Contribuições da representação dos elementos da prática de enfermagem na norma ISO 18.104:2023: estudo teórico

RESUMO

Objetivo:

Refletir sobre as contribuições da representação dos elementos da prática de enfermagem na norma ISO 18.104:2023.

Método:

Estudo teórico com análise da norma. Foram descritas estruturas categoriais para representação da prática da enfermagem nos sistemas terminológicos e analisadas as contribuições identificadas nas partes da versão.

Resultados:

Há inovação na inclusão do resultado sensível à ação da enfermeira, explicitação do diagnóstico de enfermagem como indicador da demanda de serviços e complexidade de assistência, representação dos conceitos por mapas mentais e sugestão do uso de modelos de restrição para ações de enfermagem. Descreve que o Processo de Enfermagem é constituído pelo diagnóstico, ação e resultado sensível à ação da enfermeira.

Considerações finais:

A indicação do diagnóstico de enfermagem como um indicador trará benefícios para produção de conhecimento e tomada de decisão. Embora os resultados do cuidado não sejam respostas exclusivas a uma ação da enfermeira, os atributos modificáveis de um diagnóstico de enfermagem geram conhecimentos sobre a prática clínica, a eficácia das ações de enfermagem e o estado de saúde dos sujeitos de cuidado. Há coerência na compreensão da evolução do conceito de Processo de Enfermagem.

DESCRITORES
Terminologia Padronizada em Enfermagem; Processo de Enfermagem; Registros de Enfermagem; Registros Eletrônicos de Saúde

ABSTRACT

Objective:

To reflect on the contributions of representing nursing practice elements in the ISO 18.104:2023 standard.

Method:

This is a theoretical study with standard analysis. Categorical structures were described to represent nursing practice in terminological systems and contributions identified in the parts of the version were analyzed.

Results:

There is innovation in the inclusion of nurse sensitive outcomes, nursing action, nursing diagnosis explanation as an indicator of nursing service demand and complexity of care, representation of concepts through mental maps and suggestion of use of restriction models for nursing actions. It describes that the Nursing Process is constituted by nursing diagnosis, nursing action and nurse sensitive outcomes.

Final considerations:

Indicating a nursing diagnosis as an indicator will bring benefits for knowledge production and decision-making. Although care outcomes are not exclusive responses to nursing action, the modifiable attributes of a nursing diagnosis generate knowledge about clinical practice, nursing action effectiveness and subjects of care’ health state. There is coherence in understanding the Nursing Process concept evolution.

DESCRIPTORS
Standardized Nursing Terminology; Nursing Process; Nursing Records; Electronic Health Records

RESUMEN

Objetivo:

Reflexionar sobre los aportes de representar los elementos de la práctica de enfermería en la norma ISO 18.104:2023.

Método:

Estudio teórico con análisis de la norma. Se describieron estructuras categóricas para representar la práctica de enfermería en sistemas terminológicos y se analizaron las contribuciones identificadas en las partes de la versión.

Resultados:

Hay innovación en la inclusión del resultado sensible a la acción del enfermero, explicación del diagnóstico de enfermería como indicador de demanda de servicios y complejidad del cuidado, representación de conceptos a través de mapas mentales y sugerencia del uso de modelos de restricción para las acciones de enfermería. Describe que el Proceso de Enfermería está constituido por el diagnóstico, la acción y el resultado sensible a la acción del enfermero.

Consideraciones finales:

La indicación del diagnóstico de enfermería como indicador traerá beneficios para la producción de conocimiento y la toma de decisiones. Aunque los resultados del cuidado no son respuestas exclusivas a la acción del enfermero, los atributos modificables de un diagnóstico de enfermería generan conocimiento sobre la práctica clínica, la efectividad de las acciones de enfermería y el estado de salud de los sujetos del cuidado. Hay coherencia en la comprensión de la evolución del concepto de Proceso de Enfermería.

DESCRIPTORES
Terminología Normalizada de Enfermería; Proceso de Enfermería; Registros de Enfermería; Registros Electrónicos de Salud

INTRODUÇÃO

Desde 1947, a International Organization for Standard (ISO) tem atuado como uma organização não governamental que fomenta discussões e publicações de normativas promotoras de qualidade e segurança para o desenvolvimento e a confecção de bens, produtos e serviços. A organização conta com a participação de pesquisadores e especialistas de distintos países em prol de um consenso nas padronizações.

