados em saúde, como mapeia Viacava nas referências internacionais, necessita do redirecionamento do sistema de estatísticas para sua transformação em informação; a criação de câmaras de discussão do planejamento para as informações em saúde envolvendo parcerias entre gestores, trabalhadores, prestadores, usuários e produtores de dados; a conversão em padrões de comparação e estipulação de recomendações à proteção da saúde individual e coletiva e a disseminação de estratégias de interação com a sociedade e de acessibilidade ao conhecimento em saúde. Destaca o autor a necessidade de investir na análise das informações, pensar mecanismos para reforçar a cooperação entre as diversas instâncias de gestão do SUS e com as instituições acadêmicas.

Entendo, então, que é crucial destacar a necessidade de configuração de câmaras de gestão compartilhada e solidária intergestores do SUS; o engendramento de estratégias de organização para dividir tarefas, assegurando a expressão dos problemas que pareçam mais importantes para a vida coletiva em cada microrregião, sem eliminar ou dar pouca visibilidade aos problemas que não puderem ser trabalhados por períodos de tempo e insuficiência de recursos instrumentais. E ainda para reagrupar forças e competências, dinamizando processos e não revelando produtos tecnicamente acabados, explorando soluções alternativas de visibilidade ao estado de saúde e desempenho do sistema sanitário em cada localidade; por fim, a opção pelo planejamento ascendente em que a necessidade de conhecimento nacional nasça dos efeitos de aprendizagem com o conhecimento local, pois, somente nessa perspectiva os reagrupamentos de força não conseguiriam ser a tradicional tomada de poder das instâncias "de cima" e suplantar os problemas que são emergentes. Sobre este último ponto, pode-se ressaltar que as comunidades técnicas de informação estão ou podem vir a estar tão descentralizadas quanto a existência real dos agrupamentos sociais, haja vista que as instituições de ensino superior seguem desenhos regionalizados de implantação geopolítica.

A partir da constatação da necessidade de obter informações populacionais de qualidade, singular aos usuários (as necessidades em saúde são de pessoas e não de coletivos impessoais) e aliada ao anseio da implementação democrática e participativa de ações que promovam esse acesso, produção e comunicação, detecta-se a emergência de um novo desafio à gestão da informação em saúde: sua utilização como questão ética, estética e política para o salto de qualidade almejado pelos atores que inscreveram, no cenário brasileiro, a reforma sanitária como Sistema Único de Saúde.

Referências bibliográficas

Brasil 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado, Brasília, DF.

Brasil 2000. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. SUS é legal: legislação federal e estadual. SES/RS, Porto Alegre, out.

Conferência Nacional de Saúde, 11, 2000, Brasília. Efetivando o SUS: acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde, com controle social. Relatório Final. Ministério da Saúde, Brasília.

Lévy P1994 [1990]. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. (Trad. de Carlos Irineu da Costa). Ed. 34, Rio de Janeiro.

Lévy P 1998 [1994]. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. (Trad. de Luiz Paulo Rouanet). Loyola, São Paulo.

Prigogine I 1993 [1991]. Ilya Prigogine, arquiteto das estruturas dissipativas (entrevista), pp. 35-49. In P-P Guitta. Do caos à inteligência artificial: quando os cientistas se interrogam. (Trad. de Luiz Paulo Rouanet). Unesp, São Paulo.

Prigogine I & Stengers I 1997 [1984]. A nova aliança: metamorfose da ciência. 3a ed. (Trad. de Miguel Faria e Maria Joaquina Machado Trincheira). Ed. UnB, Brasília.

Informação em saúde: o papel dos registros vitais e o dos inquéritos

Health information: the role of the vital records and that of the surveys

Rui Laurenti1 1 Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rui Laurenti laurenti@usp.br

Há várias décadas, a questão dos inquéritos populacionais para levantamento de alguns aspectos da saúde, particularmente a assim chamada "morbidade referida", tem sido motivo de atenção.

Até o final da década de 1940 ou início da década de 1950, tinha-se a respeito de morbidade da população quase que exclusivamente dados de doenças de notificação obrigatória. E, em poucos países, dados de morbidade segundo diagnósticos de internação hospitalar, bem como inquéritos, menos freqüentes, sobre doenças específicas, nesse último caso com perguntas específicas ou algum tipo de exame auxiliar.

O conhecimento da saúde da população era feito pelos clássicos indicadores da mortalidade segundo algumas variáveis, destacando-se a causa da morte. Isto é, media-se a saúde negativa. Convém lembrar, todavia, que isso vinha sendo feito há muito tempo, em muitos países, há mais de um século. Servia ­ como ainda serve ­ para várias finalidades epidemiológicas e mesmo algumas administrativas, independentemente das críticas quanto à cobertura e à qualidade dos dados. O setor saúde aproveitava-se da obrigatoriedade legal de registro do óbito. Para cada caso, sempre existiu um documento uniforme com variáveis importantes, inclusive a causa da morte. Em termos de custos, pode-se dizer que era e ainda é relativamente barato.

Em uma conferência no final da década de 1970 sobre Usos das Estatísticas de Mortalidade, Moryiama comentou que nos anos 50 procurava-se desvalorizar as tradicionais estatísticas de mortalidade, e que os inquéritos populacionais para avaliar morbidade deveriam ser usados. Logo, porém, deu-se conta de que esses inquéritos, quando baseados em amostras nacionais, não possibilitavam a obtenção de informações para níveis locais e, dependendo das técnicas empregadas, nem mesmo para níveis regionais. Por outro lado, os inquéritos não permitiam que se especificassem doenças, mas tão somente queixas, sintomas e sinais. Entretanto, se não são bons para conhecimento do perfil epidemiológico, os inquéritos são de grande valia para finalidades administrativas, particularmente quanto ao desempenho dos sistemas de saúde.

