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Largo, larghissimo: Dalcroze finalmente em português

Jaques-Dalcroze, É. 2023. O Ritmo, a Música e a Educação. Bataglia, Rodrigo; Justi, Lilia; Justi, Luis Carlos; Campos, Gilka Martins de Castro; Madureira, José Rafael; Rónai, Laura Tausz. Editora UFRJ

Introdução

Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950) é uma figura emblemática, especialmente para os educadores musicais, ávidos por desvendar os segredos do sistema revolucionário de educação musical por ele concebido ao final do século XIX.

Revolucionário? Sim, revolucionário. Imagine um jovem e talentoso professor de música recém-contratado pelo principal conservatório da cidade mais calvinista do mundo. Ele está em sala de aula e - com o auxílio dos alunos - afasta mesas e cadeiras para deixar o espaço livre. Sem demora, ele requisita ao grupo para retirar os sapatos, senta-se ao piano e começa a improvisar um tema melódico acompanhado. Os alunos, um pouco intimidados com a situação, começam a marchar pela sala de aula ao sabor das unidades de tempo da trilha musical executada ao vivo. O professor, sem prévio aviso, vocaliza uma interjeição de alerta: hop! Todos interrompem a marcha e permanecem imóveis. Depois de dois compassos de silêncio, recomeça-se o jogo...

Essa imagem, muito verossímil, descreve o nascimento de uma ginástica especial: a Ginástica Rítmica ou simplesmente Rítmica, sistema de educação musical fundamentado em exercícios corporais, marchas cadenciadas, solfejo ativo e improvisações gestuais. A Rítmica estabeleceu-se como um modelo dinâmico de educação musical que aposta “[...] na integração entre escuta e movimento, corpo e ritmo musical, no qual a experiência sensorial precede o intelecto ou qualquer análise conceitual ou analítica” (Madureira & Nicoletti, 2023Madureira, J. R., & Nicoletti, D. A. R. (2023). Jaques-Dalcroze e a Rítmica na educação infantil. Revista Brasileira de História da Educação, 23(1), 1-20. https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e253
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, p. 2).

Dalcroze viveu mais de 80 anos em plena atividade. Além da extensa coleção de cadernos didáticos, produziu mais de 3.000 composições: sinfonias, concertos, música de câmera, canções, óperas e muitas outras formas musicais. Essa informação é muito importante, pois ele se empenhou em integrar a atividade artística com as pesquisas em educação: “Esses dois elementos de vida se completam. A pedagogia é uma arte e a arte é o instrumento mais ativo de educação” (Jaques-Dalcroze, 1942Jaques-Dalcroze, É. (1942). Souvenir, Notes et Critiques. Attinger., p. 217).

Estrutura da obra

O Ritmo, a Música e a Educação (RME) é a produção teórica mais importante de Dalcroze, uma coletânea de 14 textos que reúne as indagações estético-pedagógicas do compositor suíço levantadas desde o início de sua carreira como professor de harmonia no Conservatório de Genebra até os tempos do primeiro Instituto de Hellerau (Dresden, Alemanha), edificado na cidade-jardim em 1911 como ateliê de vanguarda do ensino da Rítmica no contexto da formação de artistas dramáticos.

RME foi publicado originalmente em francês no ano de 1920 e logo conquistou versões em inglês, alemão e italiano. A tradução para o português chegou somente agora, depois de mais de 100 anos, apesar das declarações de Sá Pereira e Mário de Andrade - feitas no início do século XX - a favor das ideias apresentadas por Dalcroze em RME.

Essa longa ausência nos leva a indagar: como foi possível que uma obra historicamente tão importante tenha ficado esquecida durante tanto tempo? Por que outros pesquisadores e editoras brasileiras - ou mesmo portuguesas - não se engajaram na aventura da tradução? Ainda não se sabe, mas no ano de 2020, a obra de Dalcroze entrou em domínio público e motivou um grupo de pesquisadores de quatro instituições federais de ensino superior liderado por Lilia Justi e Rodrigo Batalha a se inscrever em um edital aberto pela Editora UFRJ nesse mesmo ano com o objetivo de selecionar e publicar traduções de obras ensaísticas de referência.

O projeto foi contemplado e, depois de quase três anos de editoração, RME foi lançado em formato eletrônico com livre acesso, conforme política de livros abertos definida pela editora carioca (Figura 1).

Figura 1
Capas de RME.