A ISO 18.104, um referencial para representação da prática de enfermagem em sistemas terminológicos computacionais, encontra-se na terceira versão. A primeira versão foi publicada em 2003(¹), a segunda, em 2013 e no idioma português do Brasil em 2014(²). A versão draft da terceira foi disponibilizada no final de 2022 e a versão oficial no final de 2023(³). A ISO 18.104:2023 apresenta a estrutura categorial para representação computacional da prática de enfermagem e descreve aspectos relacionados aos sistemas de linguagem especializada ou sistemas terminológicos, que incluem, de forma especial, os três elementos da prática de enfermagem: o diagnóstico de enfermagem; a ação de enfermagem; e o resultado sensível à ação da enfermeira.

A ISO 18.104:2023 reconhece o trabalho da enfermeira como integrante da equipe interdisciplinar, de modo que as categorias e subcategorias descritas na norma são aplicáveis a outras disciplinas clínicas, subsidiando uma melhor representação da base de conhecimento de cada disciplina e a construção dos protocolos de serviço com uso de terminologia padronizada(³).

O uso de normativas que orientam a padronização na construção de enunciados de diagnóstico, resultado e ação de enfermagem contribui para a linguagem genuína e inequívoca aplicada nos distintos cenários de cuidado, desempenhando um papel imprescindível para documentação eletrônica recuperável e interoperável. O fato de existir padronização no registro não engessa a prática da enfermeira, mas permite a documentação de informações relevantes e mandatórias relacionadas aos elementos do Processo de Enfermagem que representam a situação de saúde da pessoa, família ou comunidade assistida. Assim, deve ser facultada à enfermeira a possibilidade do registro de textos narrativos, com detalhes que tratem da singularidade da pessoa, família ou comunidade sob seus cuidados(⁴).

Para permitir a interoperabilidade e a recuperação de informações oriundas dos registros eletrônicos, tem sido recomendado em muitos países o uso da Systematized Nomenclature of Medicine - Clinical Terms (SNOMED CT)(⁵), que se trata de uma terminologia de referência. O uso de uma terminologia de referência não implica o desaparecimento das terminologias de interface utilizadas pelo domínio profissional específico. Terminologias de interface como a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®), a NANDA International Inc. (NANDA-I), a Classificação dos Resultados de Enfermagem (NOC) e a Classificação das Intervenções de Enfermagem (NIC) devem ser desenvolvidas e usadas na prática(⁴). Idealmente, as terminologias de referência e interface trabalham juntas para que os dados das práticas de enfermagem sejam representados em sistemas de informação em saúde(⁶).

Diante da relevância da ISO 18.104:2023 para a elaboração de enunciados que representam a prática de enfermagem e para organização de conceitos capazes de explicitar a contribuição do domínio de conhecimento da enfermagem nas bases de dados recuperáveis e, consequentemente, para produção de ciência, este artigo apresenta um estudo teórico que discute a estrutura categorial dos elementos da prática de enfermagem, com vistas aos aspectos inovadores da norma a partir da descrição das partes que constituem seu texto.

O objetivo do presente artigo é refletir sobre a contribuição da representação dos elementos da prática de enfermagem na ISO 18.104:2023.

MÉTODO

Trata-se de estudo teórico baseado na análise da ISO 18.104: 2023, da área de informática em saúde, que trata da representação de estruturas categoriais da prática de enfermagem em sistemas terminológicos. As experiências dos pesquisadores autores sobre a temática, sustentadas em referenciais teóricos e normativos que embasam o desenvolvimento e a evolução dos sistemas terminológicos para a prática da enfermagem, permitiram a elaboração do estudo.

A versão draf da ISO 18.104, adquirida em 2022, foi lida por todos os autores de forma isolada, e os pontos principais foram destacados para discussão coletiva, de modo a compreender as inovações da versão e, a partir delas, analisar as contribuições identificadas em cada parte do texto da norma, que está organizado em prefácio, introdução, oito capítulos e dois anexos. A versão oficial de 2023, adquirida após seu lançamento, foi analisada, e os acréscimos identificados foram incorporados ao texto.

Pela tipologia do artigo, foi dispensado parecer de Comitê de Ética em Pesquisa. Os autores do artigo se responsabilizam pela integridade do conteúdo e se comprometem com as boas práticas para publicação.

