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A FORMAÇÃO EM ENFERMAGEM POR ÁREA DE COMPETÊNCIA: LIMITES E POSSIBILIDADES

Resumos

Objetivo

Analisar possibilidades e limites da formação em enfermagem por competência.

Método

Revisão integrativa da literatura acerca do assunto e analise dos resultados de uma pesquisa de avaliação de um curso de enfermagem desenvolvida por áreas de competência, estabelecendo um diálogo entre a revisão e os resultados dessa pesquisa.

Resultados

Quanto à vertente teórica de competência desses artigos, houve um predomínio da matriz construtivista, seguida da funcionalista e da dialógica. No diálogo entre a literatura e a pesquisa observaram-se limites e possibilidades no desenvolvimento de uma formação por áreas de competência.

Conclusão

A abordagem dialógica de competência é a proposição que mais se aproxima do perfil definido pelas DCN para a formação em enfermagem, identificada também na pesquisa de avaliação analisada. No entanto, verificou-se que há aspectos que precisam ser mais bem trabalhados, como: parceria escola e serviço, papel do docente, papel do estudante e processo avaliativo.

Educação; Enfermagem; Programas de educação em enfermagem; Competência profissional


Objective

To analyze the possibilities and limits of competency-based training in nursing.

Method

An integrative review of the literature on the subject was carried out, and an analysis was made of the results of a survey evaluating a nursing course based on areas of competency. A dialog was then established between the review and the results of the research.

Results

On the question of which theoretical type of competency the articles from the literature relate to, there is a predominance of the constructivist perspective, followed by the functionalist approach and the dialog-based approach. In the dialog between the literature and the research, limits and possibilities were observed in the development of a training by areas of competency.

Conclusion

The dialog-based approach to competency is the proposition that most approximates to the profile defined by the National Curriculum Guidelines for training in nursing, and this was also identified in the evaluation survey that was studied. However, it is found that there are aspects on better work is needed, such as: partnership between school and the workplace, the role of the teacher, the role of the student, and the process of evaluation.

education; nursing; nursing education programs; professional competency


Objetivo

Analizar posibilidades y límites de la formación en enfermería por competencia.

Método

Revisión integrativa de la literatura sobre el asunto y análisis de los resultados de una investigación de evaluación de un curso de enfermería desarrollada por áreas de competencia, estableciendo un diálogo entre la revisión y los resultados de esa investigación.

Resultados

Cuanto a la vertiente teórica de competencia de esos artículos, hubo un predominio de la matriz constructivista, seguida de la funcionalista y de la dialógica. En el diálogo entre la literatura y la investigación se observaron límites y posibilidades en el desarrollo de una formación por áreas de competencia.

Conclusión

El abordaje dialógico de competencia es la proposición que más se aproxima del perfil definido por las DCN para la formación en enfermería, identificada también en la investigación de evaluación analizada. Aunque, se verificó que hay aspectos que precisan ser más bien trabajados, como: aparcería escuela y servicio, papel del docente, papel del estudiante y proceso de evaluación.

Educación; Enfermería; Programas de educación en enfermería; Competencia profesional


Introdução

Nas discussões sobre a formação de profissionais da área da saúde, dentre vários aspectos destacam-se anseios de se reconhecer e criar um modo mais apropriado de saberes que se mobilizem no trabalho, num marco de organizações que vivem num cenário de incertezas estruturais(11. Valle R. O conhecimento em ação: novas competências para o trabalho no contexto da reestruturação produtiva. Rio de Janeiro (RJ): Relume Dumará; 2003. 231p.,22. Hernandez D. La certificación por competencias: un desafío. In: Reunión de Dirigentes de Instituciones de Educación Tecnológica; 1-3 dicember 1999; Aracajú, Sergipe. Aracajú: CEFET; 1997. p.1-12.).

As rápidas mudanças no setor dos cuidados da saúde durante as últimas décadas do século 20, assim como as novas tecnologias da biomedicina, as mudanças na estrutura populacional, o aumento da diversidade de trabalho e a orientação para o mercado, colocam novas exigências para o campo da enfermagem(33. Bjokstrom ME, Athlin EE, Johansson IS. Nurses’ development of professional self – from being a nursing student in a baccalaureate programme to an experienced nurse. J Clin Nurs 2008 mai; 17(10):1380–1391.,44. Worth Health Organization (SW). Strengthening nursing and midwifery – A global study. Geneva (SW): Worth Health Organization; 1997.). No Brasil, um dos reflexos do movimento de renovação da formação nesta área foi a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o Curso de Enfermagem pelo Ministério da Educação(55. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Superior (CES). [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2001 [acesso em: 06 dez 2009]. Resolução CNE/CES nº.3 de 7 de novembro de 2001. Instituem diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Enfermagem. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf.
http://portal.mec.gov.br/cne/arq...
), que orientam a formação profissional para as exigências do século XXI. Visando o desenvolvimento das DCN, iniciativas para ampliar a responsabilidade social e o pacto de propostas para definição de competência profissional vêm sendo incentivadas.

