Acessibilidade / Reportar erro

Gerência de unidade básica de saúde em municípios de diferentes portes: perfil e instrumentos gerenciais utilizados* * Extraído da tese “Coordenação de Unidade na Atenção Básica do SUS: trabalho, interação e conflitos”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2012

Resumos

Objetivo

Identificar as características dos gerentes, o uso de instrumentos gerenciais na atenção básica e analisar diferenças destes aspectos em municípios de diferentes portes populacionais.

Método

Estudo do tipo transversal descritivo, realizado em 108 unidades básicas de saúde de 21 municípios do norte do Paraná, Brasil. Os dados foram coletados por questionário semiestruturado no segundo semestre de 2010.

Resultados

A maioria das gerentes era do sexo feminino, enfermeiras e pós-graduadas. Nos pequenos municípios eram mais jovens, tinham menores salários e experiência. O uso de instrumentos gerenciais foi expressivo tanto para a organização como para gestão do trabalho, porém foram menos utilizados nos pequenos municípios.

Conclusão

Constatou-se comprometimento da gestão do trabalho e recomenda-se formulação de políticas orientadoras pela esfera federal e estadual em apoio aos pequenos municípios.



Enfermagem; Gerência; Administração de Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde


Objective

To identify the characteristics of managers and their use of management instruments in primary care and to analyze differences in these features among municipalities of different sizes.

Method

The present cross-sectional descriptive study was conducted at 108 basic health units from 21 municipalities in northern Paraná, Brazil. The data were collected using a semi-structured questionnaire during the second half of 2010.

Results

Most managers had graduate degrees and were female and nurses. The managers from the small municipalities were younger, their payment was lower, and they had less work experience. The use of management instruments was expressive for both the organization and work management; however, the instruments were used less in the small municipalities.

Conclusion

The managers were committed to their role; it is recommended that policies and guidance should be formulated at the federal and state levels to support small municipalities.

Nursing; Management; Health Services Administration; Primary Health Care


Objetivo

Identificar las características de los gerentes, el uso de instrumentos de gestión en la atención básica y analizar las diferencias de esos aspectos en municipios de diferentes portes poblacionales.

Método

Estudio del tipo transversal descriptivo, realizado en 108 unidades básicas de salud de 21 municipios del norte de Paraná, Brasil. Se recogieron los datos por cuestionario semiestructurado en el segundo semestre de 2010.

Resultados

La mayoría de los gerentes era del sexo femenino, enfermeras y postgraduadas. En los pequeños municipios eran más jóvenes, cobraban sueldos más bajos y tenían menos experiencia. El empleo de instrumentos de gestión fue expresivo tanto para la organización como para la gestión laboral, sin embargo fueron menos utilizados en los pequeños municipios.

Conclusión

Se constató comprometimiento de la gestión laboral y se recomienda el planteamiento de políticas orientadoras en el marco federal y estatal en apoyo a los pequeños municipios.

Enfermería; Gerencia; Administración de los Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud


Introdução

Em mais de 20 anos de construção do Sistema Único de Saúde (SUS), a descentralização, um de seus princípios organizativos, foi o indutor de mudanças no âmbito da gestão, introduzindo novos atores neste campo de atuação. Ao assumirem a gestão do SUS, os gestores municipais passaram a ter uma gama de atribuições, entre elas o planejamento e o financiamento das ações, a administração e o controle de recursos financeiros, a regulação do conjunto de serviços de saúde existentes em seu território, a organização de fluxos assistenciais, bem como a oferta de ações e serviços de saúde(101 Vasconcelos CM, Pasche DF. O Sistema Único de Saúde. In: Campos GW, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Junior M, Carvalho YM, organizadores. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006. p. 531-62) e, para isso, estruturaram uma ampla rede de serviços de saúde no nível da atenção básica. Dessa forma, os municípios, que anteriormente ao SUS tinham como responsabilidade executar ações previamente estabelecidas pela esfera Estadual e Federal, tornaram-se os principais planejadores, executores da política de saúde e gestores da força de trabalho.

No Brasil, a Atenção Primária à Saúde (APS) também chamada de atenção básica (AB), considerada porta preferencial de acesso da população usuária ao SUS, assume o desafio de ser a organizadora e articuladora das redes de atenção à saúde(202 Brasil. Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, Brasília, 24 out. 2011. Seção l, p.48-55). Para que a AB desenvolva o papel proposto para ela no Brasil, há a necessidade de uma logística que envolva espaço físico adequado, recursos de comunicação e de integração entre os diversos serviços e qualificação dos profissionais(303 Brasil. Portaria Nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece as diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, 31 dez. 2010. Seção 1, p. 89). Além disso, requer maior autonomia e poder decisório nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), tendo em vista a necessidade de organização do processo de trabalho, de articulação com outros pontos da rede de atenção e de gestão dos trabalhadores de saúde (em maior número e com maior diversidade de formação profissional), não mais vistos como meros insumos, mas como agentes sociais necessários a mudar o jeito de fazer saúde(404 Mishima SM, Villa TCS, Silva EM, Gomes ELR, Anselmi ML, Pinto IC, et al. Organização do processo gerencial no trabalho em saúde pública. In: Almeida MCP, Rocha SM, organizadores. O trabalho de enfermagem. São Paulo: Cortez; 1997. p. 251-96).