Inovações e Contribuições do Conteúdo Introdutório da Norma

O prefácio descreve, de maneira genérica, como os comitês de elaboração das normas ISO se estabelecem e informa que o Comitê Técnico responsável pela elaboração da ISO 18.104 é o ISO/TC 215 – de informática em saúde. Esse comitê foi criado em 1998 e possui 33 associações membros, e até maio de 2023, foi responsável pela elaboração de 228 normas, com 64 em andamento. Portanto, trata-se de um comitê consolidado.

A introdução apresenta a justificativa para elaboração e atualização da norma e descreve os conceitos de diagnóstico de enfermagem, ação de enfermagem e resultado sensível à ação da enfermeira. Vale destacar que a tradução literal limita a compreensão deste último conceito, pois seria “resultado sensível à enfermeira”. Como a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ainda não disponibilizou versão em português brasileiro, compreende-se que o resultado sensível à enfermeira é um resultado decorrente de uma ação realizada pela enfermeira ou, no caso dos países em que a enfermagem é exercida por distintas categorias, a tradução mais assertiva seria “resultado sensível à ação da enfermagem”. Para este estudo, optou-se pelo uso do termo “resultado sensível à ação da enfermeira”, entendendo que essa categoria profissional, no Brasil, é a responsável pela determinação do diagnóstico de enfermagem, pela prescrição de cuidados e pela avaliação de enfermagem.

A introdução destaca que, embora a norma seja direcionada para o domínio da enfermagem, as categorias e subcategorias clínicas utilizadas são aplicáveis a outras disciplinas, possuindo características em comum com a ISO/TS 22.789, no que se refere aos achados clínicos, a ISO 1.828, a ISO EN 13.940:2015 e a Classificação Internacional de Intervenções em Saúde, no que diz respeito às ações.

Salienta-se que, na norma, é afirmado que os conceitos de diagnóstico de enfermagem, ação de enfermagem e resultado sensível à ação da enfermeira constituem o Processo de Enfermagem. O Processo de Enfermagem é um padrão para a prática da enfermagem e permite distinguir a enfermagem de outros domínios profissionais. Reafirma-se, então, que a identidade primária da enfermagem é o cuidado implementado por meio do Processo de Enfermagem, que orienta o fazer e o pensar, possibilitando a documentação da prática profissional(⁷). Observa-se a coerência entre a evolução do conceito de Processo de Enfermagem, analisado por pesquisadores brasileiros(⁷), e a descrição oferecida pela ISO 18.104:2023, fortalecendo o uso da norma no ensino, pesquisa e extensão no campo da enfermagem.

As definições de diagnóstico e de ação de enfermagem não foram modificadas na nova versão, entretanto uma afirmação importante foi acrescida: a utilização do diagnóstico de enfermagem como um indicador da demanda de serviços de enfermagem. Essa afirmativa tem sido objeto de recentes pesquisas, como no estudo(⁸) que buscou analisar a correspondência entre o diagnóstico de enfermagem e a demanda de cuidados, com resultados indicando que os diagnósticos de enfermagem possuem potencial para indicar complexidade de cuidado e são convenientes para avaliação da carga de trabalho da equipe de enfermagem e no estudo(⁹) no qual os autores descrevem que o número de diagnósticos de enfermagem demonstrou ser um preditor independente do tempo de permanência hospitalar efetivo e de tempo de permanência maior do que o esperado.

Assim, reflete-se que é meritória a inclusão na nova versão da ISO o uso potencial das terminologias, em especial do registro do diagnóstico de enfermagem, como indicadores de demanda de serviços e complexidade de cuidado. Essa é uma contribuição relevante a ser considerada por pesquisadores na tomada de decisão de objeto ou da constituição de problema de pesquisa e por gestores na análise de indicadores assistenciais e de gestão.

Retornando ao termo “resultado sensível à ação da enfermeira”, na norma, reforça-se a necessidade de diferenciar o conceito, a estrutura ou o contexto entre dois elementos: o diagnóstico e o resultado. Nas versões anteriores, o resultado de enfermagem era um conceito secundário. Ele poderia ser uma meta (resultado esperado) ou um novo diagnóstico de enfermagem identificado após a realização das ações prescritas, avaliado pela extensão das mudanças(²). Sua estrutura categorial era idêntica à do diagnóstico de enfermagem, portanto não era dada ênfase à representação da estrutura do conceito. O diagrama de classes que representava o diagnóstico de enfermagem era indicado para representação do resultado de enfermagem.

