Fatores relacionados ao letramento em saúde de adolescentes brasileiros: estudo transversal

RESUMO

Objetivo:

Analisar a relação entre fatores sociodemográficos e clínicos com o letramento em saúde de adolescentes brasileiros.

Método:

Trata-se de um estudo transversal com 526 adolescentes de 14 a 19 anos. Os dados foram coletados virtualmente entre julho e setembro de 2021 por meio de questionário de caracterização sociodemográfica, do perfil clínico e do Health Literacy Assessment Tool – versão em português. As variáveis foram avaliadas por regressão linear múltipla com resposta normal, com significância p < 0,05.

Resultados:

A média de idade foi de 16,9 anos (±1,6), a pontuação média do letramento em saúde foi de 25,3 (±5,4). Sexo feminino (p = 0,014), maior escolaridade (p = 0,002) e uso de medicamentos (p = 0,020) foram relacionados a maiores níveis de letramento em saúde. Adolescentes com doenças crônicas apresentaram pontuação total do letramento superior, em média 1,51 pontos, comparados aos sem doença crônica.

Conclusão:

Adolescentes do sexo masculino e os com menor escolaridade apresentaram pior desempenho no letramento em saúde e, por isso, merecem especial atenção nas ações de promoção da saúde.

DESCRITORES
Saúde do Adolescente; Letramento em Saúde; Promoção da Saúde; Determinantes Sociais da Saúde; Desenvolvimento do Adolescente

ABSTRACT

Objective:

To analyze the relationship between sociodemographic and clinical factors with health literacy in Brazilian adolescents.

Method:

This is a cross-sectional study with 526 adolescents aged 14 to 19. Data were collected virtually between July and September 2021 using a sociodemographic characterization questionnaire, clinical profile and the Health Literacy Assessment Tool – Portuguese version. The variables were evaluated by multiple linear regression with normal response, with significance p < 0.05.

Results:

The average age was 16.9 years (±1.6), the average health literacy score was 25.3 (±5.4). Female gender (p = 0.014), university educational level (p = 0.002) and use of medication (p = 0.020) were related to higher levels of health literacy. Adolescents with chronic illnesses had a higher total literacy score, on average 1.51 points, compared to those without chronic illnesses.

Conclusion:

Male adolescents and those with less education performed worse in health literacy and, therefore, deserve special attention in health promotion actions.

DESCRIPTORS
Adolescent Health; Health Literacy; Health promotion; Social Determinants of Health; Adolescent Development

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la relación entre factores sociodemográficos y clínicos con la alfabetización en salud de adolescentes brasileños.

Método:

Se trata de un estudio transversal llevado con 526 adolescentes entre 14 y 19 años. Los datos se recogieron virtualmente entre julio y septiembre de 2021 mediante un cuestionario de caracterización sociodemográfica, de perfil clínico y de la Health Literacy Assessment Tool – versión en portugués. Las variables se sopesaron por regresión linear múltiple con respuesta normal y significación p < 0,05.

Resultados:

La edad promedio era de 16,9 años (±1,6) y la puntuación media en alfabetización en salud de 25,3 (±5,4). El sexo femenino (p = 0,014), la mayor escolaridad (p = 0,002) y el uso de medicación (p = 0,020) estaban relacionados con niveles más altos de alfabetización en salud. Los adolescentes con enfermedades crónicas obtuvieron una puntuación total de alfabetización más alta, en media, 1,51 puntos, en comparación con los que no padecían dichas enfermedades.

Conclusión:

Adolescentes del sexo masculino y aquellos con menos escolaridad presentaron un desempeño pobre en la alfabetización en salud y, por esa razón, necesitan atención especial durante las acciones de promoción de la salud.