Apesar da constatação desta necessidade, a organização do trabalho e o gerenciamento no setor saúde mantêm forte influência do modelo taylorista/fordista da administração clássica e do modelo burocrático. No desempenho dessa função, é habitual que a gerência assuma o papel de controlar e regulamentar o trabalho nas unidades de saúde, pautada na administração científica, por meio de normas e padronizações técnicas(505 Campos GWS. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em equipes de saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. 3ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007. p. 229-66

06 Fernandes LCL, Machado RZ, Anschau GO. Gerência de serviços de saúde: competências desenvolvidas e dificuldades encontradas na atenção básica. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14 Supl.1:1541-52
-707 Vanderlei MIG, Almeida MCP. A concepção e prática dos gestores e gerentes da estratégia de saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(02):443-53).

Neste estudo, a gerência na atenção básica é abordada na perspectiva teórica do processo de trabalho em saúde. Cabe destacar que a gerência pode ser apreendida, simultaneamente, como instrumento do processo de trabalho em saúde(404 Mishima SM, Villa TCS, Silva EM, Gomes ELR, Anselmi ML, Pinto IC, et al. Organização do processo gerencial no trabalho em saúde pública. In: Almeida MCP, Rocha SM, organizadores. O trabalho de enfermagem. São Paulo: Cortez; 1997. p. 251-96) e como processo de trabalho gerencial específico(808 Felli VEAF, Peduzzi M. O trabalho gerencial em enfermagem. In: Kurcgant P, coordernadora. Gerenciamento em enfermagem. 2ª ed. São Paulo: Guanabara Koogan; 2010. p. 1-13), sendo esta segunda a abordagem utilizada para subsidiar a análise dos resultados deste estudo.

O processo de trabalho específico da gerência é composto por um conjunto de atividades próprias e inter-relacionadas, para cumprir uma determinada finalidade – o estabelecimento e a manutenção de condições favoráveis à implementação de um dado modelo assistencial(808 Felli VEAF, Peduzzi M. O trabalho gerencial em enfermagem. In: Kurcgant P, coordernadora. Gerenciamento em enfermagem. 2ª ed. São Paulo: Guanabara Koogan; 2010. p. 1-13), com vistas à integralidade da atenção ao usuário, ou seja, a satisfação de suas necessidades de saúde. Atua sobre determinado objeto, a partir de determinados instrumentos. O objeto de intervenção da gerência é a própria organização do trabalho e os trabalhadores da unidade de saúde. Os instrumentos do trabalho gerencial se constituem em saberes, técnicas e tecnologias, podendo ser citados: o planejamento, o dimensionamento, o recrutamento e a seleção de pessoas, a avaliação de desempenho e de serviço, a educação permanente em saúde, dentre outros(808 Felli VEAF, Peduzzi M. O trabalho gerencial em enfermagem. In: Kurcgant P, coordernadora. Gerenciamento em enfermagem. 2ª ed. São Paulo: Guanabara Koogan; 2010. p. 1-13).

Várias pesquisas sobre gerência nos serviços de AB no contexto brasileiro mostram suas fragilidades e apontam a necessidade de estudos que ampliem a análise para identificar sua potência na gestão do trabalho de modo a contribuir para a possível transformação dos serviços na perspectiva da integralidade e da qualidade(606 Fernandes LCL, Machado RZ, Anschau GO. Gerência de serviços de saúde: competências desenvolvidas e dificuldades encontradas na atenção básica. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14 Supl.1:1541-52

07 Vanderlei MIG, Almeida MCP. A concepção e prática dos gestores e gerentes da estratégia de saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(02):443-53

08 Felli VEAF, Peduzzi M. O trabalho gerencial em enfermagem. In: Kurcgant P, coordernadora. Gerenciamento em enfermagem. 2ª ed. São Paulo: Guanabara Koogan; 2010. p. 1-13

09 Trevizan MA, Mendes IAC, Hayashida M, Godoy S, Nogueira MS. The search for attitudinal commitment: tendency in the manager nurse’s ethical behavior. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(3):721-5

10 Fernandes MC, Barros AS, Silva LMS, Nóbrega MFB, Silva MRF, Torres RAM. Análise da atuação do enfermeiro na gerência de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):11-5
-1111 Protti ST, Silva LMC, Palha PF, Villa TCS, Ruffino Neto A, Nogueira JA, et al. Managing the Basic Health Unit in tuberculosis control: a field of challenges. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(3):665-70).

O presente estudo busca contribuir com um olhar mais atento às organizações de saúde que operam no nível da AB, com foco na gerência dos serviços. Objetivou-se identificar as características dos gerentes de UBS e o uso de instrumentos gerenciais no trabalho, bem como analisar as diferenças dessas características e do uso de tais instrumentos em dois grupos de municípios: os de pequeno e os de médio/grande portes.

Método

Estudo transversal descritivo, de abordagem quantitativa, sobre a gestão do trabalho na rede de AB do SUS, realizado em 21 municípios que integram uma das regionais de saúde do norte do Estado do Paraná, Brasil.

Para o presente estudo optou-se por dividir os municípios em dois grupos; os de pequeno porte e os de médio/grande porte, devido as peculiaridade apresentadas em cada uma destas categorias de municípios(1212 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013 [Internet]. [citado 2014 jul. 12]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/
http://www.pnud.org.br/...
), e também pela diferença observada nos resultados. Agrupou-se em municípios de pequeno porte os 17 com menos de 20 mil habitantes e no grupo de municípios de médio e grande porte foram incluídos os quatro demais, com população que varia de 40 mil a um pouco mais de 500 mil habitantes.

