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Diante da resistência bacteriana e dos vírus pluripotentes: uma antropologia política do viver com micróbios

BRIVES, Charlotte. Face à l’antibiorésistance. Une écologie politique des microbes.1º ed.Paris: Amsterdam editions, 2022. 340 p.

Não é de hoje que os seres microbiológicos se tornaram um tema de interesse antropológico. Vivendo em simbiose (ou parasitismo) com os seres humanos, eles estabelecem múltiplas e complexas relações que cada vez mais têm sido historicizadas e etnografadas. O livro Les Microbes: Guerre et paix, no qual Bruno Latour analisa a redefinição das relações sociais no século XIX, subsequentes ao acolhimento pela sociedade das constatações do cientista francês Louis Pasteur, costuma ser citado como pioneiro ao colocar esses microsseres em primeiro plano na disciplina. 1 1 Les Microbes: Guerre et paix foi publicado em francês em 1984, sendo traduzido para o inglês em 1988 sob o título The Pasteurization of France e reeditado em 2001 sob o título Pasteur: Guerre et paix des microbes. Nele, Latour propõe considerar micróbios como atores para uma ciência renovada da sociedade. Ele está interessado não apenas na aplicação de um dado poder sobre os corpos, mas na composição prévia de uma imprevisível fonte de poder na qual lei científica, lei jurídica e moralidade pública se reforçaram mutuamente para combater os micróbios. Como aponta, o que Pasteur descobriu não foram os micróbios (vistos pela primeira vez dois séculos antes), mas como controlá-los em laboratório e conectá-los ao Estado republicano.

Desde então, uma série de etnografias focaram-se nas interações microbianas, formando um potencial campo de estudos chamado por Benezra, DeStefano e Gordon ( 2012BENEZRA, Amber, DESTEFANO Joseph; GORDON, Jeffrey. 2012 Anthropology of microbes. PNAS, vol. 109, n. 17: 6378-6381. DOI: 10.1073/pnas.1200515109.
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) de uma “antropologia dos micróbios”. Na análise das práticas alimentares, a governança dos micróbios deu origem ao conceito de microbiopolítica, utilizado para analisar a elaboração de comportamentos humanos apropriados para se relacionar com esses microsseres ( Paxson, 2008PAXSON, Heather. 2008. Post-pasteurian cultures: the microbiopolitics of raw-milk cheese in the United States. Cultural Anthropology, vol. 23, n.1: 15-47. DOI: 10.1525/can.2008.23.1.15
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). Em análises de biossegurança, se a presença microbiológica já vinha ganhando destaque ( Keck 2020KECK, Frédérick. 2020. Avian reservoirs: Virus hunters and birdwatchers in Chinese sentinel posts. Durham, N.C.: Duke University Press.), Blanchette, ( 2020BLANCHETTE Alex. 2020. Porkopolis. American animality, standardized life, & the factory farm. Durham e Londres, Duke University Press.), com a emergência da Covid-19, estes estudos se multiplicaram na disciplina. Porém, indo um pouco mais longe, também emergiram análises etnográficas que se focam em relações microbianas com a vida marinha ( Helmreich, 2012HELMREICH, Stefan. 2012. Alien Ocean: Anthropological Voyages in Microbial Seas. University of California Press: Berkeley.), o solo ( Pessis 2020PESSIS, Céline. 2020. Histoire des ‘sols vivants’: Genèse, projets et oublis d’une catégorie actuelle. Revue d’anthropologie des connaissances, vol. 14, n. 4. DOI. https://doi.org/10.4000/rac.12437
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) e em ecologias de guerra ( Dewachi, 2019DEWACHI, Omar. 2019. Iraqibacter and the Pathologies of Intervention. Middle East Report, n. 290. Disponível em https://merip.org/2019/07/iraqibacter-and-the-pathologies-of-intervention/ Acesso em 3 jul. 2023.
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), dentre outros domínios.