DESCRIPTORES
Salud del Adolescente; Alfabetización en Salud; Promoción de la Salud; Determinantes Sociales de la Salud; Desarrollo del Adolescente

INTRODUÇÃO

As informações de saúde e as formas como são compartilhadas com a comunidade, por meio dos profissionais e organizações de saúde, estão em transformação, sobretudo nas populações mais jovens, tendo em vista o desenvolvimento de tecnologias de informação(¹). A interação dos indivíduos com as informações de saúde é investigada pelo Letramento em Saúde (LS), um campo em construção que tem sido considerado de grande relevância e impacto na saúde da população, sendo designado como novo sinal vital e apontado como meta global para melhorar a promoção da saúde(²). O LS é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS)(³) como os conhecimentos e as habilidades pessoais acumulados ao longo da vida que possibilitam o acesso, a compreensão, a avaliação e o uso de informações e serviços de saúde para promover e manter cuidados à saúde individual e coletiva.

O LS pode ser entendido como o resultado observável das ações destinadas a promover o empoderamento e a participação das pessoas nas suas comunidades e cuidados de saúde(²). O LS possui caráter interativo e intersetorial, é um determinante social de saúde modificável e um elemento crítico para o desenvolvimento nos ciclos de vida, em especial na adolescência. Nessa fase, o LS é apontado como um mediador da tomada de decisões relacionadas à saúde e à adoção de comportamentos protetivos(⁴) pelos adolescentes; um alto nível de LS pode capacitá-los a assumir o controle da condição de sua própria saúde.

A adolescência é uma fase de intensas mudanças nas áreas biopsicossociais, defendida por profissionais e pesquisadores como uma etapa crucial para o desenvolvimento de ações voltadas à promoção do LS(⁵). Contudo, não se tem um retrato das condições de LS em diversas regiões do Brasil, diferentemente de países como China, Itália e Austrália, que já apresentam dados que mostram aspectos positivos do LS nos adolescentes de seus países(⁶–⁸).

Estudos apontam que adolescentes com melhores níveis de LS são mais propensos a apresentarem comportamentos de proteção da saúde, a apresentarem comunicação mais efetiva com profissionais de saúde e a avaliarem melhor o seu próprio estado de saúde(⁹).

A fim de subsidiar pesquisas de LS no público infantojuvenil, pesquisadores alemães criaram um modelo teórico de seis dimensões. A proposta reconhece as características específicas dos grupos e considera suas especificidades quanto ao LS em relação aos adultos. O primeiro ‘D’, de dimensão, versa sobre diferenças epidemiológicas: a adolescência é uma janela de oportunidade para a promoção do LS para interromper o ciclo das doenças crônicas que estão relacionadas a comportamentos sedentários. O segundo ‘D’ aborda os padrões demográficos e desigualdades, isto é, ambientes economicamente desfavorecidos diminuem as oportunidades de promoção e proteção da saúde e aumentam o impacto dos fatores de risco. No terceiro ‘D’ o desenvolvimento e o processo de socialização são considerados; nesta dimensão, os autores argumentam que o LS pode ser um forte recurso para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e resiliência no meio familiar, escolar e sociocultural. O quarto ‘D’ analisa a relação de dependência do adolescente dentro das estruturas de poder e das relações intergeracionais, assim como sua interface com as opiniões e experiências desenvolvidas enquanto sujeitos ativos. Em consonância, o quinto ‘D’ trata da democracia cidadã e considera que os adolescentes devem ser incentivados a colaborar e envolver-se com o LS na comunidade em que vivem, em ações de atenção primária à saúde e na saúde escolar. O sexto ‘D’ considera o mundo digital em que as crianças e adolescentes crescem e se desenvolvem, bem como sua influência no LS(¹⁰).

No Brasil, as investigações sobre LS na adolescência ainda são escassas. Entretanto, existem estudos com adolescentes no país que versam sobre temas relevantes como a associação de LS e métodos contraceptivos(¹¹); o letramento funcional em saúde, qualidade de vida e contextos de violência(¹²) e o LS, a avaliação da ameaça da COVID-19 e intenção vacinal(¹³).