A população de estudo foi constituída pelos gerentes que atuavam nas 122 UBS dos municípios da região estudada, sendo que nos municípios de pequeno porte havia 45 UBS em funcionamento e nos de médio e grande porte, 77. Foram utilizados os critérios de inclusão: atuar como gerente de UBS e concordar em participar da pesquisa, e de exclusão: estar em férias e/ou licença de qualquer natureza e se recusar participar da pesquisa. Também foram excluídas as UBS que estavam sem gerência na ocasião da coleta de dados. Desta forma, participaram da pesquisa 108 gerentes (88,5%), sendo 36 (80,0%) de municípios de pequeno porte e 72 (93,5%) de médio e grande porte. Houve 14 exclusões (seis unidades estavam sem gerência; seis gerentes em férias ou licença e duas recusas).

Os gerentes participantes da pesquisa foram indicados pelo secretário de saúde dos municípios pesquisados. Para a coleta dos dados, os gerentes foram abordados em seus locais de trabalho e apresentados aos objetivos do estudo e ao instrumento. Para aqueles que não se encontravam na UBS no momento da visita, foi deixado o instrumento com o secretário de saúde e solicitada devolução pelo malote da Regional de Saúde.

A coleta dos dados foi realizada por meio de um questionário semiestruturado aplicado aos gerentes, entre julho e dezembro de 2010, que contemplava o perfil e os instrumentos de gestão utilizados. As questões objetivas foram duplamente digitadas no programa Epi Info, versão 3.5.1 e apresentados por meio de frequência simples. Na análise estatística foi utilizado o teste Qui-quadrado, e nas variáveis onde a casela probabilística foi menor que cinco, utilizou-se o Teste exato de Fisher, sendo aceitos como estatisticamente significantes valores de p< 0,05.

A pesquisa foi conduzida segundo as normas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde(606 Fernandes LCL, Machado RZ, Anschau GO. Gerência de serviços de saúde: competências desenvolvidas e dificuldades encontradas na atenção básica. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14 Supl.1:1541-52), tendo sida aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição na qual se insere um dos pesquisadores (nº 971/2010). Foi autorizada pelos gestores dos municípios participantes e todos os gerentes pesquisados concordaram em participar, preenchendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Inicialmente foi realizada a caracterização dos gerentes e, a seguir, a análise dos instrumentos de gestão utilizados, agrupados em duas categorias: atividades de organização do processo de trabalho e atividades de gestão dos trabalhadores.

Caracterização dos Gerentes

Houve predomínio do sexo feminino (96,3%), sem diferença estatística entre as gerentes dos dois grupos de municípios. A idade variou entre 22 e 62 anos com distribuição desigual: 75,0 % dos gerentes dos pequenos municípios tinham menos de 40 anos e 68,1% dos gerentes dos municípios de médio e grande porte, 40 anos e mais (valor de p<0,0001). A maioria (63,9%) recebia entre três e menos que sete salários mínimos/mês (valor do salário mínimo (SM) na época da pesquisa R$ 510,00). Neste quesito também se verificou diferença significativa entre aquelas que atuavam nos dois grupos de municípios, sendo que 92,3% das gerentes de pequenos municípios recebiam menos que cinco SM/mês, enquanto 66,2% daquelas que atuavam nos municípios maiores recebiam cinco ou mais SM/mês (valor de p< 0,001).

Todas as 108 gerentes possuíam graduação, 107 em Enfermagem (99,1%); 98 delas pós-graduadas (90,7%), não havendo diferença significativa na formação das gerentes entre os dois grupos de municípios. Daquelas com pós-graduação, 93 fizeram especialização, uma fez residência, quatro fizeram mestrado. A maioria (60,4%) referiu experiência gerencial prévia em outra unidade, maior para aquelas que atuavam nos grandes municípios (75,7%), em comparação às que atuavam nos de pequeno porte (30,6%) (valor de p< 0,001). A forma de indicação predominante para o cargo de gerência de unidade de saúde em ambos os grupos de municípios foi a realizada pelo secretário ou diretor de saúde (86,7%).

Atividades de Organização do Processo de Trabalho

Para a organização do processo de trabalho foram avaliados: o conhecimento dos indicadores de saúde, das metas pactuadas no município e a discussão das mesmas com os trabalhadores, o planejamento das ações de saúde e a avaliação destas (Tabela 1).

No desenvolvimento destas atividades, um alto percentual referiu conhecer os indicadores de saúde do território (88,9%), estatisticamente menor para as gerentes de municípios de pequeno porte (77,8%), em relação às gerentes de municípios de médio e grande porte (94,4%) (valor de p= 0,03047).

Tabela 1
Distribuição das gerentes segundo a utilização de instrumentos para a organização do processo de trabalho, por porte dos municípios, 17ª Regional de Saúde do Paraná, 2010

A discussão das metas e indicadores com os trabalhadores da unidade foi referida por um percentual menor de gerentes (79,6%). Os indicadores de saúde mais citados pelas 96 gerentes que responderam a questão, foram: coeficiente de mortalidade infantil e materna, cobertura vacinal, de pré-natal e de citologia oncótica, prevalência de hipertensão arterial, de diabetes mellitus, de tuberculose e de hanseníase e incidência da dengue.

Noventa e uma gerentes (84,2%) afirmaram realizar planejamento de ações e serviços. No entanto, a distribuição das gerentes neste quesito foi distinta, com diferença estatisticamente significativa entre aquelas que atuavam nos dois grupos de municípios, sendo maior para as gerentes de municípios de médio e grande porte (91,6%) em comparação àquelas de pequeno porte (69,5%) (valor de p= 0,01056).

