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Grupo de familiares na prática de ensino de graduação em enfermagem

Grupo de familiares en la práctica de enseñanza de graduación en enfermería

Resumos

Atualmente, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são dispositivos estratégicos para assistência em saúde mental no Brasil. Os enfermeiros são profissionais exigidos na equipe mínima deste dispositivo, que valoriza as atividades grupais na abordagem dos usuários. Relato de experiência de alunos do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT, na realização de grupo de sala de espera com familiares de usuários de um CAPS de Cuiabá-MT. Justifica-se em virtude das poucas oportunidades que alunos de enfermagem têm para desenvolver habilidades de abordagem grupal na sua formação, voltada prioritariamente para o cuidado clínico individual. O objetivo da experiência foi proporcionar aprendizado teórico-prático de todas as etapas do trabalho com grupos: reconhecimento da necessidade e possibilidade da atividade, planejamento, coordenação e avaliação do grupo. Os resultados confirmam a necessidade e possibilidade da realização de experiências grupais na assistência em saúde mental e no ensino de enfermagem.

Saúde mental; Cuidados de enfermagem; Serviços de Saúde Mental; Educação em enfermagem; Processos grupais


Los Centros de Atención Psicosocial (CAPS) son dispositivos estratégicos para la asistencia a la salud mental en Brasil en la actualidad. Los enfermeros son profesionales exigidos en el mínimo equipo de este dispositivo que valoriza las actividades grupales en el abordaje de los usuarios. Relato de experiencia de alumnos del Curso de Graduación en Enfermería de la UFMT en la realización de grupo de sala de espera con familiares de usuarios de un CAPS de Cuiabá, MT, Brasil. Se justifica en virtud de las pocas oportunidades que tienen los estudiantes de enfermería en el desarrollo de competencias de abordaje grupal en su formación, focalizada principalmente para la atención clínica individual. El objetivo de la experiencia era proporcionar aprendizaje teórico-práctico de todas las etapas del trabajo con grupos: reconocimiento de la necesidad y posibilidad de la actividad, planificación, coordinación y evaluación del grupo. Los resultados confirman la necesidad y la viabilidad de la realización de experiencias de grupo en el cuidado de la salud mental y la educación de enfermería.

Salud mental; Atención de enfermería; Servicios de Salud Mental; Educación em enfermería; Procesos de grupo


The Centers of Psychosocial Care (CAPS, acronym in Portuguese) are strategic devices for mental health care currently available in Brazil. Nurses are professionals required to compose the minimum staff of this device, which values the group activities involving users. This study presents a r report of the experience of nursing undergraduates from Universidade Federal do Mato Grosso(UFMT) on their conducting waiting-room group sessions with relatives of users of a CAPS from Cuiabá, Mato Grosso state. This experience is justified by the fact that nursing students have few opportunities to develop group approach abilities during their graduation course, which focuses mainly on clinical individual care. The aim of the experience was to provide theoretical-practical learning of all the work stages of group work: recognizing the need and possibility of conducting the activity, planning, coordination and group evaluation. The results confirm the need and possibility of performing group experiences in mental health care and in nursing education.

Mental health; Nursing care; Mental Health Services; Education, nursing; Group processes


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Grupo de familiares na prática de ensino de graduação em enfermagem

Grupo de familiares en la práctica de enseñanza de graduación en enfermería

Aisllan Diego de AssisI; Priscila Patrícia da SilvaII; Talita Xavier ClaudinoIII; Alice Guimarães Bottaro de OliveiraIV

IGraduando de Enfermagem da Universidade Federal do Mato Grosso. Cuiabá, MT, Brasil. aisllandiego@hotmail.com

IIGraduando de Enfermagem da Universidade Federal do Mato Grosso. Cuiabá, MT, Brasil. pripsil@hotmail.com

IIIGraduando de Enfermagem da Universidade Federal do Mato Grosso. Cuiabá, MT, Brasil. tataclaudino@yahoo.com.br

