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O abandono da consulta de enfermagem: uma análise compreensiva do fenômeno

The abandonment of nursing consultation: One understand analysis of the phenomenon

Resumos

Esse estudo teve como objetivo compreender o abandono da consulta de enfermagem direcionada à criança de 0 a 2 anos de idade. Para isto, utilizei-me de uma abordagem fenomenológica, porque. através dessa metodologia, eu estaria apreendendo a essência do fenômeno, tentando compreendê-la, sem me prender aos motivos que o determinaram. Foram colhidos 12 depoimentos, e neles as mães descreveram a experiência vivenciada por elas na consulta de enfermagem, permitindo que o fenômeno se mostrasse em sua essencialidade.

Consulta de Enfermagem


The purpose of this study was to understand the abandonment of nursing onsultation focused on children 0 to 2 years old. A phenomenological approach was used to make apprehension of the essence of the phenomenon and to try to understand it without becoming attached to its determinant causes. Interviews were done with 12 mothers to describe their experiences on nursing consultation and, therefore, making possible to see the essence of the phenomenon.

Nursing consultation; Qualitative approach


ARTIGOS ORIGINAIS

O abandono da consulta de enfermagem uma análise compreensiva do fenômeno* * Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado defendida na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da UNIRIO, 1993.

The abandonment of nursing consultation - One understand analysis of the phenomenon

Anézia Moreira Faria Madeira

Enfermeira. Professora Assistente do Departamento Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG

RESUMO

Esse estudo teve como objetivo compreender o abandono da consulta de enfermagem direcionada à criança de 0 a 2 anos de idade. Para isto, utilizei-me de uma abordagem fenomenológica, porque. através dessa metodologia, eu estaria apreendendo a essência do fenômeno, tentando compreendê-la, sem me prender aos motivos que o determinaram. Foram colhidos 12 depoimentos, e neles as mães descreveram a experiência vivenciada por elas na consulta de enfermagem, permitindo que o fenômeno se mostrasse em sua essencialidade.

Unitermos: Consulta de Enfermagem.

ABSTRACT

The purpose of this study was to understand the abandonment of nursing onsultation focused on children 0 to 2 years old. A phenomenological approach was used to make apprehension of the essence of the phenomenon and to try to understand it without becoming attached to its determinant causes. Interviews were done with 12 mothers to describe their experiences on nursing consultation and, therefore, making possible to see the essence of the phenomenon.

Uniterms: Nursing consultation. Qualitative approach.

1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho nasceu de uma inquietação vivenciada por mim ao longo da minha experiência profissional, enquanto docente, que atuava em um ambulatório da periferia de Belo Horizonte.

Era muito grande o número de mães que abandonavam a consulta de enfermagem. E as crianças que deixavam-na eram as que mais precisavam do acompanhamento de saúde, já que apresentavam atraso no seu crescimento e desenvolvimento.

Portanto, o objetivo do meu trabalho, foi compreender o abandono da consulta de enfermagem direcionada à criança de 0 a 2 anos de idade.

E para tal, busquei examiná-lo sob uma nova perspectiva.

Não interessavam-me causas, explicações e interpretações acerca desse fenômeno. Não estava preocupada em saber porquê as mães abandonavam a consulta. Eu queria na verdade, era conhecer os significados atribuídos por elas à essa atividade e através de suas descrições chegar à essência do fenômeno, única via que me parecia visualizar a compreensão de tal fenômeno e procurar então, atuar para transformá-lo.

2 CAMINHAR METODOLÓGICO

A fenomenologia enquanto uma modalidade de pesquisa qualitativa adotada por mim, permitiu-me uma análise compreensiva, concreta da situação vivenciada pelos sujeitos, compreendendo os significados falados e contidos nas suas experiências.

Para a fundamentação da análise compreensiva dos depoimentos das mães, utilizei-me da fenomenologia existencial à luz de Maurice Merleau-Ponty. Esse filósofo trata de questões inerentes à existência do homem, que do certa forma confirmaram a essência do meu trabalho.

Para o desvelamento do abandono da consulta de enfermagem, trilhei por três caminhos:

Primeiramente, para conhecer o universo com o qual iria trabalhar, fiz inicialmente o levantamento dos prontuários das crianças que deixaram de freqüentar a consulta de enfermagem, numa dimensão temporal de até 4 meses, a partir da segunda consulta, nos anos de 90 e 91, no Ambulatório da Centro Social Urbano do Bairro São Paulo, na cidade de Belo Horizonte. Constatei nesse rastreamento, que cerca de 60 mães abandonaram a consulta de enfermagem conforme a situação acima.