As competências e habilidades das DCN para o Curso de Graduação em Enfermagem exaltam a busca da atenção à saúde integral, orientando quanto à adequação do currículo às necessidades e exigências do Sistema Único de Saúde (SUS)(66. Santana FR, Nakatani AYK, Souza ACS, Casagrande LDR, Esperidião E. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem: uma visão dialética. Rev Eletrônica Enferm 2005; 7(3):294-300. Disponível em: http://www.dwn.ufg.br/Revista/revista7_3/original 06.htm
http://www.dwn.ufg.br/Revista/re...
). Dirigem-se para a flexibilização curricular, para a integração de disciplinas, da teoria-prática e do trabalho-academia, para a autonomia institucional e tem como um dos aspectos centrais a formação por competência.

Na literatura educacional verificam-se três abordagens conceituais de competência, a abordagem condutivista (com foco no fazer para se alcançar um resultado esperado(1,7,8) e na relação entre eficiência e adaptação para o mercado de trabalho); a abordagem funcionalista (com foco no que uma pessoa deve fazer ou deveria estar em condições de fazer, a partir da definição de tarefas, sem necessariamente se articularem a atributos ou mesmo entre si(1,7,8) e a abordagem construtivista (com foco na combinação de conhecimentos, experiências e comportamentos que se exerce em determinado contexto, só sendo validada quando aplicada em situação profissional, com a manutenção ainda de uma lista de atividades visando o alcance dos resultados(77. Ramos MN. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo (SP): Cortez; 2001. 320p.,99. Bouyx B. El sistema francês de formación profesional. In: Argülles, A. La educación tecnológica en el mundo. México: Editorial Limusa; 1998. p.31-50.).

Junto a essas abordagens, há a concepção dialógica, que surgiu na Austrália, voltada para o desenvolvimento de capacidades ou atributos (cognitivos, psicomotores e afetivos) que, combinados, conformam distintas maneiras de realizar, com sucesso, as ações essenciais e características de uma determinada prática profissional no contexto em que se aplicam(88. Lima VV. Competência: distintas abordagens e implicações na formação de profissionais de saúde. Interface - Comunic Saúde Educ mar-ago 2005; 9(17):369-79.,1010. Hager P, Gonczi A, Athanasou J. General issues about assessment of competence. Asses Eval High Educ 1994;19(1):3-16.-1111. Hager P, Gonczi A. What is competence? Medical Teacher 1996; 18(1):15-8.). Essa concepção, além de levar em conta o contexto e a cultura do local de trabalho onde se dá a ação, procura incorporar a ética e os valores como elementos de desempenho competente e considera que seja possível ser competente de diferentes maneiras(77. Ramos MN. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo (SP): Cortez; 2001. 320p.).

As DCN consideram que competência profissional é a capacidade “de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho”(55. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Superior (CES). [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2001 [acesso em: 06 dez 2009]. Resolução CNE/CES nº.3 de 7 de novembro de 2001. Instituem diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Enfermagem. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf.
http://portal.mec.gov.br/cne/arq...
), e de ter por norteador o favorecimento do atendimento às necessidades do mercado. Elas apontam outras possibilidades de interpretação e construção de currículos para os cursos de graduação por apresentarem orientações gerais e pouco claras(1212. Laluna MCMC. Os sentidos da avaliação na formação de enfermeiros orientada por competência [tese de doutorado]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2007. 226p.). Desse modo, mantêm-se em aberto as discussões sobre essa temática.

Objectivo

A partir dessas discussões, ainda em aberto, e a ausência de publicações nacionais sobre o assunto, este estudo objetiva analisar as possibilidades e limites da formação em enfermagem por competência tendo como base o diálogo entre o que vem sendo apontado na literatura e os resultados de uma experiência desenvolvida sob essa perspectiva.

Método

O presente estudo trata-se de revisão integrativa da literatura entendida como um exercício crítico de procura, de caráter qualitativo e exploratório, acerca de um tema ou objeto de meditação, e buscando uma nova forma de olhar o assunto(1313. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. out-dez 2008; 17(4):758-64.), partiu de uma revisão sobre a temática. Iniciou-se por uma busca avançada em bases de dados eletrônicas no Sistema da Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS), na National Library of Medicine (MEDLINE) e na Scientific Electronic Library Online (SCIELO). As palavras-chave utilizadas foram: competência “and” formação “and” enfermagem e seus correlatos na língua inglesa, com ano de publicação a partir de 2001. O número de artigos encontrados foram 38, 85 e 24, respectivamente. Desse conjunto foram utilizados como critério de inclusão: artigos que discutiam a graduação em enfermagem, a formação em geral e não as especialidades, sendo selecionados 41 artigos.