Nesse ponto, cabe uma reflexão acerca dos dois conceitos. A ISO 18.104:2023 descreve que a coleta de dados subsidia a avaliação e que os dados devem ser interpretados pela enfermeira contemplando um diálogo com o sujeito do cuidado, possibilitando uma conclusão, ou seja, um julgamento clínico(³). Como a norma é (ou será) utilizada em vários países, o termo “julgamento clínico” é compreendido como diagnóstico de enfermagem, problema ou necessidade de enfermagem. Diante disso, a ISO 18.104 assume os termos “problema de enfermagem” ou “necessidade de enfermagem” como sinônimos do termo preferencial “diagnóstico de enfermagem”, que é definindo como uma denominação atribuída a um achado de avaliação, evento, situação ou problema de saúde para indicar que é considerado pela enfermeira e pelo sujeito do cuidado como digno de atenção(³).

Por sua vez, o resultado sensível à ação da enfermeira é definido como um estado observável e/ou mensurável, direta ou indiretamente, em relação a uma especificidade de cuidado e sua relação com o ambiente em um dado ponto no tempo, documentado para interligar o objetivo de uma ação de enfermagem pertinente a um diagnóstico de enfermagem(³). A norma destaca que tais resultados não são exclusivos das ações de enfermagem relacionadas a um diagnóstico de enfermagem, mas também são expressos a partir dos atributos de um diagnóstico de enfermagem de modo a gerar novos conhecimentos sobre a prática clínica, a eficácia das ações de enfermagem e o estado de saúde da clientela.

Deve-se analisar que a norma apresenta o termo preferencial - diagnóstico de enfermagem -, mas afirma que podem ser utilizados os termos substitutos - problema de enfermagem ou necessidade de enfermagem. Se for analisada a maturidade do conceito, os países que já possuem o diagnóstico de enfermagem inserido na legislação e aplicado no contexto da formação, educação permanente e nos serviços deverão utilizar o termo preferencial. Por sua vez, espera-se que a representação computacional possa identificar, de forma expressiva, a relação entre o diagnóstico, o resultado e a ação, determinando qual resultado foi mais sensível à ação da enfermeira.

Na versão 2023, foi acrescido um parágrafo sobre o que não faz parte do escopo da norma, a saber: o detalhamento de categorias (ou atributos) que compõem o diagnóstico, resultado e ação de enfermagem, tampouco o detalhamento de uma terminologia específica; o modelo para componentes ausentes, não planejados ou não realizados; diagnósticos e ações realizadas por enfermeiros que exercem outras práticas profissionais; e as possíveis relações de conhecimento, como as relações causais entre os conceitos. Essa inclusão é importante para estabelecer o escopo e o limite da norma.

Inovações e Contribuições do Conteúdo dos Capítulos da Norma

No primeiro capítulo, denominado de escopo, identificou-se o acréscimo da estrutura categorial do resultado sensível à ação da enfermeira. Seu conteúdo reforça a dupla função de uma estrutura categorial, como a análise da prática de enfermagem e o desenvolvimento de conteúdo de enfermagem em registros eletrônicos, esclarecendo que a norma não se refere à atividade profissional propriamente dita, mas à representação dos conceitos de diagnóstico, ação e resultado sensível nos sistemas de informação.

A representação do conjunto de categorias da norma é apresentada por mapas mentais. Isso difere das versões anteriores, em que a representação se dava por um diagrama de classes da linguagem modelada unificada (UML) - uma forma de descrição visual do modelo de dados computacional que apresenta classes, atributos, operações que a classe pode utilizar e as relações entre objetos. Em relação à da versão draft, a versão 2023 separa os mapas mentais em um capítulo denominado de “links semânticos” (capítulo quatro). A inclusão desse capítulo ofereceu uma estrutura mais didática para a norma. Entretanto, neste artigo, os capítulos referentes ao escopo e links semânticos são analisados em conjunto.

Destaca-se que a ISO não autoriza o uso das figuras representativas em publicações externas, salvo justificativa explícita e autorização oficial da associação. O acesso à norma se dá por meio de compra do exemplar no site da entidade, e a ISO oferece acesso gratuito de parte do conteúdo da norma, onde se pode analisar a antiga e a atual representação.