RME é dedicado ao cenógrafo Adolphe Appia, grande amigo e colaborador de Dalcroze, e organizado nos seguintes capítulos: I. “Os estudos musicais e a educação do ouvido” [1898]; II. “Um ensaio de reforma do ensino musical nas escolas” [1905]; III. “O piano e a senhorita do conservatório” [1905]; IV. “A iniciação ao ritmo” [1907]; V. “A música e a criança” [1912]; VI. “A Rítmica, o solfejo e a improvisação” [1914]; VII. “A Rítmica e a composição musical” [1915]; VIII. “A escola, a alegria e a música” [1915]; IX. “O ritmo e a imaginação criadora” [1916]; X. “A Rítmica e o gesto no drama musical e frente à crítica” [1910-1916]; XI. “Como redescobrir a dança?” [1912]; XII. “A Rítmica e a Plástica Animada” [1919]; XIII. “O dançarino e a música” [1918]; XIV. “O ritmo, a métrica e o temperamento” [1919].

Esses capítulos podem ser lidos aleatoriamente de modo independente, já que não estabelecem entre si uma relação direta. Os textos são curtos (17 páginas, em média) e fracionados em pequenas seções. Essas características tornam a obra mais acessível e garante à leitura certa agilidade. Outra qualidade estrutural do livro diz respeito às proposituras incluídas por Dalcroze no início de cada capítulo, uma espécie de índice das indagações a serem desenvolvidas. Ao total, 185 proposituras são apresentadas, um indicativo expressivo da profusão de temas abordados e da envergadura do autor.

O capítulo 7 é ricamente ilustrado com 13 exemplos de estudos rítmicos e musicais distribuídos em 34 páginas (mais de 130 subseções). O material foi minuciosamente transcrito da edição original de RME pelo maestro Rafael Caldas, uma diagramação exaustiva realizada com excelência e em ótima resolução para impressão gráfica.

O cerne das discussões

Dalcroze confere à escrita de RME um tom (tempo) profético quasi religioso, articulando horizontalmente - em estilo polifônico - vários saberes (vozes): pedagogia, história, estruturação musical, filosofia, linguagem, neurofisiologia, moral, gestão escolar, encenação teatral, ética, dança e musicologia. Todas essas áreas do conhecimento gravitam ao redor das inferências do autor sobre o ritmo musical e a educação.

A maior parte dos textos de RME foi escrita antes ou durante a 1ª Guerra Mundial, carregando consigo os antagonismos e as angústias de uma civilização (europeia) à beira do colapso. A busca de Dalcroze pela revitalização do ensino de música por intermédio de exercícios corporais ritmados (métodos ginásticos) não é casual, mas o reflexo de um grande projeto de reforma social particularmente expressivo na Suíça: a Lebensreform. Esse anseio pela “renovação da vida” estava atrelado aos valores da “cultura física” (Körperkultur) e do rhythmós (ritmo), fonte de toda ordenação do movimento e da vida.

A ênfase sobre o estudo do ritmo musical - seja de um ponto de vista estético, pedagógico ou científico - é a chave para se compreender o método e o pensamento de Dalcroze: “O ritmo é a base de todas as artes” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 256); “O ritmo é a base de todas as manifestações da vida, da ciência e da arte” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 171).

Dalcroze não esconde o fascínio pelas descobertas no campo da neurofisiologia. Termos como “sistema nervoso”, “cerebral” e “inervação” são bastante frequentes em RME. Esse fascínio se justifica, em parte, pela necessidade de legitimar, através do cientificismo, ideias que foram - no início - violentamente rejeitadas.

Movido por teorias científicas, Dalcroze estabelece a natureza do fenômeno rítmico, de ordem essencialmente corporal e neurofisiológica. Se a música é uma arte rítmica por excelência, o corpo humano, logo, é um “instrumento musical por excelência” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 248), “o instrumento direto de nossos sentimentos” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 23).

O ritmo se manifesta por por um “sentido especial” ou “sexto sentido”: o “sentido muscular”, “[...] ideia aperfeiçoada por alguns cientistas e traduzida como sentido cinestésico, estereognosia, noção espacial ou sentido de giração” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 260). De acordo com Dalcroze, “ritmo é movimento” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 76), e todos os movimentos nascem de um impulso interior, a ser apreciado, regulado e afinado pelo “sentido muscular”.