A partir de mudanças na forma de aprendê-los pelas ciências naturais, biomedicina e no campo alimentar, Paxson e Helmreich ( 2014PAXSON, Heather; HELMREICH, Stefan. 2014 The perils and promises of microbial abundance: novel natures and model ecosystems, from artisanal cheese to alien seas. Social Studies of Science, vol. 44 n. 2:.165-93. DOI: 10.1177/0306312713505003.
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) cunharam a expressão “virada microbiana” para apontar renovações nas relações entre seres humanos e micróbios. E, em publicação recente, Eben Kirksey ( 2022KIRKSEY, Eben. 2022. Editorial: Welcome to the Virosphere. E-flux, n. 130. Disponível em https://www.e-flux.com/journal/130/491400/editorial-welcome-to-the-virosphere/ Acesso em 3 jul. 2023
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) deu boas-vindas à “virosfera”, fazendo referência à complexidade desses seres com os quais precisamos aprender a conviver a partir de novas maneiras de percebê-los.

A publicação do livro Face à l’antibiorésistance. Une écologie politique des microbes, da antropóloga da ciência e biomedicina, Charlotte Brives, é mais uma contribuição para a expansão desse campo. Nele, o foco principal são os bacteriófagos – ou simplesmente “fagos” –, vírus comedores de bactérias (mas que se relacionam com elas de formas mais complexas, inclusive em coevolução), tornados agentes de uma terapia para tratar a resistência de bactérias aos antibióticos, um fenômeno do antropoceno de gravidade semelhante ao aquecimento global, como apontam autoridades internacionais em saúde.

Conforme pontua a autora, estima-se que infecções bacterianas não combatidas pelos antibióticos, os quais vêm perdendo gradualmente sua eficácia, matarão mais de 10 milhões de pessoas até 2050 (Brives, 2022: 22). As autoridades estão cada vez mais preocupadas com esse fenômeno, no qual, paradoxalmente, o uso em larga escala desses medicamentos, tanto na medicina, quanto na produção agropecuária, criou as condições para a sua ineficácia, com o aparecimento, em diferentes contextos, de genes de resistência nas bactérias que deveriam ser destruídas pelos antibióticos.

Os bacteriófagos são capazes de matar essas “superbactérias”, como têm sido chamadas, causando alívio nas dores e prolongando a vida de pacientes. Porém, por diferenças fundamentais nos modos de existência e ação, 2 2 A título de explicação, cabe ressaltar que esses são vírus vivos, de comportamento pouco previsível, e não moléculas químicas estáticas, como os antibióticos. eles não se encaixam perfeitamente nas infraestruturas globais da medicina farmacêutica, que necessita da padronização e previsibilidade em suas terapias. Apresentados pela autora como seres fundamentalmente relacionais, incapazes de se reproduzir sem seus hospedeiros bacterianos, os fagos são microsseres complexos, ora patogênicos, ora não, a depender dos ecossistemas no qual estão inseridos. Eles atravessam os organismos, moldam-se de múltiplas formas e misturam genes, muitos dos quais ainda desconhecidos, além de estar em constante mutação e, por isso, não devem ser reificados. “São entidades sempre em devir, formadas ou transformadas por seus encontros com outros seres vivos” (Ibidem:149), afirma a autora.

Quando, por exemplo, um bacteriófago entra em contato com um potencial hospedeiro, ele pode se ligar à célula hospedeira e injetar material genético no seu interior, assumindo o controle da bactéria para se reproduzir rapidamente às custas dela e, em seguida, explodindo-a, em um processo chamado lise. Porém, pode também adotar estratégias simbióticas de longo prazo, conhecidas como lisogênese, e residir silenciosamente dentro da célula hospedeira, integrando seu material genético ao cromossomo da bactéria. Assim, esses vírus são entidades fluentes, capazes de se fundir e se transformar por meio de encontros. É o que a autora chama de pluribiose, um conceito utilizado por ela para lidar com a dinamicidade da agência viral, cuja patogenicidade é contextual. Brives analisa essa dinâmica complexa, cheia de incertezas e que envolve humanos, bactérias e vírus, considerando os fagos como cura (e não apenas doença). Esse aspecto vem sendo atualmente “reinventado” de modo a atender os atuais protocolos da medicina contemporânea, para a qual a microbiota tem se tornado um objeto de conhecimento com novas potencialidades.