A avaliação das ações no cotidiano do trabalho foi referida por 75,0% dos gerentes. Também foi significativamente menor o percentual de respostas afirmativas entre os gerentes de municípios de pequeno porte (63,9%) em relação aos que atuavam nos municípios de médio e grande porte (80,5%) (valor de p= 0,02211).

Atividades de Gestão dos Trabalhadores

Nesta categoria foram analisadas as atividades de gestão do trabalho: reunião com os trabalhadores, avaliação de desempenho e educação permanente em saúde (EPS) (Tabela 2).

A quase totalidade das gerentes afirmou realizar reunião com os trabalhadores da unidade que coordena (98,1%). As duas gerentes que não realizavam reunião de equipe eram de municípios de pequeno porte. Em ambos os grupos, a modalidade mais frequente foram reuniões com todos os trabalhadores da unidade (93,3%), ao invés de apenas com seus representantes (6,7%). A periodicidade mais frequente foi mensal, referida por 64 gerentes (59,8%), tanto no grupo de municípios de médio e grande porte (68,7%) quanto nos de pequeno porte (40,0%).

Em relação a realizar avaliação de desempenho dos trabalhadores, houve discrepância entre as respostas dos gerentes dos dois grupos de municípios. Referiram avaliar trabalhadores 70 gerentes (97,2%) de municípios de médio e grande porte e apenas 14 gerentes (38,9%) de municípios de pequeno porte (valor de p= 0,00000).

Tabela 2
Distribuição das gerentes segundo a utilização de instrumentos de gestão do trabalho, por porte dos municípios, 17ª Regional de Saúde do Paraná, 2010

Também houve diferença estatisticamente significativa quanto ao desenvolvimento de atividades de EPS junto aos trabalhadores dos dois grupos de municípios. Verificou-se que esta atividade era desenvolvida por 86,1% das coordenadoras que atuavam nos municípios de médio e grande porte e por 58,3% daquelas que atuavam nos de pequeno porte (valor de p= 0,00055).

Discussão

Quanto ao sexo predominou de forma marcante o feminino: 96,3% das gerentes eram mulheres, resultado semelhante ao publicado por outros estudos(606 Fernandes LCL, Machado RZ, Anschau GO. Gerência de serviços de saúde: competências desenvolvidas e dificuldades encontradas na atenção básica. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14 Supl.1:1541-52,1010 Fernandes MC, Barros AS, Silva LMS, Nóbrega MFB, Silva MRF, Torres RAM. Análise da atuação do enfermeiro na gerência de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):11-5,1313 Alves M, Penna CMM, Brito MJM. Perfil dos gerentes de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2004;57(4):441-6).

O fato de pessoas com maior faixa de idade ocupar cargo gerencial nos municípios de médio e grande porte pode indicar que os profissionais mais jovens, ou em início de carreira, têm tido menos oportunidade de assumir cargo gerencial nas UBS destes municípios. O inverso pode estar ocorrendo nos municípios de pequeno porte, e nestes também deve estar havendo uma maior rotatividade entre os enfermeiros que assumem a função gerencial. A esse respeito, diferentemente(1313 Alves M, Penna CMM, Brito MJM. Perfil dos gerentes de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2004;57(4):441-6) do que ocorre em organizações privadas, em que é detectada a tendência de incorporação de profissionais jovens, treinados para implementar processos de inovação organizacional, e em que se valoriza: conhecimento gerencial, capacidade de inovação e produtividade, nas instituições públicas de saúde é usual a adesão às normas tradicionais de gerência e construção de carreiras rígidas ao longo da vida profissional.

A diferença salarial nos dois grupos de municípios pode estar associada ao fato de as profissionais mais jovens estarem em início de carreira nos municípios de pequeno porte, além da de carreira com plano de cargos e salários ser mais consolidada nos de médio e grande porte.

Outras pesquisas também apontam o predomínio de enfermeiros no gerenciamento de UBS em vários municípios brasileiros(606 Fernandes LCL, Machado RZ, Anschau GO. Gerência de serviços de saúde: competências desenvolvidas e dificuldades encontradas na atenção básica. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14 Supl.1:1541-52,1010 Fernandes MC, Barros AS, Silva LMS, Nóbrega MFB, Silva MRF, Torres RAM. Análise da atuação do enfermeiro na gerência de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):11-5,1212 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013 [Internet]. [citado 2014 jul. 12]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/
http://www.pnud.org.br/...
), no entanto em nenhuma delas foi tão expressiva quanto nos municípios desta região. No Brasil é significativa a atuação de enfermeiros na área gerencial(1010 Fernandes MC, Barros AS, Silva LMS, Nóbrega MFB, Silva MRF, Torres RAM. Análise da atuação do enfermeiro na gerência de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):11-5,1414 Melo CMM, Santos TA. A participação política de enfermeiras na gestão do sistema único de saúde em nível municipal. Texto Contexto Enferm. 2007;16(3):426-32-1515 Chaves LDP, Tanaka OY. Nurses and the assessment in health system management. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1274-8), inclusive na AB, diferentemente do que ocorre em países europeus, especialmente no Sistema Nacional de Saúde Inglês (NHS), em cujo serviço de atenção primária os enfermeiros de comunidade atuam de forma significativa no gerenciamento dos cuidados paliativos, de doenças crônicas e na educação em saúde(1616 Cross S. The future: a primary care-led NHS. Br J Community Nurs. 2010;15(4):177-8). Apesar da predominância na área assistencial, na Inglaterra o trabalho da enfermagem também tem influência nas mudanças dos serviços públicos de saúde e nas políticas de saúde(1616 Cross S. The future: a primary care-led NHS. Br J Community Nurs. 2010;15(4):177-8).