A Rítmica seria, portanto, para Dalcroze, um caminho seguro para despertar, nos estudantes, o sentido rítmico-muscular, ponto de partida de qualquer estudo musical ou coreográfico: “Minha convicção é de que uma educação por e para o ritmo será capaz de despertar o sentido artístico de todos que a ela se submeterem” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 177). Ele se mostra orgulhoso por ter concebido uma educação completa e original: “Nem a ginástica usual, nem o esporte, nem as lições de graça ou condicionamento são suficientes para podermos adquirir esse sentido [rítmico]” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 260); “Essa educação completa não se dá atualmente nem nos cursos de música nem nos [cursos] de ginástica” (p. 80).

O segundo tópico central de RME, Educação, não se refere apenas à instrução técnica, mas à formação cultural, uma escolha que se aproxima da Bildung, conceito definido pelos idealistas alemães como um processo dinâmico e integrador de atributos estéticos e pedagógicos. Ao assumir essa compreensão de educação, Dalcroze ultrapassa os muros da instituição escolar e convoca todos os setores da sociedade para a efetivação de um projeto utópico: “Os educadores devem buscar fornecer aos estudantes os meios para viverem suas próprias vidas e harmonizá-las com a vida dos demais” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 16).

Ainda inspirado no rhythmós, Dalcroze (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 167) invoca a “autoridade de Platão” para justificar o valor da música - e do ritmo musical - na educação; seu modelo educacional aproxima-se da Paideia, de orientação disciplinar (métrica), solar, racional e assentada sobre os pilares da música e da ginástica.

O conciso título RME não contempla o que poderia ser mais um tema central do livro: a dança. A preocupação de Dalcroze com a “arte coreográfica” é extrema, o que o motivou a escrever dois capítulos substanciais destinados a denunciar o estado de decadência da arte coreográfica e os prejuízos incalculáveis por ela causados, seja pela “deformação corporal” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 265) instaurada pelos professores de balé aos jovens aprendizes ou por alimentar a “ignorância do público” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 258), para o qual o espetáculo de dança não é nada além de um “frívolo divertimento” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 259). A saída para o problema, certamente, seria o seu método, uma vez que “essa educação [corporal-rítmica] é a única capaz de restaurar a dança” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 278).

Dalcroze era nacionalista convicto e moralista, no sentido do moralismo filosófico. Não por acaso, os Ensaios de Montaigne era o seu livro de cabeceira. O público-alvo de seu manifesto dogmático (RME) é multifacetado: artistas, educadores, psicólogos, gestores de ensino e familiares (pais e mães). Suas críticas - sempre incisivas e emaranhadas à muita ironia e sarcasmo - são especialmente endereçadas ao Estado, à burguesia “hipócrita e estúpida” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 233) e aos burocratas da educação, indivíduos contrários àquilo que ele denomina “pedagogo verdadeiro” ou “pedagogo completo”.

O estado de completude das coisas, a propósito, é uma obsessão para Dalcroze, o que se torna visível em expressões como: “pensamento completo”, “ensino mais completo”, “educação artística mais completa”, “estudos pedagógicos mais completos”, “alegrias artísticas mais completas” e “educação musical completa”. Ele não hesita em relação à potência de seu sistema, capaz de garantir a formação de “músicos completos”, “dançarinos completos”, “artistas completos”, “cidadãos completos” e, por fim, “seres [humanos] completos”.

Dalcroze explorou os limites da linguagem textual e inventou um personagem fictício: o Senhor Fulano (Monsieur Quelconque), caricatura de uma mentalidade burguesa com quem ele trava fervorosos diálogos ao estilo socrático. O Senhor Fulano tem muito orgulho da filha Eleonora, não tanto por seus dotes pianísticos desenvolvidos durante 12 anos de estudos no conservatório, mas pelo status que ela garante à família (o “marketing pessoal”, como se diria hoje). Esse orgulho dos pais - muito criticado por Dalcroze - nos remete ao memorável manifesto-denúncia proferido por Mário de Andrade aos formandos do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo em 1935: “Qual o pai que desejou tornar o filho um músico completo? Talvez nenhum. Qual o pai que desejou ver o filho um pianista ou um cantor célebre? Talvez todos. [...] Não se ensina música no Brasil, vende-se virtuosidade” (Andrade, 2016, p. 263). Dalcroze concordaria com o modernista paulista. Em súplica, ele pede aos educadores para que façam “de nossas crianças músicos e não virtuoses” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 72).