No primeiro mapa mental, a prática de enfermagem é elemento central e está ligada diretamente a nove termos gerais, suas categorias e subcategorias, todos eles definidos no capítulo denominado de “Termos e definições”. Os termos gerais com menor complexidade relacional são: o resultado sensível à ação da enfermeira, que não possui subcategoria; o diagnóstico, que possui relação com um achado clínico; o objetivo, que possui relação com prazo temporal e foco; o alvo, que possui relação com localização e registro clínico; o objetivo do evento (finalidade), que possui relação com o cenário de uso; e as preferências, que possui relação com alergias, intolerância à dieta e escolha por opção de atendimento ou serviço. O termo com média complexidade relacional é o “sujeito de cuidado”, que possui relação com um identificador, o tipo do sujeito (indivíduo, grupo/família ou comunidade) e com os indivíduos associados, que, por sua vez, tem como subcategoria o relacionamento do sujeito de cuidado com outros sujeitos.

Destacam-se dois termos cuja descrição no mapa mental é de maior complexidade relacional. O primeiro é a “ação de enfermagem”, que possui relação com o método, o tipo de ação, a frequência, a técnica, a ferramenta/instrumento, o tempo e a observação (avaliação). Essa última subcategoria também é complexa e tem relação com medida, estado, curso clínico, severidade, local, evento relacionado e informação sobre o sujeito de cuidado/cuidador. O segundo é a causalidade do resultado, que possui relação com 12 categorias: achado clínico; diagnóstico médico; impacto do tratamento; fator de confusão; disponibilidade de abastecimento; ambiente (incluindo a subcategoria de determinantes sociais); problema de agendamento; disponibilidade de ferramenta/instrumento; minimização de risco; prestador de cuidados de saúde; gestão de recursos humanos; e comportamento de autocuidado.

O mapa mental, novamente, dá ênfase ao conceito de resultado sensível à ação da enfermeira, pois a complexidade das relações entre a ação e a causalidade do resultado refletirá em maior descrição do que foi modificado a partir de uma ação de enfermagem. Em análise de grandes bases de dados, essas relações podem gerar evidências de cuidados. Essa estrutura traz um aspecto inovador à norma e permite gerar uma hipótese de que a avaliação das ações de enfermagem que produzem resultados sensíveis será um tema central e prioritário nas demandas de pesquisas em busca de evidências.

Identifica-se, na literatura recente, tal demanda. Estudo holandês que explorou a utilização de resultados sensíveis por enfermeiras concluiu que falta informações sobre como as enfermeiras podem e devem ser apoiadas por instrumentos de medidas de resultados(¹⁰). Na área da enfermagem pediátrica, revisão de literatura apresentou um total de 57 resultados sensíveis para uso na especialidade(¹¹). Na conclusão de ambos os estudos, destaca-se a necessidade de alcançar consenso internacional para garantir padrões mínimos para as ações ou ao menos diretrizes nacionais. Já na área da enfermagem em saúde mental, revisão sistemática de literatura avaliou resultados que poderiam gerar indicadores de qualidade, concluindo que os estudos eram de qualidade variável e que os sete indicadores propostos na conclusão da revisão deveriam ser integrados aos dados administrativos(¹²).

A partir desses três exemplos, é possível refletir que a lacuna de conhecimento está posta em sua complexidade, ou seja, é preciso pesquisar mais sobre quais indicadores serão utilizados para analisar resultados sensíveis, e que os indicadores não podem estar desconectados de aspectos administrativos-gerenciais. Nesse quesito, as relações de causalidade dos resultados propostas pela ISO 18.104: 2023 poderão ser um importante instrumento de recuperação de dados, se forem usadas em sua completude em sistemas de informação e registro.

O segundo capítulo lista as normas que são referência para os termos e definições apresentados nos outros capítulos. Essas normas são: ISO 17115:2020 – Representação de estruturas categoriais de terminologia; ISO/TS 22789:2010 – Estrutura conceitual para achados e problemas de pacientes em terminologias; e CSN EN 12264:2005 - Estruturas categoriais para sistemas de conceitos, todas ligadas à informática em saúde. O conhecimento, ou ao menos a leitura, das normas listadas confere maior compreensão dos termos definidos na ISO 18.104: 2023. Assim, sugere-se que os responsáveis por construções de terminologias padronizadas e pela incorporação delas em registros eletrônicos levem em conta seu conteúdo.