IVEnfermeira. Doutora em Enfermagem Psiquiátrica. Professora Associada da Universidade Federal do Mato Grosso. Líder do Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos em Saúde Mental. Cuiabá, MT, Brasil. alicegbo@yahoo.com.br

Correspondência Correspondência: Alice G. Bottaro de Oliveira Rua Presidente Rodrigues Alves, 99 - Apto. 601 - Bairro Quilombo CEP 78.043-418 - Cuiabá, MT, Brasil

RESUMO

Atualmente, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são dispositivos estratégicos para assistência em saúde mental no Brasil. Os enfermeiros são profissionais exigidos na equipe mínima deste dispositivo, que valoriza as atividades grupais na abordagem dos usuários. Relato de experiência de alunos do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT, na realização de grupo de sala de espera com familiares de usuários de um CAPS de Cuiabá-MT. Justifica-se em virtude das poucas oportunidades que alunos de enfermagem têm para desenvolver habilidades de abordagem grupal na sua formação, voltada prioritariamente para o cuidado clínico individual. O objetivo da experiência foi proporcionar aprendizado teórico-prático de todas as etapas do trabalho com grupos: reconhecimento da necessidade e possibilidade da atividade, planejamento, coordenação e avaliação do grupo. Os resultados confirmam a necessidade e possibilidade da realização de experiências grupais na assistência em saúde mental e no ensino de enfermagem.

Descritores: Saúde mental. Cuidados de enfermagem. Serviços de Saúde Mental. Educação em enfermagem. Processos grupais.

RESUMEN

Los Centros de Atención Psicosocial (CAPS) son dispositivos estratégicos para la asistencia a la salud mental en Brasil en la actualidad. Los enfermeros son profesionales exigidos en el mínimo equipo de este dispositivo que valoriza las actividades grupales en el abordaje de los usuarios. Relato de experiencia de alumnos del Curso de Graduación en Enfermería de la UFMT en la realización de grupo de sala de espera con familiares de usuarios de un CAPS de Cuiabá, MT, Brasil. Se justifica en virtud de las pocas oportunidades que tienen los estudiantes de enfermería en el desarrollo de competencias de abordaje grupal en su formación, focalizada principalmente para la atención clínica individual. El objetivo de la experiencia era proporcionar aprendizaje teórico-práctico de todas las etapas del trabajo con grupos: reconocimiento de la necesidad y posibilidad de la actividad, planificación, coordinación y evaluación del grupo. Los resultados confirman la necesidad y la viabilidad de la realización de experiencias de grupo en el cuidado de la salud mental y la educación de enfermería.

Descriptores: Salud mental. Atención de enfermería. Servicios de Salud Mental. Educación em enfermería. Procesos de grupo

INTRODUÇÃO

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são dispositivos estratégicos da mudança de modelo assistencial em saúde mental, atualmente em curso no Brasil. São serviços extra-hospitalares destinados a atender prioritariamente pessoas em situação de grave e persistente sofrimento mental, visando o cuidado/tratamento e a integração social(1).

Nos CAPS, o cuidado é realizado valorizando-se as atividades coletivas e grupais, haja vista a sua proposta de integração social dos usuários, a parceria com as famílias no processo de tratamento e a vinculação territorial do serviço(2).

Os CAPS são classificados por complexidade de assistência, número de profissionais na equipe e de clientela atendida, em CAPS do tipo I, II e III; além daqueles destinados ao atendimento de crianças e adolescentes (CAPS i) e dependentes químicos (CAPS ad). Em todos eles, o enfermeiro é um profissional exigido na equipe mínima(2).

Nos CAPS, espera-se que a equipe compartilhe com a família o tempo e a responsabilidade de cuidar, de apoiar nas dificuldades e de oferecer suporte e atenção ao usuário, estabelecendo uma relação de parceria no cuidado de pessoas em sofrimento mental. Além disso, o familiar deve ser visto como alvo de cuidado da equipe, ouvido em suas dúvidas, atendido em suas necessidades e incorporado no projeto terapêutico singular do usuário(3).