Como o número de mães era muito grande, optei por trabalhar com aquelas que residiam nas proximidades do ambulatório. Dessas selecionadas, algumas haviam se mudado e outras forneceram endereços falsos, sendo impossível localizá-las, atingindo, devido a isso, cerca de 12 entrevistas.

O segundo momento de trajetória metodológica foi constituído pela obtenção das descrições (entrevistas), a qual denominei de encontro. Os depoimentos das mães foram conduzidos por uma questão orientadora: "Mãe, o que é a consulta de enfermagem para você?"

Assim, cada descrição feita pela mãe sobre a sua experiência vivida na consulta, onde ela se colocou subjetivamente, se mostrou, constituiu-se um campo de significação profunda.

E assim me reporto à fala de CAPALBO (1984), quando ela afirma que "...na significação se realiza a unidade fenomenológica do ato de dar sentido, ou a intenção significativa e o ato de preenchimento significativo (...) é a vivência de um sujeito por ele experimentada..."

3 ANÁLISE COMPREENSIVA DOS DEPOIMENTOS

Nesse momento eu busquei apreender a essência situada do fenômeno, e para tal, eu me espelhei nas sugestões de MARTINS; BICUDO (1984), acerca de como proceder na análise compreensiva das descrições dos sujeitos da pesquisa, sob o enfoque fenomenológico.

À medida que eu ia lendo cada depoimento, detinha-me em frases, palavras, revivia cada momento, cada detalhe da entrevista, então aquilo que inicialmente se apresentava subjetivo e vago, foi-se desvelando e assumindo um sentido significativo, mostrando claramente o que as mães tentaram expressar em seus discursos, permitindo-me agrupá-los em unidades de significados e fazer a convergência de suas falas direcionando-as para cada unidade.

Nos fragmentos apreendidos dos depoimentos, as mães se expressaram de forma explícita e implícita, a percepção que tiveram acerca da consulta de enfermagem e apontaram os motivos pelos quais as levaram à abandonar essa atividade.

3.1 A consulta de enfermagem enquanto orientação, ensinamento e aconselhamento.

A partir dessa unidade, me foi possível apreender, que o acompanhamento de saúde através da consulta de enfermagem, o qual a mãe denomina de "controle" , mantém uma relação estreita entre a idade da criança e às suas condições de saúde.

"Ela está desenvolvendo muito bem, acho que não precisa mais do controle..."

"...Ai , depois quando ela chegou com 7 meses, aí então eu parei de levá-la. Ela já não estava dando problema e nem nada..."

Pelo que eu pude apreender a partir das falas das mães, parece-me que as orientações, ensinamentos e conselhos recebidos durante a consulta de enfermagem, foram importantes até uma certa época. Por se sentirem auto-confiantes, mais seguras em suas ações, a consulta de enfermagem perde o significado de antes, e se torna distante do mundo vivido delas.

Muitas das vezes, este processo de acompanhamento de saúde é interrompido por situações pertinentes à própria existência da mãe, por exemplo, o cansaço. Nesse momento, a sua condição humana é solicitada e ultrapassa as demais questões que não dizem respeito à ela.

"...A T mamava toda hora e eu sentia cansada... me sentia fraca, não tinha forças para subir o morro. Então parei de fazer o controle... Não foi por causa dela que eu parei, foi de mim mesma..."

Aliado ao cansaço conforme os depoimentos das mães, um outro fator determinante na decisão delas em não mais continuarem na consulta de enfermagem, está relacionado à localização do Ambulatório. A distância geográfica funciona nesse caso, como uma barreira, dificultando o acesso da mãe ao serviço.

"...Achei que seria difícil pra mim, porque daqui no bairro São Paulo é um bom pedacinho..."

A decisão de abandonar a consulta parece que é anterior aos motivos apontados pelas mães, como responsáveis por essa conduta. Isto é, antes mesmo deles surgirem, as mães já haviam decidido em não continuarem mais na consulta de enfermagem. Caso contrário, o comportamento das mesmas estaria condicionado à uma ação casual linear advinda do meio externo. Não é o cansaço, nem a distância geográfica que determinam o comportamento delas. Os motivos que as fazem deixar a consulta, estão ancorados na própria percepção que elas têm desse procedimento, isto porque a percepção é uma operação mais profunda pela qual as mães organizam as experiências exteriores.