O LS tem sido apontado como fundamental para capacitar e permitir o engajamento dos adolescentes em ações de promoção da saúde, o que poderá contribuir para influenciar positivamente os demais determinantes sociais de saúde(³). Nesse sentido, esta pesquisa objetivou analisar a relação entre fatores sociodemográficos e clínicos com o letramento em saúde de adolescentes brasileiros.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo transversal, realizado com adolescentes residentes no Brasil, com coleta de dados em ambiente virtual. A população foi composta por adolescentes brasileiros na adolescência média e final, com idade compreendida entre 14 a 19 anos(¹⁴). A comunicação dos dados segue as recomendações da declaração Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(¹⁵). Esta pesquisa deriva de um estudo com multivariáveis denominado “Letramento em saúde, ameaça pela COVID-19 e intenção vacinal de adolescentes brasileiros”(¹³).

Cenário, Amostra e Procedimentos de Coleta

A pesquisa cobriu cinco macrorregiões brasileiras, cuja estimativa de população de adolescentes é de 18.452.517(¹⁶). A coleta de dados desenvolveu-se em ambiente virtual por meio da ferramenta Google Forms. Foram incluídos os participantes que concederam o aceite nos termos de consentimento/assentimento. Foram considerados como perda os formulários com falhas no preenchimento.

A amostra deste estudo resultou do cálculo amostral realizado para o projeto matriz, considerando-se: amostragem aleatória simples; estudos anteriores sobre a temática(¹⁷,¹⁸); erros tipo I e II, definidos como iguais a 0,05 e 0,10, respectivamente; comparação entre duas proporções binomiais vindas de amostras independentes; bem como a presença de nove variáveis de confundimento, com o acréscimo de 15 sujeitos para cada uma delas, inseridas no modelo de regressão múltipla, que resultou em 526 adolescentes. A coleta de dados foi realizada no período de 13 de julho a 30 de setembro de 2021; sendo assim, 528 formulários foram recebidos e 2 foram considerados como perdas por falha no preenchimento. O recrutamento dos adolescentes ocorreu, predominantemente, pela técnica bola de neve, método em que os próprios participantes compartilham os formulários com os seus pares. Para a divulgação, foram produzidos e distribuídos cartazes e vídeos em redes sociais (Instagram, Facebook, Twitter, TikTok e Kwai), em plataformas de comunicação (WhatsApp, Gmail) e também foram feitos telefonemas. Instituições como escolas, universidades, igrejas, secretarias municipais e estaduais de saúde e educação foram convidadas a compartilhar o convite para a pesquisa e recrutar participantes, nas cinco regiões do Brasil.

Instrumentos de Pesquisa

O formulário de pesquisa foi composto por 16 itens e coletou dados sociodemográficos, perfil clínico e LS dos adolescentes. As variáveis sociodemográficas e do perfil de clínico foram coletadas por meio de instrumento próprio, elaborado pelos autores, baseado nos indicadores sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE(¹⁹). Essa parte foi estruturada com oito itens que investigaram informações referentes ao estado de residência, idade, sexo, renda, escolaridade, histórico de doenças, internações e uso de medicamentos nos últimos seis meses.

Dados referentes ao LS foram coletados por meio do Health Literacy Assessment Tool – questionário de letramento em saúde, versão em português (p-HLAT-8), traduzido e validado no Brasil(¹⁷). O HLAT-8 foi desenvolvido e testado na Suíça com a proposta de investigar diferentes dimensões do LS de jovens no contexto sociofamiliar(¹⁸). A versão brasileira (p-HLAT-8) foi aplicada com 472 universitários brasileiros e demonstrou confiabilidade para o cálculo de pontuação geral sobre o LS considerando o devido peso para cada item, com alfa de Cronbach 0,74.