É bastante antiga a preocupação dos profissionais de saúde quanto ao conhecimento da morbidade, isto é, das doenças na população, além daquele que se obtém rotineiramente com os dados de mortalidade por causa. Já em 1885, Willian Farr enfatizou a necessidade de se obterem estatísticas de doenças, comentando que, como os relatórios existentes feitos por médicos funcionários dos serviços apresentavam um grande valor prático, era necessário ter um desses funcionários em cada condado ou cidade. Esse funcionário e outros profissionais nos serviços iriam analisar e publicar semanalmente os dados sobre doenças. Farr enfatizava a necessidade de se conhecerem os casos novos e os restabelecidos, informações que, junto com as rotineiras estatísticas de mortalidade por causas, iriam propiciar o conhecimento da saúde na população (ou a falta de saúde), o que era de grande interesse epidemiológico e, sob vários aspectos, também administrativo.

É importante assinalar que no passado, assim como Farr (1985), outros epidemiologistas e administradores sempre advogaram a necessidade de obtenção de dados de mortalidade (por meio da obrigação legal de se registrar o evento) juntamente com dados de morbidade, estes obtidos de várias maneiras com a população.

Tendo-se em vista a dificuldade de se obterem rotineiramente dados de doenças incidentes e prevalecentes na população por meio de um sistema bem estabelecido, fortaleceu-se na segunda metade do século 20 a idéia de realizar inquéritos populacionais, iniciativa facilitada pelo desenvolvimento de novas técnicas estatísticas, particularmente, técnicas de amostragens. Sempre existiram os dados de doenças notificáveis e, mais recentemente, as estatísticas de hospitalização por causas. Essas últimas, entretanto, reproduziam de certa maneira as referentes à mortalidade por causas. Não se tinham dados de doenças não mortais e nem "hospitalizáveis".

Esses fatos estimularam as propostas para realização de inquéritos populacionais para "medir morbidade". E eles medem morbidade?

Ninguém tem dúvidas quanto ao fato de os inquéritos serem instrumentos poderosos para muitas questões "ligadas à morbidade" e de interesse aos responsáveis pelas políticas de saúde. Exemplos disso são a cobertura e usos de serviços públicos de saúde, razões para o não uso dos mesmos, existência de seguro-saúde, conhecimento sobre fatores de risco, cobertura vacinal, condições de moradia e vários outros. Quanto à morbidade propriamente dita, dependendo do tipo de inquérito, pode-se obter dados de queixas, sintomas e sinais, além daqueles referentes a doenças que foram diagnosticadas por médicos num período anterior predeterminado. É importante destacar a possibilidade de os inquéritos obterem informação sobre deficiências e incapacidades que não aparecem nas estatísticas rotineiras de morbidade e mortalidade e que são condições cada vez mais freqüentes do consumo de recursos, quer das famílias quer dos serviços.

Mesmo os mais tradicionais inquéritos, como o National Health Survey, dos Estados Unidos, não obtêm dados de doenças a não ser em subamostras nas quais as pessoas incluídas são submetidas a algum tipo de exame: medida da pressão arterial, dosagem de colesterol e frações no sangue, entre outros. São bastante caros, originando estimativas nacionais e não locais ou regionais.

Quanto ao trabalho "Informação em saúde: a importância dos inquéritos populacionais", deve-se comentar que está muito bem delineado, bem escrito e que abrange, a meu ver, todos os aspectos dos inquéritos, mostrando as vantagens e algumas desvantagens. Entre estas últimas, o autor descreve muito bem a dificuldade ou impossibilidade de, em inquéritos nacionais, serem feitas estimativas para pequenas áreas. Também descreve as questões ligadas ao grau de limitação física e de restrição de atividades rotineiras que podem ser obtidas nos inquéritos e que ultimamente vêm cada vez mais adquirindo importância. O autor também chama a atenção, entre as limitações dos inquéritos, para o que se refere ao nível de agregação. A impossibilidade de desagregar os dados dificulta, muitas vezes, a análise do acesso e uso de serviços de saúde, assim como de seus determinantes em grupos populacionais específicos como idosos e mulheres chefe de família, entre outros. A única alternativa, segundo o autor e com nossa concordância, é a realização de inquéritos de base populacional dirigida para unidades geográficas menores. Isso, em teoria, é muito bom e bonito! E os custos? Quem os cobre? Além do mais, apenas um inquérito localizado geograficamente é suficiente? Como avaliar as medidas tomadas?

Uma das questões mais importantes abordadas pelo autor é a que se refere à necessidade de criação de uma instância de formulação da política de informação. Nada há a se acrescentar quanto ao seu posicionamento, a não ser enfatizar fortemente a necessidade de que isso passe a atuar. O trabalho mostra o que ocorre em outros países, entre os quais o Brasil, onde apesar de mencionado no artigo 47 da lei 8.080, de 1990, que criou o SUS, o Sistema Nacional de Informação em Saúde ainda não foi regulamentado.

Tendo-se observado um estímulo à realização de inquéritos em nível internacional, ao que parece, mais intensamente nos chamados países em desenvolvimento, pode-se dizer que há, aparentemente, maior interesse em conhecer níveis de utilização dos serviços de saúde, bem como a cobertura dos planos de saúde.

Em países como o Brasil, onde o mercado potencial é grande, torna-se fácil entender o interesse de empresas, particularmente multinacionais, em conhecer as características deste mercado. Para isso os inquéritos são de grande utilidade!