Além dessa busca, levou-se em conta o relatório de uma pesquisa de avaliação do Curso de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Marília(1414. Faculdade de Medicina de Marília. Relatório da pesquisa de avaliação do resultado do processo do processo de formação de enfermeiros da Famema. 2009. [acesso em 20 marc. 2009]. Disponível em: http://www.famema.br/documentos/avaliacaoprocessoformacaoenfermagem.pdf
http://www.famema.br/documentos/...
), que se baseou na percepção e na atuação de seus egressos que concluíram seus cursos em 2005 e 2006, bem como das avaliações de usuários, gestores e supervisores sobre a prática desses egressos. Buscando ampliar a análise desse relatório, consultou-se também um material que caracteriza esse curso e um artigo que discute parte dos resultados dessa pesquisa(1515. Braccialli LAD, Marvulo MML, Gomes R, Moraes MAA, Almeida Filho, OM, Pinheiro OL, Hafner MLMB. Cuidado ampliado em Enfermagem. Rev Min Enfermagem 2009 jul-set; 13(3):381-90.). A pesquisa desta faculdade foi incluída neste estudo por se tratar de uma das instituições pioneiras no desenvolvimento de mudanças curriculares na área da saúde(1616. Gomes R, Francisco AM, Tonhom SFR, Costa MCG, Hamamoto, CG, Pinheiro OL, Moreira HM, Hafner MLMB. A formação médica ancorada na aprendizagem baseada em problema: uma avaliação qualitativa. Interface - Comunic Saúde Educ 2009 jan-mar; 13(28): 71-83. ).

Em termos de percurso metodológico, inicialmente foram analisados os artigos selecionados, procurando: (a) identificar o conceito e/ou abordagem de competência implícita ou explícita, (b) analisar as recomendações dos autores dos artigos para o desenvolvimento de um currículo baseado em competência e (c) identificar dificuldades e desafios apontados nos artigos. Em seguida, analisou-se o relatório da pesquisa de avaliação, bem como o material que caracteriza o curso que foi objeto de avaliação, procurando caracterizar o currículo do curso e os seus resultados obtidos através da pesquisa de avaliação. Por último, comparou-se a revisão da literatura realizada com os resultados da pesquisa de avaliação selecionada, procurando analisar as dificuldades e as possibilidades de formação em enfermagem baseada em áreas de competência.

Resultados e Discussão

Dos 41 artigos selecionados, 26 eram nacionais e 15 internacionais. Em termos de tipo de estudo, as fontes classificam-se em: pesquisa de campo qualitativa, 36,9%; relato de experiência, 34,2%; reflexão teórica, 15,8%; revisão bibliográfica, 7,9%; pesquisa de campo quantitativa e pesquisa de campo quantitativo-qualitativa, 2,6% cada tipo de estudo.

Quanto à vertente teórica de competência desses artigos, houve um predomínio da matriz construtivista, seguida da funcionalista, da dialógica e em alguns artigos não foi possível fazer essa caracterização, já que o estudo tratava de uma reflexão teórica Tabela 1

Tabela 1
Distribuição das referências estudadas por vertente de competência - Marília, SP - 2001 – 2009

O CONCEITO DE COMPETÊNCIA EM FOCO

Dentre os sentidos associados à competência por parte dos autores dos artigos estudados, destacam-se os seguintes: (a) aplicação de saberes/conhecimentos na prática(1717. De Domenico EBL, Ide CAC. Referências para o ensino de competências na enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2005 jul-ago; 58(4):453-7.

18. Edwards S. A Professional practice-based doctorate: developing advanced nursing practice. Nurse Educ Today 2009 jan; 29(1):1-4.

19. Gomes BP. Contributos da formação para o desenvolvimento de competências na área de enfemagem de reabilitação. Texto Contexto Enferm 2006 abr-jun; 15(2):193-204.
-2020. Raines DA. A competency-based approach to the nursing research. Nurse Educ Pract 2008 nov; 8(6):373-81.); (b) aplicação/integração/mobilização de conhecimento, atitudes e habilidades para resolver problemas e/ou enfrentar situações(33. Bjokstrom ME, Athlin EE, Johansson IS. Nurses’ development of professional self – from being a nursing student in a baccalaureate programme to an experienced nurse. J Clin Nurs 2008 mai; 17(10):1380–1391.,2121. Alarcão I, Rua M. Interdisciplinaridade, estágios clínicos e desenvolvimento de competências. Texto Contexto Enferm 2005 jul-set; 14(3):373-82.,3131. Cowan DT, Norman I, Coopamah VP. Competence in nursing practice: A controversial concept – A focused review of literature. Acc Emerg Nurs 2007 jan; 15(1):20-6.) e (c) formação de esquemas de pensamento e ação(3232. Assad LG, Viana LO. Formas de aprender na dimensão prática da atuação do enfermeiro assistencial. Rev Bras Enfermagem 2005 set-out; 58(5):586-91.). Apesar da variação de sentidos, em geral, a competência é associada, de forma explícita ou implícita, à noção de ser capaz de fazer algo numa situação, sendo que ser competente envolve aprendizagem, não se tratando de um dom herdado pelas pessoas. Em alguns deles, o aprender é traduzido por um saber aprender, envolvendo sucessivas construções, desconstruções e reconstruções de saberes, atitudes e habilidades. Junto a essa lógica, destacam-se requisitos pré-estipulados por um ofício ou pelas relações sociais que regulam ou validam se alguém é capaz de fazer algo a que se propõe fazer ou que é demandado fazer. Ligado ou não a essa noção, observa-se que o fazer está diretamente relacionado ao solucionar problemas de forma eficaz, reforçando a necessidade de se ter a competência atestada por meio da resolubilidade conseguida.