Vários estudos têm apontado a necessidade de o enfermeiro realizar atividades grupais nas suas práticas assistenciais, seja em decorrência da necessidade de desenvolver atenção mais compromissada socialmente(4); ações mais eficazes de cuidado(5); ou de maior alcance na comunidade(6). Na assistência à saúde mental, há muito se admite que coordenar grupos é uma habilidade necessária para os enfermeiros e que o cuidado de enfermagem nesta área deve incluir a família(7).

Portanto, pressupomos que, se os CAPS são dispositivos centrais e estratégicos na assistência à saúde mental atualmente, valorizam atividades grupais e abordagem familiar na sua proposta assistencial, e os enfermeiros são profissionais requeridos para o funcionamento de todos os tipos de CAPS, é fundamental que se valorize atividades teórico-práticas relacionadas ao aprendizado de coordenação de grupos no ensino de enfermagem.

Apesar do reconhecimento e aprovação legal de diretrizes curriculares que apontam necessidades de mudança, consideramos que os cursos de graduação em enfermagem ainda priorizam conteúdos biológico-clínicos em detrimento dos sociais, emocionais e comportamentais nos seus currículos, e as práticas seguem centradas, prioritariamente, na abordagem clínica individual(4).

A experiência aqui relatada justifica-se, portanto, pela necessidade de que, no processo de formação de enfermeiros, sejam desenvolvidas competências para o trabalho com grupos nos serviços de saúde. Justifica-se, também, pelas necessidades de usuários e familiares identificadas na prática cotidiana do CAPS deste estudo, que serão apresentadas a seguir no cenário desta experiência.

O objetivo deste artigo é descrever a experiência de realização de grupo de sala de espera com familiares num CAPS, analisando suas repercussões como estratégia de ensino teórico-prático da disciplina de Enfermagem em Saúde Mental no Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e, como prática assistencial inclusiva para familiares de usuários dos CAPS.

Os grupos de sala de espera podem ser realizados por vários profissionais, entretanto, concordamos que é uma prática inerente ao trabalho dos enfermeiros para a promoção da saúde e precisa ser estimulada como recurso teórico e prático problematizador na formação do enfermeiro(8).

A realização de grupo por enfermeiros está principalmente relacionada à educação em saúde e implica inter-relacionar saberes populares e acadêmicos e co-responsabilidades de trabalhadores, aprendizes e usuários/familiares dos serviços, que têm em comum a construção da cidadania dos sujeitos envolvidos(6,8-9). Nesse sentido, torna-se instrumental importante, como prática de ensino que visa o desenvolvimento de competências derivadas da reflexão crítica, curiosidade científica e criatividade, postos numa base concreta e real dos serviços de saúde - campo de prática de estudantes e professores(10).

O CENÁRIO INICIAL

A disciplina de Enfermagem em Saúde Mental é oferecida no sexto semestre do Curso de Graduação de Enfermagem pela UFMT, sendo destinadas 60 horas para a teoria e 60 horas para atividades práticas.

As atividades práticas foram desenvolvidas com nosso grupo composto de 6 alunos em um CAPS do tipo II de Cuiabá-MT. O planejamento da disciplina, discutido com a equipe do CAPS e com os estudantes, prevê que cada dupla de graduandos desenvolva um projeto terapêutico singular para um usuário do serviço.

Esta experiência de ensino prático da disciplina, realizada em serviços de saúde conveniados à Universidade, incluiu ações assistenciais nas quais há o consentimento implícito de todos os agentes envolvidos nas práticas: estudantes, famílias, docente e profissionais da equipe. Todos esses participantes foram convidados e respeitados em suas decisões de participação. Por se tratar de experiência de ensino-aprendizagem, não houve necessidade da formalização do procedimento de consentimento livre e esclarecido previsto na Resolução Nº196/1996 do Conselho Nacional de Saúde.