O terceiro capítulo apresenta os termos e as definições. Eles são divididos em subcapítulos com: 14 termos gerais; sete categorias de entidades de saúde para diagnósticos de enfermagem; 14 subcategorias de entidades de saúde aplicáveis a uma avaliação clínica incluindo diagnósticos de enfermagem; duas categorias e oito subcategorias de ações de enfermagem não especificadas anteriormente; duas categorias e 13 subcategorias de resultados sensíveis à ação da enfermeira.

Na versão 2023, foi acrescido termo “nurse”, que não era definido nas versões anteriores. Para norma, enfermeira é um “indivíduo especialmente treinado que fornece cuidados de saúde autônomos, colaborativos e holísticos para o sujeito do cuidado, cuidadores e outras pessoas significativas em resposta à sua situação de saúde, comportamental, social e física em um determinado momento”(³). As três notas da definição explicitam que o cuidado abrange todas as idades, bem como famílias, grupos e comunidades – doentes ou saudáveis, incluindo parteiras e destacando o fornecimento de apoio e conforto como prática da profissão. A definição tem relação direta com a compreensão de que a norma tem do escopo da enfermagem, não limitando a prática ao beneficiário direto do cuidado, mas também de seus cuidadores e seu entorno social.

Nas representações do diagnóstico de enfermagem e do resultado sensível à ação da enfermeira, identificam-se as grandes diferenças da versão 2023. Os desenvolvedores da norma incluem as relações diretas e indiretas para representar a composição de um diagnóstico e de um resultado em mapas mentais. É utilizado o mesmo apresentado para a prática de enfermagem, mas com o diagnóstico ou resultado no centro do mapa.

De modo geral, o mapa mental representa a relação do diagnóstico de enfermagem com 11 termos. O diagnóstico de enfermagem está ligado diretamente à observação (avaliação), à ação de enfermagem e ao resultado sensível. Na nova versão, entende-se que um diagnóstico de enfermagem está relacionado a uma avaliação clínica, portanto oferece subcategorias específicas para esse relacionamento. Essa relação pode ser utilizada no ensino do raciocínio clínico e para escolha de dados mínimos a serem coletados para relacionar a um diagnóstico mais acurado.

Por sua vez, a ação de enfermagem é uma atividade destinada direta ou indiretamente para melhorar ou manter um estado de saúde e depende, obrigatoriamente, de um alvo, estando relacionada diretamente com o resultado sensível à enfermeira(³). Possui oito termos adicionais, como método, tipo de ação, frequência, técnica, ferramenta/instrumento, tempo, localização e registro.

A definição de resultado sensível à ação da enfermeira é descrita como um “estado observado e/ou medido direta ou indiretamente em relação a um assunto de cuidado e sua relação com o ambiente em um determinado momento e documentado para se adequar a um caso de uso”(³). A representação no mapa mental indica relação direta com “causalidade do resultado”, que é descrito como a maneira pela qual uma das subcategorias demonstrou ter contribuído para modificações de um dos atributos da categoria ação, resultando no resultado sensível à ação da enfermeira. Ou seja, reforça a ideia de que é possível identificar qual ação foi a promotora do resultado sensível ou quais as subcategorias mais relevantes para modificação do diagnóstico inicial.

No capítulo cinco, direcionado aos desenvolvedores de software, estão expostas as estruturas categoriais que sustentam os princípios de conformidade, a partir dos requisitos especificados na EN 12.264 e ISO 17.115, bem como as informações obrigatórias a serem incluídas. Para o domínio de enfermagem, em especial para as enfermeiras que trabalham com gestão da informação, o capítulo é de suma importância, pois apresenta os requisitos para inclusão de terminologias em sistemas computacionais.

Os capítulos seis, sete e oito apresentam as estruturas categoriais para representar o diagnóstico, a ação e o resultado sensível. Para a categoria diagnóstico de enfermagem, a norma reforça que a observação é uma ação que avalia o curso clínico, com uso do pensamento reflexivo para identificar problemas, riscos e potencialidades, de modo a sintetizar informações do sujeito do cuidado por meio de um diagnóstico de enfermagem(³). Ele deve ser expresso por um foco oriundo ou qualificado pelos atributos da observação que são originários das informações recebidas do sujeito de cuidados, seu relacionamento, preferências e requisitos obrigatórios determinados por alergias ou dieta ou intolerâncias. Assim, um diagnóstico de enfermagem pode ser representado por qualquer uma de suas categorias ou atributos (positivos ou negativos), além de ser possível a inclusão do termo “Risco de” ou “Potencial/Oportunidade/Chance de”, quando se tratar de fenômenos/julgamentos negativos ou positivos, respectivamente.