3.2 A consulta de enfermagem enquanto atenção

As falas das mães que se convergiram para essa unidade, mostraram que para elas atenção significa carinho, respeito, enquanto ser humano, oportunidade de diálogo e valorização de seus conhecimentos.

"...porque lá na consulta de enfermagem é muita atenção, explica tudo direitinho... tudo foi conversado lá na consulta... achei que foi tipo uma preocupação... como que eu iria criar... meu filho..."

"...você fica à vontade com ela... uma atenção com a gente sabe, conversa direitinho... você sente assim, até à vontade para falar... falei o que eu estava sentindo..."

"..e para os outros não dá prá você perguntar... e lá não... lá nunca fala, você não sabe isso... explica direitinho... são atenciosas com a gente..."

O respeito pela mãe, enquanto ser humano, está implícito na postura do enfermeiro durante a consulta. Quando o profissional atende no binômio mãe-filho de forma carinhosa, fornece as orientações minuciosamente, participa a mãe de todos os passos da consulta, ele está tentando buscar um relacionamento intersubjetivo, que favoreça o encontro e a convivência humana.

A mãe afirma que na consulta ela se sente à vontade para esclarecer suas dúvidas, o que não é comum em outros lugares. Ela percebe que os seus conhecimentos são valorizados e isto a faz transcender como ser existencial. É na consulta que ela se faz presente, se mostra em sua subjetividade, se posiciona frente ao que lhe é dado, percebe, reflete e toma consciência daquilo que lhe é apresentado.

Na interseção de suas experiências com as do enfermeiro, na engrenagem de umas com as outras, a mãe vê germinar o significado daquele momento. Na verdade, é um momento social intersubjetivo, no qual ela e o enfermeiro estão em interação significativa, e através de suas experiências subjetivas eles se revelam enquanto seres e confirmam suas próprias existências.

3.3 Priorizando as atividades domésticas

Os depoimentos das mães convergiram para essa unidade denotando um certo interesse e prioridade pelos afazeres domésticos, em detrimento da consulta de enfermagem. Com isso, permitiu que mais uma faceta do fenômeno estudado se desvelasse em sua essencialidade, como uma certa maneira das mães vivenciarem seu mundo doméstico.

"...O dia que a gente ia... a obrigação da casa atrasava toda, aí, eu peguei parei de ir..."

"...de manhã eu tinha de cuidar da casa e da comida... Era o horário mais difícil prá mim, peguei, parei..."

"...Meu marido chegava prá almoçar, tem horário prá tudo. Lá eu ficava esperando muito tempo. Então eu parei... Eu parei por falta de tempo..."

A percepção da mãe está dirigida para o contexto no qual está inserida, é dele que emana todo o sentido da sua existência. A sua vida se limita às responsabilidades com a casa, o marido e os filhos. É na relação com os mesmos que ela se faz presente.

O espaço ocupado pela mãe em seu mundo doméstico, não é apenas um espaço físico nem geográfico, é também o espaço enquanto existência. É o espaço orientado ou vivido por ela.

O mundo doméstico enquanto campo perceptivo da mãe, propõe à ela, sujeito concreto, uma ancoragem possível. E nele que ela se refaz e faz a sua história. Nele ela busca seus projetos existenciais e o encadeamento do tempo.

3.4 A falta de recursos financeiros para ir à consulta de enfermagem

A falta de dinheiro para pagar a condução para ir à consulta de enfermagem foi apontada por duas mães como um fator determinante no abandono dessa atividade.

"...parei porque eu não estava tendo condições financeiras prá pegar o ônibus e tal..."

"...Mas... eu parei o controle, foi por causa de condições, por exemplo, dinheiro para pagar condução prá ir lá. Caía no dia que eu não tinha dinheiro..."

Considerando as falas das mães, a falta de dinheiro pesou na decisão delas em não continuarem freqüentando a consulta de enfermagem.