A IMPLEMENTAÇÃO DE UM CURRÍCULO INTEGRADO E ORIENTADO POR COMPETÊNCIA

Na literatura pesquisada recomenda-se que a construção e a consolidação de um projeto político pedagógico resultem da discussão das transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho do setor saúde, da reflexão sobre as necessidades da clientela e das competências para a formação do enfermeiro construídas pelos profissionais de saúde em sua prática cotidiana(3030. Witt RR, Almeida MCP. Competências dos profissionais de saúde no referencial das funções essenciais de saúde pública: contribuição para a construção de projetos pedagógicos na enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2003 jul-ago; 56(4):433-8.,3333. Peres AM, Ciampone MHT, Wolff LDG. Competências gerenciais do enfermeiro nas perspectivas de um curso de graduação de enfermagem e do mercado de trabalho. Trab Educ Saúde 2008 fev; 5(3):453-72.,3434. Oliveira MAC, Veríssimo MLOR, Püschel VA, Riesco MLG. Desafios da formação em enfermagem no Brasil: proposta curricular da EEUSP para o bacharelado em enfermagem. Rev Esc Enferm USP 2007 dez; 41(Esp):820-5. ). Recomenda-se também, para se alcançar um currículo por competência, a articulação entre o ciclo básico e o clínico; ensino, serviço e comunidade; prática e teoria, por meio da integração dos conteúdos, e abordagem de temas transversais e não de saberes fragmentados(2929. Santos AMR, Reichert APS, Nunes BMVT, Morais SCRV, Oliveira ADS, Magalhães RLB. Construção coletiva de mudança no Curso de Graduação em Enfermagem: um desafio. Rev Bras Enfermagem 2007 ago; 60(4):410-15.).

A integração teoria e prática pode se limitar a garantir que a teoria aprendida seja contemplada e aplicada no momento da prática, como no modelo funcionalista(3535. Ousey K, Gallagher P. The theory-practice relationship in nursing: a debate. Nurse Educ Pract 2007 jul; 7(4):199-205.), ou que o conhecimento e a prática precisam ser constantemente aproximados e confrontados(3636. Leonello VM, Oliveira MAC Competências para a ação educativa da enfermeira. Rev Latino-am Enfermagem 2008 abr; 16(2):177-83.), com ênfase no aprender com as situações originárias da prática, reconhecendo a importância da prática no desenvolvimento de novos conhecimentos, como na construtivista(1818. Edwards S. A Professional practice-based doctorate: developing advanced nursing practice. Nurse Educ Today 2009 jan; 29(1):1-4.), ou que o saber deve emergir da prática, do mundo real, como na dialógica(3232. Assad LG, Viana LO. Formas de aprender na dimensão prática da atuação do enfermeiro assistencial. Rev Bras Enfermagem 2005 set-out; 58(5):586-91.).

Para o planejamento e implementação de um currículo por competência, segundo os artigos revisados, faz-se necessário: (a) construção de parcerias na comunidade, na partilha de valores sobre o cuidado de pacientes e no processo ensino-aprendizagem(3,37); (b) atendimento às exigências das atuais Políticas de Saúde, Educação e do próprio Ensino da Enfermagem(3838. Resck ZMR, Gomes ELR. A formação e a prática gerencial do enfermeiro: caminhos para a práxis transformadora. Rev Latino-am Enfermagem 2008 fev; 16(1):71-7. ) e (c) prática reflexiva visando o aprender com as situações reais do mundo do trabalho, com intervenções diferenciadas que promovam a melhoria da assistência e, consequentemente, o fortalecimento do SUS(1818. Edwards S. A Professional practice-based doctorate: developing advanced nursing practice. Nurse Educ Today 2009 jan; 29(1):1-4.-1919. Gomes BP. Contributos da formação para o desenvolvimento de competências na área de enfemagem de reabilitação. Texto Contexto Enferm 2006 abr-jun; 15(2):193-204.,2626. De Domenico EBL, Ide CAC. Estratégias apontadas pelos docentes para o desenvolvimento das competências nos diferentes níveis de formação superior em enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2005 out; 58(5):509-12.,3939. Wangensteen S, Johansson IS, Nordström G. The first year as a graduate nurse – an experience of growth and development. J Clin Nurs 2008 jul; 17(14):1877–85.

40. Shimizu HE, Lima MG, Santana MNGST. O modelo de competências na formação de trabalhadores de enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2007 mar-abr; 60(2):161-6.

41. McBrien B. Learning form practice – reflections on a critical incident. Accid Emerg Nurs 2007 jul; 15(3):128-33.
-4242. Burgatti, JC; Leonello, VM; Doretto Bracialli, LA; de Campos Oliveira, MA. Estratégias pedagógicas para o desenvolvimento da competência ético-política na formação inicial em Enfermagem. Rev Bras Enferm, Brasília 2013 mar-abr; 66(2): 282-6.).

Entre os autores também fica clara a necessidade de estratégias para a implementação do currículo por competência, e que as mesmas dependem da abordagem utilizada na construção do mesmo(2020. Raines DA. A competency-based approach to the nursing research. Nurse Educ Pract 2008 nov; 8(6):373-81.,2323. Burns P, Poster E. Competency development in new RN graduates: closing the gap between education and practice. J Contin Educ Nurs 2008 feb; 39(2):67-73.,2727. Djonne MA. Development of a core competency program for patient educators. J Nurses Staff Develop 2007 aug; 23(4):155-61.,4343. Knebel E, Puttkammer N, Demes A, Devirois R, Prismy M. Developing a competency-based curriculum in HIV for nursing schools in Haiti. Hum Resour Health 2008 aug; 6:17.