O estímulo à realização de inquéritos "de morbidade" populacional tem se apoiado muito na crítica aos dados de saúde baseados em registros, mais especificamente, no sistema de informação em mortalidade, cuja cobertura não é boa e a qualidade do dado deixa a desejar. Isso tem sido uma constante nos trabalhos que advogam a realização e a importância de serem feitos os inquéritos.

Entretanto, são coisas diferentes e que podem ser consideradas complementares. Os dados de mortalidade têm uso predominantemente epidemiológico, e os dados advindos de inquéritos, predominantemente administrativos. Os dados baseados em registros são rotineiros e relativamente baratos; os inquéritos, com raras exceções, não são rotineiros e, por outro lado, são caros. No caso do Brasil, com a municipalização das ações de saúde, seriam necessários inquéritos de base municipal, repetidos periodicamente. Quem bancaria? As avaliações feitas em alguns municípios têm mostrado a importância, para vários tipos de usos e avaliações, dos dados de mortalidade, porém não oferecem, nem é esse seu papel, dados sobre o uso dos serviços e, muito menos, a cobertura dos planos de saúde.

Se houver interesse em conhecer a utilização bem como a satisfação com os serviços de saúde locais, podem ser feitos inquéritos domiciliares bastante simples quanto ao conteúdo. Já quanto à cobertura dos planos de saúde, caberia às empresas multinacionais, ou mesmo nacionais, realizarem o tipo de inquérito que desejarem, arcando, obviamente, com os custos e não estimulando que sua realização fique a cargo das organizações públicas de saúde nacionais.

Referência bibliográfica

Farr W 1985. Vital statistics. Memorial Volume of Selection. Editado por Noel A. Huprheys. Office of the Sanitary Institute, Londres.

Informações em saúde: a importância dos inquéritos populacionais

Information in health: the importance of the population inquiries

Hillegonda Maria Dutilh Novaes1 1 Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Hillegonda Maria Dutilh Novaes hidutilh@usp.br

O texto de Francisco Viacava toma como pressuposto inicial o reconhecimento da importância das informações para o monitoramento das condições de saúde e o desempenho do sistema de saúde. Ao discutir os sistemas e bancos de dados para a área da saúde hoje existentes no Brasil, já indica algumas das deficiências ­ qualidade desigual dos dados, não universalidade e limitação das variáveis sociais ­ que limitariam as possibilidades de desenvolvimento de análises sobre as desigualdades sociais relacionadas às condições de saúde, acesso, utilização de serviços e financiamento e do sistema de saúde.

Ao traçar um panorama bastante abrangente e muito competente dos inquéritos populacionais sobre condições de saúde e uso de serviços de saúde em alguns países, notadamente Estados Unidos, Canadá, Austrália e Grã-Bretanha, aponta para as questões envolvidas com a organização e gerenciamento de um sistema nacional de informações, capaz de articular informações epidemiológicas populacionais (estatísticas vitais), dados sobre produção de serviços e inquéritos de base populacional. Apesar de identificar uma série de dificuldades a serem enfrentadas, recomenda a realização de inquéritos populacionais regulares e com padronização adequada ao contexto e necessidades brasileiras, e sua inclusão como parte de um sistema nacional de informações em saúde.

Não há como discordar. Sem dúvida, a produção dessas informações tornaria possível o reconhecimento de dimensões consideradas importantes e hoje desconhecidas. E isso é sempre bom. No entanto, ao mesmo tempo, é possível observar uma percepção crescente de que, mesmo com as deficiências persistentes, temos sido mais competentes nos processos de definição e produção das informações, do que na sua utilização como parte dos processos de decisão, tanto na perspectiva mais local ou individual, como regional/nacional ou coletiva, ou como base empírica para a produção de conhecimentos científicos. Faz-se necessário ir mais além do que pensar essa questão da forma simplificadora em que ela por vezes é proposta, em termos de "oferta e demanda". A propósito, nesses tempos pós-tanta coisa, mesmo essa qualificação já não se mostra mais tão simples, pois em alguns casos é a oferta que induz à demanda (típico de bens de consumo na área da saúde), e não o contrário, e em outros, em que teria de haver oferta mesmo quando não há demanda (bens públicos), freqüentemente se observa demanda sem oferta.

Em anos recentes, os sistemas de informação em saúde nacionais deram um passo importantíssimo para a aproximação entre os processos de produção e de utilização das informações, ao aumentar em muito a atualidade e acessibilidade aos dados. O significado disso não deve, em momento algum, ser subestimado. No entanto, para avançar nessa direção seria agora imperativo poder saber quem está acessando as bases, que tipo de informação procura, em que medida encontra o que procurava, e como utiliza a informação obtida. E isso tanto para as informações de livre acesso quanto para aquelas que são comercializadas, como acontece em algumas instituições. São pesquisadores, gestores, gerentes ou profissionais da saúde, empresas, população em geral?

Para os pesquisadores, os sistemas de informação se constituem, no jargão corrente, bases de dados secundários. Isto é, dados que foram colhidos com objetivos e lógicas predeterminadas, mas que podem ser utilizados para responder a outras questões, não previstas anteriormente. A maior produção de artigos que utilizam nas suas análises essas bases indicam seu uso crescente, havendo também uma maior identificação das suas limitações. Algum tempo atrás, essa era uma questão polêmica entre os epidemiologistas e clínicos, particularmente em relação às bases produzidas nos serviços de saúde, pois a informação sobre morbidade e procedimentos ali registrada não teria confiabilidade suficiente para estudos analíticos mais rigorosos. Já para pesquisas com enfoque populacional, faltariam informações sobre variáveis socioeconômicas essenciais. E finalmente, em situações específicas em que, por motivos metodológicos, há a necessidade de acesso a dados considerados sigilosos pelos responsáveis pelos sistemas, o diálogo tem se mostrado muito difícil.