Dalcroze foi um dos primeiros a lançar um olhar lúcido e incisivo contra a inadequação dos métodos de ensino de música, reivindicando à arte musical, na escola pública, um lugar de protagonismo, pois que a música não é “um passatempo, mas uma arte” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 169); sua mais profunda aspiração é fazer do ensino de música “uma alegria e não mais uma tortura” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 82), cultivando nas crianças um “verdadeiro amor pela música” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 38) e o “desejo de praticá-la” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 113). Na escola, a criança não aprenderia somente a cantar e ouvir com perfeição, mas aprenderia, sobretudo, “a se mover e pensar afinada e ritmicamente” (Jaques-Dalcroze, 2023, p. 23).

Dalcroze propõe em seu projeto de reforma do ensino musical um programa de altíssimo nível e necessariamente conduzido pelo seu sistema: “lutarei até o fim para que [a Rítmica] seja introduzida nas escolas” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 177). Todo esse investimento não tem o propósito de produzir “virtuosidades”, a finalidade é formar o “cidadão completo”, que deixará a escola embebido do espírito apolíneo e em condições de enfrentar os desafios da construção de uma nova realidade social com a devida serenidade “psicofísica”, harmonizando vontades e faltas, receios e esperanças, sombras e luz.

Considerações finais

RME não é um manual prático de educação musical, evidentemente, mas Dalcroze deixa algumas pistas e nos oferece alguns caminhos didáticos, além de inúmeros exemplos musicais e listas de exercícios de Rítmica, solfejo e improvisação. Com algum esforço hermenêutico, talvez seja possível recriar os exercícios práticos a partir da leitura da RME, sobretudo se essa leitura for combinada com a apreciação dos cadernos didáticos publicados por ele no início do século XX - disponíveis na rede - e indicados nas referências ao final do livro.

A publicação de RME tensiona o establishment das escolas e instituições oficiais detentoras dos direitos de uso e divulgação da trademark Dalcroze. Agora, com a tradução brasileira, é possível colher em primeira mão e com total liberdade as ideias semeadas por Dalcroze e fazer com elas o que quiser: problematizá-las sob o prisma da decolonialidade, aproximá-las de outras teorias pedagógicas, confrontá-las com outros sistemas de educação corporal-rítmica, verificar sua aplicabilidade nas aulas de Arte e Educação Física e, principalmente, seguindo o desejo do autor, vivê-las com o corpo inteiro.

Para um mercado (de ideias pedagógicas) sempre inovador, um livro com mais de 100 anos de idade pode parecer antiquado, não para Lilia Justi e Rodrigo Batalha, organizadores da tradução brasileira de RME. Os dois pesquisadores estão convencidos de que o pensamento de Dalcroze “[...] reverbera com admirável força nesses primeiros anos do século XXI. Todo artista ou professor de música, dança, teatro, pedagogia e educação física tem muito a ganhar em conhecer suas ideias e práticas” (Jaques-Dalcroze, 2023Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
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, p. 6).

Por fim, talvez seja possível recorrer às instigantes ideias lançadas por Dalcroze em RME como inspiração, refúgio ou ponto de fuga para quem não aceita o embrutecimento das relações humanas e - ainda - aposta na arte e na educação como caminhos inequívocos de emancipação.

Referências

  • Andrade, M. (2005). Oração de Paraninfo [1935]. Pro-Posições, 16(46), 261-270. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643769
    » https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643769
  • Jaques-Dalcroze, É. (1942). Souvenir, Notes et Critiques. Attinger.
  • Jaques-Dalcroze, É. (2023). O Ritmo, a Música e a Educação. (Rodrigo Bataglia, Lilia Justi, Luis Carlos Justi, Gilka Martins de Castro Campos, José Rafael Madureira e Laura Tausz Rónai, trad.). Editora UFRJ. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
    » https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/21526
  • Madureira, J. R., & Nicoletti, D. A. R. (2023). Jaques-Dalcroze e a Rítmica na educação infantil. Revista Brasileira de História da Educação, 23(1), 1-20. https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e253
    » https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e253
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Editor-associado responsável:

José Gonçalves Gondra (UERJ)
E-mail: gondra.uerj@gmail.com.br
https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2023
  • Aceito
    17 Jan 2024
  • Publicado
    03 Mar 2024
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
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