44. McGaughey J. Acute care teaching in the undergraduate nursing curriculum. Nurs Critical Care 2009 feb; 14(1):11-16.
-4545. Middleton DA. A standardized nursing mathematics competency program. Nurse Educ 2008 jun; 33(3):122-24.). Por exemplo, para aqueles que utilizam a abordagem funcionalista, as estratégias sugeridas focam o treinamento das habilidades, podendo acontecer a partir de práticas em laboratórios de habilidades clínicas(4444. McGaughey J. Acute care teaching in the undergraduate nursing curriculum. Nurs Critical Care 2009 feb; 14(1):11-16.). Na abordagem construtivista, pelo contrário, as estratégias precisam fazer com que os professores levem o estudante a alcançar as competências, compreendendo e praticando o aprender a conhecer, o aprender a fazer e o aprender a ser no cuidar do enfermeiro(4646. Tanaka LH, Leite MMJ. O cuidar no processo de trabalho do enfermeiro: visão dos professores. Rev Bras Enfermagem 2007 nov-dec; 60(6):681-6.), podendo utilizar a aprendizagem baseada em problemas e centrada no estudante(1717. De Domenico EBL, Ide CAC. Referências para o ensino de competências na enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2005 jul-ago; 58(4):453-7.,1818. Edwards S. A Professional practice-based doctorate: developing advanced nursing practice. Nurse Educ Today 2009 jan; 29(1):1-4.,2626. De Domenico EBL, Ide CAC. Estratégias apontadas pelos docentes para o desenvolvimento das competências nos diferentes níveis de formação superior em enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2005 out; 58(5):509-12.,3636. Leonello VM, Oliveira MAC Competências para a ação educativa da enfermeira. Rev Latino-am Enfermagem 2008 abr; 16(2):177-83.); estratégias de ensino-aprendizagem interativas, guiadas pela prática e eficazes na aprendizagem de pensamento crítico, aptidões e habilidades tanto para tomada de decisão clínica como para discussão de casos clínicos(4747. Tiley DS, Allen P, Collins C, Bridges RA, Francis P, Green A. Promoting clinical competence: using scaffolded instruction for practice-based learning. J Prof Nurs 2007 oct; 23(5):285-9.,4848. Munari DB, Merjane TVB, Cruz RMM. A aplicação do modelo de educação de laboratório no processo de formação do enfermeiro. Rev Enferm UERJ 2005 mai-ago; 13(2):263-9.); situações com pacientes simulados(2525. Damron-Rodriguez JA. Developing competence for nurses and social workers. Am J Nurs 2008 sept; 108 Suppl 9:40-6.) e a formação de um profissional crítico-criativo, resgatando sua sensibilidade e permitindo a construção de significados e interpretações que impulsionem esse processo(4949. Prado ML, Reibnitz KS, Gelbcke FL. Aprendendo a cuidar: a sensibilidade como elemento plasmático para formação da profissional crítico-criativa em enfermagem. Texto Contexto Enferm 2006 abr-jun;15(2):296-302.).

Na abordagem dialógica de competência, os autores recomendam a necessidade de uma didática de formação clínica, de abordagem por problemas e análise de práticas(5050. Nascimento ES, Santos GF, Caldeira VP, Teixeira VMN. Formação por competência do enfermeiro: alternância teoria-prática, profissionalização e pensamento complexo. Rev Bras Enfermagem 2003 jul-ago; 56(4):447-52.) e estratégias de ensino-aprendizagem voltadas à problematização das situações vivenciadas no cotidiano do trabalho, entendendo a educação como permanente e construída ao longo da vida, entre as pessoas que compartilham o viver e o conviver em sociedade(3737. Lindahl B, Dagborn K, Nilsson M. A student-centered clinical educational unit – description of a reflective learning model. Nurse Educ Pract 2009 jan; 9(1):5-12.).

Em relação ao processo avaliativo, recomenda-se: articulação da dimensão cognitiva com avaliação de atitudes e habilidades específicas(2525. Damron-Rodriguez JA. Developing competence for nurses and social workers. Am J Nurs 2008 sept; 108 Suppl 9:40-6.); avaliação em processo e conjuntamente às dinâmicas de trabalho, fortalecendo as parcerias(1717. De Domenico EBL, Ide CAC. Referências para o ensino de competências na enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2005 jul-ago; 58(4):453-7.) e auto-avaliação como uma maneira de desenvolver capacidade crítica e refletir sobre seus limites e possibilidades(2020. Raines DA. A competency-based approach to the nursing research. Nurse Educ Pract 2008 nov; 8(6):373-81.,5151. Tronchin MMR, Gonçalves VL, Leite MMJ, Melleiro MM. Instrumento de avaliação de estudante com base nas competências gerenciais de enfermagem. Paul Acta Enferm 2008; 21(2):356-60. ,5252. Prearo AY, Monti FMF, Barragan E. É possível desenvolver a autorreflexão no estudante de primeiro ano que atua na comunidade? um estudo preliminar. Rev Bras Educ Méd 2012;36(1): 24-). Em termos de avaliação, observa-se ainda que o modelo dialógico traz a ideia de uma avaliação processual e co-participada (professores e estudantes), formando responsabilidade e definindo os padrões para se avaliar o desempenho(2828. Laluna MCMC, Ferraz CA. Finalidades e função da avaliação na formação de enfermeiros. Rev Bras Enfermagem 2007 dez; 60(6):641-5.).