A significativa participação da enfermagem na gerência dos serviços de saúde no Brasil aponta, por um lado, para um compromisso com a saúde dos indivíduos e da coletividade, dada sua atuação na promoção, proteção, recuperação e reabilitação das pessoas, e ao buscar intervir nas relações entre o homem e o meio ambiente em seu processo de vida(1414 Melo CMM, Santos TA. A participação política de enfermeiras na gestão do sistema único de saúde em nível municipal. Texto Contexto Enferm. 2007;16(3):426-32); além de reconhecida capacitação na área administrativa(1313 Alves M, Penna CMM, Brito MJM. Perfil dos gerentes de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2004;57(4):441-6,1515 Chaves LDP, Tanaka OY. Nurses and the assessment in health system management. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1274-8) e de se relacionarem de maneira satisfatória com os demais membros da equipe multiprofissional(1313 Alves M, Penna CMM, Brito MJM. Perfil dos gerentes de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2004;57(4):441-6). Por outro lado, as enfermeiras na gerência, conduzem o trabalho com certa homogeneidade técnica e política, não sendo capazes de romper com as lógicas institucionais que tradicionalmente vem conformando o trabalho em saúde(909 Trevizan MA, Mendes IAC, Hayashida M, Godoy S, Nogueira MS. The search for attitudinal commitment: tendency in the manager nurse’s ethical behavior. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(3):721-5), tendo em vista seu destacado posicionamento a favor do cumprimento de ordens e da manutenção do status quo(1313 Alves M, Penna CMM, Brito MJM. Perfil dos gerentes de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2004;57(4):441-6).

Ao analisar o exercício da liderança em enfermagem, um estudo(1717 Sherring S. Nursing leadership within the NHS: in evolutionary perspective. Br J Nurs. 2012;21(8):491-4) aponta que no Reino Unido a liderança está em evolução e será necessária para responder às mudanças do sistema nacional de saúde. No entanto, o autor considera a complexidade da função de liderar, que no NHS recebe influência de vários fatores: da cultura organizacional, emocional, inteligência, conhecimento sociopolítico e gênero, pois no exercício da liderança os enfermeiros são mais passivos e podem ser considerados um grupo tradicionalmente oprimido pela dominação médica masculina(1717 Sherring S. Nursing leadership within the NHS: in evolutionary perspective. Br J Nurs. 2012;21(8):491-4). Revisão de literatura sobre estilos de liderança e respectivos efeitos na gestão da força de trabalho e ambiente de trabalho aponta que a liderança com foco nas interações com as pessoas e não nas tarefas produz melhores resultados(1818 Cummings GG, MacGregor T, Davey M, Lee H, Wong CA, Lo E, et al. Leadership styles and outcome patterns for the nursing workforce and work environment: a systematic review. Int J Nurs Stud. 2010;47(3):363-85).

Em relação à utilização de instrumentos gerenciais para a organização do processo de trabalho, os resultados demonstram que os gerentes referiram conhecer de maneira satisfatória os indicadores de saúde e realizar o planejamento e avaliação de ações. Ressalta-se que o grande percentual de gerentes que referiu conhecer indicadores de saúde pode ser justificado pelo alto percentual de cobertura da estratégia Saúde da Família nestes municípios (próximo de 100% nos municípios de pequeno porte e superior a 50% nos de médio e grande porte). Para reconhecer as necessidades dos usuários, bem como identificar risco epidemiológico, o Ministério da Saúde preconiza que seja incorporado na prática das equipes de saúde da família o conhecimento dos indicadores de morbimortalidade de seu território de atuação. Estes indicadores também devem servir como uma das referências para organizar o processo de trabalho no cotidiano, bem como para a sua avaliação(202 Brasil. Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, Brasília, 24 out. 2011. Seção l, p.48-55).

Cabe destacar que os indicadores mais citados pelas gerentes estão relacionados às áreas estabelecidas como prioritárias para a AB na pactuação das Diretrizes, Objetivos, Metas e Indicadores no sistema informatizado do Ministério da Saúde, denominado SISPACTO(1919 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Caderno de diretrizes, objetivos, metas e indicadores – 2013/2015: orientações para o processo de pactuação. Brasília; 2013). No entanto, a discussão destas metas e indicadores com os trabalhadores da unidade foi referida por um percentual menor de gerentes (79,6%). O fato de cerca de 20% das gerentes não discutirem os indicadores e metas pactuadas com a equipe de trabalho pode indicar que essas gerentes incorporam pouco ou não incorporam os resultados das informações nos processos de tomada de decisão e que a organização do processo de trabalho se dá de forma pouco participativa para estas. Para que a gerência incorpore as informações em saúde em seu processo de trabalho é necessário que conheça e saiba utilizar os sistemas de informação, o que nem sempre acontece(2020 Pinheiro ALS. Gerência de enfermagem em unidades básica: a informação como instrumento para a tomada de decisão. Rev APS. 2009;12(03):262-70). Outro fator que dificulta o uso de indicadores é que os Sistemas de Informação ainda não estão totalmente articulados às linhas reais de intervenção e mesmo quando se têm as informações disponíveis, muitos gerentes não sabem o que fazer com elas(505 Campos GWS. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em equipes de saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. 3ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007. p. 229-66). Desta forma, é de fundamental importância que as informações estejam localizáveis, acessíveis e forneçam elementos para construir a cadeia explicativa dos problemas do sistema de saúde ou do território de abrangência(2020 Pinheiro ALS. Gerência de enfermagem em unidades básica: a informação como instrumento para a tomada de decisão. Rev APS. 2009;12(03):262-70), ou seja, possa subsidiar o planejamento e a avaliação das ações.

