I. Considerações Gerais
O tratamento de queimados apresenta peculiaridades próprias que exigem a instalação de unidades especiais, visando não só uma rápida recuperação, como também a prevenção de seqüelas. Para facilitar o atendimento de emergência, dentro dos padrões técnicos recomendados, a área de internação para pacientes queimados deve estar localizada, de preferência, junto à unidade de emergência (PS) e ser de fácil acesso e ao abrigo de poeiras e ruídos.
O ideal seria adotar um sistema de isolamento, a fim de controlar a infecção proveniente do próprio paciente.
Entretanto, dado o alto índice de permanência hospitalar, em média 53 dias de internação (Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas de São Paulo em 1974), do ponto de vista psicológico é desaconselhável. A internação atual em enfermarias de 8 a 12 leitos favorece a comunicação entre os pacientes, facilita a observação e o trabalho da equipe de enfermagem, principalmente em se tratando de crianças.
Considerando que a infecção das lesões constitui o maior problema no tratamento de queimados, é importante lembrar que as medidas de controle de contaminação do meio ambiente, devem ser adotadas e seguidas com rigor. Entre os setores de uma unidade de queimados, a balneoterapia ocupa um lugar de destaque.
Portanto, o presente trabalho visa, despretensiosamente, oferecer subsídios para a instalação e funcionamento de um setor de balneoterapia.
A hidroterapia no paciente queimado remonta a séculos passados, quando pesquisadores imergiam seus doentes em água pura (hipotônica), ou nas mais variadas soluções frias ou quentes, com a finalidade de remover toxinas da área cruenta e facilitar a cicatrização. Entre nós, o professor Ary do Carmo Russo, em 1945, aconselhava a imersão dos pacientes queimados em água salina na temperatura de 38.ºC, duas ou três vezes por semana com o objetivo de limpar a área queimada.
Em 1946, seguindo a orientação preconizada por Carrel de Kelly, em 1917, passou a recomendar a utilização de compressas úmidas, com solução de Dakin a 1% ou antibiótico (penicilina) ou ainda antisséptico como mertiolate no banho.
A partir de 1959, o Hospital das Clínicas da USP, passou a utilizar, para pacientes queimados, a técnica de banho de imersão em solução salina a 0,09% na temperatura desejada pelo paciente (em geral, em torno de 40ºC).
A solução salina a 0,09% (solução isotônica), semelhante ao humor do organismo, visa evitar a desidratação ou absorção de líquido através das lesões. A compressa úmida, com solução de Dakin a 50% 1/3 e Soro-Fisiológico a 2/3, também tem sido utilizada para pacientes em estado grave e com área de necrose úmida ou para doentes cuja extensão da lesão não justifica o banho completo. A compressa é molhada com a solução acima mencionada cada 2 horas.
II. Finalidades
A balneoterapia é um excelente recurso técnico, como tratamento de pacientes queimados, por ocasião da troca de curativos, ou limpeza da área cruenta para enxertia.
Pode-se destacar três finalidades principais:
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- Higiênica - evitar a infecção, por meio da remoção de impurezas e da manutenção da área cruenta limpa.
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- terapêutica - facilitar a cicatrização, graças à melhoria das condições de circulação sangüínea;
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- preventiva - prevenir seqüelas de retração cicatricial, através dos exercícios ativos realizados pelo paciente, livre de ataduras e imerso em solução.
Entretanto, existe a possibilidade de uma ação secundária e indesejável, que deve ser controlada, principalmente em paciente com área cruenta extensa ou no primeiro banho, para evitar:
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- Hemorragia capilar - por dilatação dos vasos sangüíneos;
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- lipotímia - por vasodilatação e perda de líquido sero-sanguinolento, através de lesões;
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- maceração e aprofundamento das lesões por excesso de banho, em geral banhos diários;
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- contaminação de área não infectada, transmitida pela solução que está em contato com a área infectada.
III - Instalação - equipamento - Instrumental
A sala para balneoterapia deverá situar-se junto à sala de curativos e obedecer aos princípios técnicos de prevenção de infecção, semelhantes aos do centro cirúrgico.
Com dimensões aproximadas de 12 m2 paredes e piso de material de fácil limpeza, forro pintado com tinta não impermeabilizante, para suportar a ação do calor úmido, janelas amplas com telas micrometradas para evitar a penetração de insetos, possibilitar a iluminação e aeração natural e permitir a eliminação do vapor. Equipada com: banheira colocada a 70cm do piso, para facilitar a movimentação do paciente e do pessoal de enfermagem, tendo régua para medir a altura da água e termômetro para temperatura; mesa auxiliar de material inoxidável; armário ou prateleira de madeira ou material inoxidável, balança, tipo caseiro, para pesar o sal; recipiente de plástico para lixo; recipiente de plástico ou de vidro com sal, pacotes de curativo; gorro e máscara, de preferência descartáveis, pacotes de gase, luvas, aventais e campos grandes e médios; 1 tesoura de Lister; revestimento plástico para banheira.