E por último, foi apontada a importância da qualidade e quantidade dos recursos humanos, materiais e físicos(5353. De Domenico EBL, Ide CAC. As competências do graduado em enfermagem: percepções de enfermeiros e docentes. Acta Paul Enferm 2006; 19(4):394-401.,5454. Okagawa FS, Bohomol E, Cunha IC. Competências desenvolvidas em um curso de especialização em gestão em enfermagem à distância. Acta Paul Enferm. 2013; 26(3):238-44.), pois uma instituição precisa perceber que seu crescimento deve estar atrelado à aquisição de competências por seus trabalhadores, isto é, o crescimento profissional (individual e coletivo) deve ser uma meta não só do trabalhador, mas também da instituição(5555. Koerich MS, Erdmann AL. Enfermagem e patologia geral: resgate e reconstrução de conhecimentos para uma prática interdisciplinar. Texto Contexto Enferm 2003 out-dez; 12(4):528-37.).

DIFICULDADES E DESAFIOS NA IMPLANTAÇÃO DE UM CURRÍCULO POR COMPETÊNCIA

Segundo os estudos avaliados, as dificuldades e desafios encontrados foram em relação ao cenário da prática e à integração deste com o serviço; à qualificação do corpo docente para trabalhar em uma proposta inovadora; à relação do discente com o serviço na nova prática; à própria construção desse currículo e, por fim, à avaliação das competências requeridas para a certificação profissional.

Alguns autores elencaram situações na interface com o serviço que comprometem a instalação de um currículo por competência, como o custo da parceria entre escolas de enfermagem e os sistemas de saúde(2323. Burns P, Poster E. Competency development in new RN graduates: closing the gap between education and practice. J Contin Educ Nurs 2008 feb; 39(2):67-73.); a falta de campo para a realização do estágio(4040. Shimizu HE, Lima MG, Santana MNGST. O modelo de competências na formação de trabalhadores de enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2007 mar-abr; 60(2):161-6.); a falta de articulação e comunicação entre academia e serviço e a comunicação entre formuladores e executores das políticas de educação e das políticas de saúde(3333. Peres AM, Ciampone MHT, Wolff LDG. Competências gerenciais do enfermeiro nas perspectivas de um curso de graduação de enfermagem e do mercado de trabalho. Trab Educ Saúde 2008 fev; 5(3):453-72.).

Em relação ao corpo docente, foram apontadas as seguintes dificuldades: poucas construções teóricas a respeito do processo ensino-aprendizagem que os docentes, mesmo sendo mestres, possuem(1717. De Domenico EBL, Ide CAC. Referências para o ensino de competências na enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2005 jul-ago; 58(4):453-7.); falta de preparo para as diferentes reações emocionais apresentadas pelos estudantes(2222. Brien LA, Legault A, Tremblay N. Affective learning in end-of-life care education: the experience of nurse educators and students. Int J Palliat Nurs 2008 dec; 14(12):610-4.), ausência de capacitação dos docentes para trabalharem com esse tipo de currículo(4444. McGaughey J. Acute care teaching in the undergraduate nursing curriculum. Nurs Critical Care 2009 feb; 14(1):11-16.) e a dificuldade em aceitar as mudanças introduzidas no modo de aprender e de realizar os cuidados pelos estudantes(4040. Shimizu HE, Lima MG, Santana MNGST. O modelo de competências na formação de trabalhadores de enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2007 mar-abr; 60(2):161-6.). Observa-se a resistência não somente dos docentes, mas também dos estudantes, já que estes chegam com expectativas de uma prática pedagógica tradicional(4040. Shimizu HE, Lima MG, Santana MNGST. O modelo de competências na formação de trabalhadores de enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2007 mar-abr; 60(2):161-6.). Outro desafio é o processo de avaliação que deve ser desmistificado, fundamentando a relação com o estudante de forma democrática e compromissada com a sua aprendizagem(5656. Laluna MCMC, Ferraz CA. Os sentidos da prática avaliativa na formação de enfermeiros. Rev Latino-am Enfermagem 2009 fev; 17(1):21-7.).

AVALIAÇÃO DE UM CURSO DESENVOLVIDO POR ÁREAS DE COMPETÊNCIA

O Curso de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Marília (Famema), desde 1998, bem antes das DCN, desenvolve um currículo integrado e orientado por competência na abordagem dialógica, tendo como noção de competência a capacidade de mobilizar diferentes recursos para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações da prática profissional(22. Hernandez D. La certificación por competencias: un desafío. In: Reunión de Dirigentes de Instituciones de Educación Tecnológica; 1-3 dicember 1999; Aracajú, Sergipe. Aracajú: CEFET; 1997. p.1-12.,1010. Hager P, Gonczi A, Athanasou J. General issues about assessment of competence. Asses Eval High Educ 1994;19(1):3-16.).