É consenso entre autores da área que o planejamento é uma ferramenta organizacional, que integra o desenvolvimento das organizações e visa à condução da ação para o alcance de resultados e efetivação das metas estabelecidas. Sua implementação é uma atribuição da gerência e, portanto, deve estar inserido no interior do gerenciamento dos serviços(707 Vanderlei MIG, Almeida MCP. A concepção e prática dos gestores e gerentes da estratégia de saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(02):443-53-808 Felli VEAF, Peduzzi M. O trabalho gerencial em enfermagem. In: Kurcgant P, coordernadora. Gerenciamento em enfermagem. 2ª ed. São Paulo: Guanabara Koogan; 2010. p. 1-13,1010 Fernandes MC, Barros AS, Silva LMS, Nóbrega MFB, Silva MRF, Torres RAM. Análise da atuação do enfermeiro na gerência de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):11-5-1111 Protti ST, Silva LMC, Palha PF, Villa TCS, Ruffino Neto A, Nogueira JA, et al. Managing the Basic Health Unit in tuberculosis control: a field of challenges. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(3):665-70,2121 Rivera FJU, Artmann E. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: Rivera FJU. Análise estratégica em saúde e gestão pela escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 17-35). Considera-se que esta concepção é referendada pela maioria dos gerentes pesquisados, tendo em vista que 84,2% referiram desenvolver o planejamento de ações no cotidiano do trabalho.

Para que o planejamento possa subsidiar o desenvolvimento de ações e serviços de saúde, deve estar estreitamente relacionado a um sistema de informações que possibilite o conhecimento dos problemas do território(1010 Fernandes MC, Barros AS, Silva LMS, Nóbrega MFB, Silva MRF, Torres RAM. Análise da atuação do enfermeiro na gerência de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):11-5) e a uma proposta de avaliação que monitore seu desenvolvimento e indique a necessidade do replanejamento das ações(1515 Chaves LDP, Tanaka OY. Nurses and the assessment in health system management. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1274-8).

Embora seja reconhecida, no âmbito do SUS, a importância da avaliação na gestão em saúde como suporte ao processo decisório, bem como na avaliação do impacto sobre a situação de saúde da população produzidos pelas ações e serviços desenvolvidos, essa ferramenta gerencial é pouco incorporada ao processo de trabalho cotidiano, não sendo utilizada em toda a sua potencialidade(1515 Chaves LDP, Tanaka OY. Nurses and the assessment in health system management. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1274-8). Esta análise corrobora especialmente os resultados apresentados pelos municípios de pequeno porte.

Neste estudo, 88,9% gerentes afirmou conhecer indicadores, 84,2% referiu planejar ações e 75% referiu avaliá-las. Neste sentido, pode-se inferir que não está havendo, entre todas as gerentes pesquisadas, articulação entre o diagnóstico dos problemas, o planejamento e a avaliação das ações no cotidiano do trabalho gerencial. Tal situação é mais preocupante nos pequenos municípios em que este percentual foi de 77,8%, 69,5% e 63,9%, respectivamente, para o conhecimento de indicadores, planejamento e avaliação de ações de saúde, e pode ter tido influência da pouca experiência profissional dos gerentes, da carência de estrutura para o planejamento e da baixa capacidade de gestão existentes nestes municípios. Esta situação, segundo o Plano Diretor em Municípios de Pequeno Porte(2222 Brasil. Ministério das Cidades; Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Plano Diretor em Municípios de pequeno porte [Internet]. [citado 2011 ago. 28]. Disponível em: http://portal.cnm.org.br/sites/8800/8875/download/2_dia/PlanoDiretoremMunicipiosdepequenoporte_Modificada.pdf
http://portal.cnm.org.br/sites/8800/8875...
), aponta a necessidade de instituição de políticas específicas para esta categoria de municípios. Estes achados corroboram com outros estudos que apontam a necessidade de considerar no planejamento das ações tanto a cultura organizacional como o contexto social que o condiciona(2121 Rivera FJU, Artmann E. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: Rivera FJU. Análise estratégica em saúde e gestão pela escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 17-35).

Quanto à utilização dos instrumentos de gestão do trabalho, o alto percentual de gerentes que afirmaram realizar reuniões, com a participação de todos os trabalhadores, aponta a valorização desse espaço comunicativo na condução do processo de trabalho nas UBS pesquisadas. Esta prática, ou seja, a garantia de espaços coletivos de discussão dos trabalhos pode colaborar para que o planejamento das ações de saúde, seja participativo, pode mobilizar a equipe para o trabalho colaborativo e pode também aumentar o potencial de articulação entre os trabalhadores e seus campos profissionais, rumo à prática de uma atenção integral(2323 Peduzzi M, Carvalho BG, Mandu ENT, Souza GC, Silva JAM. Trabalho em equipe na perspectiva da gerência de serviços de saúde: instrumentos para a construção da prática interprofissional. Physis Rev Saúde Coletiva. 2011;21(2):629-46).