E como tem se dado a utilização dos sistemas de informação pelos profissionais, gerentes e gestores em saúde, que são os que produzem os dados que irão compor as bases, e mais diretamente necessitam ser capazes de produzir informações transformadas em indicadores, para poder desenvolver as suas atividades, principalmente no contexto do SUS?

Nenhum, discreto ou freqüente; um uso direto, ou através de publicações científicas e técnicas, ou seja, com recortes e interpretações? Merece reflexão a observação registrada na Grã-Bretanha, em que o Serviço Nacional de Saúde após dar acesso livre às informações quanto ao desempenho e perfil de morbidade para cada um dos hospitais verificou que os seus profissionais raramente consultavam esses dados, ao considerarem que nenhum tipo de prejuízo resultaria a partir de uma comparação possivelmente desfavorável.

Quanto ao setor privado na área da saúde, a sua clientela não está incluída nas bases de dados de produção de serviços, e desconhece-se quase completamente qual seria a utilização das bases de dados existentes. Quanto à população em geral, com poucas condições de acesso às informações, por limitação econômica e educacional, uma área que se destaca pela intensidade de utilização tem sido a mídia. Basta observar a profusão de tabelas e gráficos baseados nos sistemas de informação, encontrados na imprensa escrita e televisada, ainda que as interpretações por vezes não respeitem os condicionantes das bases de dados consultadas.

Essas observações têm por objetivo, tão somente, agregar elementos adicionais à discussão proposta pelo autor, em torno dos inquéritos populacionais regulares e padronizados e do seu potencial em se transformar em parte do sistema de informações em saúde existente, apontando para a necessidade de incluir na prática do seu desenvolvimento uma reflexão constante sobre os usuários e suas necessidades, e os produtos, ou resultados e impactos a serem esperados, a curto, médio e longo prazo.

Comentários sobre o desenvolvimento das informações em saúde no Brasil

Comments on the development of health information in Brazil

João Baptista Risi Júnior1 1 Representação da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil

Representação da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência João Baptista Risi Júnior risi@bra.ops-oms.org

A despeito de significativos progressos na produção, disponibilidade e uso de informações em saúde no Brasil, pouco se tem avançado na discussão de uma política nacional para a área, que contemple a abrangência e a integralidade dos esforços realizados por diferentes agências governamentais e por entidades vinculadas ao setor saúde. Ao evocar a importância dos inquéritos populacionais, a presente edição de Ciência & Saúde Coletiva oferece oportunidade para reflexão sobre essas questões.

O tema da informação em saúde vem assumindo importância crescente, em função de vários fatores. Desde o ponto de vista do processo de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), a descentralização da gestão para os estados e municípios impõe a adoção de critérios que orientem a alocação de recursos, com base na análise das condições de saúde e na avaliação de desempenho de ações e serviços. Nesse processo, tem havido notável desenvolvimento dos sistemas nacionais de informação gerenciados pelo Ministério da Saúde, que em geral se baseiam no registro contínuo de dados, coletados pela rede de serviços de saúde. Desenvolveram-se também mecanismos de disseminação eletrônica dessas bases de dados, que possibilitam sua utilização cada vez maior, tanto nos serviços quanto em atividades acadêmicas, potencializando a capacidade de análise do setor e estimulando iniciativas para melhorar a qualidade do registro.

De outra parte, o IBGE tem aperfeiçoado a produção de bases demográficas e intensificado a realização de inquéritos nacionais, que levantam informações sistemáticas sobre aspectos socioeconômicos da população e, eventualmente, dados sobre infra-estrutura, acesso e utilização de serviços de saúde. Também tem havido enorme esforço de disseminação dos dados, que são amplamente utilizados por setores de governo e instituições acadêmicas, com grande aplicação na área de saúde.

Outro fator que caracteriza a importância atual da área de informação em saúde é a demanda pela utilização de novas tecnologias, que passam a ser absorvidas de forma nem sempre bem-articulada. Os sistemas de informação geográfica, por exemplo, têm atraído o interesse dos gestores de saúde, como recurso que permite potencializar a análise de informações num contexto espacial, integrando dados de diferentes fontes. No campo das ciências da informação em saúde, a iniciativa da Biblioteca Virtual em Saúde Pública, coordenada pela Bireme, passa a ampliar o acesso à literatura técnico-científica, ao mesmo tempo em que incorpora o tratamento de informações numéricas e de documentos não convencionais, antes de difícil difusão, pois restritos ao âmbito interno dos serviços.

Não obstante, como ressalta o documento elaborado por Viacava, todas essas iniciativas têm importantes limitações de uso. Os dados derivados de sistemas de registro contínuo, além de geralmente terem fins específicos, apresentam problemas quanto à regularidade, cobertura e qualidade, em proporção variável conforme o segmento populacional estudado. Os inquéritos populacionais sobre saúde, por sua vez, não têm periodicidade definida, e seu conteúdo não contempla a diversidade de aspectos necessários à análise da situação de saúde. Em função disso, tem-se recorrido a estimativas da taxa de mortalidade infantil, que para alguns estados, sobretudo do Norte e Nordeste, são mais consistentes que as obtidas pelo cálculo direto. No caso da mortalidade materna, indicador importante para avaliação da qualidade dos serviços de saúde, nem mesmo se dispõe de métodos bem trabalhados para poder estimá-la. Com relação a dados de morbidade, as dificuldades são ainda maiores, salvo para algumas doenças de notificação obrigatória, objeto de ações intensivas que visam ao seu controle ou eliminação.