No entanto, numa visão merleaupontyana, o pretenso motivo não pesa na minha decisão, é pelo contrário, minha decisão que lhe dá forças. Na verdade a deliberação segue a decisão; é minha decisão secreta que faz aparecer os motivos e não se conceberia nem mesmo o que pode ser a força de um motivo sem uma decisão que lhe confirme ou contrarie. Caso os motivos me inclinassem num sentido, tendo a força de me fazer agir, não seria liberdade. Nada me determina do exterior, não que nada me solicite, mas pelo contrário, porque estou de antemão fora de mim e aberto ao mundo. No entanto, numa visão merleaupontyana, o pretenso motivo não pesa na minha decisão, é pelo contrário, minha decisão que lhe dá forças. Na verdade a deliberação segue a decisão; é minha decisão secreta que faz aparecer os motivos e não se conceberia nem mesmo o que pode ser a força de um motivo sem uma decisão que lhe confirme ou contrarie. Caso os motivos me inclinassem num sentido, tendo a força de me fazer agir, não seria liberdade. Nada me determina do exterior, não que nada me solicite, mas pelo contrário, porque estou de antemão fora de mim e aberto ao mundo.

A mãe é livre em relação aos motivos, na medida em que o é em relação ao seu ser no mundo. Ela é livre para escolher entre permanecer na consulta ou abandoná-la. A escolha é uma história concreta, porque ela é feita ao longo da existência humana.

3.5 Ambigüidade

Um dos aspectos essenciais emergido do fenômeno, mostrou que as mães manifestaram um certo arrependimento por não terem prosseguido com a consulta de enfermagem.

"...se eu tivesse continuado... talvez não teria tido tanta dor de cabeça... eu tive preocupação, né,... porque é um ouvido... é um dente. Às vezes é diarréia. A gente fica preocupada com o que vai fazer... eu arrependi de não ter continuado... talvez eu não tinha tanta preocupação..."

As mães mostraram em suas falas, que caso tivessem continuado na consulta, elas não teriam tido tantas dificuldades ao lidarem com os filhos. Após terem abandonado esta atividade, é que perceberam o quanto a mesma significava para elas.

Algumas mães manifestaram uma certa vontade em reatar aquilo que foi deixado para trás.

"... eu queria voltar mais..."

"... Mas eu gostaria muito de continuar participando, prá mim continuar controlando esse lado dela... Eu estava assim com vontade de voltar... Eu queria muito seguir o tratamento dela..."

O arrependimento é como um arrebatamento do sujeito ao passado, querendo reparar a falta cometida. E querer dar prosseguimento a um projeto existencial interrompido. E um acerto de contas com o tempo.

A existência humana está eivada de momentos contraditórios e MERLEAU PONTY (1971) afirma em relação à ambigüidades:

"Mas posso viver muito mais coisas do que posso representar, meu ser não se reduz ao que me aparece expressamente de mim mesmo. A minha existência é ambivalente, há em mim sentimentos aos quais não dou nome (...) onde não estou integralmente...

3.6 A desvalorização da consulta de enfermagem

Em relação à essa unidade de significado, o fenômeno desvelou-se como sendo a consulta de enfermagem direcionada para questões de saúde menos complexas. As mães colocam que procuravam a enfermeira quando seus filhos estavam apresentando um problema mais simples.

"...assim, às vezes quando tinha alguma coisinha, né, então a gente levava lá na enfermeira..."

"...Às vezes um probleminha assim, fácil de resolver, uma gripe, né, a gente leva lá..."

Ou então, levavam apenas para pesar.

"...E das vezes que eu levava ele lá no controle, ele não estava com nada. Levava prá pesar, né..."

Na percepção das mães, o enfermeiro é aquele profissional que resolve as questões de saúde consideradas por elas de menor gravidade, não necessitando, portanto, da ajuda médica.

Ao passo que ao conviverem com situações de maior gravidade, sentem-se inseguras e recorrem à presença do médico.

"...meu filho deu anemia... então fiquei preocupada, né, porque lá só tinha enfermagem... é uma enfermagem bem preparada, mas o médico sabe mais coisa... eu fiquei com medo... Eu só parei de fazer a consulta de enfermagem porque ele tava com anemia... o problema meu mesmo, era o negócio dele... a anemia..."

A gripe, por exemplo, no entendimento das mães, é uma doença fácil de resolver, que pode inclusive, ser tratada pelo enfermeiro.

Já aquelas doenças de maior complexidade, que exigem maiores conhecimentos, exames mais detalhados, segundo elas, são da competência do médico.

Em um depoimento, a mãe reconhece o preparo do enfermeiro, mas logo em seguida, afirma que quem sabe mais é o médico.

"...é uma enfermeira bem preparada, mas o médico sabe mais coisa... a consulta de enfermagem não tem assim um atendimento igual ao médico, não tem aquela atenção maior..."