Apesar da importância das reuniões para as equipes, as mesmas autoras alertam para o fato de que o envolvimento dos trabalhadores e o desenvolvimento de um trabalho conjunto, integrado e colaborativo, não se dará apenas com a existência desse espaço, mas sobretudo da forma como ele é utilizado. Assim, a reunião de equipe pode constituir-se num espaço participativo e comunicativo, em que a interação social busca o entendimento entre os sujeitos, como prática comunicativa, voltada para a produção coletiva do cuidado; ou pode se constituir num espaço apenas informativo, que expressa uma ação monológica, utilizado instrumentalmente para garantir a funcionalidade do serviço, desconsiderando as especificidades do trabalho em saúde e os debates necessários sobre os resultados a serem produzidos no cuidado aos usuários(2323 Peduzzi M, Carvalho BG, Mandu ENT, Souza GC, Silva JAM. Trabalho em equipe na perspectiva da gerência de serviços de saúde: instrumentos para a construção da prática interprofissional. Physis Rev Saúde Coletiva. 2011;21(2):629-46).

Nas demais atividades de gestão desenvolvidas junto aos trabalhadores – avaliação de desempenho e desenvolvimento das atividades de EPS – verificou-se maior fragilidade na atuação gerencial daqueles gerentes que atuam nos municípios de pequeno porte, visto que apenas 38,9% e 58,3% referiram realizar avaliação dos trabalhadores e atividades de EPS, respectivamente.

Considera-se que avaliar os trabalhadores é papel da gerência, e permite ao trabalhador conhecer seu desempenho e à instituição definir treinamentos e qualificações necessárias para o alcance de seus objetivos(2424 Marquis BL, Huston CJ. Administração e liderança em enfermagem: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed; 2010). A avaliação de desempenho de trabalhadores é desenvolvida de forma sistematizada desde o advento do taylorismo, com o objetivo de disciplinar o trabalhador. No decorrer do século XX foi sendo aperfeiçoada, a partir das contribuições das ciências sociais, passando a considerar a necessidade das organizações contarem com instrumentos para estimular o trabalhador a adotar ou reforçar determinadas atitudes(2525 Brandão HP, Guimarães TA. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? Rev Adm Empresas. 2001;41(1):8-15). Para estes autores, avaliar significa, em síntese, comparar resultados alcançados com o que foi planejado, e pressupõe a existência de algum mecanismo de acompanhamento que permita corrigir desvios. Apontam também que avaliar o desempenho no trabalho é bastante complexo, visto que o mesmo é resultante não apenas das competências inerentes ao indivíduo, mas também das relações interpessoais, do ambiente de trabalho e das características da organização(2525 Brandão HP, Guimarães TA. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? Rev Adm Empresas. 2001;41(1):8-15).

A sistematização do processo de avaliação de desempenho é fundamental para que o mesmo cumpra sua finalidade, tanto para trabalhadores como para a instituição. No entanto, os resultados apontam que a sistematização deste processo não é uma prática comum dos serviços pesquisados, especialmente nos pequenos municípios, e provavelmente decorre de uma menor capacidade de organização e estruturação da área de gestão do trabalho deste grupo de municípios.

A EPS é um processo educativo desencadeado a partir dos desconfortos percebidos no cotidiano e que devem ser trabalhados no sentido de transformar a realidade do processo de trabalho em saúde(2626 Ceccim RB. Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de capacidade pedagógica na saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(4):975-86). Portanto, o envolvimento da equipe é fundamental para que sejam construídos conhecimentos de relevância para o enfrentamento das necessidades apresentadas no cotidiano das UBS.

Cabe ressaltar que estas atividades de gestão do trabalho, tanto a institucionalização da EPS, como da avaliação dos trabalhadores, estão intimamente ligadas à cultura organizacional, e o desenvolvimento de ambas as atividades não depende exclusivamente do desejo do gerente de uma UBS, mas da organização como um todo, cuja missão valorize o investimento imaterial (nas pessoas), a participação e a escuta de seus integrantes. Estes são os pressupostos de um novo paradigma, em que a escuta organizacional deve articular-se a um projeto de comunicação e a um novo padrão de liderança gerencial que consiga mobilizar os trabalhadores, ao invés de constituir-se numa liderança forte e carismática(2727 Rivera FJU. Cultura e liderança comunicativa. In: Rivera FJU. Análise estratégica em saúde e gestão pela escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 185-218). Neste sentido, pode-se inferir que nos pequenos municípios estudados a cultura e os processos organizacionais são menos desenvolvidos.

Conclusão

Quanto ao perfil das gerentes, constatou-se similaridade em relação ao sexo e formação profissional entre aquelas que atuavam nos dois grupos de municípios: a maioria são mulheres, enfermeiras e pós-graduadas. Porém, foram identificadas diferenças expressivas quanto à faixa etária, nível salarial e experiência gerencial.

O uso de instrumentos gerenciais pelas gerentes pesquisadas foi significativo tanto para aqueles relacionados à organização do processo de trabalho como para os de gestão do trabalho. No entanto, estes foram utilizados em menor proporção pelas gerentes que atuam em municípios de pequeno porte. Esse resultado pode ser explicado pela pouca experiência gerencial destas gerentes, pela não institucionalização de vários destes instrumentos nos municípios e pela própria característica dos pequenos municípios que possuem carência de estrutura para o planejamento e baixa capacidade de gestão. Estes resultados são relevantes, pois, apesar desta categoria de municípios, apresentar uma baixa concentração populacional, possui grande capilaridade espacial, representando mais de 80% dos municípios da região estudada. Além disso, a organização da produção de bens e serviços de saúde e os resultados alcançados tanto para os indivíduos como para a coletividade ficam comprometidos nos pequenos municípios, o que fragiliza a capacidade operacional de articulação e coordenação das redes de atenção, função a ser exercida pelo nível local da atenção básica.

Para superação dos problemas apontados recomenda-se participação mais efetiva das esferas Estadual e Federal, em apoio aos pequenos municípios, com atuação estratégica em questões de gestão do trabalho no SUS, como formulação de políticas orientadoras de gestão, formação e qualificação gerencial.