Tais dificuldades reforçam a importância da realização sistemática de inquéritos nacionais de saúde. O próprio Ministério da Saúde tem tomado algumas iniciativas nesse sentido; entre elas estudos sobre saúde bucal, aleitamento materno, diabetes e doença de Chagas. Ainda que esses inquéritos não tenham sido concebidos em base populacional e não sigam metodologia padronizada, são muito importantes para orientar as políticas de saúde. Mas seu caráter episódico faz com que a estrutura organizada para cada inquérito não tenha outro aproveitamento, o que significa a repetição de esforços operacionais, custos elevados e perda da oportunidade para obtenção de informações sobre outros temas.

É importante enfatizar que a realização de inquéritos amostrais não se contrapõe ao desenvolvimento de sistemas de registro contínuo, pois somente estes se prestam a análises locais e à detecção de tendências recentes, para a tomada oportuna de decisões nesse nível. Ademais, certas bases de informação universal são obrigatoriamente necessárias, por motivos legais ou administrativos, como as estatísticas vitais e a produção de serviços assistenciais. A função dos inquéritos é complementar, tendo em vista a coleta de informações não obteníveis de forma rotineira. Representa ainda um recurso metodológico capaz de conferir consistência a análises consolidadas por áreas geográficas mais abrangentes, com resultados de curto prazo e sem a interferência de fatores locais que prejudicam a qualidade e dificultam a comparabilidade dos dados.

As características próprias do Brasil fazem com que a formulação, gestão e avaliação de políticas nacionais na área de saúde não possam prescindir da realização de inquéritos periódicos. A dimensão geográfica do país, a autonomia política e administrativa das unidades federativas que o constituem, e a diversidade de condições internas, relativas a perfis socioeconômicos da população e de organização de ações e serviços de saúde, são fatores restritivos à consolidação oportuna de informações completas, validadas estatisticamente e com representatividade nacional.

Para cumprir esse objetivo, o país dispõe de instituições com longa tradição na realização de inquéritos, como o IBGE, que realiza anualmente pesquisas nacionais por amostra estratificada de mais de 100 mil domicílios (PNAD). Como órgão responsável pelo sistema estatístico nacional, o IBGE tem participação decisiva na formulação e implementação de uma política nacional de informação em saúde. Cumpre reconhecer, no entanto, que o IBGE tem dificuldades naturais para atender integralmente às demandas do setor saúde. Sua vocação institucional está voltada para a obtenção de informações de natureza demográfica, econômica e social, enquanto que as informações requeridas para as políticas de saúde têm grande especificidade e diversidade, por vezes exigindo abordagem especializada na execução de inquéritos populacionais.

O setor saúde é demandante ativo de informações, em todos os níveis do SUS, em função de suas necessidades complexas e dinâmicas. A forma de organização atual do Sistema permite a mobilização, com certa facilidade, de recursos importantes para a realização de inquéritos nacionais. No tocante aos meios operacionais, o setor é constituído de ampla rede de serviços de saúde, com grande capilaridade na sociedade brasileira, e está estruturado de forma descentralizada, dispondo de mecanismos de gestão colegiada atuantes. No que se refere ao apoio técnico-científico, o setor possui vínculos formais de trabalho com as entidades acadêmicas mais prestigiosas na área de saúde.

O desafio que se apresenta é o de canalizar esforços e potencialidades institucionais específicas no campo da saúde, de modo a assegurar, por meio de processos permanentes de articulação, a realização periódica de inquéritos populacionais e o aperfeiçoamento contínuo de sistemas de informação e bases de dados de interesse comum. Tal tarefa não é simples, pois a produção e a utilização de informações sobre saúde no Brasil se processam em intrincada malha de relações institucionais, compreendendo variados mecanismos de gestão e financiamento, fragilmente interarticulados. Além do IBGE e das estruturas governamentais que compõem os três níveis de gestão do SUS, outros setores da administração pública produzem dados e informações de interesse para a saúde, que são fortemente demandados por instituições de ensino e pesquisa em saúde, associações técnico-científicas, entidades representativas de categorias profissionais e funcionais, organizações internacionais e não governamentais.

Esse contexto tem dificultado o estabelecimento de decisões e de mecanismos eficientes de gestão da área de informações em saúde, até mesmo no âmbito interno da direção nacional do SUS, no qual os sistemas de informação têm direcionalidade própria e gerenciamento específico. Em conseqüência, o Sistema Nacional de Informações em Saúde (SNIS), previsto na lei orgânica do SUS, de 1990, ainda não chegou a ser discutido e definido. Urge retomar essa questão, como partida para compatibilizar responsabilidades institucionais, recursos e processos de trabalho, bem como para definir prioridades temáticas a serem contempladas em inquéritos nacionais, como os de base populacional.

A experiência recente com a atuação da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa, 2002), desde 1996, tem mostrado ser perfeitamente factível a organização de um processo de articulação intersetorial. A rede congrega cerca de 15 instituições de expressiva participação nacional na produção, análise e disseminação de informações de interesse para a saúde, as quais participam de instâncias colegiadas de caráter técnico ou deliberativo. A iniciativa possibilitou a adoção consensual de cerca de 100 indicadores básicos para a análise das condições de saúde, devidamente qualificados quanto à conceituação, interpretação, usos, limitações, fontes de dados, método de cálculo e categorias de análise. Esses indicadores passaram a ser adotados em instrumentos de gestão do SUS, e os dados correspondentes servem de referência para documentos técnicos, inclusive internacionais, evitando desencontros de informações oficiais. O processo da Ripsa também tem propiciado consenso sobre a condução de questões específicas, tais como os atributos comuns aos sistemas de informação do Ministério da Saúde, e a análise espacial de dados de saúde, utilizando sistemas de informação geográfica. Contribuiu, ainda, para o desenvolvimento de recursos tecnológicos que facilitam a análise, como a Sala de Situação de Saúde, e vem estimulando a produção de estudos analíticos, dos quais já resultaram várias publicações técnicas.

