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Interdisciplinaridade e internacionalização: duas facetas desafiadoras da pesquisa em Enfermagem

A constituição de um campo interdisciplinar em Enfermagem inter-relaciona-se com o processo de internacionalização, à medida que a especificidade do conhecimento produzido está diretamente associada ao campo no qual se insere, determinando os loci de publicação e os parceiros possíveis no Brasil e no exterior.

Entende-se como campo interdisciplinar a articulação de diferentes disciplinas, tendo em comum o objeto de estudo, que no caso da Enfermagem define-se como o cuidado de enfermagem e saúde. Reconhece-se que a identificação da faceta disciplinar de um campo de conhecimentos é condição essencial para o exercício da interdisciplinaridade, resguardando a identidade própria do campo(101 Oliveira DC, Ramos FRS, Barros ALBL, Nóbrega MML. Classificação das áreas de conhecimento do CNPq e o campo da Enfermagem: possibilidades e limites. Rev Bras Enferm. 2013;66(n.esp):60-5).

A Enfermagem mantém interfaces com inúmeras outras áreas na produção de conhecimento, envolvendo as ciências biológicas e da saúde (medicina, biologia, nutrição, fisioterapia, e outras), as ciências humanas (psicologia, educação, história) e as ciências sociais aplicadas (organizações, trabalho, educação, comunicação, informática e economia). Muitas dessas interfaces já constituem campos de pesquisa reconhecidos e com tradição constituída, como é o caso da Enfermagem em Saúde Coletiva que estabelece interlocução importante com a Saúde Pública, Saúde Coletiva, Epidemiologia, Antropologia e Economia, dentre outras.

Na atualidade, os Programas de Pós-Graduação (PPG) de Enfermagem comportam arranjos disciplinares diversos, no que se refere ao seu público-alvo – incorporando médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e outros profissionais da área da saúde e à temática – cuidados clínicos em saúde, ciências para a saúde, enfermagem e biociências, saúde da família, formação docente para o SUS. Esse traço distintivo pode ser vislumbrado no expressivo volume de publicações em periódicos de outras áreas e também no consumidor final, uma vez que os livros e artigos de Enfermagem são citados por pesquisadores de diferentes campos do conhecimento.

A inserção internacional da Enfermagem faz-se, sobretudo, por meio dos PPG e pode ser observada em diferentes indicadores, dentre eles o grau de internacionalização. Em 2013 foram avaliados 57 PPG na Enfermagem, observando-se que 28,05% estão consolidados, com desempenho compatível com as notas 5, 6 e 7, sendo que 19,29% tiveram reconhecida liderança nacional com a nota 05 e apenas 8,76% tiveram reconhecida sua excelência e inserção internacional com as notas 6 e 7. Em termos de crescimento, observa-se um deslocamento ascendente, gradual e progressivo da qualificação dos PPG, compatível com a história de sua criação no Brasil. Traço distintivo da área refere-se a que os cursos de pós-graduação em Enfermagem estiveram, até poucos anos, localizados em um pequeno número de países, já que esse nível de formação é realidade recente nos países da Europa, Ásia, Oceania e África. Nesse cenário, o Brasil é dos países no qual o desenvolvimento da pesquisa científica desenvolveu-se há mais tempo, tendo acumulado massa crítica e memória que sustentam a produção científica e os PPG na atualidade.

A internacionalização também pode ser observada nas parcerias consolidadas com centros de pesquisa no exterior, da Enfermagem e de outras áreas do conhecimento em interlocução transdisciplinar, tais como a Maison des Sciences de L’Homme – FR, Université de Sorbone – FR, Universidade de Lisboa – PT, University of Alberta – CA, Universiry of McGill – CA, King´s College of London – UK, Linköping University – SE, Universidad Autónoma del Estado de Mexico – MX, University of Washington (EUA); University of California San Francisco (EUA), dentre outras(202 Oliveira DC. Formation pour la recherche et la construction des sciences infirmières au Brésil. In: Jouet E, Las Vergnas O, Noël-Hureaux E, organizadores. Nouvelles coopérations réflexives en santé: de l’expérience des malades et des professionnels aux partenariats de soins, de formation et de recherche. Paris: Editions des Archives Contemporaines; 2014. p. 120-38

03 Scochi CGS, Munari DB, Gelbcke FL, Erdmann AL, Rivero de Gutiérrez MG, Rodrigues RAP. Pós-graduação Stricto Sensu em Enfermagem no Brasil: avanços e perspectivas. Rev Bras Enferm. 2013;66(n.esp):80-9
-404 Erdmann AL. Challenges to nursing in CAPES: highly qualified products. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(2):216-7). Ressalta-se nessas parcerias a trajetória de construção de um conhecimento híbrido, proporcionado pelas trocas entre diferentes campos científicos que, ao se aproximarem, mesclam conceitos, modos de fazer ciência, culturas científicas e tecnológicas, dentre elementos pertinentes ao fazer ciência.