Como categoria nominal, o resultado sensível à enfermagem pode ser descrito da mesma forma que o diagnóstico, apresentado em ponto subsequente do tempo. A versão 2023 reforça que o resultado não é exclusivo das ações de enfermagem, entretanto geram novos conhecimentos sobre a prática clínica, a eficácia operacional e o estado de saúde.

Já a ação de enfermagem é um ato intencional aplicado a um ou mais alvos, influenciado pelo tipo de sujeito e ambiente. Portanto, a ação, representada por verbos ou locuções verbais, deve estar relacionada a um sujeito e ter pelo menos um alvo, exceto quando ele está explícito na ação(³). Importante salientar que, para o registro das ações, a norma indica que não se deve usar o verbo no infinitivo, ou seja, se ação é “observar”, o registro deve ser incluído como “observação” ou, se realizado, “observado”. Nesse ponto, a norma não deixa claro como deve ser o registro da prescrição de cuidados, pois, de forma rotineira, usa-se o verbo no infinitivo.

Inovações e Contribuições do Conteúdo dos Anexos da Norma

Nos anexos, estão apresentados dois pontos extremamente importantes para exemplificar seu uso. No Anexo A, é apresentada a amplitude do escopo da prática de enfermagem, em consonância com a descrição do Conselho Internacional de Enfermeiras, adotada pela Organização Mundial da Saúde. Corrobora que o foco principal da enfermagem são as respostas das pessoas a problemas de saúde e aos eventos de vida reais ou potenciais. Apresenta a profissão como uma prática que inclui a promoção da saúde e a prevenção de doenças, que abrange o cuidado autônomo e colaborativo direcionado para indivíduos de todas as idades, famílias, grupos e comunidades, doentes ou saudáveis, e em todos os ambientes, além de indicar funções como a promoção de ambiente seguro, a pesquisa, a participação na formulação de políticas de saúde, o gerenciamento de cuidados e sistemas de saúde, e a educação.

O conteúdo do anexo esclarece e reforça que a prática é regida por legislação específica de cada país em que ela é exercida, pela política educacional, recursos e competência da enfermeira. Destaca a afirmação de que, independentemente do contexto, as enfermeiras são responsáveis perante seus sujeitos de cuidados e órgãos reguladores para os julgamentos e decisões que fazem, e as ações que tomam ou delegam a outros. Assim, compreende-se que a ISO 18.104:2023 indica a necessidade de atenção aos aspectos deontológicos da profissão, e não apenas à questão terminológica.

No item dedicado ao Processo de Enfermagem, a norma destaca a ação multidisciplinar da enfermeira, afirmando que todos os profissionais de saúde seguem um processo similar de raciocínio. Para a norma, o Processo de Enfermagem é composto por avaliação de enfermagem, que fornece as informações necessárias para estabelecer acordo com o sujeito do cuidado e cuidadores sobre o que precisa ser feito, quando e por quem. Para interpretar os dados e identificar as ações, são usados raciocínio clínico e diretrizes baseadas em evidências, quando existentes, finalizando com a avaliação global do resultado. Os resultados sensíveis à ação da enfermeira informam o desenvolvimento de diretrizes baseadas em evidências e devem permitir a identificação de possíveis causas de resultados internos e externos. De maneira geral, a norma traz o Processo de Enfermagem de uma forma didática e relativamente clara, o que pode potencializar seu uso em espaços de formação e educação permanente.

Quando apresenta os modelos de informação e terminologias, a norma esclarece que a interface entre o modelo de informação e a terminologia incorporada no sistema precisa ser cuidadosamente avaliada para minimizar o risco de comunicação imprecisa. Assim, indica que o uso de terminologias de interface com interoperabilidade com terminologias de referência é essencial, tanto pelo uso de terminologias com enunciados pré-coordenados quanto pelo uso das que permitem pós-coordenação. Deve-se lembrar que várias terminologias de enfermagem já estão representadas na SNOMED CT, a exemplo da CIPE® e da Classificação de Cuidados Clínicos (CCC).

Ainda no Anexo A, a norma oferece subsídios para compreensão do que está envolvido na avaliação de enfermagem, apontando para as práticas colaborativas e as práticas avançadas em alguns países. A norma destaca que o registro da avaliação de enfermagem deve ser feito pelo que é “digno de destaque” por ambos os envolvidos – enfermeira e sujeito de cuidado. Por sua vez, reforça, novamente, a ideia de que o diagnóstico de enfermagem deve ser utilizado para estabelecer metas.