Nessa proposta a competência é inferida por meio da observação dos desempenhos em cada tarefa definida, estando organizada nas áreas de atuação de vigilância à saúde individual e coletiva, gestão do trabalho e investigação científica e sendo abordada em um grau crescente de domínio e autonomia ao longo do curso.

O Curso de Enfermagem da Famema foi avaliado a partir de pesquisa qualitativa, em que foram apontadas possibilidades e limites na implementação desse currículo(1414. Faculdade de Medicina de Marília. Relatório da pesquisa de avaliação do resultado do processo do processo de formação de enfermeiros da Famema. 2009. [acesso em 20 marc. 2009]. Disponível em: http://www.famema.br/documentos/avaliacaoprocessoformacaoenfermagem.pdf
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). Os resultados dessa pesquisa(1414. Faculdade de Medicina de Marília. Relatório da pesquisa de avaliação do resultado do processo do processo de formação de enfermeiros da Famema. 2009. [acesso em 20 marc. 2009]. Disponível em: http://www.famema.br/documentos/avaliacaoprocessoformacaoenfermagem.pdf
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) apontaram que os egressos são capazes de demonstrar capacidade crítica no que tange ao aprender a conhecer e ao aprender a aprender, no sentido de exercitar seu pensamento, atenção e memória, selecionando as informações que podem ser contextualizadas em relação à realidade que vivenciaram. Foi identificada também uma diversidade de entendimentos do processo ensino-aprendizagem por parte dos professores, o que dificultava a mudança da prática.

Com relação às áreas de competência propostas pelo currículo do Curso de Enfermagem da Famema, considerando a área de competência do cuidado individual às necessidades de saúde, observa-se, na pesquisa, que os egressos conseguem desenvolvê-la contextualizando o cenário de trabalho, num movimento de ação–reflexão–ação, identificando estas necessidades a partir da história e do exame clínico; da formulação do problema da pessoa mediante o levantamento de hipóteses e investigação diagnóstica e da elaboração, execução e avaliação do plano de cuidado.

Os resultados da pesquisa(1414. Faculdade de Medicina de Marília. Relatório da pesquisa de avaliação do resultado do processo do processo de formação de enfermeiros da Famema. 2009. [acesso em 20 marc. 2009]. Disponível em: http://www.famema.br/documentos/avaliacaoprocessoformacaoenfermagem.pdf
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) mostram que os egressos conseguem colocar em prática essa área de competência por meio do cuidado humanizado. O conhecimento biológico é importante, mas o conhecimento psicológico e o social são aspectos necessários para esse cuidado.

No que se refere à área de competência do cuidado de saúde do coletivo, em que se utilizam as ferramentas da epidemiologia e do planejamento em saúde e se executam ações segundo efetividade, acessibilidade e equidade, os resultados da pesquisa(1414. Faculdade de Medicina de Marília. Relatório da pesquisa de avaliação do resultado do processo do processo de formação de enfermeiros da Famema. 2009. [acesso em 20 marc. 2009]. Disponível em: http://www.famema.br/documentos/avaliacaoprocessoformacaoenfermagem.pdf
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) apontaram que o aspecto social foi valorizado pelo egresso que, apesar do foco ser no indivíduo, o egresso consegue extrapolar para o cuidado coletivo.

Quanto à área de competência da administração e gestão do processo de trabalho em saúde, na qual se espera a participação tanto da elaboração, execução e avaliação do plano de trabalho no espaço coletivo da organização, quanto do processo de educação permanente da equipe de saúde. Observou-se, na pesquisa(1414. Faculdade de Medicina de Marília. Relatório da pesquisa de avaliação do resultado do processo do processo de formação de enfermeiros da Famema. 2009. [acesso em 20 marc. 2009]. Disponível em: http://www.famema.br/documentos/avaliacaoprocessoformacaoenfermagem.pdf
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), que o estudante apresenta um movimento bastante ampliado, pois consegue mobilizar conhecimento na ação, na perspectiva da integralidade do cuidado e em um processo de co-gestão.

Na pesquisa(1414. Faculdade de Medicina de Marília. Relatório da pesquisa de avaliação do resultado do processo do processo de formação de enfermeiros da Famema. 2009. [acesso em 20 marc. 2009]. Disponível em: http://www.famema.br/documentos/avaliacaoprocessoformacaoenfermagem.pdf
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), essa área de competência também foi percebida pelo gestor, quando este aponta que os alunos da Famema apresentam tomada de decisão mais segura, maior responsabilidade e consegue enfrentar diversas situações em comparação ao aluno de outras instituições voltado a cumprir metas e obrigações. No entanto, essa área de competência também foi sinalizada como limite necessitando de um maior investimento.

A pesquisa realizada sobre a formação de enfermeiros da Famema sinaliza que este é o caminho e que é possível implementar um currículo por competência na lógica proposta. No entanto, alguns aspectos precisam ser melhores trabalhados, tais como: parceria escola e serviço, papel do docente, papel do estudante e processo avaliativo, aspectos estes também apontados nos estudos identificados.