As mães sentem-se inseguras, vulneráveis frente àquelas doenças consideradas por elas mais sérias. O medo, a insegurança as cercam. Nesse momento é necessário que tenham o respaldo de um profissional mais competente, e nesse caso, urge a presença de um médico.

A desvalorização da consulta de enfermagem pode estar agregada à maneira como a mãe foi atendida. As experiências negativas vivenciadas por elas na consulta são relatadas com um certo ressentimento.

"...é porque quando eu tinha levado ele lá... ela receitou uma vitamina... mas a vitamina não sei, parece que o organismo não aceitou e ele intoxicou com o remédio... aí eu fiquei preocupada... parece que foi a partir dessa época que eu não levei ele mais ao controle. Levei ao médico..."

Além disso, a mãe parece carregar em seu corpo marcas indeléveis da consulta de enfermagem. Essa atividade é percebida por ela como uma experiência acadêmica reiterativa, em que o corpo de seu filho está exposto à intromissão alheia, sendo por ela catalogado de "objeto de estudo".

"...Agora fica esse monte de enfermeira estudando no menino... peguei ele vim embora e não voltei lá mais não."

Durante o exame físico, a mãe observa a criança ali despida, deitada, imobilizada por ela, na maioria das vezes, chorando. Naquele instante, seu filho torna-se um objeto à mercê da manipulação do estudante, que vestido, de pé e com gestos livres examina aquele corpo numa seqüência lógica, minuciosa e objetiva, procurando encontrar as causas que justificam as anormalidades relatadas pela mãe durante a entrevista e também, como forma de confrontar os ensinamentos teóricos com a situação prática.

Por outro lado, a criança torna-se necessária e indispensável à prática dessa atividade, porque é através dela que o aluno se sente capaz de devolver aquilo que foi ensinado em sala de aula, ratificando assim, o aprendizado da consulta.

3.7 A valorização da consulta médica

Dando prosseguimento à análise dos depoimentos das mães, uma outra unidade apreendida por mim, a partir de suas falas se referiu à maneira como percebem a consulta médica. Os discursos das mães se convergiram para a valorização da consulta médica, denotando uma certa supremacia dessa atividade em detrimento da consulta de enfermagem.

"...mas, assim, prá mim menino que é sadio e tudo, eu acho que não há. necessidade de levar ao médico, não, entendeu?..."

"...você não precisa todo dia de procurar o médico para saber se... precisa comer isso ou não precisa tomar aquilo..."

As mães deixam transparente em seus discursos, que o médico deve ser poupado de todas aquelas questões relacionadas com a puericultura de um modo geral, como por exemplo, as orientações acerca da alimentação.

A presença do médico transmite às mães segurança.

"...então eu procurei um médico mais rápido prá resolver a anemia dele... agora a gente fica mais segura, com muito mais confiança e tudo..."

A segurança e insegurança, são situações ambíguas que se encontram incrustadas na existencialidade das mães. São momentos existenciais que levam à passividade ou à atividade do ser-no-mundo.

As mães se sentem seguras quando seus filhos estão aparentemente saudáveis, e nessa eventualidade, a consulta de enfermagem consegue atender todas as suas expectativas, até substituir plenamente a consulta médica.

"...Prá mim não faz muita diferença, tanto faz a consulta com a enfermeira ou com o médico, porque ele principalmente não tem nada..."

3.8 O tempo de espera para ser atendida na consulta de enfermagem

O tempo de espera da consulta de enfermagem foi apontado pela maioria das mães como um forte empecilho para que elas não dessem prosseguimento ao acompanhamento de saúde dos filhos. O des-ocultar do fenômeno mostrou que o tempo colocado por elas, é o tempo objetivo, delimitado por horas e minutos. Segundo elas, o tempo perdido no ambulatório, corresponde ao tempo em que elas deveriam estar envolvidas com as suas atividades em casa.

"...Eu chegava lá cedo, eles marcavam 8 e meia... Iam atender meu menino às 11 horas. Eu ficava lá a manhã inteirinha... Falei assim... não vou mais não, uma que demorava demais... dava hora do banho e eles não chamavam..."

Acredito que a tolerância de espera para ser atendida, em um serviço de saúde, pode estar condicionada à maneira como a mãe percebe a saúde e a doença num contexto cultural. Para ela, caso a criança encontra-se saudável não justifica tanto desprendimento. Paradoxalmente, quando se trata de uma doença percebida por ela de maior gravidade, tudo deve ser feito para que a criança tenha a devida assistência. Nesse caso, a saúde do filho prepondera em relação às demais atividades, inclusive aos afazeres domésticos.