O CAPS - onde realizamos as atividades práticas da disciplina e a experiência relatada - tem em sua localização e ambiência aspectos particulares: seu novo endereço ainda não muito divulgado e sua estrutura composta de ambientes/espaços pouco articulados entre si, em dois pavimentos ligados por escadas, sendo salas de atendimento profissional, administrativas, refeitório, cozinha, sala de oficinas terapêuticas, piscina desativada, sanitários e dois espaços de passagem/trânsito localizados centralmente e de acesso às salas, onde os usuários e familiares esperavam os atendimentos ou as atividades a serem desenvolvidas pelos profissionais do serviço. Estes dois espaços são utilizados como salas de espera onde os familiares dos usuários atendidos no CAPS aguardavam seus parentes nas consultas, oficinas e lanche. No trânsito destes lugares, fotografias, cadeiras desconfortáveis e danificadas, mães, pais e esposas esperavam, entre poucas conversas e alguma interação, a realização da rotina da equipe e de suas práticas destinadas aos usuários.

Como atividade inicial da prática, realizamos o reconhecimento do CAPS apresentando-nos à equipe, aos usuários e familiares propondo, pela primeira vez, a interação com os familiares e usuários na tentativa de percebê-los em suas apresentações: homens e mulheres acometidos de transtorno mental, mães, pais, companheiros e cuidadores de pessoas em sofrimento mental. Entre apresentações e conversas, trocamos um pouco de nossas histórias, nós estudantes com a tarefa de captar da interação uma possibilidade de aprendizado, e os pacientes e familiares, que contavam suas histórias e vivências com a doença mental e com todas as adversidades que ela promove na vida de todos, indivíduo e família.

Identificamos esse território dinâmico - a sala de espera - que pode não ser uma sala, mas um local de passagem, que se compõe na interseção entre o espaço público e o dos profissionais, e onde se expressam afetos, saberes, vivências e que pode ser apropriado pelos profissionais, quando planejam atividades de sala de espera(8).

Duas senhoras, uma mãe de um rapaz de 20 anos e a outra, esposa de um paciente, que aguardavam numa das salas por seus parentes, se mostraram muito comunicativas e, numa conversa de muita escuta do estudante, contaram um pouco das dificuldades enfrentadas por elas e suas famílias na busca por cuidado e tratamento de seu filho e esposo: a doença fantasma que leva seus parentes a tornarem-se, às vezes, agressivos, solitários e estranhos à família; os acontecimentos que tumultuam e afligem o vivenciar do adoecimento como as brigas, os surtos e as internações no hospital psiquiátrico; as dificuldades econômicas e sociais enfrentadas e agravadas pela doença, evidentes na precariedade do transporte público necessário ao deslocamento até o CAPS nas manhãs de atendimento, e na dificuldade de se obter os benefícios da seguridade social; e, numa narrativa que combinava poucas certezas e muitas dúvidas, contaram também como cuidavam de seus parentes, como, numa força incrível de vida, tentavam amenizar o sofrimento trazido pela doença e suas complicações aos seus e a si.

Durante a conversa e a espera, o cenário revelou a possibilidade de uma experiência de aprendizagem e de mais interação: os estudantes tentando experimentar um pouco do vivenciar de um adoecimento mental pela família, os familiares que aguardavam com suas aflições e necessidades numa passagem de espera dum serviço de saúde mental ainda não capaz de atendê-los, e a tarefa, que se decidiu cumprir em grupo, de trocar sentidos e significados para o adoecimento e saúde mental.

O grupo, como um lócus que articula as várias dimensões humanas - subjetiva, social e biológica(6); apresentava-se como uma possibilidade de interação entre o desejo de um aprendizado para além do cuidado clínico e o alívio de um sofrimento que era vivido solitária e individualmente.