O p-HLAT-8 possui oito perguntas com respostas por escala Likert que varia de zero a, no máximo, cinco pontos. Os itens avaliam: (i) entendimento das informações em saúde (perguntas 1 e 2) que somam 10 pontos; (ii) busca das informações em saúde (perguntas 3 e 4) que somam 8 pontos; (iii) interatividade em saúde (perguntas 5 e 6) que somam 10 pontos; e (iv) conhecimento crítico em saúde (perguntas 7 e 8) que somam 9 pontos. A pontuação geral varia de zero (pior pontuação) a 37 pontos (melhor pontuação/ideal), não apresentando ponto de corte ou classificação do LS em baixo, moderado ou alto nível; considera-se que quanto maior a pontuação pelo referido instrumento, maior o LS do participante da pesquisa.

Análise dos Dados

Para caracterização sociodemográfica e clínica foi utilizada estatística descritiva. Para a verificação de associações entre o LS com as variáveis independentes utilizou-se modelos de regressão simples com resposta normal. As variáveis que apresentaram associação com p <0,10 foram levadas para um modelo de regressão linear múltipla, com resposta normal. Nos modelos de regressão linear múltipla, foram consideradas estatisticamente significativas as relações que apresentaram p < 0,05.

Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Tocantins (UFT), sob parecer número 4.833.554/2021, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466/2012(²⁰). Foram utilizados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os participantes maiores de 18 anos e para os pais/responsáveis dos menores de 18 anos. Aos menores de 18 anos, foi solicitado o aceite no Termo de Assentimento.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 526 adolescentes brasileiros, de 25 estados do país e do Distrito Federal. Apenas o estado do Amazonas não teve representação neste estudo. Os adolescentes apresentaram média de idade de 16,9 anos (±1,6); destes, 40,7% (n = 214) estavam na adolescência média e 59,3% (n = 312) estavam na adolescência final. Destaca-se da Tabela 1 que 67,7% (n = 356) dos participantes eram do sexo feminino, 67,1% (n = 353) estavam cursando ou tinham concluído o Ensino Médio e 49,0% residiam na Região Norte (n = 258).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e do perfil clínico de adolescentes das cinco regiões do Brasil (n = 526) – Palmas, TO, Brasil, 2021.

Variável	Total
	N	%
Sexo
Feminino	356	67.7
Masculino	170	32.3
Idade
14 anos	49	9.3
15 anos	71	13.5
16 anos	94	17.9
17 anos	71	13.5
18 anos	137	26.0
19 anos	104	19.8
Região
Norte	258	49.0
Nordeste	31	5.9
Centro-oeste	36	6.8
Sudeste	191	36.3
Sul	10	1.9
Escolaridade (cursando ou concluído)
Ensino Fundamental	67	12.7
Ensino Médio	353	67.1
Ensino Superior	106	20.2
Renda (salário-mínimo)*
< 0,5	116	22.1
0,5 – <1	52	9.9
1 – <2	136	25.9
2 – <5	141	26.8
5 – <10	45	8.6
10 – <20	26	4.9
≥20	10	1.9
Doença crônica
Não	477	90.7
Sim	49	9.3
Internação recente
Não	505	96.0
Sim	21	4.0
Uso de medicamentos
Não	424	80.6
Sim	102	19.4

• *Salário-mínimo em 2021: R$ 1.212.
• Fonte: Dados da pesquisa.

Os estados com mais participantes foram: Tocantins com 46,0% (n = 242), São Paulo com 28,5% (n = 150), Minas Gerais com 4,9% (n = 26) e Goiás com 3,8% (n = 20).

Referente ao LS, a pontuação média encontrada foi de 25,3 pontos (±5,4), com mediana de 26,0 (mínimo de 0 e máximo de 37). A análise bivariada é detalhada na Tabela 2, na qual se destaca que adolescentes do sexo masculino apresentaram pontuação total do LS mais baixa que os pertencentes ao sexo feminino (p = ,010). Observa-se também que os adolescentes cursando o nível superior apresentaram maiores pontuações do que aqueles com escolaridade de nível básico, em média 2,70 pontos a mais. A pontuação total do LS dos adolescentes que referiram conviver com alguma doença crônica foi, em média, superior em 1,51 pontos quando comparada aos participantes sem esse tipo de agravo de saúde. Em relação ao uso de medicamentos, a pontuação de LS foi maior (1,87 pontos em média) entre os que utilizavam algum fármaco quando comparado aos que não o utilizavam.