Conclui-se que a pesquisa apresentada reúne informações relevantes para o conhecimento e análise do perfil e da utilização dos instrumentos gerenciais pelos gerentes de unidades básicas de saúde nos dois grupos de municípios. No entanto, recomenda-se a continuidade de pesquisas que aprofundem a investigação das limitações encontradas pelas gerentes, especialmente na implementação dos referidos instrumentos.

  • *
    Extraído da tese “Coordenação de Unidade na Atenção Básica do SUS: trabalho, interação e conflitos”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2012

References

  • 01
    Vasconcelos CM, Pasche DF. O Sistema Único de Saúde. In: Campos GW, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Junior M, Carvalho YM, organizadores. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006. p. 531-62
  • 02
    Brasil. Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, Brasília, 24 out. 2011. Seção l, p.48-55
  • 03
    Brasil. Portaria Nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece as diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, 31 dez. 2010. Seção 1, p. 89
  • 04
    Mishima SM, Villa TCS, Silva EM, Gomes ELR, Anselmi ML, Pinto IC, et al. Organização do processo gerencial no trabalho em saúde pública. In: Almeida MCP, Rocha SM, organizadores. O trabalho de enfermagem. São Paulo: Cortez; 1997. p. 251-96
  • 05
    Campos GWS. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em equipes de saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. 3ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007. p. 229-66
  • 06
    Fernandes LCL, Machado RZ, Anschau GO. Gerência de serviços de saúde: competências desenvolvidas e dificuldades encontradas na atenção básica. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14 Supl.1:1541-52
  • 07
    Vanderlei MIG, Almeida MCP. A concepção e prática dos gestores e gerentes da estratégia de saúde da família. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(02):443-53
  • 08
    Felli VEAF, Peduzzi M. O trabalho gerencial em enfermagem. In: Kurcgant P, coordernadora. Gerenciamento em enfermagem. 2ª ed. São Paulo: Guanabara Koogan; 2010. p. 1-13
  • 09
    Trevizan MA, Mendes IAC, Hayashida M, Godoy S, Nogueira MS. The search for attitudinal commitment: tendency in the manager nurse’s ethical behavior. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(3):721-5
  • 10
    Fernandes MC, Barros AS, Silva LMS, Nóbrega MFB, Silva MRF, Torres RAM. Análise da atuação do enfermeiro na gerência de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):11-5
  • 11
    Protti ST, Silva LMC, Palha PF, Villa TCS, Ruffino Neto A, Nogueira JA, et al. Managing the Basic Health Unit in tuberculosis control: a field of challenges. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(3):665-70
  • 12
    Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013 [Internet]. [citado 2014 jul. 12]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/
    » http://www.pnud.org.br/
  • 13
    Alves M, Penna CMM, Brito MJM. Perfil dos gerentes de unidades básicas de saúde. Rev Bras Enferm. 2004;57(4):441-6
  • 14
    Melo CMM, Santos TA. A participação política de enfermeiras na gestão do sistema único de saúde em nível municipal. Texto Contexto Enferm. 2007;16(3):426-32
  • 15
    Chaves LDP, Tanaka OY. Nurses and the assessment in health system management. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1274-8
  • 16
    Cross S. The future: a primary care-led NHS. Br J Community Nurs. 2010;15(4):177-8
  • 17
    Sherring S. Nursing leadership within the NHS: in evolutionary perspective. Br J Nurs. 2012;21(8):491-4
  • 18
    Cummings GG, MacGregor T, Davey M, Lee H, Wong CA, Lo E, et al. Leadership styles and outcome patterns for the nursing workforce and work environment: a systematic review. Int J Nurs Stud. 2010;47(3):363-85
  • 19
    Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Caderno de diretrizes, objetivos, metas e indicadores – 2013/2015: orientações para o processo de pactuação. Brasília; 2013
  • 20
    Pinheiro ALS. Gerência de enfermagem em unidades básica: a informação como instrumento para a tomada de decisão. Rev APS. 2009;12(03):262-70
  • 21
    Rivera FJU, Artmann E. Planejamento e gestão em saúde: flexibilidade metodológica e agir comunicativo. In: Rivera FJU. Análise estratégica em saúde e gestão pela escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 17-35
  • 22
    Brasil. Ministério das Cidades; Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Plano Diretor em Municípios de pequeno porte [Internet]. [citado 2011 ago. 28]. Disponível em: http://portal.cnm.org.br/sites/8800/8875/download/2_dia/PlanoDiretoremMunicipiosdepequenoporte_Modificada.pdf
    » http://portal.cnm.org.br/sites/8800/8875/download/2_dia/PlanoDiretoremMunicipiosdepequenoporte_Modificada.pdf
  • 23
    Peduzzi M, Carvalho BG, Mandu ENT, Souza GC, Silva JAM. Trabalho em equipe na perspectiva da gerência de serviços de saúde: instrumentos para a construção da prática interprofissional. Physis Rev Saúde Coletiva. 2011;21(2):629-46
  • 24
    Marquis BL, Huston CJ. Administração e liderança em enfermagem: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed; 2010
  • 25
    Brandão HP, Guimarães TA. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? Rev Adm Empresas. 2001;41(1):8-15
  • 26
    Ceccim RB. Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de capacidade pedagógica na saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(4):975-86
  • 27
    Rivera FJU. Cultura e liderança comunicativa. In: Rivera FJU. Análise estratégica em saúde e gestão pela escuta. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 185-218

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2014
  • Aceito
    28 Jul 2014
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br