Graças aos progressos significativos alcançados desde o início do milênio nas áreas de sequenciamento genético e bioinformática, nas quais a aplicação de métodos metagenômicos tornou observável uma diversidade até então desconhecida, vêm ocorrendo mudanças notáveis na forma como os micróbios são aprendidos. Isso, por sua vez, tem conduzido pesquisadores a uma relação menos belicosa com o microcosmo, a partir da constatação da natureza profundamente relacional e sistêmica das formas de existência das entidades vivas. Esses progressos têm feito emergir áreas inteiras de pesquisas microbiológicas relacionadas a dinâmicas interindividuais, intercomunitárias e interespecíficas (interespécies), que nos levam a reconsiderar os estados de saúde e as etiologias de muitas patologias, em termos de equilíbrios ou distúrbios ecológicos. Algumas dessas pesquisas afirmam que somos habitados por até dez mil espécies bacterianas, apontando que nove em cada dez células do nosso corpo e que 99% do DNA que carregamos pertencem a elas ( Benezra, DeStefano e Gordon, 2012BENEZRA, Amber, DESTEFANO Joseph; GORDON, Jeffrey. 2012 Anthropology of microbes. PNAS, vol. 109, n. 17: 6378-6381. DOI: 10.1073/pnas.1200515109.
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). Somente no nosso intestino vivem dez trilhões de bactérias e dois trilhões de fagos (Kirksey, 2022). A capacidade desses micróbios de compartilhar genes entre espécies – transferência lateral ou horizontal de genes está nos definindo como uma espécie múltipla, formada por componentes microbianos e humanos em constante compartilhamento e transformação, ou seja, como um superorganismo em coevolução.

A problematização da evidência de individualidade pelo campo da microbiologia abre um campo de diálogo com as etnografias produzidas em diferentes partes do mundo, que há décadas demonstram que as pessoas são distribuídas, não essenciais, fluidas e relacionais. Porém, o que está em questão no trabalho de Brives são menos as profundas implicações de uma conceituação relacional para a noção biológica de eu, e mais as estruturas de poder nas quais esses seres estão inseridos. Como ela mesma afirma, seu trabalho consiste em uma antropologia posicionada, imersa e parcial, com posições políticas assumidas. Se micróbios não são considerados políticos, as relações mantidas com eles definitivamente são. Para ela, a solução para a ameaça da antibioresistência passa por analisar as capacidades de ação política dos diferentes atores envolvidos (vírus bacteriófagos, bactérias, médicos e indústria farmacêutica, dentre outros atores) e desconstruir a produção em massa de antibióticos, que se tornou uma infraestrutura do capitalismo contemporâneo. Trata-se, segundo ela, de explorar o que pode vir a ser a medicina, o cuidado, a infecção ou a cura, quando esses processos não são mais referidos a organismos tomados isoladamente, mas a tecidos de relações. A partir dessa abordagem sistêmica, ela levanta uma questão que guia sua obra.

“Como desenvolver terapias fágicas, baseadas nas potencialidades dos micróbios, libertando-se da lógica mortífera que acompanha o uso abusivo de antibióticos?” (Ibidem: 42), pergunta a autora como ponto de partida. Sua pergunta conduz a outros questionamentos: o que pode significar a prática da medicina baseada na erradicação dos micróbios quando as relações que temos com eles nos parecem muito mais complexas e abundantes do que uma simples relação de patogenicidade? o uso de vírus bacteriófagos contribui para uma mudança de paradigma na medicina ao tratar da construção de relações em vez de isolar apenas organismos? Quais são as implicações científicas, políticas, sociais e econômicas?