Tabela 2
Análise bivariada dos fatores sociodemográficos e clínicos relacionados ao letramento em saúde de adolescentes das cinco regiões do Brasil – Palmas, TO, Brasil, 2021.

Variável	B	IC95%		p*
Sexo masculino	−1.30	−2.29	−0.32	.010
Regiões do Brasil
Região Sul	0.77	−2.66	4.19	.662
Região Sudeste	0.75	−0.27	1.76	.150
Região Centro-oeste	−0.48	−2.37	1.41	.620
Região Nordeste	0.61	−1.41	2.63	.554
Região Norte**	0a
Idade***	0.23	−0.06	0.52	.120
Nível de escolaridade
Nível de escolaridade superior (cursando)	2.70	1.06	4.34	.001
Nível de escolaridade médio (cursando ou concluído)	0.60	−0.80	2.01	.398
Nível de escolaridade fundamental (cursando ou concluído)****	0a
Renda	−0.18	−3.68	3.32	.919
Renda de mais de vinte salários mínimos
Renda entre dez e vinte salários mínimos	1.40	−0.91	3.70	.235
Renda entre cinco e dez salários mínimos	1.06	−0.80	2.93	.264
Renda entre dois e cinco salários mínimos	−0.09	−1.42	1.24	.896
Renda entre um e dois salários mínimos	0.19	−1.16	1.53	.785
Renda entre meio e um salário-mínimo	−0.39	−2.17	1.38	.664
Renda até meio salário-mínimo*****	0a
Possui doença crônica†	1.51	−0.08	3.11	.063
Internação recente†	−0.83	−3.21	1.54	.492
Uso de medicamentos†	1.87	0.71	3.04	.002

• B: Estimativa dos parâmetros do modelo de regressão; IC: intervalo de confiança; *Regressão com resposta normal; **Referência para as regiões do Brasil; ***Variável quantitativa contínua; ****Referência para os níveis de escolaridade; *****Referência para os níveis de renda; ^†Variáveis dicotômicas, tiveram como referência a ausência do evento analisado.
• Fonte: Dados da pesquisa.

A Tabela 3 apresenta a análise multivariada entre o LS e as variáveis investigadas, por meio da regressão linear múltipla. Evidencia-se a associação entre menores pontuações de LS e o sexo masculino, quando este é comparado ao feminino (p = 0,014); os resultados também mostram a associação entre maiores pontuações de LS e o nível de escolaridade (p = 0,002), bem como ao uso de medicamentos (p = 0,020).

Tabela 3
Análise multivariada dos fatores sociodemográficos e clínicos relativos ao letramento em saúde de adolescentes das cinco regiões do Brasil (n = 526) – Palmas, TO, Brasil, 2021.

Variável*	B	IC95%		p**
Intercepto	24.48	23.17	25.78	0.000
Sexo masculino	−1.22	−2.19	−0.25	.014
Nível de escolaridade
Nível de escolaridade superior (cursando)	2.55	0.93	4.18	.002
Nível de escolaridade médio (cursando ou concluído)	0.57	−0.82	1.96	.419
Nível de escolaridade fundamental (cursando ou concluído)***	0a
Doença crônica†	0.68	−0.96	2.33	.417
Uso de medicamentos†	1.44	0.23	2.65	.020

• *As variáveis “regiões do país” e “idade” apresentaram associações mais fracas e não foram incluídas na regressão multivariada para aumentar a precisão das estimativas; B: Estimativa dos parâmetros do modelo de regressão; IC: intervalo de confiança; **Regressão linear múltipla; ***Referência para os níveis de escolaridade, †Variáveis dicotômicas, tiveram como referência a ausência do evento analisado.
• Fonte: Dados da pesquisa.

DISCUSSÃO

Trata-se de um estudo pioneiro no Brasil que retrata as condições de LS dos adolescentes nas diferentes regiões do país. Nesta investigação, evidenciaram-se maiores pontuações de LS em adolescentes do sexo feminino, que cursavam o ensino superior e faziam uso de medicamentos.