Ainda que a Ripsa não se constitua uma instância formal de formulação da política nacional de informação em saúde, a experiência é reconhecida como importante iniciativa de articulação institucional e intersetorial, que poderia ser utilizada como base para o desenvolvimento de uma proposta sobre o Sistema Nacional de Informação em Saúde.

Referência bibliográfica

Rede Interagencial de Informações para a Saúde no Brasil (Ripsa) 2002. Indicadores e dados básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. Organização Pan-Americana da Saúde, Brasília, 2002.

Informações em saúde para a gestão do SUS

Information in health for the administration of the SUS

Eduardo Mota1 1 Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia ­ ISC/UFBA

Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia ­ ISC/UFBA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Eduardo Mota emota@canudos.ufba.br

Ao avaliar a importância dos inquéritos populacionais periódicos, o artigo em debate expôs com clareza que não há oposição entre as duas principais estratégias para a obtenção de dados de interesse em saúde: a captação na rotina da produção de serviços e os inquéritos de base populacional (Viacava, 2002). Entretanto, ainda mais do que superar as deficiências dos sistemas de informação de morbi-mortalidade e do registro de nascimentos e óbitos, os dados que podem ser obtidos dos inquéritos populacionais contribuem para completar o conhecimento sobre a situação de saúde e, em vista da especificidade de objetivos e métodos que lhe conferem suas características de oportunidade, cobertura e de qualidade dos dados, têm especial relevância na produção de informações para a gestão do SUS.

Entre os diversos elementos necessários a formação e ampliação do conhecimento e ao entendimento da situação de saúde, aqueles tradicionalmente captados e disponibilizados pelos sistemas de informação ­ a caracterização da oferta, a freqüência de utilização dos serviços e o quadro de morbi-mortalidade da população ­ devem integrar um conjunto em que se incluem alguns outros, entre os quais se destacam: as desigualdades na cobertura e o perfil de acesso, os custos da assistência, as características sociodemográficas, o quadro populacional de exposição aos fatores de risco e o nível de efetividade da atenção à saúde. Para se obter e manter esse conjunto o mais completo possível, a estratégia mais recomendável é a combinação e a integração de fontes e procedimentos para a alimentação do sistema de informação, definindo-se os papéis que podem desempenhar os inquéritos populacionais e o registro rotineiro de dados de interesse em saúde.

Por essas razões e para uma melhor definição dos rumos que deve tomar o desenvolvimento do Sistema Nacional de Informações em Saúde no Brasil (SNIS), a reflexão que suscita o debate incluiu, apropriadamente, a avaliação dos inquéritos em saúde e suas aplicações. Algumas limitações dos resultados desses inquéritos foram citadas, entre as quais, constam: a periodicidade irregular da obtenção de dados em saúde da PNAD e a ausência de outros inquéritos sobre o estado nutricional e sobre os gastos familiares em saúde, além dos que foram realizados, respectivamente, em 1989 e em 1996. Outros pontos relevantes se relacionam às diferentes metodologias amostrais e de cobertura da coleta de dados, a precariedade da padronização de conceitos e de definição de variáveis e, além disso, os diferentes planos tabulares e níveis de agregação na análise são alguns dos principais problemas. Assim, por um lado, os sistemas de informação que oferecem dados para o acompanhamento da situação em vigilância epidemiológica e em vigilância sanitária, ainda dissociados, não possibilitam uma avaliação completa dos dados de nascimentos, óbitos, morbidade de notificação obrigatória e da qualidade dos produtos e serviços de interesse em saúde, que necessitam ser analisados à luz das características da utilização de serviços hospitalares e ambulatoriais e das ações de prevenção de riscos e agravos e de proteção e promoção da saúde. E, por outra parte, os dados disponíveis sobre morbi-mortalidade, registrada para os que utilizam os serviços do SUS, permanecem ainda sob um modelo de informação implantado para atender aos requisitos da administração de recursos, sobretudo o sistema de informações ambulatoriais com seus registros de procedimentos realizados e não de indivíduos atendidos. A desarticulação, portanto, entre as iniciativas para a realização dos inquéritos populacionais sobre o estado de saúde e o desenvolvimento dos sistemas de informação dos serviços não possibilita a formação de uma base integrada de dados adequada ao conhecimento da situação e seu acompanhamento permanente.

Os inquéritos de base populacional podem revelar o perfil de utilização dos serviços de saúde, ao identificar as dificuldades de acesso e as relações entre os grupos socioeconômicos e demográficos e a oferta de serviços públicos e privados, dados esses essenciais para responder às demandas da gestão, no contexto da crescente importância da avaliação em saúde (César & Tanaka, 1996). As abordagens metodológicas dirigidas ao conhecimento da situação de saúde e da qualidade dos serviços foram descritas (Viacava, 2002), traçando-se a maneira pela qual os métodos aplicados nos inquéritos possibilitam a obtenção de dados para os indicadores do estado de saúde e como estes se relacionam com os de condições de vida e de utilização de serviços, os quais não fazem parte dos registros da rotina dos atendimentos médico-hospitalares.