Charlote Brives é, atualmente, pesquisadora do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) Seu trabalho de campo para construção desse livro ocorreu na França, na Suíça e na Bélgica. Ela aponta que passou seis anos acompanhando a dinâmica de laboratórios e hospitais, entrevistando pacientes, médicos, cientistas clínicos hospitalares e especialistas em saúde pública sobre fagos. No entanto, Brives tem pesquisado as relações entre humanos e micróbios desde sua tese de doutorado, defendida em 2010, que se concentrou no trabalho de cientistas sobre uma levedura em um laboratório de genética e biologia celular. Posteriormente, ela estudou ensaios clínicos de HIV na África subsaariana e, a partir daí, direcionou seus estudos para o uso da terapia fágica, um tema ainda em aplicação experimental na medicina francesa e que enfrenta resistência entre profissionais e entidades da área. Nos últimos anos, a autora organizou, junto com outros pesquisadores, dois dossiês que discutem as relações humanas com micróbios e reforçam a centralidade do tema na disciplina: o livro With Microbes ( Brives, Rest, e Sariola, 2021BRIVES, Charlotte; REST, Matthäus; SARIOLA, Salla. 2021. With Microbes. Manchester: Mattering Press.) e uma edição especial da Revue d’anthropologie des savoirs intitulada Un tournant microbien? ( Brive e Zimmer, 2021BRIVES, Charlotte; ZIMMER, Alexis. 2021. Ecologies and promises of the microbial turn. Revue d’Anthropologie des Connaissances, vol. 15, n. 3. DOI https://doi.org/10.4000/rac.25068
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).

Face à l’antibiorésistance é um livro que apresenta o amadurecimento de toda essa trajetória pesquisa com seres microbiológicos. Dividido em nove capítulos que perpassam a escuta de pacientes sobre o viver com certos microrganismos, o acompanhamento em laboratórios das múltiplas potencialidades dos fagos, e as aplicações da fagoterapia na medicina contemporânea, a obra traz ainda um prefácio escrito por Bruno Latour, que retorna ao tema micróbios, em seu último texto publicado antes de seu falecimento. O contexto dessa relação atualmente, aponta ele, é mais incerto do que há quatro décadas, quando escreveu seu livro que homenageia Pasteur ( Latour, 1984LATOUR, Bruno. 1984. Les microbes. Guerre et Paix, suivi de Irréductions. Paris, A.-M. Métaillé.). “Há uma oportunidade aqui; seções inteiras de medicina dependem disso; ninguém sabe ainda como a história vai se desenrolar. Pois bem, é justamente aí que deve se situar uma pesquisadora ousada, para participar ela mesma do movimento que irá nos descrever”, afirma Latour (:14).

Apesar de controverso e carregado de complexidades, o uso de bacteriófagos está longe de ser novo para a ciência. O primeiro registro da presença desses vírus está em uma breve nota intitulada “Sobre um micróbio invisível antagonista dos bacilos disentéricos”, publicada por Félix d’Hérelle, um microbiologista franco canadense, em 1917. A partir da década de 1920, os ensaios clínicos com esses microsseres começaram em vários países, inclusive no Brasil, particularmente contra a disenteria. No entanto, a década de 1940 marcou o declínio da terapia com bacteriófagos nos países ocidentais. É nesse período que surgiram os antibióticos que, pela facilidade de produção e administração, rapidamente inundam o mercado farmacêutico e o setor agropecuário. Sob o nome abreviado de “fagos”, estes vírus se tornaram desde então, em muitos países, uma ferramenta para laboratórios de biologia molecular, servindo quase como “seringas” portadoras de bioquímicos para pesquisadores de DNA.

Como demonstra a autora, os antibióticos tornaram-se a partir desse período uma verdadeira infraestrutura do capitalismo, em particular ao permitir a exacerbação da exploração de seres vivos, condição necessária para a intensificação da produção e, consequentemente, para o consumo em massa de animais e plantas. Inserido em economias que se baseiam na padronização, redução e apropriação de seres vivos (humanos e não humanos), os antibióticos permitiram o desenvolvimento de formas de exploração completamente novas, ao serem distribuídos em massa como uma solução rápida para resolver problemas de produção, colocando os humanos não humanos de volta ao trabalho mais rapidamente, intensificando e massificando a produção, o que, por sua vez, implica em cada vez mais antibióticos (tanto quantitativa como qualitativamente).

Brives aponta que, para além dos seus objetivos primordiais de cuidar de pessoas acometidas de infeções bacterianas, a lógica erradicadora dos antibióticos alterou a qualidade das relações entre os seres vivos, transformando de forma duradoura as sociedades humanas e os microrganismos, que se adaptaram e ficaram mais resistentes. Doenças que se tornaram benignas graças aos antibióticos agora são letais novamente pelo seu uso em larga escala. No jogo de guerra e paz aos microrganismos apontado por Latour ( 1984LATOUR, Bruno. 1984. Les microbes. Guerre et Paix, suivi de Irréductions. Paris, A.-M. Métaillé.), por jogarem com incrível adaptabilidade, em complexos ecossistemas onde o desaparecimento de uma espécie pode permitir que outra se desenvolva, esses microsseres vencem.