A produção científica internacional pode ser visualizada no número de documentos indexados na base Scopus/SCImago e, consequentemente, no ranking mundial no qual a Enfermagem brasileira ocupava o 26º lugar da produção da área em 2000, chegando ao 6º lugar em 2012, superada apenas pelos Estados Unidos da América, Reino Unido, Austrália, Canadá e França. Ao analisar as citações realizadas no mesmo ano, o país alcança o 18º lugar em número de citações totais, a 21a posição no índice H e a 9ª posição em autocitação, perfazendo uma média de 3,33 citações por documento, a menor dentre todos os campos da saúde no Brasil(505 SCImago Journal & Country Rank – SJR [Internet]. [cited 2014 June 11]. Available from: http://www.scimagojr.com/
http://www.scimagojr.com/...
).

Considera-se que os indicadores de internacionalização utilizados nos processos avaliativos dos pesquisadores e dos PPG têm expressivo poder indutivo de ações e do modus operandi da área e ainda que eles exigem a combinação de um conjunto de indicadores. Debater quais são indicadores é tarefa de todos nós.

Sugere-se a seguir alguns critérios que poderão dar maior visibilidade e poder discriminatório aos processos de avaliação: participação em projetos de investigação envolvendo grupos de pesquisa de instituições estrangeiras; intercâmbio de alunos e professores que envolvam financiamento recíproco; publicações em periódicos de circulação internacional e com alto impacto na produção intelectual do programa (Qualis A1 e A2); participação em comitês editoriais e editoria de periódicos publicados e de circulação internacional; captação de recursos para pesquisa de agências de fomento científico internacional; oferta de cursos em outros países; atração de alunos de origem estrangeira para o pós-doutorado; cotutela e dupla titulação com PPG do exterior; participação de docentes na organização de eventos científicos internacionais e em conferências e mesas-redondas; participação em diretorias de associações científicas internacionais e prêmios internacionais(202 Oliveira DC. Formation pour la recherche et la construction des sciences infirmières au Brésil. In: Jouet E, Las Vergnas O, Noël-Hureaux E, organizadores. Nouvelles coopérations réflexives en santé: de l’expérience des malades et des professionnels aux partenariats de soins, de formation et de recherche. Paris: Editions des Archives Contemporaines; 2014. p. 120-38,606 Ketefian S. Doctoral education in the context of international development strategies. Int J Nurs Stud [Internet]. 2008 [cited 2014 June 11];45(10):1401-2. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020748908000333
http://www.sciencedirect.com/science/art...
). Atualmente, os PPG da área com notas 6 e 7, e também alguns com nota 5, atendem a alguns desses quesitos, mas não a todos, estabelecendo uma clivagem em relação aos demais programas.

No entanto, a pergunta essencial para a qual ainda não temos consenso é: — Com quem devemos e queremos desenvolver nossas parcerias internacionais e qual o grau de interdisciplinaridade suportado pela área sem que ela perca a sua identidade? Esse é um questionamento que merece ser mais bem debatido. Acreditamos que é necessário pensar o processo de internacionalização juntamente com o que queremos (ou o quanto queremos) de interdisciplinaridade para a constituição da pesquisa em Enfermagem, uma vez que as parcerias estabelecidas com o exterior poderão impulsionar nossa ciência para diferentes identidades possíveis.

References

  • 01
    Oliveira DC, Ramos FRS, Barros ALBL, Nóbrega MML. Classificação das áreas de conhecimento do CNPq e o campo da Enfermagem: possibilidades e limites. Rev Bras Enferm. 2013;66(n.esp):60-5
  • 02
    Oliveira DC. Formation pour la recherche et la construction des sciences infirmières au Brésil. In: Jouet E, Las Vergnas O, Noël-Hureaux E, organizadores. Nouvelles coopérations réflexives en santé: de l’expérience des malades et des professionnels aux partenariats de soins, de formation et de recherche. Paris: Editions des Archives Contemporaines; 2014. p. 120-38
  • 03
    Scochi CGS, Munari DB, Gelbcke FL, Erdmann AL, Rivero de Gutiérrez MG, Rodrigues RAP. Pós-graduação Stricto Sensu em Enfermagem no Brasil: avanços e perspectivas. Rev Bras Enferm. 2013;66(n.esp):80-9
  • 04
    Erdmann AL. Challenges to nursing in CAPES: highly qualified products. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(2):216-7
  • 05
    SCImago Journal & Country Rank – SJR [Internet]. [cited 2014 June 11]. Available from: http://www.scimagojr.com/
    » http://www.scimagojr.com/
  • 06
    Ketefian S. Doctoral education in the context of international development strategies. Int J Nurs Stud [Internet]. 2008 [cited 2014 June 11];45(10):1401-2. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020748908000333
    » http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020748908000333

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
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