Acrescente-se que as rápidas mudanças nas características sociodemográficas da população brasileira e no seu perfil epidemiológico apontam para a necessidade de combinar coerentemente as estratégias para a produção de informações. O crescimento da população urbana, o aumento da expectativa de vida, a freqüência de alguns agravos em que o grupo atingido não demanda aos serviços até que os seus efeitos mais adversos e complicações modifiquem a percepção do estado de saúde, e as desigualdades do acesso à assistência, são algumas razões que motivam a revisão dos atuais modelos de informação baseados em atendimentos. Alia-se a isto a necessidade de completar o conhecimento sobre a situação de saúde, obtendo-se informações sobre o perfil epidemiológico da população usuária, sobre a oferta e a utilização de serviços privados. A propósito, dados recentes indicaram que a cobertura de planos privados de assistência à saúde alcança 15,5% da população brasileira, com marcadas diferenças entre as regiões (OPAS, 2002). Ademais, a descentralização da gestão do SUS, o estabelecimento dos sistemas locais de informação e o processo de mudança dos modelos assistenciais reforçam a crescente necessidade de informações de interesse em saúde, para a qual os inquéritos de base populacional oferecem enorme potencial de contribuição.

Esses aspectos focalizam as questões relativas às necessidades de informação para a gestão do SUS e, dessa maneira, são próprios às indagações sobre a aplicação das informações em serviços de saúde. As informações para o monitoramento da situação de saúde e para a avaliação dos resultados e impacto das políticas e programas devem atender às necessidades dos serviços. O que foi colocado em debate, portanto, enfatiza a importância de orientar o SNIS para as necessidades da gestão, no que diz respeito ao acompanhamento e à avaliação de acesso, a pertinência da oferta, aos processos e ao trabalho em saúde, a qualidade da assistência e aos resultados que se pretendem alcançar na melhoria das condições de saúde da população. Assim, não há como examinar as necessidades de informações sem considerar como se organiza o sistema de saúde e como ocorrerá o desenvolvimento da sua gestão nos três níveis de governo. Afinal, o sistema de informação responde a que informações, e por que métodos serão produzidas, para que sua aplicação subsidie os processos de tomada de decisões e promova a melhoria da gestão em saúde.

Há relação entre o valor da informação e seu potencial de contribuição ao processo de tomada de decisão. Então, como avaliar o desenvolvimento dos sistemas de informação em saúde, a adoção das diversas estratégias de captação e de produção de dados e informações e sua utilização, para atender às demandas da gestão e subsidiar decisões, sem levar em conta os fatores que determinam o valor da informação? Essa questão delimita os elementos da avaliação dessas estratégias para sua aplicação coerente: disponibilidade, custos, oportunidade, qualidade dos dados, transparência, suficiência e pertinência do conteúdo da informação. Esses fatores determinantes do valor das informações para o processo de decisão em saúde se associam aos resultados do seu uso no planejamento, programação e avaliação de serviços, na melhoria da qualidade do cuidado individual e da atenção à saúde coletiva, ao possibilitar o suporte às atividades da equipe de profissionais nos serviços e às funções gestoras. A participação social para a qual a disponibilidade de informações é decisiva completa o conjunto das situações em que se agrega valor às informações, porque aí também reside fundamentalmente a necessidade de oferecer conhecimento suficiente sobre as ações e serviços, sobre o quadro epidemiológico e sua evolução.

As necessidades da gestão e o valor das informações para o processo de decisão convergem para os aspectos mais críticos da política de informações em saúde no Brasil. As experiências internacionais trazidas ao debate demonstram que há preocupações semelhantes em outros países às que se têm com o desenvolvimento do SNIS e com a incorporação da tecnologia de informação aos serviços de saúde em nosso meio. Embora ainda não se tenham seguido aqui caminhos articulados e integrados que dirijam os investimentos de todos os órgãos de governo e de organizações interessadas para algumas metas consistentes de médio e longo prazos. A política de informação se associa às políticas de ciência e tecnologia (C&T) em décadas recentes (Gómez, 2002). Porém, em países em desenvolvimento os investimentos nos sistemas de informação e em C&T não se inserem no conjunto das políticas públicas, e as chamadas fontes informacionais não respondem às demandas sociais por informação. A articulação institucional e o exercício das finalidades que têm as comissões constituídas no âmbito de conselhos e comitês gestores e as redes de organizações interessadas podem modificar esse quadro, legitimando sua atuação com resultados de amplo interesse técnico-científico e social.

A abordagem do tema indica a complexidade do desafio e o que se espera das contribuições de todos em reflexão e crítica produtivas voltadas à construção dos principais meios e mecanismos de produção e difusão de informações e conhecimentos para a melhoria das condições de saúde da população.

Referências bibliográficas

César CLG & Tanaka OY 1996. Inquérito domiciliar como instrumento de avaliação de serviços de saúde: um estudo de caso na região Sudeste da área metropolitana de São Paulo, 1989-1990. Cadernos de Saúde Pública 12(Supl. 2):59-70.

OPAS 2002. Rede Interagencial de Informações para a Saúde ­ Ripsa. Indicadores básicos de saúde no Brasil: conceitos e aplicações, pp. 254-255, Brasília.

Gómez MNG 2002. Novos cenários políticos para a informação. Ciência da Informação, 31(1):27-40, Brasília.

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Francisco Viacava

Inicialmente, gostaria de agradecer aos debatedores pela leitura cuidadosa do meu texto e pelas críticas e contribuições apresentadas.

O grande esforço de negociação entre o Ministério da Saúde e o IBGE, numa conjuntura de constante transição, que envolveu três administrações do Ministério da Saúde em menos de seis meses, o tempo despendido nas reuniões entre os pesquisadores da Abrasco e ABEP com os técnicos do IBGE para desenhar o questionário, os custos envolvidos e, sobretudo, a cooperação dos moradores dos 100 mil domicílios entrevistados mereceriam que os dados coletados fossem cuidadosamente analisados.

A publicação deste número temático teve por objetivo estimular a análise dos dados do suplemento Saúde da PNAD/98, e ao mesmo tempo avaliar, ainda que de forma indireta, a capacidade desse instrumento em subsidiar o monitoramento das condições de saúde e do uso de serviços de saúde por diferentes segmentos da população brasileira.