DIÁLOGO ENTRE O DESEJADO E O POSSÍVEL

A avaliação do Curso de Enfermagem da Famema revela o que na literatura se concebe como um currículo desenvolvido por áreas de competência baseado na abordagem dialógica, focalizando não só o domínio cognitivo, como também abordando aspectos psicomotores e os relacionados à atitude. Corroborando essa afirmativa, o resultado da pesquisa evidenciou que o egresso, ao vivenciar o mundo do trabalho, mobilizou os recursos cognitivos, afetivos e psicomotores necessários desenvolvidos durante a graduação. Para tanto, a parceria da instituição com os serviços de saúde, sendo esta imprescindível, necessita de cuidados, ou seja, estes achados denotam que para trabalharmos com um currículo por competência e, em especial na vertente dialógica, devemos cuidar das relações estabelecidas, quer sejam no âmbito externo ou no interior da escola. O parceiro instituição educacional deve se abrir para o mundo do trabalho e os serviços devem estar abertos às necessidades reais da população.

Um limite apontado pelos trabalhos identificados em relação à parceria foi quanto ao custo entre as escolas de enfermagem e os sistemas de saúde(2323. Burns P, Poster E. Competency development in new RN graduates: closing the gap between education and practice. J Contin Educ Nurs 2008 feb; 39(2):67-73.), e a falta de campo para a realização do estágio(4040. Shimizu HE, Lima MG, Santana MNGST. O modelo de competências na formação de trabalhadores de enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2007 mar-abr; 60(2):161-6.). Considerando o elemento parceria, a Famema não se depara com essa fragilidade, pois está no âmbito dos serviços públicos e tem o estabelecimento de uma parceria com o serviço datada de algumas décadas, o que propicia o desenvolvimento de atividades de ensino-aprendizagem nos cenários das unidades de saúde da família (USF). No entanto, a organização dos serviços, em especial a da saúde, está subordinada às definições políticas, o que forçosamente obriga a Instituição a estabelecer novos pactos conforme as regras políticas do momento.

Outro limite identificado nos trabalhos pesquisados foi a falta de preparo do corpo docente para lidar com as diferentes reações emocionais apresentadas pelos estudantes(2222. Brien LA, Legault A, Tremblay N. Affective learning in end-of-life care education: the experience of nurse educators and students. Int J Palliat Nurs 2008 dec; 14(12):610-4.), a resistência em aceitar as mudanças introduzidas no modo de aprender e de realizar os cuidados pelos estudantes(4040. Shimizu HE, Lima MG, Santana MNGST. O modelo de competências na formação de trabalhadores de enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2007 mar-abr; 60(2):161-6.) e a não aceitação de que os estudantes são capazes de adquirir a habilidade de autoaprendizagem(4444. McGaughey J. Acute care teaching in the undergraduate nursing curriculum. Nurs Critical Care 2009 feb; 14(1):11-16.). As pesquisas também sinalizam resistência por parte do discente, visto que este busca uma prática pedagógica tradicional(4040. Shimizu HE, Lima MG, Santana MNGST. O modelo de competências na formação de trabalhadores de enfermagem. Rev Bras Enfermagem 2007 mar-abr; 60(2):161-6.).

A literatura revisada e o relatório da pesquisa da Famema sugerem que transformar o processo de formação implica mudanças na concepção de Saúde, na construção do Saber, nas práticas desenvolvidas, nas relações estabelecidas entre estudantes, professores e profissionais de saúde, ou seja, implica a transformação não somente de concepções e práticas, mas também das relações de poder dentro das universidades e dos serviços de saúde, podendo trazer resistências quando se promove uma desestruturação de algo construído. Tais dificuldades podem ser superadas por meio do diálogo e da inclusão de todos os envolvidos no processo para a construção compartilhada da proposta, tanto do lado do estudante, quanto do professor.

Conclusão

Apesar das DCN para o curso de Enfermagem trazerem a competência profissional que se espera dos futuros enfermeiros e os princípios norteadores visando o atendimento das necessidades do SUS, as mesmas não impõem a concepção que deveria ser adotada para um currículo por competência, ficando as discussões e a tomada de decisão no âmbito de cada escola, conforme observado na literatura pesquisada.

No conjunto dos artigos pesquisados observam-se várias compreensões sobre o que se entende por competência, o que indica ser uma expressão polissêmica. Importante ter claro qual o sentido atribuído, pois este está diretamente ligado à organização e ao sucesso ou não do currículo, que utiliza a competência como norte do projeto almejado.

Buscando formar um profissional proposto pelas DCN, entendemos que a abordagem dialógica é a proposição que mais se aproxima da construção desse perfil, já que para desenvolver um currículo nesta abordagem busca-se a articulação da escola com o mundo do trabalho, no sentido de trazer uma prática reflexiva (ação-reflexão-ação) visando a transformação da realidade, as integrações prática e teórica e a articulação dos diferentes domínios (cognitivos, afetivos e psicomotores) mobilizados na ação.

Tal proposta exige várias mudanças, que vão além das mudanças de métodos pedagógicos ou da matriz curricular. Exige uma mudança de paradigma em relação ao papel da escola na formação de profissionais e, consequentemente, no papel do docente. Considerando que a base da proposta de mudança em questão é a democratização do processo, por meio de um produto social que se constrói com a intervenção deliberada de sujeitos e que depende da correlação de forças de mudança dos poderes constituídos, se faz necessária a construção de espaços compartilhados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
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