No desafio que a possibilidade se mostrava, alguns movimentos de organização seriam necessários: o estudo que embasaria as atividades do grupo a ser feito, tanto nos aspectos teóricos como nos relacionados às definições de setting, e o planejamento que se integrava ao conteúdo da disciplina do Curso de Graduação e à equipe do serviço.

Os fundamentos que nortearam a compreensão de grupo neste momento foram os relacionados ao conceito de grupo operativo tal como proposto por Pichon Rivière, que se organiza em torno da realização de uma tarefa e pressupõe a construção de vínculos(11). Desse modo, a realização da tarefa - realizar um grupo com familiares do CAPS - possibilitou também, dialeticamente, ao grupo de estudantes, produzirem-se como grupo. Por meio da participação de todos, transformando-se individualmente, buscando referenciais, discutindo as estratégias e interagindo, simultaneamente, transformamo-nos e produzimo-nos também como grupo, com um vínculo mais visível do que anteriormente(12). Definimos que as atividades se realizariam nas manhãs de segundas-feiras, no período de 9 a 30 de Junho 2008, durante o tempo de espera dos atendimentos e contando, principalmente, com o mais sensível recurso comum aos participantes: o falar e o ouvir.

A REALIZAÇÃO DO GRUPO

Inicialmente planejamos a atividade escolhendo um coordenador, que apresentaria e conduziria a atividade de grupo e um observador/relator, que registraria as reações e depoimentos dos participantes. Decidimos que realizaríamos rodízio entre os estudantes para que todos tivessem a oportunidade de coordenar o trabalho de grupo.

O planejamento foi realizado por meio de levantamento bibliográfico e discussão em dois encontros dos estudantes com a professora da disciplina, onde acertamos não determinar um tema específico para a primeira atividade, pois entendemos que seria um momento de apresentação das intenções dos estudantes e mediação com a expectativa dos familiares. Definimos apenas uma técnica de apresentação e outra para finalizar a primeiro encontro do grupo.

Na primeira atividade realizamos o convite aos familiares que aguardavam na sala de espera. Além dos dois estudantes, neste dia participaram seis familiares, todas mulheres e a psicóloga do CAPS. A atividade realizada na sala de oficinas, iniciou-se com uma técnica de apresentação onde todos, em círculo, usando um barbante enrolado nos dedos, diziam seu nome, seu endereço e suas características pessoais, arremessando o carretel para o próximo participante. Ao final formou-se uma trama no centro do círculo e o coordenador, aproveitando a imagem composta pela atividade, lembrou que todos ali tinham algo em comum, ser parentes e cuidadores de pessoa em sofrimento mental e estudantes interessados em suas histórias e vivências. Em seguida conversamos sobre como foi o fim de semana de todos. Marcaram as primeiras falas as narrativas de duas familiares com queixas de conflitos que tiveram com seus filhos, ambos freqüentadores do CAPS.

Discutimos também outros assuntos: alimentação, lazer, comportamento, fatos marcantes na vida com o transtorno e o uso de medicamentos. Durante a conversa, uma usuária, filha de uma senhora participante do grupo, interrompeu por três vezes chamando sua mãe. A mãe revela ao grupo que sua filha é muito dependente e apegada a ela. Neste acontecimento percebemos o quanto o grupo alterou a rotina do CAPS e a percepção do espaço pelos usuários no momento em que movimentou a sala de espera, tirando-a do lugar, criando um novo cenário e denunciando a desterritorialização da sala de espera enquanto espaço público, por meio da intervenção profissional/acadêmica(8).

Para finalizar, encerramos com uma técnica de Receba a bala que te dou, onde as participantes receberam uma bala e teriam que dedicá-la à pessoa a qual lançaram o barbante na técnica inicial, desejando, numa só palavra, o sucesso para a próxima semana. Questionamos se eles gostariam que a atividade continuasse. Na concordância de todos, encerramos com a proposta de continuarmos na próxima segunda-feira.