3.9 A precariedade do atendimento

Apesar de apenas dois depoimentos convergirem para essa unidade, considerei importante analisá-los, visto que retratam situações concretas vivenciadas pelas mães no posto de saúde.

Em um depoimento a mãe apontou a greve como sendo responsável pelo abandono da consulta de enfermagem.

"... de um lado eu deixei o controle porque muitas e muitas vezes... o posto de saúde estava... de greve, então isso desanima a mãe... às vezes a mãe levanta cedo, deixa de fazer o serviço dela, uma obrigação a mais prá levar o menino... chega lá está fechado. Aí o pessoal fala está de greve, não está funcionando... Quantas e quantas vezes eu fui ali e estava fechado..."

Algumas mães mostraram em suas falas que a ausência do enfermeiro no seu local de trabalho contribuiu para que elas deixassem de freqüentar a consulta de enfermagem.

"...A segunda vez que procurei o posto fui atrás da enfermeira, mas ela não estava... A partir dai não levei mais na consulta de enfermagem..."

"...porque eu só ia de manhã procurar por ela, nunca estava..."

O primeiro contato da mãe com o enfermeiro, por ocasião da primeira consulta, representou para ela um momento importante na sua existência, porque foi nessa oportunidade que ela depositou todas as suas dúvidas e incertezas e encontrou alguém que soube ouvi-la e orientá-la em suas condutas. Nasceu dessa relação um certo vínculo de amizade, que agora para a mãe torna-se muito difícil rompê-lo. Nesse caso, ela prefere abandonar a consulta de enfermagem que substituir o enfermeiro que a atendia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O abandono da consulta de enfermagem é um fenômeno que pode ser experimentado por quaisquer sujeitos, traduzindo assim, seu caráter de universalidade, e que sua significação se dá a partir de um certo lugar e de um ponto de vista, portanto, achei necessário pontuar alguns questionamentos acerca da práxis da consulta de enfermagem nos serviços básicos de saúde, não no intuito de tentar sanar a problemática do abandono, mas sim, como forma do enfermeiro repensar a sua atuação durante essa atividade.

- Como se dá a relação enfermeiro-mãe durante a consulta? Ele tenta estabelecer uma relação empática, intersubjetiva com a mesma, permitindo que ela participe da assistência prestada a seu filho?

- As crenças, os conhecimentos, os valores e a realidade da mãe são respeitados?

- Existe o diálogo durante a consulta? É permitido à mãe expor suas dúvidas e ansiedades?

- O que levaria à mãe a priorizar outras atividades em detrimento da consulta de enfermagem?

- Como se desenvolveu o primeiro contato com a mãe? Houve alguma consistência de aproximação durante a primeira consulta?

- A consulta de enfermagem se dá de forma contínua, não havendo quebra da assistência?

- É a eficácia da consulta de enfermagem que mantém a mãe assídua a essa atividade?

É pois, nessa perspectiva de aproximação, que o enfermeiro torna-se uma pessoa humana sensível, capaz de respeitar a mãe com suas crenças e seus valores, sem contudo, deixar de ser um profissional competente e profundo conhecedor dos ensinos teórico-práticos. É nesta dimensão de intersubjetividade, de empatia, que poderá emergir uma nova enfermagem, a enfermagem fenomenológica-existencial, aquela que está fundamentada na relação com o outro. Ela é intuitiva, imediata, flexível, anterior ao cientificismo, que requer distância, objetividade e firmeza.

  • CAPALBO, C. Alternativas metodológicas de pesquisa. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM ENFERMAGEM, 3, Florianópolis, 1984 Anais Florianópolis, UFSC, 1984. P. 131-157
  • MADEIRA, A.M.F. Tentando compreender o abandono da consulta de enfermagem, a partir da fenomenologia existencial de Merleau-Ponty Rio de Janeiro, 1993 Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, UNIRIO.
  • MARTINS, J.; BICUDO, M.A.V. Pesquisa qualitativa em psicologia - fundamentos e recursos básicos. São Paulo, Moraes, 1989.
  • MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção São Paulo, Freitas Bastos, 1971.
  • *
    Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado defendida na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da UNIRIO, 1993.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 1996
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