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Migração e vulnerabilidade social: impacto na vida e na saúde da população em situação de refugiado

O presente número temático composto por artigos originais, revisões sistemáticas, integrativas, reflexões e relatos de experiências e de caso, procurou dar visibilidade aos estudos e pesquisas que aprofundam na intersecção de migrantes e refugiados com: gênero, geração, etnia/etnicidade, violência, políticas públicas, dentre outros. Além disso, divulgar trabalhos que analisam e avaliam os serviços de saúde, nas formas de acolhimento e de monitoramento de populações em situação de vulnerabilidade social em que se encontram os refugiados.

Todos sabemos que os fluxos migratórios são normalmente identificados como um desafio de saúde pública, assumindo-se a importância (e a necessidade) de compreender os impactos das migrações na saúde, tanto na perspetiva dos sistemas de saúde dos países de acolhimento de imigrantes, como na perspetiva das populações imigrantes e não imigrantes residentes nesses contextos.

Neste domínio a Organização Mundial de Saúde(11. Entidade Reguladora de Saúde. Acesso a cuidados de saúde por imigrantes. Porto: ERS; 2015.) destaca quatro princípios que a saúde pública deverá promover para alcançar a saúde dos imigrantes e da população das sociedades de acolhimento: (1) devem ser evitadas disparidades entre imigrantes e não imigrantes quanto ao estado de saúde e de acesso aos cuidados de saúde; (2) deve ser garantido o direito à proteção da saúde dos migrantes, reduzindo a discriminação e as barreiras que possam existir ao acesso dos imigrantes à saúde; (3) deve ser reduzida a mortalidade e morbilidade das populações migrantes; e (4) devem minimizar-se os impactos negativos do processo migratório, e que nomeadamente induzem a uma maior vulnerabilidade e riscos de saúde dos migrantes, independentemente do contexto de acolhimento.

Apesar do crescente reconhecimento da importância deste tema persistem lacunas no conhecimento da relação entre migrações e saúde, e dos reais impactos das migrações na saúde.

O estudo da relação entre imigração e saúde tem sido visto sob duas perspetivas fundamentais: por um lado, na vertente do estado de saúde dos migrantes por comparação aos nacionais dos países de acolhimento e, por outro lado do seu acesso aos cuidados de saúde nos países de destino:

  • (1)

    Os estudos que analisam os indicadores do estado de saúde, comparando imigrantes com autóctones de países de acolhimento, identificam que os imigrantes tendem numa fase inicial (de recém-chegados a países de destino) a reportar melhor estado de saúde que os autóctones ou que populações da mesma origem que residem nos países de acolhimento há mais tempo; passando numa fase posterior, acumulados anos de residência na sociedade de acolhimento, a reportar ou percecionar níveis de saúde inferiores aos da população nativa(22. Ingleby D. Access to health service for migrants: what are the policy challenges? Lessons from the MIPEX study: David Ingleby. Eur J Public Health. 2016;26(1, Suppl 1):ckw168–032. doi: http://dx.doi.org/10.1093/eurpub/ckw168.032.
    https://doi.org/10.1093/eurpub/ckw168.03...
    ). A maioria dos estudos disponíveis apontam no sentido de que alguns grupos de imigrantes tendem a apresentar uma maior vulnerabilidade a doenças e problemas de saúde. As condições em que a migração se processa e os determinantes da saúde associados ao processo migratório ou à integração já na sociedade de acolhimento refletem muitas vezes desigualdades sociais que contribuem para uma maior vulnerabilidade à doença: situação socioeconómica e Laboral mais precária, piores condições habitacionais, que se reflete em estilos de vida de enorme vulnerabilidade, dificuldades no contacto com sistemas administrativos e legais(33. Caldas JMP, Oliveira MB, Manso AG, Topa JB. (2023) Health and social care for migrants in Europe: the portuguese reality. In Vicente IS, Vicente MC, Centeno Martín H, editors. Procesos migratorios y desafíos en el marco del pacto mundial para la migración segura, ordenada y regular. Salamanca: Universidad de Salamanca. p. 219–230.). Simultaneamente, a estigmatização dos imigrantes ou a discriminação com base na sua origem étnica ou racial têm muitas vezes impacto no estado de saúde e bem-estar das populações imigrantes nos contextos de acolhimento(44. Oliveira CR, Gomes N. Migrações e Saúde em números: o caso português. Lisboa: ACM. Coleção Imigração em Números do Observatório das Migrações; 2018.).

  • (2)

    O acesso e a utilização dos cuidados de saúde pelas populações imigrantes são reconhecidos, por sua vez, como importantes indicadores de integração nas sociedades de acolhimento, sendo ainda fundamentais para enquadrar a morbilidade nestas populações, a sua saúde e bem-estar. Neste contexto, a gestão da saúde e promoção do bem-estar das populações imigrantes tem implicado que os sistemas de saúde assegurem acessibilidade e respondam adequadamente às suas necessidades. Contudo, diversos estudos têm concluído que as populações imigrantes não são muitas vezes abrangidas ou adequadamente abrangidas pelos sistemas de saúde dos países de acolhimento(22. Ingleby D. Access to health service for migrants: what are the policy challenges? Lessons from the MIPEX study: David Ingleby. Eur J Public Health. 2016;26(1, Suppl 1):ckw168–032. doi: http://dx.doi.org/10.1093/eurpub/ckw168.032.
    https://doi.org/10.1093/eurpub/ckw168.03...
    ).