Porém, em alguns países da ex-União Soviética – principalmente Georgia, Rússia e Polônia – a terapia fágica nunca parou de ser ordinariamente executada. Atualmente, pacientes de países da Europa Ocidental acometidos por “superbactérias” buscam ali seu tratamento, cuja lógica – feita “sob medida” – consiste inicialmente no processo de isolar e cultivar bactérias com fagos virulentos em coleções, identificar quais deles podem infectar e matar a bactéria causadora da infecção e, em seguida, injetá-la no enfermo no local mais próximo o possível da bactéria, de modo que a fase de adsorção possa ser realizada, pois cada fago só pode atuar em uma única espécie bacteriana, ou mesmo em algumas de suas variantes. Assim, essa é uma terapia profundamente situada, resultante de encontros em locais e momentos específicos, chamados pela autora de micro geo-histórias, em que cada fago e cada infecção (e cada cura potencial) é um evento único.

Tal complexidade faz com que, nas palavras da autora, não seja suficiente tirar a terapia dos frascos empoeirados, sendo necessário reinventá-la nos países ocidentais para atender aos protocolos exigidos para sua regulamentação médica. Nesse sentido, o status de medicamento adquirido nos últimos anos tornou-se problema, porque faz da fagoterapia uma iniciativa de ensaios clínicos longos e caros que, pelo menos por enquanto, pouco interessou à grande indústria farmacêutica devido ao retorno financeiro incerto (tem interessado apenas a algumas startups que começaram a trabalhar com fagos e fizeram lobby para trazer a fagoterapia à existência no nível regulatório). Pesa também, nesse sentido, a improbabilidade atual quanto à possibilidade de conseguir patentear fagos, cuja “identidade” pluripotente, e em constante mutação, é extremante complexa de se definir.

Percorrendo todas essas questões, a proposta da obra é pensar o viver em uma ecologia ainda pouco decifrada, mas carregada de potencialidades políticas. Ela é mais uma contribuição ao que tem sido chamado de antropologia multiespécie, cujo problema não é tanto lutar contra inimigos não humanos numa guerra de erradicação, mas aprender as consequências dessa convivência e pensar futuros compartilhados. Segundo Brives, não é contra os vírus que deveríamos estar em guerra, mas contra o sistema político e econômico, esse sim gerador de profundos desequilíbrios.

Referências bibliográficas

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  • PAXSON, Heather; HELMREICH, Stefan. 2014 The perils and promises of microbial abundance: novel natures and model ecosystems, from artisanal cheese to alien seas. Social Studies of Science, vol. 44 n. 2:.165-93. DOI: 10.1177/0306312713505003.
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  • PESSIS, Céline. 2020. Histoire des ‘sols vivants’: Genèse, projets et oublis d’une catégorie actuelle. Revue d’anthropologie des connaissances, vol. 14, n. 4. DOI. https://doi.org/10.4000/rac.12437
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    Les Microbes: Guerre et paix foi publicado em francês em 1984, sendo traduzido para o inglês em 1988 sob o título The Pasteurization of France e reeditado em 2001 sob o título Pasteur: Guerre et paix des microbes. Nele, Latour propõe considerar micróbios como atores para uma ciência renovada da sociedade. Ele está interessado não apenas na aplicação de um dado poder sobre os corpos, mas na composição prévia de uma imprevisível fonte de poder na qual lei científica, lei jurídica e moralidade pública se reforçaram mutuamente para combater os micróbios. Como aponta, o que Pasteur descobriu não foram os micróbios (vistos pela primeira vez dois séculos antes), mas como controlá-los em laboratório e conectá-los ao Estado republicano.
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    A título de explicação, cabe ressaltar que esses são vírus vivos, de comportamento pouco previsível, e não moléculas químicas estáticas, como os antibióticos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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