A pontuação média do LS de 25,3 pontos (±5,4) na população estudada foi similar a de estudos internacionais com o mesmo instrumento. A pesquisa com 650 adolescentes chineses encontrou uma média de 26,3 pontos de LS (±5,89)(⁶); enquanto isso, na Itália, a investigação com 806 universitários encontrou uma média de 27,4 pontos (±4,4)(⁷); entre 746 estudantes de medicina na China, a média foi de 25,6 pontos (±4,5)(⁸). A maior média do LS foi relatada na Austrália em uma pesquisa com 120 adolescentes com média de 28,25 (±6,0)(²¹).

A pesquisa realizada em Belo Horizonte, Brasil(¹²), com 384 adolescentes, utilizando um Questionário Pediátrico sobre Qualidade de Vida apontou nível de LS adequado e relatou que os melhores escores nos domínios social e escolar estavam associados às melhores pontuações de LS. A socialização é uma das dimensões do modelo 6-D do LS em adolescentes, cujo núcleo é a escola(¹⁰). Esta é um espaço de interação e desenvolvimento social e participativo do adolescente e representa um importante ambiente para a realização de ações promotoras de saúde.

A escolarização é defendida como um determinante do LS, ou seja, saúde e educação estão estreitamente relacionadas. No presente estudo, o maior nível de escolaridade dos adolescentes (isto é, os que cursavam o ensino superior) apresentou uma associação positiva com o LS, relação explorada no terceiro D(¹⁰). Em consonância, especialistas apontam que o LS deve ser um objetivo educacional e deve ser implementado precocemente nos ambientes escolares(²²).

A inserção de práticas voltadas à promoção da saúde no ensino formal, no Brasil, é respaldada por políticas públicas. O Programa Saúde na Escola e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação postulam a obrigatoriedade de ensinar temas relacionados à saúde nos currículos escolares brasileiros(²³). Apesar disso, a efetivação de tal ensino encontra diversas barreiras como a desarticulação entre os serviços de saúde e as escolas, a realização de ações por profissionais externos à rotina escolar e o caráter esporádico(²⁴). Ressalta-se que o LS pode aumentar a equidade em saúde e, quando estimulado em ambiente educacional, contribuir significativamente para a adoção de comportamentos protetivos, assim como para a seleção de informações seguras. Essas são habilidades necessárias, sobretudo diante da infodemia, assim como são do interesse atual de crianças e adolescentes pelo mundo digital, conforme retrata a sexta dimensão (a digital) do modelo teórico do LS para estes ciclos vitais(¹⁰).

A atuação da Enfermagem em ambiente escolar no Brasil é relatada desde 1910, em espaços como enfermarias escolares ou, mais recentemente, em ações do Programa Saúde na Escola(²³). A presença do enfermeiro na rotina escolar tem considerável potencialidade de construção de intervenções focadas no desenvolvimento do LS, na identificação precoce de agravos e na construção de espaços mais saudáveis, além de possibilitar o engajamento intersetorial, com a participação de equipe interdisciplinar, no desenvolvimento de atividades voltadas à educação em saúde. Além disso, espaços escolares podem contribuir para a formação de adolescentes envolvidos nas ações de saúde de suas comunidades, em conformidade ao quinto D do referido modelo teórico(¹⁰).

A dependência nas relações intergeracionais de transmissão de conhecimentos e as desigualdades, exploradas no segundo e quarto D(¹⁰), podem contribuir com a construção dos hábitos de cuidados relacionados aos papéis sociais(¹⁰). A influência do sexo sobre os níveis de LS é relatada na literatura científica(²⁵); neste estudo, foi observada uma relação positiva entre ser do sexo feminino e possuir maiores níveis de LS.