Na segunda atividade, com a participação de sete familiares, iniciamos com a realização de uma dinâmica de grupo cujo objetivo era conhecer cada participante: pedimos que anotassem em um papel no formato de um crachá o nome, endereço, uma qualidade ou defeito e em seguida observar, sem conversar, o que estava escrito em cada crachá. No início dessa técnica, todos se intimidavam para olhar o crachá do colega ao lado, mas, passado alguns minutos, todos já haviam se conhecido e, em seguida, formamos duplas com pessoas que tivessem características semelhantes.

A coordenadora sugeriu relações familiares como tema para discussão e todos os presentes concordaram. Alguns participantes contaram como seus familiares se aproveitavam de suas doenças para se eximir de responsabilidades cotidianas, isto é, como se sentiam duplamente fatigados: pelo cuidado em si desgastante, devido à convivência com o parente, muitas vezes inacessível e incompreensível e, adicionalmente, como eram apontados pelos familiares-usuários do CAPS como os sempre presente provedores, responsáveis e disponíveis para a solução de todos os seus problemas, sem que fossem lembrados como pessoas que tinham também problemas e dificuldades. A conversa engrenou quando discutimos a respeito da convivência na família, lazer e relações sociais. Finalizamos a atividade com a leitura e distribuição de uma mensagem cujo título é Tudo Depende de Mim, de Charles Chaplin.

No terceiro encontro, com três participantes, a coordenadora introduziu a reunião perguntando se a mensagem dada no último encontro trouxe algum significado e em que as reuniões estavam contribuindo para suas vidas. Duas participantes relataram que, ao sentirem-se tristes, liam a mensagem para terem paciência e esperança. Todos contaram como passaram a semana e das dificuldades que tiveram para lidar com seus familiares nos conflitos e tensões já, tão comuns no dia-a-dia.

Depois, foi realizada a dinâmica de encerramento usando um pedaço de papel, onde pedimos para elas escreverem suas dificuldades, tristezas, raiva, angústia, coisas ruins e que depois amassassem o papel, enquanto pensavam. Pedimos para elas desamassarem com cuidado e observarem como o papel ficou cheio de marcas e que essas marcas não teriam como ser tiradas, e compreendemos que nós somos como esse papel, pois todos os acontecimentos em nossas vidas deixam marcas em nossa história e que aprendemos com eles, a lidar com as dificuldades; com o tempo, são muitas marcas, mas podem ser mais amenas. Depois, a coordenadora fez a leitura de um poema de encerramento e nos despedimos afetuosamente com abraços.

No último encontro, com quatro participantes, a coordenadora perguntou como as familiares estavam se sentindo naquele momento. Uma senhora declarou que seu fim de semana foi turbulento, estava exausta, usando calmantes para ficar tranqüila e outra expressou tristeza e culpa pelo fato de, às vezes, ficar tão descontrolada ao ponto de se tornar agressiva com o filho, o que gerava, consequentemente, tristeza, pois reconhecia a inadequação de seu comportamento e sofrimento adicional. Na conversa, todos relataram suas buscas por ajuda e apoio para os enfrentamentos, na maioria das vezes num familiar ou na religião.

Como encerramento das atividades do grupo e da prática curricular, a coordenadora realizou novamente a técnica da teia de barbante, a mesma do primeiro encontro, agora com uma flor amarrada na ponta do barbante. O objetivo era desejar algo ao colega de grupo, oferecendo-lhe uma flor. Formada a teia, a coordenadora encerrou lembrando o significado da teia e os sentidos que ela poderia ter: os apoios, as ajudas e a solidariedade necessários à vida.

Logo em seguida, o observador leu uma mensagem para todos cujo título era Valorizando as Diferenças. Após a leitura, cantou e tocou uma música: Tocando em Frente, de Almir Sater. Todos se emocionaram com a canção.