Neste âmbito, a investigação na área da saúde e imigração tem procurado compreender as condições de acesso e utilização dos serviços de saúde, identificando os fatores que promovem ou inibem a sua utilização, considerando a influência tanto de fatores de natureza individual (características sociodemográficas, atitudes e crenças face à saúde e à doença, conhecimento de direitos em saúde, dificuldades linguísticas) como fatores de natureza contextual ou estrutural da sociedade de acolhimento (contextos legais e institucionais do acesso e da prestação dos cuidados de saúde a imigrantes, papel dos profissionais e das características dos serviços de saúde)(22. Ingleby D. Access to health service for migrants: what are the policy challenges? Lessons from the MIPEX study: David Ingleby. Eur J Public Health. 2016;26(1, Suppl 1):ckw168–032. doi: http://dx.doi.org/10.1093/eurpub/ckw168.032.
https://doi.org/10.1093/eurpub/ckw168.03...
,55. Almeida LM, Costa-Santos C, Caldas JP, Dias S, Ayres-de-Campos D. The impact of migration on women’s mental health in the postpartum period. Rev Saude Publica. 2016;50:35. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050005617. PubMed PMID: 27355463.
https://doi.org/10.1590/S1518-8787.20160...
,66. Ortiz Scaglione MA. A saúde das mulheres imigrantes: Uma questão de cidadania e inclusão [tese]. Lisboa: Instituto Universitário de Lisboa; 2016 [cited 2024 Jan 22]. Available from: http://hdl.handle.net/10071/12327
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).

Permanecem, assim, múltiplos obstáculos estruturais de ordem sociopolítica, administrativa, étnica e cultural para que se atinja uma verdadeira cidadania global, e que faz com que muitos dos autores desta edição argumentem serem necessáriaspolíticas de saúde explicitamente orientadas para os imigrantespara que se consiga reduzir as desigualdades, o que passará não apenas pela expansão dos direitos legais, mas também por tornar os sistemas de saúde mais amigos dos imigrantes de outras formas, tais como superando os hiatos culturais e linguísticos, melhorando as competências interculturais dos profissionais e organizações de saúde, aumentando a literacia em saúde dos imigrantes(66. Ortiz Scaglione MA. A saúde das mulheres imigrantes: Uma questão de cidadania e inclusão [tese]. Lisboa: Instituto Universitário de Lisboa; 2016 [cited 2024 Jan 22]. Available from: http://hdl.handle.net/10071/12327
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,77. Barrientos DMS, Méric OGA, Romero LL, Santos NT, Neia CM, Lins ALDFP, et al. Captar y comprender la realidad de los inmigrantes sudamericanos a partir del análisis del discurso. Contribuciones a Las Ciencias Sociales. 2023;16(11):25372–90. doi: http://dx.doi.org/10.55905/revconv.16n.11-036.
https://doi.org/10.55905/revconv.16n.11-...
), e levando em conta a diversidade étnico-cultural.

REFERENCES

  • 1.
    Entidade Reguladora de Saúde. Acesso a cuidados de saúde por imigrantes. Porto: ERS; 2015.
  • 2.
    Ingleby D. Access to health service for migrants: what are the policy challenges? Lessons from the MIPEX study: David Ingleby. Eur J Public Health. 2016;26(1, Suppl 1):ckw168–032. doi: http://dx.doi.org/10.1093/eurpub/ckw168.032.
    » https://doi.org/10.1093/eurpub/ckw168.032
  • 3.
    Caldas JMP, Oliveira MB, Manso AG, Topa JB. (2023) Health and social care for migrants in Europe: the portuguese reality. In Vicente IS, Vicente MC, Centeno Martín H, editors. Procesos migratorios y desafíos en el marco del pacto mundial para la migración segura, ordenada y regular. Salamanca: Universidad de Salamanca. p. 219–230.
  • 4.
    Oliveira CR, Gomes N. Migrações e Saúde em números: o caso português. Lisboa: ACM. Coleção Imigração em Números do Observatório das Migrações; 2018.
  • 5.
    Almeida LM, Costa-Santos C, Caldas JP, Dias S, Ayres-de-Campos D. The impact of migration on women’s mental health in the postpartum period. Rev Saude Publica. 2016;50:35. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050005617. PubMed PMID: 27355463.
    » https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050005617
  • 6.
    Ortiz Scaglione MA. A saúde das mulheres imigrantes: Uma questão de cidadania e inclusão [tese]. Lisboa: Instituto Universitário de Lisboa; 2016 [cited 2024 Jan 22]. Available from: http://hdl.handle.net/10071/12327
    » http://hdl.handle.net/10071/12327
  • 7.
    Barrientos DMS, Méric OGA, Romero LL, Santos NT, Neia CM, Lins ALDFP, et al. Captar y comprender la realidad de los inmigrantes sudamericanos a partir del análisis del discurso. Contribuciones a Las Ciencias Sociales. 2023;16(11):25372–90. doi: http://dx.doi.org/10.55905/revconv.16n.11-036.
    » https://doi.org/10.55905/revconv.16n.11-036

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2024
  • Aceito
    22 Jan 2024
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