Pontuações mais baixas de LS entre pessoas do sexo masculino são observadas mundialmente, sendo investigadas frente à construção dos papéis de gênero. Homens possuem índices mais elevados de morbimortalidade, prevalência de condições de saúde graves e crônicas, bem como baixa adesão às ações de cuidado(²⁶). No Brasil, a Política Nacional de Saúde do Homem foi promulgada em 2008, porém os avanços na assistência a esse público são gradativos, com ações ainda pouco estruturadas(²⁶), sobretudo para os adolescentes do sexo masculino.

Além disso, os adolescentes e jovens do sexo masculino constituem o principal grupo de risco para mortalidade por homicídio na população brasileira(²⁷). Um estudo de revisão de literatura evidenciou a organização da Atenção Primária como pilar para a reestruturação da assistência ao sexo masculino, com o desenvolvimento de ações de promoção da saúde; destaca-se a necessidade do acesso aos serviços, por meio de horários flexíveis e a continuidade do cuidado, por meio da territorialização(²⁶). Além disso, a discussão sobre a autogestão da saúde deve ser estimulada entre os adolescentes e jovens do sexo masculino; acredita-se que essas mudanças possam colaborar com o aumento do LS nesse grupo e vice-versa, o que consequentemente, pode contribuir com a melhoria da qualidade de vida neste segmento da população.

Padrões de doenças e percepções do processo de saúde-doença, englobadas no primeiro D do referencial teórico(¹⁰), influenciam no nível de LS(¹⁰). Uma revisão com metanálise recentemente apontou relação entre maior pontuação de LS e melhor adesão à terapia medicamentosa, principalmente em pacientes com doenças crônicas(²⁸). O uso de medicamentos pode ter estimulado o comportamento de busca por informações entre os adolescentes, com impacto no LS.

O desenvolvimento dos adolescentes na era digital é uma característica de grande parte dos adolescentes no mundo(²⁹) e a interação com as mídias digitais possibilita a ampliação do acesso a informações e serviços que podem influenciar o LS do grupo(³⁰). Diante disso e considerando-se que esta pesquisa desenvolveu-se utilizando plataformas e serviços de relacionamento digital, tal dimensão do LS de adolescentes brasileiros deve ser aprofundada e investigada como recurso estratégico para a promoção de saúde.

O presente estudo apresenta dados inéditos acerca do LS de adolescentes brasileiros e sua relação com fatores sociodemográficos e clínicos à luz do modelo teórico alemão para o LS infantojuvenil(¹⁰). Como limitações desta pesquisa, cita-se a ausência de recorte de raça e etnia, assim como o recrutamento em ambiente virtual que pode ter excluído uma parcela dos adolescentes brasileiros com vulnerabilidade social e sem acesso à rede, a computadores ou dispositivos similares.

CONCLUSÃO

Neste estudo, o LS dos adolescentes brasileiros apresentou pontuação similar às médias encontradas em outros países, e a pontuação mais alta do LS mostrou-se estar mais associada com o sexo feminino, com maior nível de escolaridade e com o uso de medicamentos. As variáveis que exercem influência sobre o LS devem ser valorizadas nas intervenções de saúde; ademais, questões transversais como a devida atenção à saúde dos adolescentes do sexo masculino, às habilidades e práticas relacionadas ao uso adequado de medicamentos e à autogestão da saúde devem ser reforçadas na agenda intersetorial de promoção de saúde na adolescência. Com base nos achados desta pesquisa, recomenda-se que os profissionais de saúde devam atuar em equipes interdisciplinares e em espaços como escolas e universidades em atividades voltadas ao desenvolvimento do LS; tais ações requerem caráter perene, início precoce no currículo escolar e atenção especial aos adolescentes, sobretudo do sexo masculino.

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• Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível superior – Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001, PROAP 2020, Nº do Processo: 88881.886957/2023-01, Projeto: 88887.886953/2023-00, Nº do Auxílio: 1759/2023 da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Botucatu e da Fundação de Apoio Científico e Tecnológico do Tocantins – FAPTO.

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Fev 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  29 Set 2023
• Aceito
  05 Jan 2024