IV - Pessoal
O tratamento de queimados exige uma equipe especializada, e principalmente no tocante à enfermagem que diuturnamente se presta a cuidados diretos ao paciente. A enfermeira como líder da equipe de enfermagem é a mais indicada para programar e executar o banho terapêutico.
Contudo, o auxiliar de enfermagem, devidamente treinado e supervisionado pela enfermeira, poderá executar esta técnica.
V - Sistematização da Balneoterapia
Recomenda-se a balneoterapia para pacientes com área cruenta, a freqüência do banho é de três. vezes por semana, com duração de aproximadamente 40 minutos.
1. Preparo da sala de banho:
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- lavar a banheira com água, sabão e solução de hipocloreto de sódio a 3%;
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- forrar a banheira com plástico próprio (plástico fino com a forma da banheira e rebordo que permita for-ração total);
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- abrir a torneira de água quente (mais ou menos 40.ºC), e deixar encher a banheira até 150 litros (a água é proveniente da caldeira);
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- pesar o sal na proporção de 0,09% (exemplo: 1.350 gramas de sal por 150 litros de água);
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- colocar o material a ser usado na mesa auxiliar.
2. Preparo do paciente:
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- orientar o paciente quanto à técnica da balneoterapia e suas finalidades;
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- verificar se os cabelos, as mãos e os pés estão limpos, caso contrário dar antes o banho no leito;
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- observar se as unhas estão aparadas e se foi feita a tricotomia axilar e pubiana (a tricotomia deverá ser feita semanalmente);
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- controlar os sinais vitais e registrá-los;
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- conduzir o paciente à sala de banho;
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- retirar os curativos não aderentes, cortando as ataduras com tesoura;
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- colocar o paciente na banheira, imergindo as regiões cruentas.
3. Preparo do executante:
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- lavar as mãos, escovando-as;
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- vestir gorro, avental e máscara esterilizados;
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- calçar luvas esterilizadas.
4. Técnica do banho terapêutico:
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- deixar o paciente imerso na solução durante mais ou menos 10 minutos, fazendo movimentação ativa ou passiva da musculatura da região atingida pela queimadura;
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- observar sintomas de efeitos secundários e preveni-los;
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- retirar os curativos aderentes, depois de descolado pela solução;
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- lavar as lesões com sabão de glicerina, usando pinça e gaze para remover os detritos de pele e impurezas acumuladas;
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- retirar o paciente da banheira e envolvê-lo em campo esterilizado e transportá-lo para a sala de curativos;
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- observar e anotar o aspecto das lesões.
Na sala de curativos, prosseguir o tratamento de acordo com as lesões, completando o curativo com ou sem a oclusão das mesmas.
5. Cronometragem da técnica de balneoterapia
Durante 3 meses foi realizada na Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas, uma cronometragem da técnica de banho terapêutico executado por uma auxiliar de enfermagem, com os seguintes resultados:
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- para o preparo da sala de banho e do paciente, em média 18 minutos;
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- para o banho terapêutico, em média 45 minutos, sendo que o tempo mínimo observado, para casos de lesões menos extensas foi de 16 minutos, e tempo máximo, para pacientes com lesões extensas foi de 60 minutos;
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- para os demais tempos do curativo, executado na sala apropriada, tempo médio 16 minutos.
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- Total para a balneoterapia completa: em média 79 minutos ou sejam 1 hora e 20 minutos.
VI - CONCLUSÃO
A balneoterapia sendo um recurso técnico usado há séculos, reveste-se hoje de cuidados especiais, principalmente no tocante ao controle de infecções cruzadas e efeitos secundários. Portanto, é necessário contar com uma equipe de enfermagem devidamente treinada para poder atingir seus objetivos fundamentais.
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CRUZ, A.O. e MULLER, L. - Balneoterapia do paciente queimado. Sistematização do atendimento de enfermagem. Rev. Bras. Enf.; DF, 29:87-90, 1976.
BIBLIOGRAFIA
- ALBUQUERQUE, A. - O banho salino no tratamento das queimaduras. R.P.H. 22(9): 421-429, 1974.
- RUSSO, A.C. - Queimaduras. Livraria Luso-Espanhola e Brasileira, São Paulo, 1969.
- SAMIS, R. - Cuidados tópicos nos grandes queimaddos. J.B.M. 20 (4): 55-78,1971.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 1976