Na despedida e na conclusão da tarefa, uma sensação pôde ser percebida por todos: mesmo com significados diferentes, o grupo foi lugar de expressar sentimentos, compartilhar experiências, trocar solidariedade e aprendizado. Para o estudante, uma experiência de ensino rica e inovadora pela aproximação com a vivência de adoecimento do familiar e pela constituição do grupo, que gerou solidariedade entre os estudantes, os familiares e entre ambos. Para os familiares, perceberam-se como pessoas que se ajudavam, ouvindo e falando de suas vidas.

Em todos os encontros, e principalmente no último, os familiares verbalizaram expressões de conforto pelo simples fato de que alguém os ouvia, não só como ocorria frequentemente, para que fossem portadores dos problemas ou notícias sobre o tratamento dos seus familiares doentes, mas porque valorizavam os seus problemas decorrentes da convivência com eles. Foram acolhidos enquanto esperavam que algum cuidado fosse dispensado ao parente usuário do CAPS. Isso repercutiu em um espaço pequeno, mas significativo de valorização pessoal e resgate da auto-estima, tão necessário para que possam continuar cuidadores do familiar portador de transtorno mental.

A necessidade de inserção dos familiares na dinâmica de trabalho do CAPS, já bastante difundida nas práticas de cuidado psicossocial(3) também foi apontada para este serviço, com a discussão da necessidade de que o mesmo amplie sua condição de dispositivo móvel e mobilizador da constituição de todos os seus integrantes - profissionais, usuários, familiares, estudantes, docentes -, como sujeitos promotores de saúde e vida(13).

A experiência de realização do grupo aqui relatada representou uma importante superação e inovação para o desenvolvimento de competências docentes e discentes, uma vez que o CAPS campo de prática da disciplina, apresentava restrições significativas para a proposta inicialmente planejada. Entretanto, ao compreender os limites não como impedimento para o aprendizado, mas como realidade a ser enfrentada com o arsenal da experiência profissional, saberes acadêmicos, autonomia intelectual, comunicação e autocrítica, articulados com a criatividade e iniciativa dos estudantes, os docentes e discentes construíram uma trajetória de superação de conflitos e adoção de experiências inovadoras de importância significativa para a constituição de competências na formação de enfermagem em saúde mental(8,10).

CONCLUSÃO

A experiência relatada foi importante para o reconhecimento dos estudantes de graduação em enfermagem de que os enfermeiros, profissionais da equipe dos CAPS, necessitam se capacitar para planejar e realizar grupos nestes serviços, como estratégias de trabalho de assistência psicossocial e incluir os familiares no projeto terapêutico dos usuários do serviço.

Coordenar grupos foi um exercício teórico-prático que exigiu estudo, reconhecimento e desenvolvimento de novas habilidades e, neste sentido, foi uma experiência inovadora para nós, estudantes de enfermagem que temos, tradicionalmente, poucas experiências direcionadas ao desenvolvimento de competências para a abordagem grupal durante a formação, voltada, prioritariamente, para o cuidado clínico individual.

A experiência proporcionou aprendizado teórico-prático de todas as etapas do trabalho terapêutico com grupos: reconhecimento da necessidade/possibilidade da atividade, planejamento, coordenação do grupo e avaliação.

Apesar de pontual e restrita no tempo, essa experiência vivida e refletida pelos estudantes e professora, contribuiu também para a constituição e organização do grupo de estudantes em função da tarefa a ser realizada - o grupo de sala de espera com familiares - e do vínculo decorrente de sua execução, portanto, o grupo foi vivido e estudado simultaneamente nas suas várias dimensões e incorporado no processo de trabalho, de formação e de assistência de enfermagem.

Recebido: 26/08/2008

Aprovado: 24/09/2009

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  • Correspondência:

    Alice G. Bottaro de Oliveira
    Rua Presidente Rodrigues Alves, 99 - Apto. 601 - Bairro Quilombo
    CEP 78.043-418 - Cuiabá, MT, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      26 Ago 2008
    • Aceito
      24 Set 2009
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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