Já sobre o plano de cuidados, o Anexo A reapresenta a necessidade do uso de evidências, apresentando situações em que o planejamento das ações não é tão explicito (atendimento pré-hospitalar, urgências e emergências) e as possíveis situações que interferem na operacionalização. Destaca que a complexidade do plano de cuidados depende da comunicação entre o profissional e a pessoa e que o formato do plano está diretamente ligado ao regulamento profissional dos países em que a prática ocorre.

Assim, verifica-se a contribuição específica do uso de evidências para compor o plano e a análise de adequação do plano às necessidades e ao contexto da pessoa, família e comunidade para as quais o cuidado será prestado. É uma mudança de paradigma que coloca a enfermagem em uma posição de tomadora de decisão e, ao mesmo tempo, uma coparticipante na decisão do plano a ser executado pelo sujeito do cuidado.

Quando se descreve a ação de enfermagem no anexo, considera-se uma contribuição o destaque dado aos modelos que possam identificar e sugerir ações que não devem ser feitas, em um modelo de restrição voltado à segurança do cuidado. Outro ponto relevante é a discussão sobre a diferença entre ação e intervenção de enfermagem, amplamente discutidas em terminologias de interface. Refere-se que uma ação de enfermagem engloba ações de avaliação, planejamento e intervenções mais diretas, portanto, o termo “ação” é mais abrangente que “intervenção”.

Quando são apresentas as avaliações subsequentes (denominadas de avaliação de progresso), o anexo destaca a importância de considerar a avaliação do próprio sujeito de cuidado, mas afirma que é necessário diferenciar os resultados das ações de enfermagem das de outros profissionais ou do próprio sujeito de cuidado; portanto, indicadores de resultados e escalas são instrumentos relevantes, oferecendo exemplos da NOC, sistema de OMAHA e a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF®). Quanto aos resultados sensíveis à ação da enfermeira, o anexo traz exemplos práticos de como identificá-los.

No Anexo B, é descrito um conjunto de notas explicativas, direcionadas para os desenvolvedores de sistemas de informação, que devem ser apropriadas por enfermeiros que participam de implantação de sistemas de registro eletrônico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ISO 18.104:2023 não se refere à atividade profissional propriamente dita, mas à representação dos conceitos de diagnóstico de enfermagem, ação de enfermagem e resultado sensível à ação da enfermeira nos sistemas de informação. Sua análise trouxe pontos importantes para reflexão, como a coerência com a compreensão da evolução do conceito de Processo de Enfermagem, que no Brasil deve ser potencializado pela revisão da regulamentação referente ao assunto, divulgada recentemente pela autarquia que disciplina o exercício da profissão. A ISO 18.104:2023 descreve que o Processo de Enfermagem é constituído pelo diagnóstico, ação de enfermagem, resultado sensível à ação da enfermeira e o escopo da prática de enfermagem, e essa descrição é coerente com a evolução do conceito de Processo de Enfermagem no âmbito internacional.

Embora as definições de diagnóstico e de ação de enfermagem não tenham sido modificadas, o acréscimo da indicação de que o diagnóstico de enfermagem pode ser usado como um indicador da demanda de serviços de enfermagem é uma afirmação importante e deverá trazer benefícios para produção de conhecimento quando dados forem recuperados em sistemas de informação.

De forma expressiva, destaca-se a inclusão do conceito de resultado sensível à ação da enfermeira, entendendo que, embora os resultados possam não ser respostas exclusivas a uma ação da enfermeira, os atributos modificáveis de um diagnóstico de enfermagem podem gerar conhecimentos sobre a prática clínica, a eficácia das ações de enfermagem e o estado de saúde dos sujeitos de cuidado. Esses últimos, para a norma, são considerados participantes, pois auxiliam a definir o diagnóstico e o plano de cuidado. Entretanto, verifica-se que, no contexto brasileiro, o protagonismo do sujeito do cuidado é uma realidade distante, embora seja estabelecido na lei orgânica do Sistema Único de Saúde.

• Apoio financeiro O presente estudo teve o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Bolsa de Produtividade em Pesquisa e do Edital ProForte UNEB nº 110/2023.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Paulino Sousa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Abr 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  01 Nov 2023
• Aceito
  31 Jan 2024