Com isso estou procurando justificar a natureza do texto que foi apresentado para debate, que teve como preocupação salientar as limitações das bases de dados e contrapor a experiência de outros países, cujos dados obtidos de amostras de base populacional têm sido utilizados para subsidiar a formulação e avaliação da política de saúde.

Talvez por esse motivo eu tenha dado pouco destaque às análises produzidas com os dados existentes como bem aponta José Noronha, o que não deve significar, em absoluto, que eu não reconheça a importância desses estudos. Da mesma forma, é preciso deixar claro que não defendo a importação pura e simples dos instrumentos utilizados por outros países como parece ser a preocupação de Estela Aquino. Acredito, entretanto, que é necessário que o país invista muito mais nesse tipo de coleta de dados, a partir de uma demanda formulada não apenas pelos gestores, mas por eles organizada, de forma a contemplar as carências, dúvidas e anseios da sociedade, quanto ao sistema de saúde brasileiro. Esse me parece ser um ponto importante enfatizado por Ricardo Ceccim, quando ressalta a necessidade de buscar soluções alternativas de visibilidade ao estado de saúde e do desempenho do sistema sanitário em cada localidade.

Isso remete a uma outra questão, colocada pelo prof. Rui Laurenti, sobre o nível de abrangência geográfica que as amostras populacionais devem ter. Os inquéritos nacionais são desenhados para subsidiar e avaliar as grandes diretrizes da política de saúde e as desigualdades na oferta e demanda de serviços e não podem dar conta nem substituir as avaliações em nível local, que devem aprofundar determinados temas para apoiar o desenvolvimento das ações de saúde. A atraente idéia de um planejamento ascendente defendida por Ricardo Ceccim, certamente introduziria novas visões do processo saúde/doença e sobre a utilização de serviços de saúde, mas é somente a partir de criação de instâncias de comunicação entre as diferentes esferas administrativas, que se poderá viabilizar essa estratégia.

No desenho do questionário do suplemento saúde da PNAD/98 pensou-se em utilizar grupos focais para identificar questões ligadas à identificação de barreiras de acesso na procura no uso de serviços de saúde e no grau de satisfação com o atendimento, mas infelizmente não foi possível fazê-lo. Aumentar nossa familiaridade com essas técnicas certamente ajudaria a melhorar as bases da formulação de instrumentos no sentido da incorporação das questões demandadas pela sociedade.

Infelizmente, não é essa a nossa prática e os inquéritos de âmbito nacional têm sido conduzidos pelo IBGE sempre na forma de suplementos da PNAD, ou através das DHS e mais recentemente da Pesquisa sobre Padrão de Vida (Banco Mundial em parceria com IBGE). Em 1996, quando se decidiu, dada a premência de tempo e os custos menores, mais uma vez, usar a PNAD, abriu-se mão da segunda alternativa, que era realizar um Inquérito Nacional de Saúde que poderia apresentar outro tipo de desenho. De qualquer forma essa alternativa, pela sua abrangência nacional, ainda não atenderia inteiramente às questões colocadas por Ricardo Ceccim, que me parecem devem ser de responsabilidade dos gestores no nível local.

De qualquer forma, é sempre importante enfatizar, com o faz Maria Novaes, a baixa utilização desses dados, episodicamente produzidos, cujo acesso, entretanto, deve-se reconhecer, é muito pouco facilitado pelo IBGE. A isso somam-se os desafios salientados por João Batista Risi, sobre a experiência da construção da Ripsa, quando se revelaram problemas importantes relacionados à origem, gerenciamento e limitações das bases de dados, que foram se constituindo na ausência de uma política para a área de informação em saúde.

Acredito que a leitura dos trabalhos aqui apresentados poderá levantar uma série de questões que devem remeter para a formulação de uma política de produção e análise de informações sobre condições de saúde e desempenho do sistema de saúde brasileiro, a partir de uma instância desenhada conjuntamente pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Saúde, que seria responsável pela definição das informações necessárias, a abrangência e periodicidade com que os dados deveriam ser coletados, a inclusão das variáveis sociais nas bases de dados que ainda não as possuem, e estimularia o desenvolvimento de inquéritos e avaliações no nível local de tal forma que se pudesse promover um intercâmbio entre as diversas esferas administrativas, não apenas quanto aos dados a serem coletados, mas envolvendo também a análise e a discussão dos resultados.

Esse me parece ser o ponto destacado por Eduardo Mota ao enfatizar a necessidade de maior articulação institucional e de reconhecer a informação como um valor imprescindível para o processo de tomada de decisão. Somente por meio de uma reflexão de caráter mais coletivo será possível formular um sistema de informações em saúde, que subsidie de modo mais eficiente as ações de gestão e controle social do sistema de saúde brasileiro.

  • Endereço para correspondência
    José Carvalho de Noronha
  • 1
    Departamento de Políticas, Planejamento e Administração em Saúde do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Departamento de Informações em Saúde do Centro de Informação Científica e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz. Presidente da Abrasco
  • Endereço para correspondência
    Estela Maria Leão de Aquino
  • 1
    MUSA ­ Programa de Estudos em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia
  • Endereço para correspondência
    Ricardo Burg Ceccim
  • 1
    Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  • Endereço para correspondência
    Rui Laurenti
  • 1
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
  • Endereço para correspondência
    Hillegonda Maria Dutilh Novaes
  • 1
    Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP
  • Endereço para correspondência
    João Baptista Risi Júnior
  • 1
    Representação da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil
  • Endereço para correspondência
    Eduardo Mota
  • 1
    Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia ­ ISC/UFBA
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      2002
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